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Parto almejado versus realizado: percepção de acadêmicas de enfermagem acerca do seu tipo de parto

RESUMO

Objetivo:

Identificar a percepção de mães acadêmicas de enfermagem quanto ao tipo de parto almejado em relação ao realizado.

Método:

Pesquisa qualitativa, apoiada nos pressupostos da Humanização da Assistência Obstétrica, desenvolvida de forma remota com 16 acadêmicas de enfermagem, que vivenciaram o processo de parturição. Procedeu-se a coleta por meio de grupo focal online pelo programa Google Meet, guiado por roteiro semiestruturado. Os discursos foram analisados com base na técnica de Análise Temática de Conteúdo.

Resultados:

Identificou-se discrepância insatisfatória entre a preferência da mãe e a realização, predominando-se o desejo pela via vaginal em virtude dos conhecimentos acadêmicos acerca dos benefícios. No entanto, a cesariana se sobressaiu enquanto procedimento realizado em razão de eventuais complicações, medos, situação financeira da parturiente e controle da escolha pelo profissional de saúde.

Conclusão:

A percepção indica discordâncias marcantes, com a presença de complicações, medo, ausência de autonomia e predominância de um modelo assistencial hegemônico, reforçando a necessidade de ampliação e aplicação da Humanização da Assistência Obstétrica, como condição primária para um adequado acompanhamento.

DESCRITORES
Parto; Estudantes de Enfermagem; Enfermagem Obstétrica; Mães; Humanização da Assistência; Pesquisa Qualitativa

ABSTRACT

Objective:

To identify the perception of nursing student mothers regarding the desired type of delivery in relation to the one performed.

Method:

Qualitative research, supported by the assumptions of Humanization of Obstetric Care, developed remotely with 16 nursing students who experienced the parturition process. The data were collected through an online focus group using the Google Meet program, guided by a semi-structured script. The speeches were analyzed using the Thematic Content Analysis technique.

Results:

An unsatisfactory discrepancy was identified between the mother’s preference and the realization, predominantly the desire for the vaginal way due to academic knowledge about the benefits. However, the cesarean section was predominant as a procedure performed due to possible complications, fears, financial situation of the parturient woman and control of choice by the health professional.

Conclusion:

Perception indicates marked disagreements, with the presence of complications, fear, lack of autonomy and predominance of a hegemonic care model, reinforcing the need for expansion and application of the Humanization of Obstetric Care, as a primary condition for proper monitoring.

Keywords
Parturition; Students; Nursing; Obstetric Nursing; Mothers; Humanization of Assistance; Qualitative Research

RESUMEN

Objetivo:

Identificar la percepción de madres estudiantes de enfermería en cuanto al tipo de parto deseado comparado con el realizado.

Método:

Investigación cualitativa, apoyada en los programas de Humanización de la Asistencia Obstétrica, desarrollada de forma remota con 16 estudiantes de enfermería, que vivieron el proceso de participación. La recolección de datos se realiza a través de un grupo focal en línea mediante el programa Google Meet, guiado por un guión semiestructurado. Los discursos fueron analizados con base en la técnica de Análisis Temático del Contenido.

Resultados:

Se identificó una discrepancia insatisfactoria entre la preferencia de la madre y la realización, predominando el deseo de la vía vaginal en virtud de los conocimientos académicos sobre los beneficios. Por lo tanto, la cesárea fue predominante como procedimiento realizado en razón de las eventuales complicaciones, los medicamentos, la situación financiera de la parturienta y el control de la elección por parte del profesional de la salud.

Conclusión:

La percepción indica discordancias marcadas, con la presencia de complicaciones, medo, ausencia de autonomía y predominio de un modelo asistencial hegemónico, reforzando la necesidad de ampliación y aplicación de la Humanización de la Asistencia Obstétrica, como condición primordial para un adecuado acompañamiento.

DESCRIPTORES
Parto; Estudiantes de Enfermería; Enfermería Obstétrica; Madres; Humanización de la Atención; Investigación Cualitativa

INTRODUÇÃO

A experiência do parto é sinônimo de importância na trajetória das mulheres, e caracteriza-se como momento único que poderá ser lembrado por toda a vida(11. Ahmadpour P, Mosavi S, Mohammad-Alizadeh-Charandabi S, Jahanfar S, Mirghafourvand M. Evaluation of the birth plan implementation: a parallel convergent mixed study. Reprod Health. 2020;17:138. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12978-020-00989-6. PubMed PMID: 32894145.
http://dx.doi.org/10.1186/s12978-020-009...
). Predominantemente na história, muitas passam pelo processo de parto, que é entendido como um fenômeno natural que deve acontecer de maneira favorável e não invasiva, sendo à parturiente protagonista do processo, participando de forma ativa e autônoma(22. Silva RCF, Souza BF, Wernet M, Fabbro MRC, Assalin ACB, Bussadori JCC. The satisfaction of the normal delivery: finding oneself. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e20170218. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2018.20170218. PubMed PMID: 30365752.
http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2018...
).

