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Estilos de gestão no trabalho de enfermagem ambulatorial: impactos na saúde do trabalhador* *Extraído da tese: “Fatores de riscos psicossociais e dimensões do trabalho em profissionais de enfermagem de ambulatório universitário”, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2021.

RESUMO

Objetivo:

Analisar os estilos de gestão em ambulatórios de hospitais universitários e seus impactos na saúde dos trabalhadores de enfermagem.

Método:

Estudo quantitativo, transversal, participaram 388 profissionais de enfermagem atuantes em 11 ambulatórios vinculados a universidades públicas no Rio de Janeiro. Utilizamos a Escala de Estilos de Gestão, a Escala de Sofrimento Patogênico no Trabalho e a Escala de Danos Físicos e Psicossociais relacionados ao Trabalho.

Resultados:

Os estilos de gestão gerencialista e coletivo apresentaram presença moderada para a equipe de enfermagem dos ambulatórios. As características do estilo de gestão predominantemente gerencialista, evidenciadas pela falta de participação na tomada de decisão, o trabalho fortemente hierarquizado, focado nas normas e controle, atuaram como preditores das vivências de sofrimento e dos danos físicos, psíquicos e sociais apresentados pelos profissionais atuantes nesse contexto.

Conclusão

A análise dos estilos de gestão permitiu elucidar características que têm potencial para impactar negativamente a saúde dos trabalhadores destacando-se a necessidade de rever os modelos de gestão atualmente adotados para a equipe de enfermagem ambulatorial.

DESCRITORES
Equipe de Enfermagem; Saúde do Trabalhador; Gestão em saúde; Gestão de Recursos Humanos; Instituições de Assistência Ambulatorial

ABSTRACT

Objective:

To analyze management styles in outpatient clinics of university hospitals and their impacts on the nursing workers’ health.

Method:

Quantitative, cross-sectional study with 388 nursing professionals working in 11 outpatient clinics linked to public universities in Rio de Janeiro. The Management Styles Scale, the Pathogenic Suffering at Work Scale, and the Work-Related Physical and Psychosocial Harms Scale were used.

Results:

The managerial and collective management styles showed a moderate presence for the outpatient clinics nursing staff. The characteristics of the predominantly managerial management style, evidenced by the lack of participation in decision-making, the strongly hierarchical work, focused on norms and control, acted as predictors of the experiences of suffering and of the physical, psychological, and social damages presented by the professionals working in this context.

Conclusion:

The analysis of management styles allowed elucidating characteristics that have the potential to negatively impact the workers’ health, highlighting the need to review the management models currently adopted for the outpatient nursing team.

DESCRIPTORS
Nursing; Team; Occupational Health; Health Management; Personnel Management; Ambulatory Care Facilities

RESUMEN

Objetivo:

Analizar los estilos de gestión en ambulatorios de hospitales universitarios y sus impactos en la salud de los trabajadores de enfermería.

Método:

Estudio cuantitativo, transversal, participaron 388 profesionales de enfermería actuantes en 11 ambulatorios vinculados a las universidades públicas en Rio de Janeiro. Se utilizó la Escala de Estilos de Gestión, la Escala de Sufrimiento Patogénico en el Trabajo y la Escala de Daños Físicos y Psicosociales relacionados al Trabajo.

Resultados:

Los estilos de gestión gerencial y colectiva presentaron presencia moderada en el equipo de enfermería de los ambulatorios. Las características del estilo de gestión predominantemente gerencial, evidenciadas por la falta de participación en la toma de decisión, el trabajo fuertemente jerarquizado, enfocado en las normas actuaron como predictores de las vivencias de sufrimiento y de los daños físicos, psíquicos y sociales presentados por los profesionales actuantes en ese contexto.

Conclusión:

El análisis de los estilos de gestión permitió elucidar características que tienen potencial para impactar negativamente la salud de los trabajadores destacándose la necesidad de revisar los modelos de gestión actualmente adoptados para el equipo de enfermería ambulatorial.

DESCRIPTORES
Grupo de Enfermería; Salud Laboral; Gestión en Salud; Administración de Personal; Instituciones de Atención Ambulatoria

INTRODUÇÃO

As organizações públicas são sistemas complexos, nos quais as condições e organização do trabalho são influenciados pela cultura organizacional, permeada por aspectos normativos, caracterizados por um espaço burocrático, com interferência político-partidária, centralização da tomada de decisões com pouca margem de ação para a administração local e interrupção de projetos devido à escassez de recursos(11. Schmidt ML. Fatores de riscos psicossociais em contextos de trabalho municipais: diagnosticar para intervir. Psicol Saude Doencas. 2020;21(1):229-35. doi: http://dx.doi.org/10.15309/20psd210133
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).

