Atenção plena disposicional, regulação emocional e estresse percebido em estudantes de enfermagem

RESUMO

Objetivo:

Investigar a correlação entre atenção plena disposicional, regulação emocional e estresse percebido e verificar fatores associados à atenção plena disposicional em estudantes de enfermagem.

Método:

Estudo correlacional, transversal, com estudantes de universidade pública. Foram utilizados os instrumentos: Mindful Attention Awareness Scale, Emotional Regulation Questionnaire e Perceived Stress Scale. Análises foram realizadas por meio de testes t, correlação de Pearson e regressão linear múltipla.

Resultados:

Participaram 330 estudantes. Identificou-se ausência de correlação entre a atenção plena disposicional e escore geral de regulação emocional e/ou estresse percebido e correlação fraca com a dimensão de regulação emocional supressão das emoções. Estar em tratamento psicológico e uso de substância psicoativas se associou à diminuição da atenção plena disposicional. Já idade, suficiência de horas de sono e supressão emocional se associaram ao aumento desta variável.

Conclusão

Houve relação entre a atenção plena disposicional apenas com a supressão das emoções, além de ligação desta variável com percepção de horas suficientes de sono, idade, uso de álcool ou substâncias psicoativas, estar em acompanhamento psicológico/psiquiátrico e supressão emocional.

DESCRITORES
Educação em Enfermagem; Atenção Plena; Regulação Emocional; Estresse Acadêmico; Neurociência Cognitiva

ABSTRACT

Objective:

To investigate the correlation between dispositional mindfulness, emotional regulation and perceived stress and to verify factors associated with dispositional mindfulness among nursing students.

Method:

A correlational, cross-sectional study with public undergraduate students. The following instruments were used: Mindful Attention Awareness Scale, Emotional Regulation Questionnaire and Perceived Stress Scale. Analyzes were performed using t tests, Pearson’s correlation and multiple linear regression.

Results:

The study included 330 students. There was no correlation between dispositional mindfulness and general emotional regulation score and/or perceived stress and a weak correlation with the emotional regulation dimension emotional suppression. Being in psychological treatment and psychoactive substance use were associated with decreased dispositional mindfulness. Age, sufficient sleep hours and emotional suppression were associated with an increase in this variable.

Conclusion:

There was a relationship between dispositional mindfulness only with emotional suppression, in addition to the connection of this variable with the perception of sufficient sleep hours, age, use of alcohol or psychoactive substances, undergoing psychological/psychiatric follow-up and emotional suppression.

DESCRIPTORS
Education, Nursing; Mindfulness; Emotional Regulation; Stress, Psychological; Cognitive Neuroscience

RESUMEN

Objetivo:

Investigar la correlación entre mindfulness disposicional, regulación emocional y estrés percibido y verificar factores asociados al mindfulness disposicional en estudiantes de enfermería.

Método:

Estudio transversal, correlacional con estudiantes de universidades públicas. Los instrumentos fueron utilizados: Mindful Attention Awareness Scale, Emotional Regulation Questionnaire y Perceived Stress Scale. Los análisis se realizaron mediante pruebas t, correlación de Pearson y regresión lineal múltiple.

Resultados:

Participaron 330 estudiantes. No hubo correlación entre mindfulness disposicional y puntuación general de regulación emocional y/o estrés percibido y una débil correlación con la dimensión de regulación emocional supresión de emociones. Estar en tratamiento psicológico y el consumo de sustancias psicoactivas se asociaron con una disminución del mindfulness disposicional. La edad, la suficiencia de horas de sueño y la supresión emocional se asociaron con un aumento de esta variable.

Conclusión:

Hubo relación entre el mindfulness disposicional solo con la supresión de emociones, además de la conexión de esta variable con la percepción de suficientes horas de sueño, edad, consumo de alcohol o sustancias psicoactivas, estar en seguimiento psicológico/psiquiátrico y supresión emocional.

DESCRIPTORES
Educación en Enfermería; Atención Plena; Regulación Emocional; Estrés Psicológico; Neurociencia Cognitiva

INTRODUÇÃO

A formação universitária em enfermagem tende a ser caracterizada como uma experiência potencialmente estressogênica para alguns estudantes, isso porque precisam se adaptar ao ensino superior e lidar com estressores comuns a esse período, como o afastamento do círculo familiar e de amigos, assunção de novas responsabilidades e construção de novos relacionamentos interpessoais(¹).