Com a institucionalização e uso crescente de tecnologias na condução dos partos, incentivou-se a cesariana como uma opção segura, mais rápida e indolor. Essa indicação contribuiu rapidamente para o aumento dos índices desse tipo de parto, modificando não somente o cenário, mas a cena, passando o hospital a ser o ambiente considerado seguro e o profissional médico, o ator principal(33. Lansky S, Oliveira BJ, Peixoto ER, Souza KV, Fernandes LM, Friche AA. The Senses of Birth intervention to decrease cesarean and prematurity rates in Brazil. Int J Gynaecol Obstet. 2019;145(1):91-100. doi: http://dx.doi.org/10.1002/ijgo.12765. PubMed PMID: 30671949.
http://dx.doi.org/10.1002/ijgo.12765...
).

Contudo, o direito da escolha quanto a via de parto é da mulher. O enfoque no empoderamento feminino pressupõe a escolha consciente e esclarecida da via do parto. Para essa finalidade, enfermeiros são fundamentais na efetivação do protagonismo feminino quanto à via de parto, ao promover informações capazes de auxiliá-la na escolha e ofertar cuidado digno, colaborando assim para vivências positivas e satisfação materna(44. Marin DFDA, Nascimento DZ, Marques GM, Iser BPM. Targeted interventions to reduce the rates of cesarean section births in Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2019;22:e190066. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720190066. PubMed PMID: 31826120.
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).

As percepções, expectativas e motivações de cada gestante devem ser valorizadas, uma vez que abrangem aspectos físicos, emocionais e socioculturais que precisam ser respeitados na individualidade e integralidade de cada ser. Esses aspectos podem influenciar não somente na escolha do tipo de parto, mas na determinação e na forma de enfrentamento do processo(55. Striebich S, Ayerle GM. Fear of childbirth (FOC): pregnant women’s perceptions towards the impending hospital birth and coping resources – a reconstructive study. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2020;41(3):231-9. doi: http://dx.doi.org/10.1080/0167482X.2019.1657822. PubMed PMID: 32838630.
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).

Neste contexto, evidencia-se a necessidade de elementos de promoção à saúde na assistência obstétrica, aprimorando o olhar voltado às vivências daquelas que passaram pelo processo parturitivo, especialmente àquelas que terão participação preponderante na parturição de outras mulheres, auxiliando nas escolhas e estratégias de cuidados que possam atender às necessidades individuais de cada parturiente(66. Hockenberry MJ, Wilson D, Rodgers CC. Wong’s Essentials of Pediatric Nursing. 10th ed. Rio de Janeiro: Elsevier Halth Sciences; 2018 [cited 2022 May 19]. Available from: https://www.elsevier.com/books/wongs-essentials-of-pediatric-nursing/hockenberry/978-0-323-35316-8
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), como é o caso das acadêmicas de enfermagem. Entretanto, os estudos que analisam as percepções sobre o parto incluem como público-alvo puérperas no pós-parto imediato sem nenhum critério relacionado a características formativas-educacionais, nem articulam as percepções aos desejos e expectativas em relação ao tipo de parto(77. Rodrigues DP, Alves VH, Silva AM, Penna LHG, Vieira BDG, Silva SED, et al. Women’s perception of labor and birth care: obstacles to humanization. Rev Bras Enferm. 2022;75(Suppl 2):e20210215. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0215. PubMed PMID: 35262563.
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1010. Baggio MA, Pereira FC, Cheffer MH, Machineski GG, Reis ACE. Meanings and experiences of women who experienced the hospital humanized birth labor assisted by an obstetric nurse. Rev Baiana Enferm. 2021;35:e42620. doi: https://doi.org/10.18471/rbe.v35.42620
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).

Observa-se, na literatura, escassez de estudos que abordem as vivências entre acadêmicas de enfermagem e enfermeiras acerca do tipo de parto. O enfoque dado nas publicações tem sido nas experiências de mulheres assistidas por enfermeiras em seu trabalho de parto, destacando o papel de enfermeiras no processo(1010. Baggio MA, Pereira FC, Cheffer MH, Machineski GG, Reis ACE. Meanings and experiences of women who experienced the hospital humanized birth labor assisted by an obstetric nurse. Rev Baiana Enferm. 2021;35:e42620. doi: https://doi.org/10.18471/rbe.v35.42620
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), reforçando a necessidade de ampliar o debate para este público específico, especialmente pelo fato de que serão futuras enfermeiras e, quando possuírem os conhecimentos e habilidades corretas, suas ações na assistência ao parto e nascimento poderão ser determinantes para consolidação dos princípios da humanização da assistência obstétrica.

