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Gestão baseada em processos visando à melhoria dos resultados assistenciais e financeiros em Saúde

RESUMO

Os recursos limitados destinados à área da Saúde e as demandas crescentes requerem a atuação qualificada e compromissada dos líderes na gestão hospitalar. Nesta perspectiva, objetiva-se refletir sobre as práticas de gestão passíveis de serem aplicadas às instituições hospitalares visando o alcance de melhores resultados assistenciais e financeiros. Dentre elas, a gestão baseada em processos propõe uma abordagem para melhoria contínua dos processos a fim de alcançar os resultados desejados; o método Lean Six Sigma permite identificar e eliminar desperdícios nos processos produtivos; o modelo de melhoria contínua alia o conhecimento prático ao conhecimento do funcionamento do sistema a ser melhorado, por meio de observações e mudanças que permitam a mensuração de seus resultados; e a gestão de custos e a Saúde baseada em valor preveem que o cuidado seja mapeado, do início ao fim do processo, para avaliar o que, de fato, agrega valor aos pacientes. As contribuições da implementação dessas práticas são reconhecidas mundialmente; utilizando-as, os processos podem ser incrementados, aumentando a eficiência, reduzindo os desperdícios, agregando valor ao negócio, aumentando a sua receita e resultando em economias que podem ser repassadas ao consumidor, pela melhoria da qualidade.

DESCRITORES
Gestão em Saúde; Gestão da Qualidade Total; Aquisição Baseada em Valor; Administração Hospitalar; Custos de Cuidados de Saúde

ABSTRACT

The limited resources allocated to the health area and the growing demands require leaders’ qualified and committed performance in hospital management. In this perspective, the objective of this study is to reflect on the management practices that can be applied to hospital facilities to achieve better care and financial results. Among them, process-based management proposes an approach for continuous process improvement to achieve desired results; the method Lean Six Sigma allows identifying and eliminating waste in production processes; the continuous improvement model combines practical knowledge with the knowledge of how the system to be improved works, through observations and changes that allow its results measurement; and cost management and value-based healthcare provides for care mapping, from beginning to end, to assess what actually adds value to patients. The contributions of implementing these practices are recognized worldwide; using them, processes can be increased, improving efficiency, reducing waste, adding value to the business, increasing its revenue, and resulting in savings that can be passed on to the consumer, by improving quality.

DESCRIPTORS
Health Management; Total Quality Management; Value-Based Purchasing; Hospital Administration; Health Care Costs

RESUMEN

Los recursos limitados destinados al área de Salud y las crecientes demandas exigen la actuación calificada y comprometida de líderes en la gestión hospitalaria. En esta perspectiva, el objetivo es reflexionar sobre las prácticas de gestión que se pueden aplicar a las instituciones hospitalarias para lograr mejores resultados asistenciales y económicos. Entre ellos, la gestión basada en procesos propone un enfoque de mejora continua de procesos para lograr los resultados deseados; el método Lean Six Sigma permite identificar y eliminar los desperdicios en los procesos productivos; el modelo de mejoría continua combina el conocimiento práctico al conocimiento del funcionamiento del sistema que se reta mejorar, a través de observaciones y cambios que permitan la medición de sus resultados; y la gestión de costes y de salud atención médica basada en el valor establece que la atención sea mapeada, desde el principio hasta el final del proceso, para evaluar lo que efectivamente es lo que agrega valor a los pacientes. Las contribuciones de implementación de esas prácticas son reconocidas a nivel mundial; con ellas se pueden incrementar los procesos, aumentando la eficiencia, reduciendo los desperdicios, agregando valor al negocio, aumentando sus ingresos y generando ahorros que pueden transferirse al consumidor, al mejorar la calidad.

DESCRIPTORES
Gestión en Salud; Gestión de la Calidad Total; Compra Basada en Calidad; Administración Hospitalaria; Costos de la Atención en Salud

INTRODUÇÃO

Na área da Saúde, quando se discutem as dimensões que envolvem os processos assistenciais, gerencial e de gestão, frente às demandas crescentes da população e aos recursos ­limitados e pouco suficientes, torna-se imprescindível, devido a sua complexidade e especificidade, abordar temas a elas ­associados e que interferem, direta ou indiretamente, na produção de serviços de saúde.

Considerando a conjuntura da política brasileira, na qual os recursos destinados à área da Saúde estão, a cada dia, mais escassos, o compromisso dos líderes, sejam eles de instituições públicas, privadas ou filantrópicas, em diferentes níveis de atuação, com o modelo de gestão organizacional, gerenciamento de custos e seus impactos na viabilização dos diferentes processos de trabalho, é crucial para a prestação de serviços de saúde seguros, eficientes, eficazes e economicamente sustentáveis.

A pandemia da COVID-19 gerou desafios para os sistemas de saúde, pois elevou a demanda emergencial para os serviços de saúde, independentemente da sua natureza jurídica. A estrutura da rede hospitalar, já desgastada em alguns aspectos nas instituições públicas e filantrópicas, necessitou de um número crescente de leitos, notadamente os de cuidados intensivos e, consequentemente, de custos mais elevados, exigindo planejamento e reflexões sobre como viabilizar a prestação da assistência requerida. A reorganização priorizou o atendimento às vítimas da COVID-19, em detrimento a cirurgias eletivas e atendimentos ambulatoriais, que em médio e longo prazo poderá implicar numa demanda reprimida por procedimentos que podem levar ao agravamento das condições de saúde da população, bem como do equilíbrio financeiro das organizações. Para superar esse cenário, serão necessárias revisões nos modelos de gestão, acesso, processos e políticas de financiamentos(11. Campos FCC, Canabrava CM. O Brasil na UTI: atenção hospitalar em tempos de pandemia. Saúde em Debate. 2020;44(spe4):146-60. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E409
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).