Ademais, os estudantes de enfermagem devem enfrentar uma gama de estressores extras, peculiares desta jornada formativa, como lidar com a dor, doenças e morte, eventos que geram intenso estímulo emocional e podem se manifestar em forma de estresse. Atividades acadêmicas excessivas e ansiedade decorrentes de experiências clínicas simuladas ou reais também coadunam com o incremento da vivência de estresse, tornando a formação em enfermagem uma experiência emocionalmente complexa(¹).

Caso esses estudantes apresentem dificuldades para lidar adequadamente com as emoções, ao depararem-se com a miríade de desafios do processo de formação, poderão sofrer prejuízo psicológico, cognitivo e no desempenho acadêmico e clínico, os quais podem aumentar a probabilidade de ocorrências de erros, produzindo resultados ruins na assistência de enfermagem prestada em ambientes clínicos de aprendizagem, gerando novas demandas emocionais aos futuros enfermeiros(²,³). Nesse sentido, é pertinente os estudantes de enfermagem utilizarem estratégias de regulação emocional como forma de enfrentar os estressores ligados ao processo de formação e, assim, aprender a lidar com as emoções despertadas.

A regulação emocional é a capacidade de tolerar reações emocionais positivas ou negativas, compreendendo-as sem excessos ou redução de sua importância, assim como controlá- las ou descarregá-las apropriadamente(⁴,⁵). Compreende-se, também, regulação emocional como um conjunto de estratégias cognitivas e comportamentais utilizadas como ferramentas de enfrentamento do estresse para ação regulatória das emoções(⁶) e que tem sido amplamente explorada em pesquisas com aplicações educacionais(⁷).

Aliado ao processo de regulação emocional, o mindfulness, cuja denominação atenção plena tem sido mais frequentemente utilizada na literatura científica brasileira, foi cientificamente introduzido no ocidente no final do século XX por Jon Kabat-Zinn, que a compreende como processo psicológico que oferece mais qualidade de atenção à experiência do momento presente, além de envolver a consciência que emerge desta ação(⁸).

Como atributo da consciência e da atenção, a atenção plena pode ser entendida, ainda, como um traço ou característica inerente ao ser humano, conhecida como atenção plena disposicional, ou seja, as pessoas possuem níveis específicos de atenção desde o nascimento, mesmo sem treinamento especial, como meditação(⁹). No entanto, essa disposição própria à atenção plena na vida diária pode ser aperfeiçoada por qualquer pessoa, mesmo em momentos de pressão e distração(⁹).

No contexto das pesquisas educacionais, a atenção plena também vem sendo muito explorada, principalmente por se apresentar como ferramenta cognitiva altamente eficaz para aumentar a aptidão dos estudantes em regular emoções e mitigar respostas negativas relacionadas ao estresse, produzindo resultados positivos no desempenho acadêmico(²,³) e potencializando desfechos de bem-estar psicológico(¹⁰).

Assim, considerando a natureza complexa, potencialmente estressante e imprevisível da formação em enfermagem, na qual os estudantes lidam com várias demandas e emoções simultaneamente, e que pouco se sabe sobre fatores relacionados à atenção plena e suas implicações para as estratégias de regulação emocional entre estudantes de enfermagem, considerou-se fundamental avaliar essas relações em contexto de formação em enfermagem, campo ainda relativamente pouco explorado na literatura(¹¹,¹²).

Portanto, esta pesquisa objetivou investigar a correlação entre atenção plena disposicional, regulação emocional e estresse percebido e verificar fatores associados à atenção plena disposicional em estudantes de enfermagem.

MÉTODO

Desenho de Estudo

Trata-se de estudo observacional, correlacional e de delineamento transversal, cujo desenho foi orientado pelas diretrizes STROBE (Trengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology)(¹³).

Local e Período

O estudo foi realizado em uma universidade pública estadual da região Centro-Oeste brasileira entre os meses de agosto e setembro de 2020. Destaca-se que, nesse período de tempo, a pandemia de COVID-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, completou seis meses desde que havia sido declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), atravessando a coleta de dados e com impactos nos processos de ensino universitários marcados principalmente pelas recomendações de distanciamento social, suspensão das atividades acadêmicas presenciais e práticas de ensino operacionalizadas em formato remoto.