Acredita-se que ter mulheres como protagonistas de suas experiências favorece a autonomia e a valorização de suas características individualmente durante todo o processo de parturição. Levando em conta este contexto, o presente estudo objetivou identificar a percepção de mães acadêmicas de enfermagem quanto ao tipo de parto almejado em relação ao realizado.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Estudo descritivo com abordagem qualitativa, apoiado no Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). Utilizou-se como referencial teórico os pressupostos da Humanização da Assistência Obstétrica, considerando que seus preceitos se relacionam às melhorias no acompanhamento das mulheres em todo o ciclo gravídico-puerperal(1111. Arik RM, Parada CMGL, Tonete VLP, Sleutjes FCM. Perceptions and expectations of pregnant women about the type of birth. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):41-9. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0731. PubMed PMID: 31851233.
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). Esses pressupostos baseiam-se no direito ao acesso, atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério, ao acompanhamento pré-natal adequado, ao direito de saber e ter assegurado o acesso à maternidade em que será atendida no momento do parto, à assistência ao parto e ao puerpério realizada de forma humanizada e segura, assim como a assistência neonatal(1212. Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2022 May 19]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf
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). Em suma, prioriza-se o atendimento com dignidade e adoção de ações benéficas no acompanhamento do processo de parto, evitando práticas intervencionistas e invasivas que conferem riscos acentuados ao binômio mãe-filho(1313. Bowman RL, Davis DL, Ferguson S, Taylor J. Womens motivation, perception and experience of complementary and alternative medicine in pregnancy: a meta-synthesis. Midwifery. 2018;59:81-7. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.midw.2017.11.007. PubMed PMID: 29421642.
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).

População

A população do estudo foi composta por acadêmicas do curso de graduação em enfermagem, que estavam regularmente matriculadas na instituição de ensino superior na qual realizou-se a pesquisa.

Local Da Coleta De Dados

A pesquisa foi realizada de modo virtual em todos os semestres do curso de enfermagem de uma universidade pública localizada na região do Cariri, ao sul do estado do Ceará, Brasil, conduzida de forma remota, em decorrência da pandemia de COVID-19 e seu rápido e alto índice de transmissibilidade(1414. World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) pandemic [Internet]. 2021 [cited 2022 May 19]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
https://www.who.int/emergencies/diseases...
).

Critérios de Seleção

Consideraram-se elegíveis a participar do estudo 21 acadêmicas de enfermagem, com idade mínima de 18 anos e que já passaram pelo processo de parturição. Estas discentes foram selecionadas a partir de um levantamento das estudantes que já gestaram, solicitado por meio de ofício ao centro acadêmico de enfermagem da instituição de estudo, com autorização prévia da coordenação do curso. Foram excluídas cinco acadêmicas que apresentavam limitações de acesso à internet que prejudicavam ou inviabilizavam a compreensão e participação nos encontros, portanto participaram deste estudo 16 acadêmicas.

Coleta de Dados

A coleta ocorreu durante os meses de julho e agosto de 2020, pela pesquisadora principal estudante de enfermagem, a qual participou de orientações quanto a pesquisa qualitativa, e pela orientadora idealizadora do projeto, doutora e pesquisadora na área de saúde materno-infantil. Para as participantes do estudo, providenciou-se a emissão e o envio por e-mail de um link do programa Google Forms em formato de questionário, objetivando informar a finalidade do estudo e coletar informações como dados sócio demográficos, histórico obstétrico e o número de gestações, partos e a ocorrência de abortos.

Escolheu-se coletar as informações relativas as experiências das participantes quanto ao tipo de parto por meio de duas sessões de Grupo Focal (GF) online, com duração média de 1 hora e 30 minutos, e o total de oito acadêmicas em cada encontro, organizado de acordo com a disponibilidade das participantes. O GF é considerado uma ferramenta capaz de gerar dados com boa funcionalidade contribuindo nas ações voltadas ao bem-estar e à qualidade de vida, sendo comumente utilizada em pesquisas de cunho qualitativo(1515. Souza LK. Recommendations for conducting focus groups in qualitative research. Psi Unisc. 2020;4(1):52-66. doi: http://dx.doi.org/10.17058/psiunisc.v4i1.13500
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).

Para efetividade na condução das sessões do GF, foram enviados previamente convites por links de acesso aos e-mails, bem como lembretes antes da realização de cada grupo. Assim, a condução das sessões do GF se deu via internet através do programa Google Meet versão 2020, utilizando um roteiro semiestruturado, contendo as seguintes questões fundamentais direcionadas ao foco do estudo: qual o tipo de parto realizado e como ocorreu essa experiência? Houve diferenças entre o tipo de parto que foi realizado e o tipo de parto desejado na gestação? Ser acadêmica de enfermagem interferiu na escolha do tipo de parto? O critério de finalização da coleta se deu mediante a saturação dos dados, ou seja, quando o objetivo elencado foi efetivamente respondido, sendo verificado a redundância nos achados(1616. Minayo MCS, Costa AP. Fundamentos teóricos das técnicas de investigação qualitativa. Rev Lusof Educ. 2018 [cited 2022 Apr 22];40(40):139-53. Available from: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/6439
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).