No Brasil, o financiamento da atenção básica evoluiu ao longo dos anos para repasses per capita, mas as atenções ­hospitalares ainda mantêm o modelo de faturamento por procedimentos, cujos valores são padronizados pela Tabela Unificada de Procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), com valores defasados. Atualmente, os Hospitais Universitários (HUs) representam a maior parcela de atendimento do SUS, e estima-se que consumam 70% dos gastos públicos. Entretanto, com o agravamento da crise de financiamento, inclusive para as Universidades, parte dos valores gastos é paga com fundo de custeio. Dessa maneira, gerenciar custos torna-se de suma importância no que se refere às políticas internas de reinvestimentos e sustentabilidade futura(22. Sportello EF, Castilho V, Lima AFC. Coverage for the cost of outpatient nursing procedures by the Unified Health System: a percentage analysis. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e03692. DOI: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2019026803692
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).

No que diz respeito à busca por excelência operacional, muitas instituições privadas, que são classificadas na filantropia, por ter alguma ligação com atividades do SUS, apresentam níveis de excelência com padrões internacionais, mas o acesso ainda se restringe a uma minoria da população. Ao longo do tempo o Brasil manteve um financiamento centrado no Sistema de Saúde Suplementar (SSS), ao qual apenas 23% da população tem acesso, o que se torna um processo desigual. Houve um crescente incentivo federal para criação de planos de saúde populares, mas com cobertura de doenças de menor custo e o tratamento de doenças graves acaba sendo oneroso para o SUS, o qual, por sua vez, não é ressarcido(11. Campos FCC, Canabrava CM. O Brasil na UTI: atenção hospitalar em tempos de pandemia. Saúde em Debate. 2020;44(spe4):146-60. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E409
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).

Nesse contexto complexo, visando o adequado funcionamento do SUS, verifica-se que o Brasil ainda precisa melhorar no que diz respeito ao financiamento suficiente e gestão adequada dos recursos obtidos. O custeio deve merecer atenção central do governo brasileiro, mas os desafios fundamentais a serem enfrentados, para maior eficiência na atenção à saúde, centram-se em quatro aspectos: financiamento, gestão, acesso e qualificação dos profissionais. Especificamente em relação à melhoria da gestão e redução dos custos, tornam-se imprescindíveis a introdução de tecnologias e a inteligência em Saúde(33. Saldiva PHN, Veras M. Gastos públicos com saúde: breve histórico, situação atual e perspectivas futuras. Estudos Avançados. 2018;32(92):47-61.).

Reitera-se que as demandas dos serviços de saúde têm sido crescentes e um dos desafios para a gestão hospitalar é equilibrar melhores práticas assistenciais com a sustentabilidade financeira. Assim, torna-se importante incorporar novos métodos e ferramentas de trabalho, avaliando e incrementando os processos que funcionem adequadamente e verificando as possibilidades de melhorias, com a introdução de novas tecnologias e ferramentas de gestão em Saúde(44. Cançado TOB, Cançado FB, Torres MLA. Lean Six Sigma and anesthesia. Braz J Anesthesiol. 2019;69(5):502-9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjane.2019.09.004
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).

Diante desse cenário desafiador e complexo, marcado por importante crise sócio-político-sanitária, propôs-se o presente estudo teórico-reflexivo, fundamentado na literatura nacional e internacional, norteado pela seguinte questão: quais as principais possibilidades para implementar práticas baseadas em evidências para a gestão hospitalar visando a melhoria dos processos de trabalho? Para respondê-la, objetiva-se refletir sobre as práticas de gestão passíveis de serem aplicadas às intuições hospitalares visando o alcance de melhores resultados assistenciais e financeiros. Nessa direção, serão abordados a gestão baseada em processos; o método Lean Six Sigma; a melhoria contínua; e a gestão de custos e Saúde baseada em valor.

GESTÃO BASEADA EM PROCESSOS

A gestão baseada em processos (Business Process Management – BPM) consiste em uma abordagem para melhorar os processos de negócios a fim de que os resultados desejados possam ser alcançados por meio da melhoria contínua(55. Iritani DR, Morioka SN, Carvalho MM, Ometto AR. Análise sobre os conceitos e práticas de Gestão por processos: revisão sistemática e bibliometria. Gest Prod. 2015;22(1):164-80. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-530X814-13
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). Busca a efetividade organizacional, promovendo o alinhamento estratégico com os níveis táticos e operacionais, a partir da profissionalização da gestão(66. Sousa M, Lopes N, Ribeiro O, Silva JP. Avaliação de Ferramentas Bpm: Uma Análise Comparativa de Soluções Comerciais. Revista Ibérica de Sistemas e Tecnologias de Informação. 2019;(35):70-85. DOI: http://dx.doi.org/10.17013/risti.35.70-85
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).

O BPM aproxima níveis estratégicos à base operacional e faz com que haja um desvelar de como as áreas e suas interações sistêmicas, que resultam em um desenho de processo, estão realmente funcionando, e como esta coesão agrega valor para o negócio. O valor do BPM se dá pela padronização das atividades e práticas, uma vez que alinha como o processo deve funcionar e indicam-se os responsáveis pela execução do processo, definindo responsabilidades partilhadas ao resultado final esperado, sem fragmentação, concorrendo para a eficiência e produtividade dos serviços produzidos.