População, Amostra e Tamanho Amostral

A população-alvo foi composta exclusivamente por estudantes de enfermagem, matriculados no referido curso em quaisquer um dos três campi da universidade. Na instituição de ensino superior em questão, os cursos de enfermagem possuem carga horária integral, duração de cinco anos, recebendo 80 ingressantes anualmente. Toda a população de estudantes (N = 981) foi sondada para participar do estudo, obtendo-se adesão de 335 discentes (34,15% da população), sendo que, destes, cinco foram excluídos da amostra final devido aos critérios de elegibilidade. Cálculo de poder amostral para análise de regressão linear múltipla, operacionalizado por meio do software G Power, versão 3.1.9.7, demonstrou que o tamanho amostral recrutado (n = 330) era suficiente, considerando o tamanho de efeito médio (0,15), nível de significância de 95% e poder amostral de 80%.

Critérios de Elegibilidade

Considerou-se como critério de inclusão estar devidamente matriculado em algum dos cursos de enfermagem da instituição e possuir idade maior de 18 anos na época da coleta de dados. Foram excluídos do estudo quaisquer estudantes que deixassem de responder ao questionário de atenção plena disposicional, desfecho principal deste estudo.

Coleta de Dados

Os dados foram coletados de maneira virtual, por meio de formulário eletrônico construído através da ferramenta Google ^® Forms, cujo link foi enviado aos participantes via e-mail e/ou aplicativo de mensagens. O contato dos estudantes foi disponibilizado ou intermediado por meio das coordenações dos cursos de enfermagem dos três campi da universidade em análise. Após trinta dias do início da coleta, o convite foi reiterado, na forma de lembrete, para aqueles estudantes que ainda não haviam respondido e tivessem o interesse em participar. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi disponibilizado de forma online, e o respondente deveria selecionar a caixa de diálogo correspondente à opção “sim”, indicando ciência do termo e seu aceite em participar do estudo. Nesta etapa, o participante era orientado a indicar um endereço de e-mail, utilizado como marcador de respostas.

Variáveis de Estudo e Instrumentos

Foram avaliadas as seguintes variáveis:

1. Caracterização sociodemográfica, acadêmica, de saúde e comportamentais: instrumento próprio, elaborado pela autora principal, para aplicação no contexto deste estudo, contendo questões sobre sexo, idade, situação marital, situação laboral, período do curso de enfermagem, uso de psicotrópicos, consumo de bebidas alcoólicas ou substâncias psicoativas, se fuma tabaco, se faz acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, se possui comorbidades de saúde, se possui hobbies, se participa de grupos terapêuticos ou espirituais, suficiência de sono e prática de atividade física.

2. Atenção plena disposicional: aferido por meio do instrumento Mindful Attention Awareness Scale em sua versão traduzida e validada para uso no contexto brasileiro, com bom desempenho psicométrico(¹⁴). Trata-se de uma escala de autorrelato autoaplicável e unidimensional, composta por quinze questões, com padrão de respostas em escala tipo Likert(¹⁴).

3. Regulação emocional: foi avaliada por meio do instrumento Emotional Regulation Questionnaire, em sua versão traduzida e validada para o português brasileiro, com bom ajuste psicométrico(¹⁵). Trata-se de instrumento autoaplicável, multidimensional, composto por dez questões com padrão de resposta do tipo Likert. Seis questões do instrumento aferem estratégias de reavaliação cognitiva das emoções e quatro questões avaliam a supressão das emoções(¹⁵).

4. Estresse percebido: avaliado por meio da Perceived Stress Scale, na versão sua versão traduzida e validada para contexto brasileiro, com bom desempenho psicométrico nesse processo(¹⁶). Trata-se de instrumento autoaplicável, unidimensional e que avalia a autopercepção de estresse nos últimos 30 dias. É constituído por quatorze itens com respostas dispostas em escala tipo Likert, também analisada de maneira contínua(¹⁶).

Análise e Tratamento de Dados

Análises comparativas entre os escores médios de atenção plena disposicional e as variáveis sociodemográficas, acadêmicas, de saúde e comportamentais dicotômicas foram realizadas por meio de testes t para amostras independentes, adotando-se nível de confiança de 95%. Para a única variável acadêmica politômica (semestre cursado), empregou-se análise de variância de uma via (ANOVA one-way) para identificar diferenças entre grupos(¹⁷). Para a análise correlacional entre atenção plena disposicional e as variáveis escalares, utilizou-se o coeficiente de correlação produto-momento de Pearson. Para essas análises acima, os intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram obtidos por meio de procedimentos de bootstrapping (1000 reamostragens), que fornecem IC95% corrigido e acelerado por viés (bias-corrected and accelerated - BCa IC95%). Esta técnica foi utilizada a fim de se corrigir desvios da normalidade da distribuição amostral e diferenças entre os tamanhos dos grupos(¹⁸).