As formas de gestão e de organização do trabalho repercutem no setor público da saúde e, mais especificamente, no trabalho da enfermagem, e são percebidas pelos profissionais em seu cotidiano laboral. As diferentes formas e modelos de gestão têm como objetivo principal instituir as melhores práticas nas organizações, impactando a atividade laborativa e a qualidade de vida no trabalho(22. Andrade VF, Bizzo WA. Comparative analysis of social responsibility management standards and their comprehensiveness. Gest Prod. 2018;25(4):807-25. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-530x3866-18
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).

O contexto de trabalho dos profissionais da saúde é permeado por dificuldades, frustrações e sofrimentos, afastado dos interesses, necessidades e aspirações dos trabalhadores e usuários, que muitas vezes têm o seu fazer dificultado e até impossibilitado em virtude da falta de condições materiais necessárias para alcançar o que lhes é demandado(33. Chinelli F, Vieira M, Scherer MDA. Trajetórias e subjetividades no trabalho de técnicos de enfermagem no Brasil. Laboreal (Porto). 2019;15(1):1-17. doi: http://dx.doi.org/10.4000/laboreal.1661
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).

Os hospitais universitários (HU) – inseridos nesse cenário – possuem indiscutível importância social no Brasil. São instituições com financiamento público, que atendem ao conjunto da população e são referência para média e alta complexidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar dessa importância, há desafios concernentes à organização e gestão do trabalho desses hospitais, proteção e produção da saúde do trabalhador, que estão relacionados ao déficit de funcionários, inadequação do espaço físico, insuficiência e precariedade de materiais e falta de leitos. Tais aspectos dificultam o cumprimento das normas de biossegurança, sobrecarregam os profissionais e alertam para a exposição desses trabalhadores aos riscos psicossociais(44. Scherer MDA, Conill EM, Jean R, Taleb A, Gelbcke FL, Pires DEP, et al. Desafios para o trabalho em saúde: um estudo comparado de Hospitais Universitários na Argélia, Brasil e França. Cien Saude Colet. 2018;23(7):2265-76. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018237.08762018. PubMed PMID: 30020380.
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).

O trabalho da enfermagem desenvolve-se nesse contexto e é permeado por atividades de gestão, as quais podem contribuir para a saúde do trabalhador, ou colaborar para o seu adoecimento. Este estudo parte da concepção de que é importante a avaliação dos modos de gestão organizacionais, tendo em vista que estes são preditores das vivências de sofrimento e dos danos psíquicos e sociais, impactando na saúde do trabalhador(55. Facas EP, Duarte FS, Mendes AM, Araújo LKR. Sofrimento ético e (in)dignidade no trabalho bancário: análise clínica e dos riscos psicossociais. In: Monteiro JK, Vieira FO, Mendes AM, editores. Trabalho e prazer: teoria, pesquisas e práticas. Curitiba: Ed. Joruá; 2015. p. 233-64.).

Para tal utilizou-se como referencial o Protocolo de Avaliação dos Riscos Psicossociais no Trabalho (PROART)(55. Facas EP, Duarte FS, Mendes AM, Araújo LKR. Sofrimento ético e (in)dignidade no trabalho bancário: análise clínica e dos riscos psicossociais. In: Monteiro JK, Vieira FO, Mendes AM, editores. Trabalho e prazer: teoria, pesquisas e práticas. Curitiba: Ed. Joruá; 2015. p. 233-64.). Esse modelo conceitual considera que nas organizações podem coexistir dois estilos de gestão: o Estilo Gerencialista e o Coletivo. O Estilo Gerencialista “se caracteriza pela centralização das decisões no papel do gestor, forte sistema burocrático, valorização das regras em detrimento dos sujeitos, sistema disciplinar rígido e alto controle do trabalho”(5:239); e o Estilo Coletivo, por outro lado, “se caracteriza por relações de troca bem estabelecidas entre os membros, valorização da criatividade e inovação, favorecimento da interação profissional e promoção de um melhor bem-estar das pessoas, tendo flexibilidade em relação aos níveis hierárquicos e valorizando o reconhecimento e o compromisso com o trabalho”(5:240).

A partir da experiência prática no cotidiano da enfermagem em diversos contextos, observa-se que há aspectos inerentes aos dois estilos de gestão permeando a profissão. Assim, organizações onde predomina o Estilo Gerencialista apontam para riscos psicossociais e podem impactar de forma negativa na saúde dos trabalhadores, enquanto o Estilo Coletivo comporta características positivas na perspectiva da saúde do trabalhador(55. Facas EP, Duarte FS, Mendes AM, Araújo LKR. Sofrimento ético e (in)dignidade no trabalho bancário: análise clínica e dos riscos psicossociais. In: Monteiro JK, Vieira FO, Mendes AM, editores. Trabalho e prazer: teoria, pesquisas e práticas. Curitiba: Ed. Joruá; 2015. p. 233-64.).