O BPM incrementa a qualidade assistencial, pois o acompanhamento dos processos ocorre por intermédio de indicadores sistêmicos e a qualidade é gerida tanto pelo gestor local quanto pelo maior nível hierárquico institucional, alicerçados pelo mapa estratégico (Balanced Scorecard – BSC), culminando nos indicadores da alta gestão: aprendizagem e crescimento, processos internos, clientes, mercado e sustentabilidade(66. Sousa M, Lopes N, Ribeiro O, Silva JP. Avaliação de Ferramentas Bpm: Uma Análise Comparativa de Soluções Comerciais. Revista Ibérica de Sistemas e Tecnologias de Informação. 2019;(35):70-85. DOI: http://dx.doi.org/10.17013/risti.35.70-85
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). Centra-se, externamente, nas mudanças que ocorrem em setores de negócios compatíveis com as suas atividades fim que são mensuradas e comparadas, por meio de referências ou Benchmarking, para avaliação dos desempenhos do(s) processo(s), fundamentada por indicadores, com vistas a excelência operacional(55. Iritani DR, Morioka SN, Carvalho MM, Ometto AR. Análise sobre os conceitos e práticas de Gestão por processos: revisão sistemática e bibliometria. Gest Prod. 2015;22(1):164-80. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-530X814-13
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).

A gestão BPM requer melhoria contínua dos processos, utiliza-se de métodos, técnicas e sistemas de software, para ­analisar processos operacionais, e as respectivas atividades, ­propiciando às organizações se tornarem mais eficientes e ­assertivas no alcance de suas metas e objetivos(66. Sousa M, Lopes N, Ribeiro O, Silva JP. Avaliação de Ferramentas Bpm: Uma Análise Comparativa de Soluções Comerciais. Revista Ibérica de Sistemas e Tecnologias de Informação. 2019;(35):70-85. DOI: http://dx.doi.org/10.17013/risti.35.70-85
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).

O desempenho de um processo se relaciona ao tempo, custo e qualidade relativa ao seu rendimento. Então, gerenciar processos permite compreender o desenho do qual os resultados são oriundos e refletir sobre possíveis transformações, por meio de indicadores de desempenhos (Key Performance Indicator – KPIs)(77. Ferreira GSA, Salgado Júnior W, Costa AL. Construção e análise de indicadores de desempenho do acesso à atenção especializada do SUS. Saúde em Debate. 2019;43(123):1003-14. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912302
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).

A modelagem dos processos é um dos focos principais da gestão BPM, na qual não há finalização do trabalho, e sim um revisitar constante de cada processo para que ele seja revisado e melhorado, buscando alinhamento entre execução e ­resultado. Sua implementação busca aumentar a competitividade do negócio a fim eliminar desperdícios, otimizando a ­produtividade dos trabalhadores e do próprio processo analisado. Traz consigo o incremento tecnológico, pois este aumenta a velocidade de execução e potencialidade dos processos e norteia a gestão baseada em métricas de resultados.

Por isso se tornam necessários métodos robustos de gestão e aporte tecnológico para gerar informações que tragam clareza de qual será o melhor direcionamento para o negócio gerido. A gestão hospitalar deverá ser pensada realmente como um negócio, mesmo em se tratando de instituições públicas, uma vez que precisará se manter sustentável financeiramente, para não comprometer o seu fundo de custeio e para fomentar a perspectiva de políticas de reinvestimento.

A lógica de métodos de ascensão profissional, alocação profissional e perfil da força de trabalho precisa ser repensada, para que haja inclusive, aproveitamento de expertises que ­tragam benefícios ao negócio. Assim, a implementação de modelos de governança corporativa e clínica, políticas de meritocracia, compliance ou conformidade com a lei, gestão de custos por centro de custos, alinhamento dos processos e regras do negócio, gestão baseada em indicadores, comparação entre instituições semelhantes, conhecimento para utilização de ferramentas de gestão, estarão entre os tópicos definidores para o adequado desempenho operacional.

No que tange a dimensão assistencial, a implementação de um processo de governança clínica subsidia mensurar o desempenho e a repercussão da gestão de custos, propiciando o gerenciamento de protocolos de atendimento, e possibilitando analisar o conteúdo e o tempo despendido em cada etapa do tratamento, objetivando obter os melhores resultados com os menores custos. Os protocolos gerenciados incorporam as evidencias cientificas disponíveis, orientam o processo decisório a partir do desfecho clínico (dias de permanência, tempo cirúrgico, utilização de insumos, entre outros), direcionam a alocação de tecnologias de saúde onde realmente necessitam ser utilizadas e tornam as práticas homogêneas(88. Lagioia UCT, Ribeiro Filho JF, Falk JÁ, Libonati JJ, Fopes JEG. A gestão por processos gera melhoria de qualidade e redução de custos: o caso da unidade de ortopedia e traumatologia do hospital das clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Revista Contabilidade & Finanças. 2008;19(48):77-90. DOI: https://doi.org/10.1590/S1519-70772008000300007
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).

Cabe ressaltar que avaliar o desempenho com vistas a aumentar a produtividade no SUS, é bastante complexo uma vez que ele é organizado em realidades desiguais. Entretanto, se faz necessário buscar melhorias no âmbito dos processos nos serviços de saúde pública, com alternativas já utilizadas em outros nichos de mercado, para garantia da qualidade e alocação eficiente de recursos, com racionalização financeira, ampliação do acesso dos pacientes aos serviços e redução de desperdícios(77. Ferreira GSA, Salgado Júnior W, Costa AL. Construção e análise de indicadores de desempenho do acesso à atenção especializada do SUS. Saúde em Debate. 2019;43(123):1003-14. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912302
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).