Análise múltipla de fatores associados foi realizada por meio da técnica de regressão linear múltipla. Para a construção do modelo final adotado, foram consideradas todas as variáveis explicativas que apresentaram valor de p<0,20 nas análises bivariadas. Estas foram introduzidas individualmente, uma a uma, pelo método ENTER, ficando retidas no modelo final aquelas que apresentaram valores de p≤0,05. Destaca-se, ainda, que antes da adoção do modelo final, os pressupostos para regressão linear múltipla foram checados e atendidos: conferência da normalidade da distribuição dos resíduos; ausência de multicolinearidade verificada por meio do Variance Inflation Factor (VIF < 10); e a verificação da não ocorrência de autocorrelação de resíduos por meio do Teste de Durbin-Watson.

As análises foram processadas no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23.0.

Aspectos Éticos

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa, sob Parecer nº 3.938.455, de 27 de março de 2020. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido acompanhou o questionário eletrônico, que só podia ser acessado por aqueles que concordassem em participar do estudo, seguindo os preceitos e diretrizes éticas vigentes no Brasil.

RESULTADOS

Foram analisados dados de amostra composta por 330 estudantes da graduação em enfermagem de três diferentes campi universitários de uma mesma instituição pública de ensino superior. Esses estudantes apresentaram escores moderados de atenção plena disposicional (X = 55,89), regulação emocional (X = 48,72) e estresse percebido (X = 31,82) (Tabela 1).

Tabela 1.
Escores médios e desvio padrão de atenção plena disposicional, regulação emocional, reavaliação cognitiva das emoções, supressão das emoções e estresse percebido de estudantes de enfermagem de uma universidade pública da região Centro-Oeste do Brasil (n = 330) – Cáceres, MT, Brasil, 2020.

Variável	Amplitude da escala	Escore médio (desvio padrão)	BCa IC95%
Atenção plena disposicional	15 – 90	55,89 (±14,31)	54,41 – 57,33
Regulação emocional (escore geral)	10 – 70	48,72 (±10,82)	47,63 – 49,82
Reavaliação cognitiva das emoções	06 – 42	28,80 (±6,84)	28,00 – 29,60
Supressão das emoções	04 – 28	19,92 (±5,16)	19,29 – 20,49
Estresse percebido	00 – 56	31,83 (±3,79)	31,43 – 32,23

• BCa IC95%: Intervalo de confiança de 95% corrigido e acelerado por viés (bias-corrected and accelerated).

Na análise comparativa entre características sociodemográficas/acadêmicas e níveis de atenção plena disposicional, verificou-se que estudantes de enfermagem matriculados no curso da sede apresentaram maiores escores médios de atenção plena disposicional, quando comparados com aqueles matriculados em outros campi (p = 0,024), sendo esta a única diferença estatisticamente significativa encontrada entre esse grupo de variáveis (Tabela 2).

Tabela 2.
Análise comparativa entre características sociodemográficas/ acadêmicas e níveis de atenção plena disposicional entre estudantes de enfermagem de uma universidade pública da região Centro- Oeste do Brasil (n = 330) – Cáceres, MT, Brasil, 2020.

Características sociodemográficas e acadêmicas	Escore médio (desvio padrão)	Z	Valor de p
Sexo
Feminino (n = 293)	56,03 (±14,30)	0,167	0,645
Masculino (n = 37)	54,84 (±14,55)
Idade mediana
≤ 22 anos (n = 194)	54,75 (±13,74)	1,992	0,090
> 23 anos (n = 136)	57,52 (±14,99)
Situação marital
Com companheiro(a) (n = 64)	59,11 (±14,99)	0,032	0,800
Sem companheiro(a) (n = 266)	55,12 (±14,06)
Situação laboral
Somente estuda (n = 187)	56,09 (±13,92)	0,424	0,065
Estuda e trabalha (n = 143)	55,64 (±14,85)
Campus universitário matriculado
Sede	58,01 (±13,68)	0,242	0,024
Fora da sede	54,54 (±14,57)
Período do curso*
Semestres iniciais (1º ao 4º semestre) (n = 143)	55,77 (±14,30)	2,913	0,056
Semestres intermediários (5° ao 8° semestre) (n = 132)	54,37 (±14,51)
Semestres finais (9° ou 10° semestre) (n = 55)	59,87 (±14,12)

• *Análise comparativa realizada por meio de ANOVA one-way.