Destaca-se, contudo, que os ambulatórios diferem de outros setores de atuação da enfermagem, nos quais não há turnos de revezamento, o paciente atendido geralmente está estável e os atendimentos são programados e com demanda regulada. Considerando a lacuna na produção científica relativa ao contexto ambulatorial de atuação da enfermagem(66. Santos KM, Tracera GMP, Zeitoune RCG, Sousa KHJF, Nascimento FPB. Perfil da equipe de enfermagem de unidades ambulatoriais universitárias: considerações para a saúde do trabalhador. Esc Anna Nery. 2020;24(2):e20190192. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0192
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) e, ainda, que não foram observadas investigações que tenham como foco os estilos de gestão e sua influência nos processos de sofrimento e adoecimentos dos trabalhadores de enfermagem, esta pesquisa pretendeu colaborar nessa discussão.

Dessa forma, este estudo teve como objetivo analisar os estilos de gestão em ambulatórios de hospitais universitários e seus impactos na saúde dos trabalhadores de enfermagem.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Estudo quantitativo de abordagem transversal.

População

Trabalhadores da equipe de enfermagem.

Local do Estudo

A pesquisa foi realizada em 11 ambulatórios vinculados aos hospitais universitários e unidades ambulatoriais especializadas de três universidades públicas localizadas no município do Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Critérios de Seleção

Foi critério de inclusão ser enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem atuante na assistência de enfermagem, e de exclusão profissionais que se encontravam em licenças prolongadas. A população total do estudo contabilizava 604 profissionais à época; destes, 483 atenderam aos critérios de inclusão; foram excluídos 121 profissionais que não exerciam atividades na assistência de enfermagem. Houve 95 perdas, sendo essas relativas aos profissionais que foram abordados, mas não devolveram os instrumentos, sendo ao final contabilizados 388 profissionais.

Definição da Amostra

Inicialmente, a proposta era a realização de um censo, de forma que todos os profissionais elegíveis que foram encontrados durante a etapa de coleta de dados receberam o convite para participar da pesquisa. Porém, foi estabelecido um total de dois meses para a etapa de coleta de dados em cada uma das 11 unidades, tendo em vista a possibilidade de coleta simultânea, sendo no total seis meses dedicados a essa etapa.

Assim, foi realizado um cálculo utilizando o programa OpenEpi(77. Soe MM, Sullivan KM, Dean AG. OpenEpi: Open Source Epidemiologic Statistics for Public Health. Atlanta (GA); 2003 [cited 2018 Dec 20]. Available from: https://www.openepi.com/Menu/OE_Menu.htm
https://www.openepi.com/Menu/OE_Menu.htm...
) para estimativa do tamanho amostral, de forma a representar significativamente a população pesquisada. O total de 388 profissionais representou um intervalo de confiança de 99,9%, sendo este quantitativo representativo da população estudada.

Coleta de Dados

A coleta de dados ocorreu de julho a dezembro de 2018, no horário de funcionamento dos ambulatórios, de segunda a sexta, das 07h às 19 horas. Foi realizada pela pesquisadora principal e por uma equipe de auxiliares de pesquisa, sendo uma estudante de graduação em enfermagem e duas estudantes de um programa de pós-graduação em enfermagem. A equipe foi previamente treinada para a aplicação dos instrumentos. Os trabalhadores foram convidados individualmente para participar do estudo, e mediante o aceite, era entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, solicitada leitura e posterior assinatura com as condições expostas. A seguir, foram entregues os instrumentos de coleta de dados em envelope não transparente, sendo agendada uma data para devolução.

Foram utilizados um questionário para caracterização sociodemográfica e ocupacional, a Escala de Estilos de Gestão (EEG), a Escala de Sofrimento Patogênico do Trabalho (ESPT) e a Escala de Danos Físicos e Psicossociais relacionados ao trabalho (EDT), que fazem parte do Protocolo de Avaliação dos Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho (PROART). O PROART é validado para uso em trabalhadores e seus instrumentos são escalas do tipo Likert de frequência, compostas por cinco pontos: 1 (nunca), 2 (raramente), 3 (às vezes), 4 (frequentemente) e 5 (sempre)(55. Facas EP, Duarte FS, Mendes AM, Araújo LKR. Sofrimento ético e (in)dignidade no trabalho bancário: análise clínica e dos riscos psicossociais. In: Monteiro JK, Vieira FO, Mendes AM, editores. Trabalho e prazer: teoria, pesquisas e práticas. Curitiba: Ed. Joruá; 2015. p. 233-64.,88. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho: contribuições da psicodinâmica do trabalho [thesis]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013. 191 p.).

A EEG, composta por 22 itens, permite apreender as formas de sentir, pensar e agir compartilhadas na organização, constituindo o estilo de gestão adotado e sendo composta por dois fatores: Estilo Gerencialista (10 itens) e Estilo Coletivo (12 itens)(55. Facas EP, Duarte FS, Mendes AM, Araújo LKR. Sofrimento ético e (in)dignidade no trabalho bancário: análise clínica e dos riscos psicossociais. In: Monteiro JK, Vieira FO, Mendes AM, editores. Trabalho e prazer: teoria, pesquisas e práticas. Curitiba: Ed. Joruá; 2015. p. 233-64.). Segundo os autores, a predominância de características do estilo gerencialista aponta para resultados negativos para a saúde do trabalhador; em contraponto, a predominância de características do estilo coletivo é positiva.