LEAN SIX SIGMA

No Brasil, há uma certificação restrita que conceitua os hospitais como instituições de excelência, sendo a maneira como eles utilizam os recursos disponíveis para produzir tratamentos e serviços um elemento decisivo para determinar a sua eficiência. Um modelo de excelência operacional, originado na indústria automobilística, que tem sido utilizado na área da Saúde, é conhecido como produção enxuta (Lean Manufacturing)(99. Zeferino EBB, Sarantopoulos A, Spagnol GS, Freitas MIP. Value Flow Map: application and results in the disinfection center. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):140-6. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0517
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).

A produção enxuta permite identificar e eliminar desperdícios nos processos produtivos, tendo como foco principal agregar qualidade e entregar ao cliente (paciente) somente o que ele considera como valor, com um processo eficiente e sem desperdícios, fornecendo serviços que respeitem e atendam às suas preferências e necessidades(99. Zeferino EBB, Sarantopoulos A, Spagnol GS, Freitas MIP. Value Flow Map: application and results in the disinfection center. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):140-6. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0517
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1010. Magalhães ALP, Erdmann AL, Silva EL, Santos JLG. Lean thinking in health and nursing: an integrative literature review. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24:e2734. DOI: https://doi.org/10.1590/1518-8345.0979.2734
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).

O Lean é uma filosofia industrial que foi adaptada para a área da Saúde preconizando a revisão de processos para gerar valor para o paciente, equilibrando e otimizando os recursos requeridos. Está associada à melhoria do fluxo de trabalho, redução de desperdícios, aumento da satisfação do paciente e dos profissionais, melhoria da qualidade do atendimento, otimização da estrutura física, repercutindo na liderança transformacional e melhoria dos resultados operacionais e financeiros, os quais impactam diretamente nos custos e no aumento da produtividade(1111. Fernandes HMLG, Jesus MVN, Silva D, Guirardello EB. Lean healthcare in the institutional, professional, and patient perspective: an integrative review. Rev Gaucha Enferm. 2020;41:e20190340. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190340
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).

Não é considerada apenas uma ferramenta de melhoria, mas também um método de transformação cultural relativo ao funcionamento organizacional. Logo, requer um processo de mudança estrutural desde a alta administração até a cadeia produtiva, não sendo um ponto de chegada em si, mas sim o caminho de busca continua de melhorias e excelência operacional. Na prestação de serviços de saúde, se dá de maneira a criar uma cultura que aplique o método científico para projetar, executar e melhorar continuamente o trabalho prestado, colocando como foco o valor mensurável ao paciente(1212. Zhu LF, Qian WY, Zhou G, Yang M, Lin JJ, Jin JL, et al. Applying Lean Six Sigma to Reduce the Incidence of Unplanned Surgery Cancellation at a Large Comprehensive Tertiary Hospital in China. Inquiry. 2020;57:1-9. DOI: https://doi.org/10.1177/0046958020953997
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).

Os principais impactos advindos da aplicação desse pensamento na saúde são: aumento da produtividade e eficiência da equipe; redução no tempo de espera do paciente pelo atendimento; padronização dos processos assistenciais; redução dos custos; melhoria do trabalho em equipe; redução no tempo de internação do paciente; aumento da qualidade no serviço prestado; aumento da satisfação do paciente; aumento da segurança do paciente e dos profissionais de saúde; e satisfação desses profissionais(1010. Magalhães ALP, Erdmann AL, Silva EL, Santos JLG. Lean thinking in health and nursing: an integrative literature review. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24:e2734. DOI: https://doi.org/10.1590/1518-8345.0979.2734
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).

O método Six Sigma é uma combinação do Sistema Lean desenvolvido pela Toyota e foi adotado pela Motorola em 1980, com o objetivo de alinhar a cadeia operacional de tal forma que fosse agregado valor aos processos, com eliminação de desperdícios(1313. Gonçales Filho M, Antoniolli PD, Pires SRI. Functional structural change of lean and pulled industrial production system: the flexibility case. Gestão & Produção. 2020;27(3):e4385. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-530x4385-20
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).

O Six Sigma originou-se nos Estados Unidos da América, em 1986, e baseia-se na análise de dados para resolução de problemas visando eliminar desperdícios e otimizar processos(99. Zeferino EBB, Sarantopoulos A, Spagnol GS, Freitas MIP. Value Flow Map: application and results in the disinfection center. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):140-6. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0517
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). Os criadores do STP começaram a eliminar os desperdícios sistematicamente, a partir da cadeia produtiva, primeiro atacando os desperdícios visíveis até chegar aos não visíveis. Esse processo é guiado por duas perguntas, “Onde está o desperdício?” e “Qual é a melhor maneira de se livrar dele?”(1414. Arumugam V, Antony J, Douglas A. Observation: A Lean tool for improving the effectiveness of Lean Six Sigma. The TQM Journal. 2012;24(3): 275-87. DOI: https://doi.org/10.1108/17542731211226781
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1515. Cerfolio RJ, Ferrari-Light D, Ren-Fielding C, Fielding G, Perry N, Rabinovich A, et al. Improving Operating Room Turnover Time in a New York City Academic Hospital via Lean. Ann Thorac Surg. 2019;107(4):1011-16. DOI: https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2018.11.071
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).