Em relação às características de saúde e comportamentais avaliadas neste estudo, evidenciaram-se menores níveis de atenção plena disposicional entre estudantes que relataram uso frequente de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas (p = 0,019), reportaram fazer acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico (p = 0,001), referiram fazer uso de medicamentos com finalidade terapêutica (p = 0,002) e com percepção subjetiva de insuficiência de horas de sono (p = 0,001) (Tabela 3).

Tabela 3.
Análise comparativa entre características de saúde/ comportamentais e níveis de atenção plena disposicional entre estudantes de enfermagem de uma universidade pública da região Centro-Oeste do Brasil (n = 330) – Cáceres, MT, Brasil, 2020.

Características de saúde e comportamentais	Escore médio (desvio padrão)	Z	Valor de p
Uso de tabaco
Não (n = 319)	55,93 (±14,35)	0,246	0,810
Sim (n = 11)	54,91 (±13,77)
Consumo frequente de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas
Não (n = 255)	56,94 (±14,38)	0,778	0,019
Sim (n = 75)	52,35 (±13,57)
Faz acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico
Não (n = 290)	57,31 (±14,00)	1,92	0,001
Sim (n = 40)	45,60 (±12,30)
Uso de psicotrópicos com fins terapêuticos
Não (n = 393)	56,76 (±14,04)	0,006	0,002
Sim (n = 37)	49,00 (±14,70)
Comorbidades de saúde (autorrelato de dois ou mais problemas simultâneos)
Não (n = 304)	56,30 (±14,26)	0,036	0,081
Sim (n = 26)	51,12 (±14,25)
Percepção subjetiva da suficiência de horas de sono dormidas
Dorme horas suficientes (n = 154)	59,24 (±13,30)	1,106	0,001
Não dorme horas suficientes (n = 176)	52,94 (±14,54)
Prática de atividade física
Não (n = 149)	55,18 (±14,03)	0,605	0,415
Sim (n = 181)	56,48 (±14,54)
Participação em grupos (terapêuticos, musicais, artísticos e/ou espirituais)
Não (n = 252)	56,08 (±14,58)	0,070	0,851
Sim (n = 78)	55,31 (±13,47)
Possui hobby/hobbies
Não (n = 78)	56,17 (±14,15)	0,409	0,666
Sim (n = 252)	55,81 (±14,38)

A Tabela 4 apresenta análise correlacional entre atenção plena disposicional, regulação emocional, reavaliação cognitiva das emoções, supressão das emoções e estresse percebido. Constatou-se correlação fraca e positiva entre atenção plena disposicional e o escore de supressão das emoções (r = 0,125), indicando que, quanto maiores os níveis de atenção plena disposicional, maiores os indicadores desta dimensão da regulação emocional. Além disso, evidenciaram-se também correlações fracas e positivas entre estresse percebido e todos os indicadores de regulação emocional adotados neste estudo.

Tabela 4.
Análise correlacional entre níveis de atenção plena disposicional, variáveis de regulação emocional e estresse percebido em estudantes de enfermagem de uma universidade pública da região Centro-Oeste do Brasil (n = 330) – Cáceres, MT, Brasil, 2020.

	Atenção plena disposicional	Regulação emocional	Reavaliação cognitiva	Supressão das emoções	Estresse percebido
Atenção plena disposicional	–
Regulação emocional	0,092 (–0,02; 0,19)	–
Reavaliação cognitiva	0,052 (–0,05; 0,15)	0,927* (0,91; 0,94)	–
Supressão das emoções	0,125* (0,02; 0,22)	0,868* (0,84; 0,89)	0,619* (0,54; 0,68)	–
Estresse percebido	–0,076 (–0,17; 0,02)	0,160* (0,05; 0,27)	0,137* (0,03; 0,24)	0,154* (0,04; 0,26)	–

• Entre parênteses foram apresentados os intervalos de confiança de 95% corrigidos e acelerados por viés; *resultado significativo obtido via bootstrapping.

