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Estudo avaliativo da consulta de enfermagem na Rede Básica de Curitiba - PR

Estudio evaluativo de la consulta de enfermería en la Red Básica de Curitiba, Paraná, Brasil

Resumos

A implantação do prontuário eletrônico na rede básica de Curitiba propiciou um avanço, com a implantação da consulta de enfermagem e da CIPESC®, que utilizou para sua modelagem a estrutura de eixos da CIPE® e a lista de ações CIPESC®. Este estudo tem como objetivo avaliar a consulta de enfermagem na ótica da produtividade e cobertura assistencial. A população foi constituída da base de dados secundária, de consultas de enfermagem realizadas de abril a julho de 2005. A análise foi realizada com Datawarehouse e a ferramenta OLAP. A produtividade por profissional é de 2,5 consultas/dia, utilizando 16% da jornada diária nesta atividade e 27% do potencial/mês. A CIPESC® foi utilizada em 21% das consultas. A cobertura de 0,08 consulta/habitante atinge 6% da população. A consulta de enfermagem possibilita a caracterização do papel do enfermeiro no cuidado à saúde, e um novo posicionamento profissional capaz de influenciar a construção de políticas públicas.

Avaliação em enfermagem; Cuidados de enfermagem; Classificação; Enfermagem em saúde pública; Informática em enfermagem


La implantación de la historia clínica electrónica en la red básica de Curitiba propició un avance en la implantación de la consulta de enfermería y de la CIPESC®, que utilizó para su diseño la estructura axial de la CIPE® y la lista de acciones CIPESC®. Este estudio tiene como objetivo evaluar la consulta de enfermería bajo la óptica de la productividad y la cobertura asistencial. La población fue constituida a partir de la base de datos secundaria de consultas de enfermería realizadas entre abril y julio de 2005. El análisis fue realizado con Datawarehouse y la herramienta OLAP. La productividad por profesional es de 2,5 consultas/día. El enfermero utiliza el 16% de su jornada en esta actividad, y el 27% del potencial/mes. La CIPESC® fue utilizada en el 21% de las consultas. La cobertura de 0,08 consultas/habitante alcanza al 6% de la población. La consulta de enfermería posibilita la caracterización del papel del enfermero en el cuidado de la salud y un nuevo posicionamiento profesional capaz de influir en la construcción de políticas públicas.

Evaluación en enfermería; Atención de enfermería; Clasificación; Enfermería en salud publica; Informática aplicada a la enfermería


The implementation of the electronic health record in the basic networks of Curitiba enabled an advance in the implementation of the nursing consultation and the ICNPCH®, whose modeling uses the ICNP® axes structure and the ICNPCH® list of action. The objective of this study was to evaluate the nursing consultation from the productivity and assistance coverage perspective. The studied population was obtained from a secondary database of nursing consultations from April to June of 2005. The analysis was performed using the Datawarehouse and OLAP tool. The productivity per professional was found to be 2.5 consultations per day. Professionals use 16% of their daily work time with this activity and up to 27% of their potential per month. The ICNPCH® was used in 21% of the consultations. There is a0.08 consultation coverage per inhabitant for 6% of the population. The nursing consultation makes it possible to characterize the nurses' role in health care and a new professional position capable of affecting the construction of public politics.

Nursing assessment; Nursing care; Classification; Public health nursing; Nursing informatics


ARTIGO ORIGINAL

Estudo avaliativo da consulta de enfermagem na Rede Básica de Curitiba - PR

Estudio evaluativo de la consulta de enfermería en la Red Básica de Curitiba, Paraná, Brasil

Sandra Honorato da SilvaI; Marcia Regina CubasII; Maira Aparecida FedaltoIII; Sandra Regina da SilvaIV; Thaís Cristina da Costa LimaV

IEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora do Programa de Pós-graduação em Tecnologia em Saúde e do Curso de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, PR, Brasil. sandra.honorato@pucpr.br

IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem (Saúde Coletiva). Professora do Programa de Pós-graduação em Tecnologia em Saúde e do Curso de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, PR, Brasil. m.cubas@pucpr.br

IIIEnfermeira. Especialista em Enfermagem do Trabalho. Enfermeira da Secretaria Municipal de Saude de Curitiba. Curitiba, PR, Brasil. ma_fedalto@yahoo.com.br

IVEnfermeira. Cursando Especialização em Unidade de Terapia Intensiva pela Universidade Positivo. Enfermeira do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, PR, Brasil. aiasilva@yahoo.com.br

VGraduanda em Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, PR, Brasil. thiza_lima@yahoo.com.br

Correspondência Correspondência: Sandra Honorato da Silva Av. Iguaçu, 1340, apto 11B - Rebouças CEP 80250-190 - Curitiba, PR, Brasil