Desperdício é toda atividade que consuma recursos e que não agregue valor ao produto. Corresponde a todo e qualquer recurso que se gasta na execução de um produto ou serviço além do estritamente necessário(44. Cançado TOB, Cançado FB, Torres MLA. Lean Six Sigma and anesthesia. Braz J Anesthesiol. 2019;69(5):502-9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjane.2019.09.004
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,1616. Womack JP, Jones DT, Roos D. The machine that changed the world. New York: Simon and Schuster; 1990.). Os desperdícios, ou atividades que não agreguem valor (NAV), podem ser exemplificados conforme a seguir: desperdiçar mão de obra ou conhecimento; defeitos no produto final ou produtos finais que necessitam de reparos; estoques que aguardam ser trabalhados; superprodução em excesso; tempo de espera/pessoas que aguardam por coisas chegarem; movimento humano desnecessário; atividades que NAV ao processo, mas que devem ser realizadas(44. Cançado TOB, Cançado FB, Torres MLA. Lean Six Sigma and anesthesia. Braz J Anesthesiol. 2019;69(5):502-9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjane.2019.09.004
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).

A redução das atividades que NAV torna a empresa mais competitiva. No entanto, requer a mudança de paradigmas, com a construção de uma nova cultura onde o foco é o cliente e os processos são desenhados para atendimento daquilo que agrega valor (AV), e os problemas são percebidos como oportunidades de melhoria. Nesta perspectiva, o Lean propõe a gestão participativa, com divisão de responsabilidade e partilhamento do poder, com maior envolvimento dos trabalhadores na tomada de decisão(1515. Cerfolio RJ, Ferrari-Light D, Ren-Fielding C, Fielding G, Perry N, Rabinovich A, et al. Improving Operating Room Turnover Time in a New York City Academic Hospital via Lean. Ann Thorac Surg. 2019;107(4):1011-16. DOI: https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2018.11.071
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).

No método Lean, o processo é desenhado para que a prestação de serviços de saúde ao cliente ocorra sem desvios, eliminando atividades que NAV, aumentando a produtividade e a eficiência. Agrega maturidade a gestão, pois supera a visão departamental e cria uma cultura orientada a processos, que pode vir a estimular o comprometimento das pessoas e entregar benefícios ao negócio. Para tanto, é necessário ter clareza sobre o resultado final pretendido, atribuir responsáveis pela sustentabilidade dos processos e mensurar o desempenho a partir destes(1010. Magalhães ALP, Erdmann AL, Silva EL, Santos JLG. Lean thinking in health and nursing: an integrative literature review. Rev Lat Am Enfermagem. 2016;24:e2734. DOI: https://doi.org/10.1590/1518-8345.0979.2734
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).

Estudo destaca que as interações entre as equipes operacional e estratégica são fundamentais para melhoria do processo de trabalho e estimulam a escuta e a valorização profissional, pelo sentimento de coletividade. Assim, há o aproveitamento dos talentos dos componentes dessas equipes que, devidamente capacitados para utilizar a metodologia, percebem a sua aplicabilidade em outros processos no mesmo local de trabalho, transformando as realidades com a redução do tempo despendido e dos recursos financeiros, qualificando o processo de trabalho(1717. Toussaint JS, Berry LL. The promise of Lean in health care. Mayo Clin Proc. 2013;88(1):74-82. DOI: https://doi.org/10.1016/j.mayocp.2012.07.025
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).

O método Lean Six Sigma está pautado em seis princípios(1717. Toussaint JS, Berry LL. The promise of Lean in health care. Mayo Clin Proc. 2013;88(1):74-82. DOI: https://doi.org/10.1016/j.mayocp.2012.07.025
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):
  • – Melhoria contínua: trata-se de um método científico aplicado ao trabalho diário, onde se define uma hipótese, explícita e mensurável, de como um processo pode ser melhorado. Tal hipótese é testada até que as melhorias possam ser demonstradas;

  • – Criação de valor: o valor em Saúde é entendido de maneira mais ampla, incluindo-se valores monetários e custos não monetários. Os benefícios que AV ao paciente estendem-se além do constructo financeiro e passa a incluir a percepção dos pacientes sobre a experiência geral de cuidados de saúde. Neste contexto, o mapeamento de fluxo de valor (MFV) é uma ferramenta empregada para distinguir entre as etapas de um processo que AV ou não. O MFV é construído junto à equipe, contendo cada etapa de um processo existente, para melhor entendê-lo quanto ao estado atual e ao que deve ser primordialmente melhorado;

  • – Estabelecer prioridades: o processo de gestão prioriza a comunicação clara por meio de indicadores das metas estratégicas que são relevantes para toda a organização e que trazem oportunidade de fortalecer a mesma e criar valor;

  • – Respeito pelas pessoas que fazem o trabalho: a gestão Lean empodera e dá voz aos trabalhadores da linha de frente, que se tornam protagonistas da inovação, e os gestores assumem o papel de confiar, direcionar, apoiar e viabilizar. A gestão deve desenhar um processo no qual se crie um ambiente seguro para que os trabalhadores não temam problemas de reportagem, seguro para inovar, sendo o foco atacar processos obsoletos e não pessoas;

  • – Visual: demonstrar, por meio de gráficos, dados e indicadores pertinentes aos resultados alcançados, bem como as metas estabelecidas e ações planejadas;

  • – Regimentação flexível: a essência do Lean é olhar para um processo fora do padrão e transformá-lo em padrão, melhorando o desempenho, mesmo no estado ótimo.

Destaca-se que o método Lean contribui para a gestão BPM, visto que está orientado a diminuir a variabilidade do processo, contribuindo para a padronização e aumento da produtividade. A princípio, relacionar produtividade com serviços de Saúde pode gerar uma conotação direta a força de trabalho; entretanto, enfatiza-se que o pensamento Lean foca em como o processo está desenhado para que a força de trabalho se torne realmente produtiva, eliminando gargalos, etapas e deslocamentos desnecessários e retrabalhos, aos quais estão associados os desperdícios no processo. Alinha os níveis estratégicos para a gestão da operação, os quais precisam orientar os processos para os melhores resultados, desde a base produtiva, eliminando a setorização e hierarquizações rígidas, buscando maior fluidez ao processo mapeado.