Na Tabela 5, estão apresentadas as variáveis que permaneceram associadas à atenção plena disposicional após aplicação de método de análise de regressão linear múltipla, destacando-se que o modelo final adotado foi estatisticamente significativo [F(6,335) = 11,697; p < 0,001, R²= 0, 178], indicando que o conjunto de variáveis retidas foi capaz de explicar 17,8% da variância do desfecho.

Tabela 5
– Fatores associados à atenção plena disposicional a partir de um modelo de regressão linear múltipla em uma amostra de estudantes de enfermagem de uma universidade pública da região Centro-Oeste do Brasil (n = 330) – Cáceres, MT, Brasil, 2020.

Variáveis	Análise de regressão linear múltipla
	Coeficientes não padronizados		Coeficiente padronizado	IC95%	t	Valor de p	VIF
	B	Erro padrão	β
Intercepto	48,161	6,7890		34,805; 61,517		< 0,001
Acompanhamento psicológico (sim)	–11,011	2,236	–0,252	–15,409; –6,612	–4,925	< 0,001	1,026
Horas de sono suficiente (sim)	5,776	1,452	0,202	8,633; 2,919	2,977	< 0,001	1,011
Idade	0,488	0,123	0,186	0,206; 0,690	3,647	< 0,001	1,023
Uso de álcool ou substâncias psicoativas (sim)	–3,891	1,731	–0,114	–7,296; –0,487	–2,248	0,025	1,013
Supressão emocional	0,308	0,143	0,111	0,027; 0,588	2,158	0,032	1,040
Estresse Percebido	–0,298	0,195	0,079	–0,682; 0,087	1,523	0,129	1,055

• Notas: método de inserção: ENTER; R²: 0,178; F (6,335): 11,697 (p < 0,001); Durbin-Watson (2,161)

A variável fazer acompanhamento/tratamento psicológico ou psiquiátrico foi aquela que apresentou maior poder explicativo dentro desse modelo (β = – 0,252, t = – 4,925, p < 0,001), demonstrando que estudantes sob este tipo de acompanhamento profissional apresentaram perdas de 11,011 pontos na escala de atenção plena disposicional. Também foram fatores associados identificados a percepção subjetiva de suficiência de horas de sono dormidas (β = 0,202, t = + 2,977, p < 0,001), que se associou ao aumento dos níveis de atenção plena disposicional, e o uso de substâncias psicoativas (β = – 0,114, t = – 2,248, p = 0,025) que, por sua vez, associou–se ao decréscimo da atenção plena disposicional.

Além dessas variáveis, idade (β = 0,186, t = 3,647, p < 0,001) e a subescala supressão das emoções (β = 0,111, t = 2,158, p = 0, 032) também foram fatores associados à atenção plena disposicional entre os estudantes de enfermagem, destacando que ambas se associaram positivamente com essa medida, ou seja, conforme aumentaram a idade e os escores da supressão das emoções, aumentaram concomitantemente o indicador da atenção plena disposicional utilizado. Destaca-se, ainda, que o estresse percebido (β = 0,079, t = 1,523, p = 0, 129) foi mantido no modelo final como variável de ajuste, sem a qual perdia-se significância estatística da variável supressão das emoções e diminuía-se a capacidade explicativa do modelo.

DISCUSSÃO

Este estudo avaliou níveis de atenção plena disposicional e suas relações com indicadores de regulação emocional, estresse percebido, características sociodemográficas, acadêmicas, relacionadas à saúde e comportamentais em uma amostra de estudantes da graduação em enfermagem. Em relação aos níveis de atenção plena disposicional, esta amostra apresentou escore médio condizente com o que tem sido reportado em estudos com desfechos e população similares. Entretanto, é importante destacar que estudos recentes que avaliaram atenção plena disposicional entre estudantes de enfermagem por meio da Mindful Attention Awareness Scale apresentaram ampla variabilidade dos escores médios reportados em seus estudos de linha de base (pré-intervenções), variando de 45,80(¹⁹) a 60,51(²⁰) pontos. Isso, possivelmente, se deve às distinções acadêmicas e socioculturais de cada contexto universitário avaliado.

Além disso, os resultados deste estudo não confirmaram a hipótese de correlação positiva entre os níveis de atenção plena disposicional e regulação emocional entre os estudantes de enfermagem, o que era esperado, haja vista, como aponta a literatura(¹¹,¹²), a atenção plena representa um importante mecanismo de regulação emocional, atuando na transformando emoções negativas(²¹) e permitindo que indivíduos decifrem com maior precisão suas próprias emoções ou as dos outros, instrumentalizando-os com melhores capacidades para gerenciá-las, principalmente por meio de aspectos não julgadores e autorreguladores da própria atenção plena(¹²). A ausência de correlação significativa entre estas duas variáveis não foi exclusiva deste estudo, tendo sido consoante com os achados de estudo realizado com enfermeiros italianos(²¹).