Ressalta-se que foi realizado um pré-teste do roteiro que guiou as sessões do GF com residentes em enfermagem obstétrica da mesma instituição, que já vivenciaram o processo de parto, possibilitando verificar lacunas e realizar mudanças e ajustes necessários para aplicação de tal roteiro.

Quando iniciadas as sessões de GF, programadas com as participantes, as pesquisadoras apresentavam-se formalmente às acadêmicas, que eram primeiramente orientadas quanto ao objetivo a ser alcançado com o estudo, bem como as motivações das pesquisadoras em proceder com a pesquisa e os benefícios a serem alcançados. Para melhor condução dos grupos, pontuou-se a importância das acadêmicas discutirem com direcionamento à sua última experiência, para o caso daquelas que porventura possuíssem mais de um filho, por conseguinte, alertadas acerca do sigilo com as informações fornecidas.

No momento dos discursos as mediadoras/facilitadoras uma acadêmica de enfermagem e uma doutora em enfermagem que previamente estudaram sobre a aplicação de grupos focais e participaram do pré-teste e reajuste do roteiro utilizado, atuavam deixando as participantes dialogar confortavelmente sobre seu tipo de parto, direcionando-as a manter o foco nas questões disparadoras contidas no roteiro.

Nas sessões de GF, ainda esteve presente uma mestranda em enfermagem desempenhando a função de observar e relatar, registrando as falas, as expressões faciais, os aspectos mais relevantes da discussão e controlando as ferramentas audiovisuais online. As sessões seguiram os pressupostos metodológicos de Minayo e Costa(1616. Minayo MCS, Costa AP. Fundamentos teóricos das técnicas de investigação qualitativa. Rev Lusof Educ. 2018 [cited 2022 Apr 22];40(40):139-53. Available from: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/6439
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).

Análise e Tratamento dos Dados

Os discursos provenientes das sessões dos grupos focais foram gravados pelo próprio programa de comunicação Google Meet versão 2020, em seguida o material foi rigorosamente transcrito, com destaque para as principais ideias expressas, na sequência o material retornou às participantes após transcrição, com a finalidade de obter validação.

Posteriormente, tais dados foram gerenciados manualmente e organizados com base na técnica de Análise Temática de Conteúdo, que se refere a um método de análise qualitativa de dados para identificar, analisar, interpretar e relatar padrões trazendo explicações detalhadas do método seguindo três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação(1717. Souza LK. Research with qualitative data analysis: getting to know Thematic Analysis. Arq Bras Psicol. 2019;71(2):51-67. doi: http://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i2p.51-67
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). Com relação aos dados sociodemográficos, analisou-se mediante estatística descritiva. Após o processo de análise os relatos das acadêmicas foram discutidos à luz das premissas da Humanização da Assistência Obstétrica.

A partir dos discursos transcritos das participantes aplicou-se uma codificação individual, utilizando a sigla para acadêmica de enfermagem (AE) e a ordem de entrada na sessão do grupo, por exemplo, AE1, AE2, AE3 e assim por diante, como forma representativa de sua participação, resguardando, portanto, o anonimato.

Aspectos Éticos

A pesquisa em questão foi apreciada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Regional do Cariri, sendo aprovada em 2020 pelo parecer nº 4.050.608, atendendo a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n.º 466/12 que abrange os aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos. Após a abordagem das participantes a fim de aceitar participar na pesquisa, e do esclarecimento dos objetivos desta, solicitou-se o aceite eletrônico por meio de formulário online do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), iniciando a coleta somente após este consentimento.

RESULTADOS

O perfil das 16 participantes revelou uma idade média de 28,3 anos, com maior parte residindo no município em que se situa a instituição onde estavam matriculadas, estando 31,25% (n = 5) no oitavo semestre, 18,75% (n = 3) no décimo, 12,5% (n = 2) no quarto, sexto e nono e 6,25% (n = 1) no primeiro e quinto semestre. Demais características sociodemográficas e obstétricas são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1.
Caracterização sociodemográfica e obstétrica das acadêmicas de enfermagem (n = 16) – Crato, CE, Brasil, 2020.

A síntese sobre o local do atendimento ao parto, tipo de parto almejado e o efetivamente realizado, com respectivas justificativas, constam no Quadro 1.

Quadro 1
Local do atendimento ao parto, tipo de parto almejado e realizado das participantes (n = 16), com respectivas justificativas – Crato, CE, Brasil, 2020.

A percepção e expectativas das acadêmicas durante a gestação e parto foram organizadas por meio dos relatos em categorias temáticas, a saber: “Tipo de parto realizado”, “Diferenças entre o tipo de parto que foi realizado e o tipo de parto almejado na gestação”, e “Ser acadêmica de enfermagem interferiu na escolha tipo de parto?”.