A ESPT, composta por 27 itens, é formada por três fatores: Falta de sentido no trabalho (nove itens), que se expressa por sentimentos de inutilidade ao fazer um trabalho que não faz sentido para si mesmo e não é importante ou significativo para a organização, clientes e sociedade; Esgotamento mental (oito itens), que se caracteriza por sentimentos de injustiça, desânimo, insatisfação e desgaste com o trabalho; e Falta de reconhecimento (10 itens), que se traduz por sentimentos de desvalorização, não aceitação e/ou admiração pelos colegas e chefias e falta de liberdade para expressar o que pensa e sente em relação ao trabalho(55. Facas EP, Duarte FS, Mendes AM, Araújo LKR. Sofrimento ético e (in)dignidade no trabalho bancário: análise clínica e dos riscos psicossociais. In: Monteiro JK, Vieira FO, Mendes AM, editores. Trabalho e prazer: teoria, pesquisas e práticas. Curitiba: Ed. Joruá; 2015. p. 233-64.).

A EDT possui 23 itens, subdivididos em três fatores que se referem às disfunções psicológicas, sociais e físicas geradas pelo confronto com a organização do trabalho e seus respectivos estilos de gestão e vivências de sofrimento. Os danos físicos (nove itens) são relativos às dores no corpo e distúrbios biológicos; os danos psicológicos (sete itens) são definidos como sentimentos negativos em relação a si mesmo e à vida em geral; e os danos sociais (sete itens) são caracterizados pelo isolamento e dificuldades nas relações familiares e sociais(55. Facas EP, Duarte FS, Mendes AM, Araújo LKR. Sofrimento ético e (in)dignidade no trabalho bancário: análise clínica e dos riscos psicossociais. In: Monteiro JK, Vieira FO, Mendes AM, editores. Trabalho e prazer: teoria, pesquisas e práticas. Curitiba: Ed. Joruá; 2015. p. 233-64.,88. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho: contribuições da psicodinâmica do trabalho [thesis]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013. 191 p.).

Análise e Tratamento dos Dados

Os dados foram organizados, processados e analisados com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0.

A interpretação das escalas EEG, ESPT e EDT foi realizada com base nas análises da média geral e desvio-padrão do fator, sendo este realizado a partir da média e desvio padrão de cada item que compõe o fator, posteriormente utilizando-se o auxílio do software SPSS, e os itens foram agrupados para formar os fatores. Para a EEG foi realizada ainda a análise dos três itens do fator avaliados com médias mais altas a fim de verificar quais situações influenciaram os resultados gerais.

A EEG possui como ponto médio o valor 3,00; a sua classificação considera a proximidade dos resultados dos itens a esse ponto, sendo classificado como presença predominante do estilo de gestão valores superiores a 3,50; moderado, quando compreendido no intervalo 2,50 e 3,49; e, pouco característico do estilo de gestão, quando valores inferiores a 2,50(55. Facas EP, Duarte FS, Mendes AM, Araújo LKR. Sofrimento ético e (in)dignidade no trabalho bancário: análise clínica e dos riscos psicossociais. In: Monteiro JK, Vieira FO, Mendes AM, editores. Trabalho e prazer: teoria, pesquisas e práticas. Curitiba: Ed. Joruá; 2015. p. 233-64.,88. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho: contribuições da psicodinâmica do trabalho [thesis]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013. 191 p.).

Na ESPT e EDT, os itens são negativos, isto é, quanto maior o escore, maiores os riscos psicossociais. Considerando o desvio-padrão em relação ao ponto médio, os parâmetros para a avaliação de média, desvio-padrão e frequência do fator são os seguintes: 1,00 a 2,29 baixo risco psicossocial, que representa um resultado positivo; 2,30 a 3,69, risco médio, representa um estado de alerta/situação limite para os riscos psicossociais no trabalho, demandando intervenções em curto e médio prazos; 3,70 a 5,00, alto risco psicossocial, resultado negativo, demanda intervenções imediatas nas causas, visando eliminá-las e/ou atenuá-las(55. Facas EP, Duarte FS, Mendes AM, Araújo LKR. Sofrimento ético e (in)dignidade no trabalho bancário: análise clínica e dos riscos psicossociais. In: Monteiro JK, Vieira FO, Mendes AM, editores. Trabalho e prazer: teoria, pesquisas e práticas. Curitiba: Ed. Joruá; 2015. p. 233-64.,88. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho: contribuições da psicodinâmica do trabalho [thesis]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013. 191 p.).