MELHORIA CONTÍNUA

A melhoria contínua tem propulsionado as empresas a buscarem programas para qualificar produtos e serviços. A gestão da qualidade, como uma abordagem para melhorar a competitividade, efetividade e flexibilidade da organização como um todo, foi introduzida por Edwards Deming em 1986(1818. Barbosa FM, Gambi LN, Gerolamo MC. Liderança e gestão da qualidade – um estudo correlacional entre estilos de liderança e princípios da gestão da qualidade. Gestão & Produção. 2017;24(3):438-49. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-530x2278-16.
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). Um dos princípios da qualidade de Deming é a gestão por processos, com o conceito da cadeia “fornecedor-processo-cliente”, integrando diferentes funções e compondo uma rede de interação. Para aplicação do modelo de melhoria, é necessário aliar o conhecimento prático ao conhecimento do funcionamento do sistema a ser melhorado, por meio de observações e mudanças que permitam a mensuração de seus resultados(1919. Hilton K, Anderson A. Instittute for Healthcare Improvement (IHI) – Psychology of Change Framework to advance and sustain improvement. Boston, Massachusetts: Institute for Healthcare Improvement; 2018.2020. Langley G, Moen RD, Nolan KM, Nolan TW, Norman CL, Provost LP. Modelo de Melhoria: uma abordagem prática para melhorar o desempenho organizacional. Campinas: EDTI; 2011.).

Os ciclos PDSA (Plan-Do-Study-Act) estruturam o desenvolvimento de mudanças, seja como um método autônomo ou como parte de abordagens de melhoria da qualidade mais amplas (como exemplo, o primeiro princípio do método Lean Six Sigma).

Revisão sistemática evidenciou que os ciclos PDSA oferecem mecanismo de apoio ao desenvolvimento e testes científicos de melhorias em sistemas de saúde complexos. O seu uso é considerado, por si só, uma intervenção complexa composta por uma série de passos interdependentes e princípios-chave que informam sua aplicação que é, também, afetada pelo contexto local. Logo, para interpretar os resultados dos ciclos PDSA é necessário entender como as estratégias foram implementadas(2121. Taylor MJ, McNicholas C, Nicolay C, Darzi A, Derek Bell D, Reed JE. Systematic review of the application of the plan–do–study–act method to improve quality in healthcare. BMJ Qual Saf. 2014;23:290-8. DOI: https://doi.org/10.1136/bmjqs-2013-001862
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).

Os usuários do método PDSA seguem uma abordagem de aprendizagem cíclica prescrita em quatro etapas para adaptar mudanças destinadas à melhoria. Na etapa planejar (Plan), é identificada uma mudança voltada para a melhoria; a etapa fazer (Do) vê essa mudança testada; a etapa estudar (Study) examina o sucesso da mudança por meio de dados e indicadores e a etapa agir (Act) identifica adaptações e os próximos passos para informar um novo ciclo. Em comparação com métodos mais tradicionais de pesquisa em Saúde, o ciclo PDSA apresenta um método científico pragmático para testar mudanças em sistemas complexos. As quatro etapas refletem o método experimental científico de formulação de uma hipótese, coleta de dados para testar essa hipótese, analisar e interpretar os resultados e fazer inferências para iterar a hipótese(2222. Institute for Healthcare Improvement [Internet]. Boston: Institute for Healthcare Improvement; c2022 [cited 2021 June 05]. Science of Improvement. Available from: http://www.ihi.org/about/Pages/ScienceofImprovement.aspx
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).

Os princípios dos ciclos PDSA promovem o uso de uma abordagem interativa em pequena escala para testar intervenções, pois isso permite uma avaliação rápida e fornece flexibilidade para adaptar a mudança de acordo com o feedback para garantir que soluções adequadas sejam desenvolvidas. Orienta-se começar a implementação das estratégias com testes de pequena escala. Dessa maneira, os usuários têm liberdade para agir e aprender, minimizar o risco aos pacientes, à organização e aos recursos necessários, e proporcionar a oportunidade de construir evidências para ampliação das mudanças e engajar as partes interessadas à medida que a confiança nas intervenções aumenta(1919. Hilton K, Anderson A. Instittute for Healthcare Improvement (IHI) – Psychology of Change Framework to advance and sustain improvement. Boston, Massachusetts: Institute for Healthcare Improvement; 2018.,2020. Langley G, Moen RD, Nolan KM, Nolan TW, Norman CL, Provost LP. Modelo de Melhoria: uma abordagem prática para melhorar o desempenho organizacional. Campinas: EDTI; 2011.,2121. Taylor MJ, McNicholas C, Nicolay C, Darzi A, Derek Bell D, Reed JE. Systematic review of the application of the plan–do–study–act method to improve quality in healthcare. BMJ Qual Saf. 2014;23:290-8. DOI: https://doi.org/10.1136/bmjqs-2013-001862
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,2222. Institute for Healthcare Improvement [Internet]. Boston: Institute for Healthcare Improvement; c2022 [cited 2021 June 05]. Science of Improvement. Available from: http://www.ihi.org/about/Pages/ScienceofImprovement.aspx
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).