Tipo de Parto Realizado

As mães acadêmicas de enfermagem puderam expor percepções sobre seu tipo de parto nas sessões de GF, onde inicialmente questionou-se acerca do tipo de parto realizado, induzindo-as a narrar sobre essa experiência. A seguir, são descritos os relatos das discentes. Meu parto foi normal, eu passei um período de mais de nove horas de bolsa rota, cheguei com pressão alta, mas enfim, na época que eu tive o meu filho, foi doloroso como todo parto normal é doloroso. Mas, é muito bom, eu não tinha muita experiência, então, a gente também, na época, não tinha muitas informações. Mas, eu acho que foi natural, foi bom, não tenho cicatriz da incisão cirúrgica e foi saudável meu parto, apesar da demora (AE5).

Observa-se no relato, que a mãe (AE5) referiu demora, algumas intercorrências e percebeu o trabalho de parto como um processo doloroso, no entanto, mesmo diante de tais questões, compreendeu ter uma experiência positiva e saudável. Outras mães (AE6 e AE14) mostraram em seguida experiências negativas no parto realizado, apontando sofrimento e demora.

No momento do parto eu fui sentindo contrações leves, e então quando eu cheguei lá me atenderam e me mandaram para casa, na saída da maternidade a minha bolsa rompeu, me levaram pra dentro do hospital e lá eu fiquei aguardando. Resumindo, eu fui pra sala de cirurgia sozinha, às 4:30h meu filho nasceu, no domingo. Ele já nasceu bem roxinho, tinha engolido um pouquinho de líquido, mas nasceu bem, eu lembro que ela falou que o APGAR dele deu bom, então a minha experiência quanto ao parto eu não gostei muito pela demora, acho que me deixaram sofrer demais, até decidir que parto que iria ser feito (AE6).

Quando foi trocado o plantão do outro médico é que vieram fazer o parto cesáreo, tinham dificuldade em realizar a ausculta cardíaca do bebê, então fiquei assustada, desesperada, mas deu certo! Foi um pouco traumático pra mim (AE14).

Ao longo do expressar das percepções, algumas discentes revelaram ter experiências exitosas com o parto realizado.

Eu estava super tranquila, não senti nada no dia, simplesmente nada, minha bolsa não rompeu, meu sonho era que minha bolsa rompesse, no meio da rua, onde fosse! Mas, não rompeu, e eu fiquei decepcionada. Passei pela cirurgia cesariana, foi tranquila, tive toda a assistência dos profissionais (AE8). A cirurgia foi muito tranquila, rápida, só a anestesia, que a primeira a médica não conseguiu, mas na segunda conseguiu graças a Deus, e acho que em menos de cinco minutos minha bebê estava chorando (AE4). Foi tranquilo em relação ao parto (…) foi pelo SUS também e a experiência foi boa (AE13).

Diferenças Entre o Tipo de Parto Que foi Realizado e o Tipo de Parto Desejado na Gestação

Quando questionadas se houve diferenças entre o tipo de parto que foi realizado e o tipo de parto que foi desejado no período gestacional, algumas participantes mencionaram discrepâncias, tanto por questões financeiras como por complicações e influência de outras pessoas na escolha.

Meu parto desde o início eu queria que fosse um parto normal, natural, mas devido todas as complicações, não foi possível (AE8). Eu não tive muita opção de escolha, não podia pagar particular e fiquei nas mãos do SUS (AE2). Bom, no meu caso a gente quando começa o pré-natal aqui não tem muita escolha, só mandam você pra cesárea quando veem que o bebê ou você tem alguma complicação, no meu caso não foi assim, então não posso dizer que eu tive escolha, foi parto normal (AE7).

Eu queria o parto normal só que quando cheguei no hospital não tive informação nenhuma de como seria o tipo de parto, tanto que eu já cheguei em trabalho de parto, mas depois de um certo tempo o médico veio me falar que tinha que fazer a cesárea, sendo que não foi comunicado o motivo para mim (AE12). A minha mãe, meu esposo e o médico que tomaram a decisão. Tinha o sonho de ser normal, achava que ia ser melhor pra mim (…) foi dito que eu era muito nova e era muito sofrimento (AE11).

Somado ao fato de o parto realizado não ser o desejado, uma participante (AE1) relatou que, diante da pandemia instaurada, sua experiência não foi como ansiava.

Pretendia sim ter ele em parto normal, só que eu dilatei e ele não tinha passagem, para descer, então teve que fazer uma cesariana de urgência porque ele já estava começando a entrar em sofrimento, e para mim foi uma experiência um pouco ruim, porque eu comecei a me sentir sozinha também, por conta dessa pandemia, então ficou só eu lá na sala sentindo as dores, e é muito ruim ficar só, horrível! (AE1).

Ser Acadêmica de Enfermagem Interferiu na Escolha do Tipo de Parto?

As discentes foram ainda questionadas se ser acadêmica de enfermagem interferiu na escolha do tipo de parto, assim, algumas respostas foram afirmativas.