Para a análise estatística bivariada, por entender que a classificação de risco baixo é a única que aponta um resultado positivo para a saúde do trabalhador, os riscos médio e alto foram somados e considerados como variável dependente para a análise das escalas ESPT e EDT. Para a EEG foram somadas as categorias presença moderada e predominante, e considerada variável independente. Dessa forma, foram realizadas análises bivariadas utilizando a razão de chances, odds ratio (OR), com intervalo de confiança de 95%, com um nível de significância de 5% para verificar a associação entre os estilos gerencialista e coletivo de gestão e o risco psicossocial médio ou alto de sofrimento patogênico e de danos físicos e psíquicos e sociais para a população estudada.

Para esta análise, a associação entre as escalas foi realizada conforme estabelecido por Facas(88. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho: contribuições da psicodinâmica do trabalho [thesis]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013. 191 p.), considerando-se que os estilos de gestão adotados são preditores das vivências de sofrimento dos trabalhadores e dos danos físicos e psicossociais.

Aspectos Éticos

O estudo atendeu todos os preceitos éticos para pesquisas envolvendo seres humanos, conforme preconiza a Resolução nº466/2012, sendo aprovado no ano de 2018 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição proponente e por sete coparticipantes: 1. CEP-EEAN/HESFA/UFRJ, parecer nº 2.567.807; 2. CEP-IPUB/UFRJ, parecer nº 2.617.252; 3. CEP-HUCFF/IDT/IG/UFRJ, parecer nº 2.663.714; 4. CEP-ME/UFRJ, parecer nº 2.621.377; 5. CEP-IPPMG/UFRJ, parecer nº 2.743.032; 6. CEP-INDC/UFRJ, parecer nº 2.870.894; 7. CEP-HUGG/UNIRIO, parecer nº 2.617.172; 8. CEP-HUPE/PPC/UERJ, parecer nº 2.612.075. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Dentre os profissionais da equipe de enfermagem que participaram da pesquisa, predominaram as que se declararam do sexo feminino (88,6%, n = 344), com média de 48 anos (DP ± 11) de idade, casadas ou em união estável (52,6%, n = 204), com filhos (69,8%, n = 271), da raça/cor não branca (61,6%, n = 239), com nível superior (68,3%, n = 265), técnicos ou auxiliares de enfermagem (69,6%, n = 270), com vínculo permanente (90,7%, n = 352), apenas um vínculo empregatício (52,1%, n = 202), carga horária de mais de 30 horas semanais (61,6%, n = 239), mediana de 25 anos de trabalho na enfermagem, 18 anos na instituição e 5,5 anos no ambulatório.

Na análise da média e desvio padrão do fator, observou-se que os dois estilos apresentaram presença moderada para a equipe de enfermagem dos ambulatórios universitários, sendo o Estilo de Gestão Gerencialista (μ = 2,66, DP = 0,7) e o Estilo de Gestão Coletiva (μ = 2,99, DP = 0,9). Destaca-se ainda o desvio padrão menor que um, que significa que a média foi representativa do todo.

A Tabela 1 apresenta os itens dos fatores Estilo de Gestão Gerencialista e Coletivo, em ordem decrescente, a partir da média de cada item, permitindo observar os que apresentaram as maiores médias de cada fator.

Tabela 1.
Itens dos fatores da Escala de Estilos de Gestão segundo média e desvio padrão para trabalhadores de enfermagem de ambulatórios de hospitais universitários no município do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2018. (n = 388)

A Tabela 2 apresenta a associação dos estilos gerencialista e coletivo de gestão ao risco médio ou alto avaliado pelos profissionais de enfermagem para os fatores falta de sentido no trabalho, esgotamento mental e falta de reconhecimento da Escala de Sofrimento Patogênico no Trabalho, e aos danos físicos, psíquicos e sociais da Escala de Danos Relacionados ao Trabalho.

Tabela 2.
Associação entre os fatores da Escala dos Estilos de Gestão (EEG) e os fatores da Escala de Sofrimento Patogênico no Trabalho (ESPT) e da Escala de Danos Físicos e Psicossociais no Trabalho (EDT). Análises realizadas com base na razão de chance (RC) e respectivo intervalo de confiança (IC95%) – Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2018.

DISCUSSÃO

Para os trabalhadores de enfermagem dos ambulatórios investigados, os dois estilos de gestão foram avaliados como presença moderada. Um item do estilo de gestão gerencialista foi avaliado como padrão predominante e diz respeito à valorização da hierarquia na organização. Dentre os itens avaliados como presença moderada, destacaram-se, com as médias mais altas, a importância das regras e o forte controle do trabalho. Da mesma forma, no estilo coletivo, um item foi avaliado como padrão predominante e refletia o compromisso das pessoas com a organização mesmo sem retorno adequado. Os demais itens foram avaliados como presença moderada, destacando-se, com as médias mais altas, a valorização do trabalho coletivo pelos gestores e o resultado do trabalho visto como uma realização do grupo.