Em relação às duas subdimensões de regulação emocional avaliadas, não se evidenciou correlação significativa entre reavaliação cognitiva das emoções e atenção plena disposicional, mesmo esta variável sendo considerada o mecanismo de operação das intervenções de atenção plena(²²). A dimensão supressão das emoções se correlacionou, mesmo que fracamente, de maneira positiva, com atenção plena disposicional, demonstrando que aumento em qualquer uma das variáveis resultou no aumento dos escores médios da outra. Tal achado foi divergente de evidência prévia, que não encontrou correlação significativa entre supressão das emoções e atenção plena disposicional(¹¹), e diferente de estudo que apontou esses indicadores se correlacionando de maneira inversa(²²).

As correlações fracas ou as ausências de correlações entre atenção plena disposicional e as variáveis de regulação emocional pode ser justificada pelo instrumento utilizado para mensurar o desfecho. Estudo metanalítico evidenciou que pesquisas que correlacionaram atenção plena e regulação emocional utilizando a Mindful Attention Awareness Scale foram aqueles que apresentaram as menores magnitudes de efeito nessas relações, quando comparados com estudos que avaliaram atenção plena por meio de outros instrumentos. Esses autores concluíram que isso poderia se dar pelo fato de a Mindful Attention Awareness Scale, em sua avaliação, não enfatizar domínios emocionais, como ocorre, por exemplo, com outras escalas, como a Five Facet Mindfulness Questionnaire (FFMQ) e a Freiburg Mindfulness Inventory (FMI)(¹²).

Em apoio a esses resultados, um artigo de revisão sintetizou as relações existentes entre atenção plena e regulação emocional, identificando que, atualmente, não existe um consenso na literatura científica acerca do conceito e das medidas utilizadas para avaliar tal medida. Além disso, o estudo reforça a existência de sobreposição de fatores que tanto constituem a atenção plena disposicional quanto a regulação emocional, o que poderia dificultar a identificação clara de relações entre eles(¹⁰).

Em relação aos fatores associados identificados neste estudo, o fato de estudantes que reportaram realizar acompanhamento psicológico ou psiquiátrico apresentarem escores diminuídos de atenção plena disposicional pode estar relacionado não ao ato de propriamente buscar auxílio especializado para a saúde mental, mas por ser mediado por outras variáveis não mensuradas neste estudo, como tipo, regularidade e duração do tratamento psicológico ou psiquiátrico empregado ou, ainda, tipo, dose e tempo de uso de psicofármacos utilizados, que podem contribuir para o decréscimo dos níveis de atenção plena disposicional(²³).

A avaliação da percepção subjetiva de suficiência de horas de sono reportada pelos estudantes demonstrou que dormir o suficiente para atender às necessidades individuais de sono parece aumentar a capacidade dos estudantes de enfermagem em se manterem mais atentos aos acontecimentos do momento presente e agirem com mais consciência. A percepção de insuficiência de horas é uma experiência relativamente prevalente entre estudantes universitários(²⁴), e sua gênese pode estar relacionada principalmente aos altos níveis de estresse vivenciados por esses indivíduos, decorrentes das pressões, cobranças e expectativas acadêmica que desencadeiam perturbações no padrão do sono(²⁴).

A amostra deste estudo foi constituída por estudantes de enfermagem majoritariamente jovens, tendo a idade uma relação significativa com indicadores de atenção plena disposicional apresentados por eles, demonstrando melhores escores desta variável entre os estudantes de maior idade e aprimoramento com o passar dos anos. Evidências prévias sugerem que, com o passar dos anos, as pessoas tendem a desenvolver maiores habilidades de controle/gerenciamento emocional e aprimorar a suas capacidades de agirem com mais consciência e se manterem mais atentos aos acontecimentos do momento presente, uma vez que deixam de ser interrompidos pela intensidade de suas emoções, sendo esses processos naturais do desenvolvimento humano(²⁵).