Sim! Interferiu sim! Por você ser assim da área da saúde e ter um conhecimento a mais do que as outras pessoas que não são, então você sabe que parto normal é bom pra você por conta do pós-parto, é bom pro bebê. Então pelo conhecimento que eu tinha, eu via que realmente, parto normal seria a melhor escolha, mas infelizmente as circunstâncias não permitiam (AE1). Da escolha em si e de todo o percurso que eu tomei na gestação até o momento do parto, sim! (AE15).

Foi relevante na questão do conhecimento, quanto mais conhecimento mais segurança do que realmente você quer (AE16). Sim! Inclusive estive gestante dela durante a disciplina de saúde da mulher, então acho que influenciou muito! (AE3). Como eu já havia observado a vivência de outras mulheres no trabalho de parto e o sofrimento que elas tinham também nos estágios, isso influenciou muito na minha decisão, com certeza! (AE10).

Como mães acadêmicas, a prática junto à universidade revelou um olhar temeroso ao processo de parto, aprofundando a uma percepção divergente da escolha da via estudada como ideal.

Eu acho que pra nós acadêmicas de enfermagem, quando presenciamos muito o processo de parto e o processo de dor, acho que cada vez mais nos afasta do processo de parto normal, eu acho que é até feio a gente falar isso, mas é a pura verdade, porque assim, a gente vê na universidade que o mais indicado é o parto normal, é o melhor parto, é o melhor pra mãe, é o melhor para o bebê, é tudo! tudo é melhor! Mas, como nós vivenciamos muito próximo o processo de dor que as pacientes passam, o sofrimento até que o bebê venha nascer, acho que nos distancia muito. Se eu fosse ter um terceiro filho, que não está nos meus planos, aí é que eu não queria mesmo um parto normal (AE3). Eu estava com sete meses e estava lidando o tempo todo com mulheres parindo, mulheres abortando, tendo cesarianas de crianças mortas, isso mexeu demais com meu psicológico (…) então eu disse: não! Eu vou pra cesariana de novo (…) no parto normal tantas coisas podem dar errado (AE9).

DISCUSSÃO

Na análise interpretativa dos discursos das participantes, sintetizaram-se diferenças marcantes entre o tipo de parto almejado no período gestacional versus o realizado, revelando que o fato de ser acadêmica de enfermagem e, provavelmente deter maiores informações relativas ao tema não foi capaz de ultrapassar as barreiras relacionadas à deficiência de protagonismo e autonomia feminina na escolha da via de parto, medo e soberania da indicação médica à cesariana, mesmo quando não se tratava de indicação obstétrica verdadeira, semelhante ao que ocorre com outras mulheres da população geral.

Concordando com o exposto neste estudo, em relação ao destaque de operações cesarianas como procedimento realizado, um estudo transversal brasileiro refere que diante das internações das gestantes para assistência ao parto, as taxas médias de cesariana das unidades pesquisadas variaram entre 24,8% a 75,1%, superando drasticamente os 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), podendo acarretar consequências de risco potencial à mãe e ao filho(1818. Mendes YMMB, Rattner D. Cesarean sections in Brazil’s teaching hospitals: an analysis using Robson Classification. Rev Panam Salud Publica. 2021;45:e16. doi: http://dx.doi.org/10.26633/RPSP.2021.16. PubMed PMID: 33643399.
http://dx.doi.org/10.26633/RPSP.2021.16...
,1919. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2022 May 19]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/260178/1/9789241550215-eng.pdf?ua=1
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
).

Este estudo demonstrou que a escolha pela via de parto vaginal tende a ser mais desejada quando comparada às cesarianas, em virtude da menor frequência de complicações pós-parto e variados benefícios ao binômio, possivelmente não interferindo precocemente na interação mãe-bebê. Considera-se que fatores associados às cesáreas limitam e também interferem nas primeiras relações do recém-nascido (RN) com a mãe(2020. Cavaggioni APM, Martins MCF, Benincasa MB. Influence of type of birth on child development: a comparison by Bayley-III Scale. J Hum Growth Dev. 2020;30(1):301-10. doi: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.10382
doi: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30....
).

Pontua-se a impossibilidade de escolha pela via de parto desejada relatada por algumas acadêmicas, justificando essa ausência de protagonismo/autonomia por estar em unidade hospitalar pública e deter de baixas condições financeiras. A escolha pela via de parto sofre diversas influências, perpassando por questões culturais, sociais, individuais e econômicas. Mulheres de renda mais baixa percebem-se com menor poder de escolha, sendo submetidas a intervenções desnecessárias. Opondo-se a isso, mulheres com renda alta percebem-se mais acolhidas em sua decisão pela via de parto operatória, porém pouco informadas durante o seu acompanhamento(2121. Rocha NFF, Ferreira J. The choice of the mode of delivery and the autonomy of women in Brazil: an integrative review. Saúde Debate. 2020;44(125):556-68. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-1104202012521
doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-1104...
).