A Escala de Estilos de Gestão é preditora do sofrimento e dos danos no trabalho, sendo uma relação inversamente proporcional, ou seja, uma organização que tem estilos de gestão pautados em comportamentos coletivos, união do grupo e valorização da competência e da inovação favorece a mobilização subjetiva da inteligência prática, inspirando espaços coletivos de discussão e reconhecimento dos trabalhadores. Por outro lado, uma organização do trabalho rígida e estilos de gestão mais individualistas e normativos impedem a ressignificação do sofrimento e levam ao destino patogênico desse trabalho e, como consequência, aos danos(88. Facas EP. Protocolo de avaliação dos riscos psicossociais no trabalho: contribuições da psicodinâmica do trabalho [thesis]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013. 191 p.).

Nessa perspectiva, a análise de associação entre o estilo de gestão (EGG) e o sofrimento patogênico no trabalho (ESPT) evidenciou o aumento da chance de ocorrer o sentimento de falta de sentido no trabalho (OR = 7,3), esgotamento mental (OR = 3,07) e falta de reconhecimento (OR = 8,91) entre os profissionais, quando há o predomínio da gestão gerencialista. Este mesmo estilo de gestão predominante corroborou o aumento da chance de ocorrerem danos físicos (OR = 2,94), psíquicos (OR = 5,29) e sociais (OR = 3,06) entre trabalhadores de enfermagem dos ambulatórios, na análise da associação entre o estilo de gestão (EGG) e os danos físicos e psicossociais no trabalho (EDT).

A partir dessa análise, cabe destacar que a exposição dos trabalhadores de enfermagem a ambientes de trabalho nos quais predominam características desse estilo de gestão têm aumentado a chance de sofrimento patogênico e de danos relacionados ao trabalho, com destaque para a falta de reconhecimento e danos psíquicos. Ao mesmo tempo, as características do estilo de gestão coletivo, evidenciadas nos ambulatórios pela valorização do trabalho coletivo e compromisso das pessoas, características que possibilitam o reconhecimento e a interação profissional, atuaram como protetoras para o sofrimento patogênico e danos no trabalho, quando comparado ao estilo de gestão gerencialista.

A percepção de aspectos ligados à valorização da hierarquia, regras e controle sobre o trabalho está relacionada à própria organização do trabalho da enfermagem, na qual sempre existirá uma relação de subordinação dos auxiliares e técnicos ao enfermeiro, que, segundo a legislação da categoria, é o responsável pela gestão e liderança da equipe.

Na divisão técnica do trabalho em enfermagem, técnicos e auxiliares são pressionados por enfermeiros para o cumprimento de atividades e tarefas, mas também são demandadas por outros membros da equipe de saúde e pelos usuários. Essa organização hierárquica impacta na intensificação do trabalho que se desenvolve em um contexto já precarizado(99. Araújo-dos-Santos T, Silva-Santos H, Silva MN, Coelho ACC, Pires CGS, Melo CMMM. Precarização do trabalho de enfermeiras, técnicas e auxiliares de Enfermagem nos hospitais públicos. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03411. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017050503411. PubMed PMID: 30569959.
http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017...
), trazendo consequências à saúde desses trabalhadores.

Além das relações estabelecidas dentro da própria equipe, vale considerar que o trabalho em saúde se desenvolve com base no modelo biomédico, que reduz a potência do trabalho interdisciplinar, causando frustração nos trabalhadores(1010. Kolhs M, Olschowsky A, Ferraz L. Sofrimentos e defesas no trabalho em um serviço de saúde mental. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):954-61. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0140. PubMed PMID: 31432945.
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) e impactando na autonomia do profissional de enfermagem. A esse respeito, os modelos organizacionais e de gestão causam prejuízos à autonomia desse profissional, que executa, porém pouco participa do processo de tomada de decisão, principalmente em contextos de trabalho com estruturas hierárquicas burocráticas e atitudes inflexíveis por parte da instituição(1111. Schaefer R, Zoboli ELCP, Vieira M. Sofrimento moral em enfermeiros: descrição do risco para profissionais. Texto Contexto Enferm. 2018;27(4):e4020017. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072018004020017
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).

A administração direta, nos serviços públicos de saúde, denota grandes dificuldades em gerir os serviços de saúde, relacionadas à “baixa capacidade operacional associada à falta de autonomia orçamentária, financeira e administrativa, baixos controles de qualidade, influência política externa, burocracia excessiva para contratar pessoal, efetuar adequações de estrutura e comprar insumos, medicamentos e equipamentos”(12:7).

Para evitar este cenário, “há que se investir em modelos de liderança que possibilitem a tomada de decisão coletiva e assertiva, incluindo os trabalhadores no processo reflexivo por meio de comunicação intensa e dialógica, transpondo as evidências em prática e a prática em evidências”(13:1). Tais modelos vão ao encontro do estilo de gestão coletivo, no qual predomina a valorização da competência dos trabalhadores e a inovação, o trabalho interativo, a união dos coletivos e tomada de decisão compartilhada.