Em consonância com o método experimental científico, os ciclos PDSA promovem a previsão do resultado de um teste de mudança e posterior medição ao longo do tempo (quantitativo ou qualitativo) para avaliar o impacto de uma intervenção no processo ou desfechos de interesse. Assim, a aprendizagem é alcançada principalmente por intermédio de experimentos intervencionais projetados para testar uma mudança. Em reconhecimento ao trabalho em ambientes complexos com variabilidade inerente, a medição de dados ao longo do tempo ajuda a entender a variação natural em um sistema, aumentar a conscientização de outros fatores que influenciam processos ou desfechos e entender o impacto de uma intervenção(1212. Zhu LF, Qian WY, Zhou G, Yang M, Lin JJ, Jin JL, et al. Applying Lean Six Sigma to Reduce the Incidence of Unplanned Surgery Cancellation at a Large Comprehensive Tertiary Hospital in China. Inquiry. 2020;57:1-9. DOI: https://doi.org/10.1177/0046958020953997
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,2222. Institute for Healthcare Improvement [Internet]. Boston: Institute for Healthcare Improvement; c2022 [cited 2021 June 05]. Science of Improvement. Available from: http://www.ihi.org/about/Pages/ScienceofImprovement.aspx
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).

Os ciclos PDSA podem ser bem aplicados quando há uma problemática a ser resolvida, com meta e prazos bem estabelecidos. Dão-se por meio da aprendizagem organizacional e utilizam-se diagramas direcionadores das ações que precisam ser implementadas para alcance da melhoria e estes devem ser baseados por evidenciais científicas. Após a definição dos direcionares estes são testados na prática, estudados e adequados para cada realidade, e, a partir daí, diagnosticadas quais as melhores mudanças implementadas que repercutirão, favoravelmente, nos resultados. São bastante efetivos quando já se tem uma estrutura definida das metas a serem alcançadas e orientam a melhoria continua dos processos.

Como em todos os métodos científicos, a documentação de cada etapa dos ciclos PDSA é importante para apoiar a qualidade científica, a aprendizagem e as reflexões locais e garantir que o conhecimento seja capturado para apoiar a memória organizacional e a transferência da aprendizagem para outros ambientes(2222. Institute for Healthcare Improvement [Internet]. Boston: Institute for Healthcare Improvement; c2022 [cited 2021 June 05]. Science of Improvement. Available from: http://www.ihi.org/about/Pages/ScienceofImprovement.aspx
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).

Reitera-se que os princípios apresentados prezam pelo foco no cliente, melhoria contínua, trabalho em equipe e atualizações contínuas. Um dos pressupostos é que a qualidade seria uma maneira assertiva de planejar, organizar e compreender que cada atividade depende de cada indivíduo e de cada nível de hierarquia. Por isso, um programa de qualidade exige mudança estrutural e cultural na empresa, na maneira como as pessoas trabalham e até mesmo como se sentem em relação à participação nos resultados institucionais(1818. Barbosa FM, Gambi LN, Gerolamo MC. Liderança e gestão da qualidade – um estudo correlacional entre estilos de liderança e princípios da gestão da qualidade. Gestão & Produção. 2017;24(3):438-49. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-530x2278-16.
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).

GESTÃO DE CUSTOS E SAÚDE BASEADA EM VALOR

O financiamento destinado à saúde no Brasil vem oscilando nos últimos anos ao redor de 8% do produto interno bruto (PIB), próximo ao de países desenvolvidos como Canadá e Reino Unido, que despendem 10,4% e 9,9% do PIB, respectivamente. Entretanto gastar maiores frações do PIB com financiamento do sistema de Saúde não significa melhores condições de saúde para a população(11. Campos FCC, Canabrava CM. O Brasil na UTI: atenção hospitalar em tempos de pandemia. Saúde em Debate. 2020;44(spe4):146-60. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E409
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).

Diante do atual cenário o desafio para os sistemas de Saúde está na transformação da forma de relacionamento e incentivos de toda a cadeia de valor, que necessita de respostas inovadoras às demandas dos clientes, pela tecnologia, pela globalização, pela participação social e pelas restrições financeiras. A maneira de enfrentar esse desafio é colocar o cliente em posição ­central e, consequentemente, reorganizar a cadeia de prestação de cuidados. Designa-se a esta abordagem como saúde baseada em valor, enfocando a entrega dos melhores resultados, definidos pela perspectiva do cliente e a um menor custo possível(1111. Fernandes HMLG, Jesus MVN, Silva D, Guirardello EB. Lean healthcare in the institutional, professional, and patient perspective: an integrative review. Rev Gaucha Enferm. 2020;41:e20190340. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190340
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).

Discorrer sobre saúde baseada em valor é algo bastante complexo, não se trata somente de valor sob o ponto de vista do cliente, se trata de valor resultante da relação entre quantidade e qualidade dos cuidados prestados e os custos associados. O desafio está em como direcionar um processo de trabalho que garanta valor agregado, pensado do início ao fim, e que resulte em melhores resultados assistenciais e financeiros, com menor custo possível, tendo como foco a redução de desperdícios, pois isso agrega valor e acarreta economia de dinheiro. A diminuição de desperdícios, inclusive nos processos de trabalho, pode aumentar a qualidade de forma a contribuir para o aumento das receitas financeiras e a redução de custos(2323. Øvretveit J, Travassos C, Sousa P. Melhoria de qualidade que agrega valor: o cuidado de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz/ICICT/Proqualis; 2015.).

O conceito de saúde baseada em valor compreende que o cuidado seja mapeado de ponta a ponta, do início ao fim do processo, objetivando avaliar o que acrescenta valor aos clientes e de que forma este processo pode ser melhorado a partir da sua concepção(1111. Fernandes HMLG, Jesus MVN, Silva D, Guirardello EB. Lean healthcare in the institutional, professional, and patient perspective: an integrative review. Rev Gaucha Enferm. 2020;41:e20190340. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190340
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).