Observa-se historicamente que a ampliação do acesso à assistência hospitalar ao parto no Sistema Único de Saúde (SUS) cooperou para o decréscimo no acontecimento de desfechos negativos. Contudo, persistem desafios para a evolução da qualidade assistencial, assim como barreiras na conexão entre os serviços em distintos níveis de atenção(2222. Leal MD, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, et al. Reproductive, maternal, neonatal and child health in the 30 years since the creation of the Unified Health System (SUS). Cien Saude Colet. 2018;23(6):1915-28. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018236.03942018. PubMed PMID: 29972499.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182...
).

Neste estudo, evidenciou-se predominância de escolha da via de parto pelo profissional médico, sendo que a mãe em um dos casos não foi informada quanto à indicação. Essa realidade se opõe aos princípios da Humanização da Assistência Obstétrica e se constitui em grave violação dos direitos das mulheres e crianças, os quais preconizam que a interação e o cuidado entre profissional e paciente necessitam ser estabelecidos, cabendo aos profissionais a transmissão de segurança e respeito à mulher gestante e sua família, mantendo uma relação de diálogo entre as partes(2323. Bourguignon AM, Grisotti M. The humanization of childbirth in Brazil as seen in the trajectories of its researchers. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2020;27(2):485-502. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702020000200010. PubMed PMID: 32667617.
http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702020...
).

Elenca-se que a informação, a tomada de decisão e as responsabilidades devem ser partilhadas entre o profissional e a parturiente. Assim, as decisões e escolhas precisam ser dialogadas, cabendo à gestante o direito a escolha consciente e esclarecida, e ao profissional de saúde, ciente da situação, prestar todas as informações necessárias e requisitadas pela mulher e por sua família, como forma de um processo de decisão compartilhada e consciente promovendo assim cuidado humanizado(2323. Bourguignon AM, Grisotti M. The humanization of childbirth in Brazil as seen in the trajectories of its researchers. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2020;27(2):485-502. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702020000200010. PubMed PMID: 32667617.
http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702020...
,2424. López-Gimeno E, Falguera-Puig G, Vicente-Hernández MM, Angelet M, Garreta GV, Seguranyes G. Birth plan presentation to hospitals and its relation to obstetric outcomes and selected pain relief methods during childbirth. BMC Pregnancy Childbirth. 2021;21(1):274. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12884-021-03739-z. PubMed PMID: 33794803.
http://dx.doi.org/10.1186/s12884-021-037...
).

Identificou-se, por vezes, o medo da dor, nervosismo, solidão, aflição e demora na realização do parto interferindo de forma significativa na escolha do tipo de parto e consequentemente na percepção de cada mãe acerca do evento experienciado. Resultados de um estudo brasileiro corroboram com esse achado, indicando que o parto é um evento que gera sentimentos diversos na gestante, desde extrema felicidade, até sensações de medo, ansiedade e dor, contribuindo assim para a elevação das taxas de operação cesariana(2525. Alvares AS, Corrêa ÁCP, Nakagawa JTT, Valim MD, Jamas MT, Medeiros RMK. Prácticas obstétricas hospitalarias y sus repercusiones en el bienestar materno. Rev Esc Enferm USP. 2020;54:e03606. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2018039003606. PubMed PMID: 32935753.
http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2018...
).

Frente a esses acontecimentos que evidenciam percepções negativas, as premissas da assistência obstétrica humanizada possibilitam abertura para outras modalidades de assistência, como por exemplo o modelo humanístico, que apresenta avanços tecnológicos e científicos do modelo tecnocrático e as possibilidades terapêuticas do modelo holístico, permitindo o uso de métodos não farmacológicos de baixo custo para o alívio da dor como massagens, uso de bola suíça e banhos mornos, respeitando acima de tudo a fisiologia de cada mulher(1111. Arik RM, Parada CMGL, Tonete VLP, Sleutjes FCM. Perceptions and expectations of pregnant women about the type of birth. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 3):41-9. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0731. PubMed PMID: 31851233.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017...
,2323. Bourguignon AM, Grisotti M. The humanization of childbirth in Brazil as seen in the trajectories of its researchers. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2020;27(2):485-502. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702020000200010. PubMed PMID: 32667617.
http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702020...
).

Mesmo com o uso apropriado de tecnologias que podem ser disponibilizadas para a gestante em trabalho de parto, é necessário pensar na parturiente como um sujeito relacional, que está ligada ao contexto social e familiar, desse modo, como forma de promover conforto respaldado pela legislação, estimula-se a presença de um acompanhante escolhido pela gestante durante e após o parto(2323. Bourguignon AM, Grisotti M. The humanization of childbirth in Brazil as seen in the trajectories of its researchers. Hist Cienc Saude Manguinhos. 2020;27(2):485-502. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702020000200010. PubMed PMID: 32667617.
http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702020...
2626. Lopes GC, Gonçalves AC, Gouveia HG, Armellini CJ. Attention to childbirth and delivery in a university hospital: comparison of practices developed after Network Stork. Rev Lat Am Enfermagem. 2019;27:e3139. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2643-3139. PubMed PMID: 31038633.
http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2643...
). No entanto, mesmo diante da importância da presença de um acompanhante conferindo apoio emocional, reduzindo a quantidade de cesarianas, tornando melhor a fisiologia do parto e o período pós-parto da puérpera, a ausência do direito à escolha do acompanhante ainda é notada em algumas instituições hospitalares que assistem ao parto(2727. Goiabeira YNLA, Thomaz EBAF, Lamy ZC, Santos AMD, Leal MDC, Bittencourt SDDA, et al. Presence of a full-time companion in Brazilian maternities linked to the Rede Cegonha. Cien Saude Colet. 2022;27(4):1581-94. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232022274.07462021. PubMed PMID: 35475837.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320222...
).