Quanto ao autorrelato do uso de álcool e/ou substâncias psicoativas, houve associação destas variáveis com a diminuição dos níveis de atenção plena disposicional, corroborando evidências de outros estudos, que têm demonstrado que menores níveis de atenção plena disposicional estão associados com a maior probabilidade de risco de se tornar usuários de substâncias psicoativas(²⁶) e maior gravidade da dependência dessas substâncias(²⁷). Apesar de este estudo não diferenciar a frequência de uso dessas substâncias, distinguindo usuários esporádicos dos crônicos, reconhece-se que o uso de substâncias psicoativas tende a prejudicar a conscienciosidade e clareza de emoções, provocar comportamentos automáticos ou irreflexivos e aumentar a experienciação de emoções negativas e uso de estratégias de regulação emocional disfuncionais(²⁷).

A variável supressão das emoções também se mostrou fator associado à atenção plena disposicional nesta amostra de estudantes de enfermagem, todavia de modo diferente ao inicialmente conjecturado. O uso da supressão das emoções, na tentativa de evitar ou escapar da experiência e consciência das próprias emoções, tem sido vista pelos pesquisadores como estratégia de regulação emocional disfuncional e mal adaptativa(⁶), frequentemente se associando inversamente com indicadores de atenção plena(²²). Em uma perspectiva neurobiológica, tem sido sugerido que suprimir as emoções promove uma atividade exagerada do sistema nervoso simpático que pode afetar as respostas imunológicas e a saúde física, agindo fisiologicamente de modo contrário à atenção plena, aumentando a atividade do sistema nervoso parassimpático e, em essência, amenizando a agitação sistêmica(⁶).

No entanto, já existem pesquisas que demonstram que nem sempre a supressão das emoções pode se manifestar como uma estratégia de regulação emocional disfuncional, podendo ser eficaz para certos indivíduos em determinados contextos, requerendo uma avaliação cautelosa de cada situação(²⁸), porém mais estudos ainda parecem necessários para a melhor compreensão desses processos(¹⁰).

Por fim, considera-se importante destacar as relações estabelecidas entre estresse percebido e atenção plena disposicional e as variáveis relacionadas à regulação emocional. Estresse percebido não se associou à atenção plena disposicional nesta amostra de estudantes de enfermagem. Entretanto, ficou retida no modelo final para fins de ajuste, melhorando a capacidade explicativa do modelo e garantindo a significância estatística da variável supressão das emoções, o que pode denotar, por mais que o estresse não tenha impactado diretamente os níveis de atenção plena disposicional, que ele pode ter atuado indiretamente, aumentando os níveis da utilização de supressões das emoções que, por sua vez, impactou a atenção plena disposicional. Apesar de não consensual(²⁹), a literatura tem apontado associação entre altos níveis de estresse percebido e a maior utilização de estratégias de regulação emocional tidas como disfuncionais, como a supressão das emoções e o evitamento(³⁰).

LIMITAÇÕES

Primeiramente, o desenho transversal, embora seja capaz de fornecer informações importantes para o avanço do conhecimento científico, apresenta limitações, pois, neste delineamento, todas as variáveis são medidas simultaneamente, sem distinção estrutural entre variáveis preditoras e variáveis de desfecho, o que limita as conclusões sobre causalidade ou precedência temporal. Ademais, a amostra por conveniência e o fato de o estudo ter sido realizado em diferentes campi de uma única instituição de ensino superior podem não refletir as características representativas de toda população. Estudos futuros podem abranger uma base amostral mais ampla e incluir graduandos de enfermagem de diferentes instituições, regiões ou países.

CONCLUSÃO

Esta amostra de estudantes apresentou escores médios moderados de atenção plena disposicional, regulação emocional e estresse percebido. Não foi evidenciada correlação significativa entre atenção plena disposicional, o escore geral de regulação emocional e estresse percebido, tendo esta primeira variável se correlacionado fracamente com a dimensão de regulação emocional supressão das emoções. Além disso, estar em tratamento psicológico e uso de substância psicoativas foram associados à diminuição dos níveis de atenção plena disposicional, já idade, suficiência de horas de sono e supressão emocional se associaram ao aumento da mesma.

Assim, os resultados sinalizam relação entre a atenção plena disposicional apenas com a dimensão de regulação emocional supressão das emoções, além de ligação da atenção plena disposicional com as varáveis percepção de horas suficientes de sono, idade, uso de álcool ou substâncias psicoativas, estar em acompanhamento psicológico/psiquiátrico e supressão emocional.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Thiago da Silva Domingos

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  09 Mar 2022
• Aceito
  15 Jun 2022