As modalidades de remuneração, baseadas em valor (benefícios aferidos pelos clientes na sua relação com os serviços de saúde), aliadas à otimização do desempenho econômico da sua produção, repaginam as análises de custo benefício e custo-efetividade das intervenções. Estas podem introduzir métricas de desempenho econômico no nível do cuidado individual e terão maior êxito de implementação se conjugadas a aportes de recursos calculados com base no volume e qualidade global dos serviços. As pressões pela redução de custos e de aumento da segurança e qualidade dos serviços serão contrapostas à necessidade de se garantir patamares mínimos de recursos aos prestadores de serviços, sob pena de se provocar sua insolvência financeira pela escalada de requisitos de toda ordem(11. Campos FCC, Canabrava CM. O Brasil na UTI: atenção hospitalar em tempos de pandemia. Saúde em Debate. 2020;44(spe4):146-60. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E409
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).

Uma mudança que AV é aquela que melhora o cuidado utilizando menos recursos, ou os mesmos recursos, por meio da redução do desperdício e da aplicação de novas tecnologias. Ressalta-se que melhor qualidade por si só não AV, tendo em vista que o valor é baseado na qualidade em relação aos recursos utilizados. E para esta abordagem ser bem-sucedida é necessário adaptar experiências que demostram efetividade ao contexto particular de cada organização, favorecendo a capacitação das pessoas para trabalharem de maneiras diferentes, que apoiem a produtividade(2222. Institute for Healthcare Improvement [Internet]. Boston: Institute for Healthcare Improvement; c2022 [cited 2021 June 05]. Science of Improvement. Available from: http://www.ihi.org/about/Pages/ScienceofImprovement.aspx
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).

O Custo-Gasto-Economia (CGE) tem sido um modelo para estimar se uma melhoria AV. Como inclui o Retorno Sobre o Investimento (ROI), definido como todo e qualquer recurso (financeiro, humano, ou um propósito) que retorna de maneira a agregar valor a algo, fornece uma forma para avaliar os custos do problema; os custos com a solução e a economia; o ­prejuízo ou os recursos financeiros adicionais dela resultantes. O CGE serve para monitorar o progresso financeiro da mudança ­implementada, que pode ser subsídio de persuasão a favor da economia de recursos. Por meio dele são feitas estimativas financeiras em três aspectos: custo do problema relacionado à qualidade (estimativa de custo anual); gastos para reduzir o problema em 50% (estimativa dos custos de avaliação e monitoramento do problema); e economia/prejuízo em um ano e em anos subsequentes (demonstração progressiva de quanto a organização pode economizar nos anos subsequentes a implementação das estratégias de melhoria)(2323. Øvretveit J, Travassos C, Sousa P. Melhoria de qualidade que agrega valor: o cuidado de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz/ICICT/Proqualis; 2015.).

Na prática hospitalar, a saúde baseada em valor vem sendo aplicada em associação com modelos de governança clínica, para melhorar os resultados assistenciais e diminuir os desperdícios, por intermédio de monitorizações de desfechos clínicos e alocação racional dos recursos requeridos. Mostra-se como uma forma eficiente de reorganização, pois direciona o que é importante para AV ao cliente e o retorno econômico-financeiro para a instituição, evidenciando possibilidades de como atender o cliente ao menor custo possível, sem prejuízos à qualidade. Nesta perspectiva, verifica-se, na atualidade, o uso de inteligência artificial para mensurar a complexidade e criticidade assistencial do paciente, possibilitando realizar predições e projeções sobre os resultados assistenciais.

CONCLUSÃO

As reflexões sobre as práticas de gestão abordadas no presente estudo visaram evidenciar o seu potencial para ­contribuir com o incremento dos resultados assistenciais e ­gerenciais, os quais podem repercutir favoravelmente nos aspectos econômico-financeiros das organizações hospitalares públicas, privadas ou filantrópicas, inseridas numa conjuntura de gastos e custos ascendentes, atrelados aos desafios do financiamento dos sistemas de Saúde.

Entretanto, reitera-se que o alcance de metas institucionais, apesar de importante, não é o fim em si só, mas um meio para buscar a melhoria contínua. Nessa direção, a gestão baseada em processos propõe uma abordagem para melhoria contínua dos processos a fim de alcançar os resultados desejados; o método Lean Six Sigma permite identificar e eliminar desperdícios nos processos produtivos; o modelo de melhoria contínua alia o conhecimento prático ao conhecimento do funcionamento do sistema a ser melhorado; e a gestão de custos e a saúde baseada em valor preveem que o cuidado seja mapeado, do início ao fim do processo, para avaliar o que, de fato, agrega valor aos clientes.

Ressalta-se que as contribuições dessas práticas são reconhecidas mundialmente e, ao implementá-las, a alta gestão hospitalar aumenta a eficiência dos processos, reduzindo os desperdícios, agregando valor ao negócio, aumentando a sua receita e resultando em economias que podem ser repassadas ao consumidor, pela melhoria contínua da qualidade.

Faz-se necessário, portanto, instrumentalizar os gestores para a adequada utilização de conhecimentos baseados em evidências, específicos de gestão, enfocando resultados mensuráveis e sustentáveis financeiramente sendo imprescindíveis pesquisas que apoiem a reorganização dos processos assistenciais e gerenciais.

EDITOR ASSOCIADO

Paulino Artur Ferreira de Sousa

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2021
  • Aceito
    14 Mar 2022
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