Enquanto acadêmica de enfermagem, é aprendido na graduação sobre qual via de parto proporciona maiores benefícios à parturiente e ao bebê, e o papel fundamental da humanização do parto frente à assistência, como forma de aprimoramento do cuidado e atendimento às mulheres. Entretanto, diante da assistência à gestação, parto e puerpério, ainda como acadêmica em práticas de estágio, pode ser incorporado à memória das discentes vivências desagradáveis do contexto obstétrico ao presenciarem intervenções desnecessárias, sofrimento no parto, falhas do sistema de saúde em manter os padrões profissionais, políticas de apoio insuficientes e demais situações que contradizem o aprendido na graduação, influenciando nas futuras escolhas de parto da acadêmica(2828. Oluoch-Aridi J, Smith-Oka V, Milan E, Dowd R. Exploring mistreatment of women during childbirth in a peri-urban setting in Kenya: experiences and perceptions of women and healthcare providers. Reprod Health. 2018;15(1):209. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12978-018-0643-z. PubMed PMID: 30558618.
http://dx.doi.org/10.1186/s12978-018-064...
).

Observa-se que, na prática, não existe a superação de um modelo hegemônico de assistência obstétrica, que privilegia a medicalização dos problemas e o individualismo na assistência(2929. Tempesta GA, França RL. The problematization of obstetric violence and the construction of a counter-hegemonic reproductive pedagogy. Horiz Antropol. 2021;27(61):257-90. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-71832021000300009
doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-718...
). Embora essas mães acadêmicas e futuras profissionais de saúde possuam conhecimentos qualificados, não conseguiram agir de forma a protagonizar suas experiências de parto.

Dentre as limitações do presente estudo, destaca-se o reduzido número de publicações disponíveis sobre a percepções ou experiências voltadas ao processo de parto cujo público-alvo fossem acadêmicas de enfermagem. Somado a isto, algumas circunstâncias limitantes relacionadas à coleta, em que a participação das entrevistadas por meio remoto, ocasionalmente, possibilitou falhas em manter webcam ligada, mas que foram minimizadas pela manutenção da participação efetiva nas sessões de GF por meio da voz com o microfone da plataforma meet acionado. Apesar do exposto, compreende-se que esse meio de coleta e interação assegurou maior proteção tanto para as pesquisadoras quanto para as participantes, tendo em vista a situação pandêmica vivenciada no período em questão.

Todavia, considera-se que os resultados obtidos através dessa pesquisa contribuem diretamente para o avanço do conhecimento científico, uma vez que estão em concordância com a OMS, que incentiva a realização de pesquisas que abordem os aspectos psicológicos e sociais relacionados ao tipo de parto.

Compreende-se que o estudo fornece implicações para a enfermagem, no sentido de trazer reflexões sobre a mãe acadêmica, enquanto futura profissional de saúde que poderá trabalhar na assistência à gestante, refletindo e orientando junto a essas mulheres sobre as possibilidades de um parto seguro, saudável, respeitoso e que incentive a autonomia das gestantes em um processo de extremo protagonismo da mãe e do concepto.

CONCLUSÃO

A percepção da maioria das acadêmicas indica insatisfação relacionada aos anseios não atendidos acerca do tipo de parto almejado durante o período gestacional. Houve predominância de desejo pela via vaginal em virtude da influência dos conhecimentos acadêmicos adquiridos sobre os benefícios para o binômio mãe-bebê. Enquanto que, em oposição ao desejo expresso, a via de parto operatória se sobressaiu enquanto procedimento realizado em razão da singularidade de eventuais complicações apontadas pelo profissional, medos, situação financeira desfavorável, ausência de protagonismo materno e controle da escolha pelo médico.

Esses achados mostram que o modelo de assistência ao parto ainda tem predomínio hegemônico, e neste a mulher não possui o protagonismo que é preconizado pelas boas práticas, mesmo sendo essas mulheres detentoras de conhecimento, como no caso das acadêmicas deste estudo. Nesse sentido, há a necessidade de ampliação dos processos educativos, ressaltando a Humanização da Assistência Obstétrica como condição primária para um adequado acompanhamento, vislumbrando melhorias no processo de parto e, consequentemente, vivências satisfatórias.

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    » doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-71832021000300009

Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2022
  • Aceito
    20 Out 2022
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