Na presente pesquisa as características do estilo de gestão coletivo interferiram positivamente na saúde dos profissionais de enfermagem, onde este mostrou-se como fator de proteção para a sensação de falta de sentido no trabalho (OR = 0,20), esgotamento mental (OR = 0,30) e falta de reconhecimento (OR = 0,15) na associação com o sofrimento patogênico no trabalho (ESPT), como também na associação com os danos físicos e psicossociais no trabalho (EDT) no que diz respeito aos danos físicos (OR = 0,27), psíquicos (OR = 0,43) e sociais (OR = 0,46) entre trabalhadores de enfermagem. Essas características remetem ao trabalho colaborativo e cooperativo e às boas relações socioprofissionais entre chefe e subordinados, e ainda entre usuários e profissionais.

A esse respeito, pesquisa longitudinal realizada com profissionais de enfermagem na Suécia identificou que receber pouco ou nenhum apoio e incentivo de superiores e colegas de trabalho estava relacionado a um risco aumentado de aposentadoria por invalidez. Para os pesquisadores, a associação entre baixo apoio social e aposentadoria por invalidez pode ser explicada por ser uma atividade profissional desenvolvida em equipe. Dessa forma, quando a equipe não é favorável, contribui para fortes tensões psicossociais. Além disso, por ser uma profissão envolvida em cuidados complexos, que requerem tomada de decisões difíceis, ter um feedback do supervisor adquire uma importância especial. Nesse sentido, concluem que o apoio social pode ser um fator crucial para uma força de trabalho saudável e estável na área da saúde(1414. Leineweber C, Marklund S, Aronsson G, Gustafsson K. Work-related psychosocial risk factors and risk of disability pension among employees in health and personal care: a prospective cohort study. Int J Nurs Stud. 2019;93:12-20. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2018.10.009. PubMed PMID: 30836235.
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).

Em contrapartida, revisão sistemática constatou que problemas no relacionamento das equipes podem influenciar na piora da qualidade dos cuidados ofertados(1515. Friganović A, Selic P, Ilic B, Sedic B. Stress and burnout syndrome and their associations with coping and job satisfaction in critical care nurses: a literature review. Psychiatr Danub. 2019;31(1 Supl. 1):21-31. PubMed PMID: 30946714.). Nessa lógica, a organização do trabalho é fruto das relações sociais, e, “se o trabalho real funciona bem, são produzidos consensos no coletivo de trabalho”, que se transformam em “novas regras de trabalho”. É a partir da confiança recíproca que se dá a coesão desses coletivos, que favorece a cooperação e demonstra que os trabalhadores são conhecedores das regras, que podem não ser seguidas para que eles deem conta dos imprevistos, “enfrentados pela inteligência, criatividade e inventividade dos trabalhadores”(16:07).

Nesta pesquisa, as relações socioprofissionais estabelecidas podem estar influenciando a coesão desse coletivo de trabalhadores e permitindo a construção de consensos para o enfrentamento do trabalho real da enfermagem, que se apresenta sempre cheio de imprevistos, permitindo a expressão da singularidade dos sujeitos e uso de sua criatividade, mitigando os aspectos negativos identificados.

Nessa linha de interpretação, pesquisa realizada com profissionais atuantes em unidades de atenção primária em território violento identificou que as relações socioprofissionais atuaram como estratégias defensivas, mitigando o sofrimento cotidianamente enfrentado pelos trabalhadores, além de propiciar a eles uma identidade de grupo, fortalecendo as relações e permitindo o enfrentamento das tensões causadas pela violência armada no território(1717. Santos RS, Mourão LC, Almeida ACV, Santos KM, Brazolino LD, Leite ICM. O conflito armado e os impactos na saúde dos trabalhadores que atuam na Estratégia de Saúde da Família na cidade do Rio de Janeiro. Saude Soc. 2020;29(1):e180850. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902020180850
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), constatando-se, assim, a importância das relações socioprofissionais como mediadores do sofrimento no trabalho.

Com relação a esse aspecto, estudo realizado com enfermeiros em hospitais na China identificou maior probabilidade de permanência na sua posição atual e menor intenção de deixar o trabalho entre aqueles contentes com o respeito que recebiam dos pacientes, que possuíam reconhecimento social e uma relação de confiança com a equipe médica(1818. Jiang F, Zhou H, Rakofsky J, Hu L, Liu T, Wu S, et al. Intention to leave and associated factors among psychiatric nurses in China: a nationwide cross-sectional study. Int J Nurs Stud. 2019;94:159-65. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2019.03.013. PubMed PMID: 30978616.
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).

Constata-se a importância do apoio social como recurso de enfrentamento para os trabalhadores(1919. Albanaes P, Rodrigues KJR, Pellegrini PG, Tolfo SR. Intervenção em grupo de apoio psicológico a trabalhadores vítimas de assédio moral. Rev Psicol. 2017;35(1):61-96. doi: http://dx.doi.org/10.18800/psico.201701.003
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). Assim, ações que visem o gerenciamento dos riscos psicossociais no trabalho devem se basear em medidas que considerem os aspectos organizacionais para além das questões individuais(2020. Chirico F. The forgotten realm of the new and emerging psychosocial risk factors. J Occup Health. 2017;59(5):433-5. doi: http://dx.doi.org/10.1539/joh.17-0111-OP. PubMed PMID: 28819083.
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). Pesquisa realizada em Portugal sobre áreas prioritárias na segurança dos profissionais de enfermagem revelou que dentre as doze áreas identificadas como prioritárias em segurança do trabalho estão a ergonomia, comunicação, burnout, pausas laborais e a estrutura de trabalho(2121. Correia T, Martins MM, Forte E. Gestão de enfermagem: áreas prioritárias na segurança de profissionais e clientes. Rev Rol Enferm. 2020 [cited 2022 Feb 10];43(1):507-14. Available from: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/31684/1/507-514.pdf
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).

Partindo dessa perspectiva, uma experiência de trabalho satisfatória é aquela relacionada ao ambiente positivo de trabalho, permeado pela ética, boas relações no trabalho em equipe e apoio/suporte, bem como oportunidades de educação continuada e desenvolvimento de carreira(2222. Yarbrough S, Martin P, Alfred D, McNeill C. Professional values, job satisfaction, career development, and intent to stay. Nurs Ethics. 2017;24(6):675-85. doi: http://dx.doi.org/10.1177/0969733015623098. PubMed PMID: 26811397.
http://dx.doi.org/10.1177/09697330156230...
).

A partir dos dados apresentados constata-se que os ambulatórios universitários são contextos de trabalho nos quais prevalecem as boas relações socioprofissionais, revelando, ainda, a importância do trabalho em equipe, uma abordagem que deriva do modelo de gestão adotado. Esse aspecto pode atuar em prol da saúde do trabalhador, na medida em que há valorização do trabalho coletivo e o grupo está comprometido com o trabalho realizado, consequentemente favorecendo os mecanismos de reconhecimento.

Por outro lado, em relação aos aspectos negativos identificados que dizem respeito às características do estilo de gestão gerencialista, observou-se que essas têm aumentado a chance de desfechos desfavoráveis para a equipe de enfermagem, levando ao sofrimento patogênico e, como consequência, aos danos no trabalho. Tais aspectos devem ser considerados no âmbito das organizações no sentido de repensar os estilos de gestão adotados para as equipes de enfermagem, mediante o impacto na saúde desses trabalhadores, que são essenciais no processo de trabalho em saúde.

Esta pesquisa apresentou como limitação seu delineamento transversal, que não possibilita inferir a temporalidade e a direcionalidade entre as variáveis dependentes e independentes, apenas as associações entre elas; um segundo aspecto que merece destaque em toda pesquisa na área da saúde do trabalhador é o “efeito do trabalhador sadio”, pois participaram da pesquisa apenas os profissionais em exercício na etapa da coleta de dados, não sendo possível investigar aqueles que podem ter se afastado em decorrência das consequências dos riscos psicossociais relacionados ao trabalho, podendo subestimar alguns resultados. Vale destacar que a coleta de dados foi realizada em 2018 e os resultados podem não mais refletir a realidade dos serviços.

Outra limitação refere-se ao modelo ambulatorial adotado no Brasil, que difere de outros países, o que dificulta a comparabilidade dos resultados com outras realidades. Soma-se a isso o fato de o Brasil dispor de poucas pesquisas que têm como foco as unidades ambulatoriais.

CONCLUSÃO

Conforme apresentado nesta pesquisa, os riscos psicossociais relacionados aos estilos de gestão têm impactado no sofrimento e adoecimento desses trabalhadores, mas há aspectos positivos que podem estar mitigando esse desfecho. Os dados apresentados evidenciam a presença dos dois estilos de gestão nos ambulatórios universitários, destacando-se como aspectos positivos o compromisso da equipe de enfermagem com a organização e a valorização do trabalho coletivo e colaborativo, primando pelo bem estar e interação profissional, com relações socioprofissionais positivas. Apesar disso, apresentaram-se como aspectos negativos a falta de participação na tomada de decisão e a característica do trabalho fortemente hierarquizado, focado nas normas e controle, aspectos amplamente corroborados pela literatura.

A análise dos estilos de gestão permitiu elucidar características que têm potencial para impactar negativamente a saúde dos trabalhadores, ressaltando-se a influência da gestão gerencialista no sofrimento patogênico e adoecimento dos trabalhadores de enfermagem. A partir do exposto, destaca-se a necessidade de rever os modelos de gestão atualmente adotados para a equipe de enfermagem ambulatorial. Nesse sentido, percebe-se a importância da adoção de estratégias que protejam a organização, seus trabalhadores e seus usuários, por meio de práticas que favoreçam o reconhecimento, a comunicação efetiva e respeitosa, a tomada de decisão de forma compartilhada, permitindo mais autonomia à enfermagem, favorecendo a saúde desse coletivo de trabalhadores.

  • Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Cristiane Helena Gallasch

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2022
  • Aceito
    08 Set 2022
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