RESUMO

A implantação do prontuário eletrônico na rede básica de Curitiba propiciou um avanço, com a implantação da consulta de enfermagem e da CIPESC®, que utilizou para sua modelagem a estrutura de eixos da CIPE® e a lista de ações CIPESC®. Este estudo tem como objetivo avaliar a consulta de enfermagem na ótica da produtividade e cobertura assistencial. A população foi constituída da base de dados secundária, de consultas de enfermagem realizadas de abril a julho de 2005. A análise foi realizada com Datawarehouse e a ferramenta OLAP. A produtividade por profissional é de 2,5 consultas/dia, utilizando 16% da jornada diária nesta atividade e 27% do potencial/mês. A CIPESC® foi utilizada em 21% das consultas. A cobertura de 0,08 consulta/habitante atinge 6% da população. A consulta de enfermagem possibilita a caracterização do papel do enfermeiro no cuidado à saúde, e um novo posicionamento profissional capaz de influenciar a construção de políticas públicas.

Descritores: Avaliação em enfermagem; Cuidados de enfermagem; Classificação; Enfermagem em saúde pública; Informática em enfermagem.

RESUMEN

La implantación de la historia clínica electrónica en la red básica de Curitiba propició un avance en la implantación de la consulta de enfermería y de la CIPESC®, que utilizó para su diseño la estructura axial de la CIPE® y la lista de acciones CIPESC®. Este estudio tiene como objetivo evaluar la consulta de enfermería bajo la óptica de la productividad y la cobertura asistencial. La población fue constituida a partir de la base de datos secundaria de consultas de enfermería realizadas entre abril y julio de 2005. El análisis fue realizado con Datawarehouse y la herramienta OLAP. La productividad por profesional es de 2,5 consultas/día. El enfermero utiliza el 16% de su jornada en esta actividad, y el 27% del potencial/mes. La CIPESC® fue utilizada en el 21% de las consultas. La cobertura de 0,08 consultas/habitante alcanza al 6% de la población. La consulta de enfermería posibilita la caracterización del papel del enfermero en el cuidado de la salud y un nuevo posicionamiento profesional capaz de influir en la construcción de políticas públicas.

Descriptores: Evaluación en enfermería; Atención de enfermería; Clasificación; Enfermería en salud publica; Informática aplicada a la enfermería.

INTRODUÇÃO

A consolidação das Unidades de Saúde (US) como porta de entrada para o Sistema Único de Saúde evidenciou a necessidade de uso da tecnologia da informação, para operacionalização e documentação do processo assistencial em enfermagem e planejamento das ações em saúde(1).

A adoção de tecnologias nos serviços constitui-se num desafio, considerando que trabalhadores e clientes são afetados pela necessidade de adaptação às novas formas de realizar uma mesma atividade(2). A implantação de inovações tecnológicas segue um padrão relativamente previsível, denominado ciclo de vida tecnológico, que se inicia com o reconhecimento de uma necessidade e a percepção de como satisfazê-la, aliando esse conhecimento às informações tecnológicas. Esse processo geralmente é lento e suscetível a aprovações ou reclamações dos beneficiados, até que possa ser comprovada sua viabilidade(3).

Nesta perspectiva, a incorporação, em 2005, da Classificação Internacional das Práticas de Enfermagem em Saúde Coletiva (CIPESC®), como ferramenta para a consulta de enfermagem no prontuário eletrônico da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Curitiba- PR, configurou uma tecnologia em saúde capaz de gerar uma base de dados ampla, que favorece a análise detalhada de variáveis, agilidade no acesso e na transmissão dos dados e informações.

A consulta de enfermagem concebida e modelada para o prontuário eletrônico da SMS de Curitiba teve como base o modelo de oito (8) eixos da Classificação de Fenômenos de Enfermagem, incluída na Classificação Internacional das Práticas de Enfermagem (CIPE® versão Beta 2). Foram empregados, obrigatoriamente, dois eixos: o Foco da Prática e o Julgamento, como compositores do Diagnóstico de Enfermagem, sendo os outros eixos utilizados como complementares. A lista de ações de enfermagem da CIPESC® serviu como apoio para elaboração de Intervenções de Enfermagem direcionadas a cada um dos diagnósticos propostos(1).

A nomenclatura CIPESC® da SMS não contemplou todas as áreas de atuação do enfermeiro no âmbito da saúde pública. Foram construídos, inicialmente, diagnósticos e intervenções para as áreas da Saúde da Mulher e da Saúde da Criança, no entanto, com uso optativo durante a realização da consulta.

Cabe ressaltar, que tanto a construção da nomenclatura, quanto a seleção das áreas de atuação beneficiadas, delineou um processo coletivo de enfermeiros da SMS. Antes da incorporação da CIPESC®, 150 enfermeiros assistenciais participaram de um curso de atualização sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem, que priorizou a consulta de enfermagem com uso de sistemas classificatórios da prática(1).

A consulta de enfermagem permite ao enfermeiro: identificar situações problema e potencialidades do cliente, focos da prática e respectivo julgamento; uso do raciocínio clínico e determinação do diagnóstico e intervenções de enfermagem, imprimindo a esse conjunto de ações, maior cientificidade que confere credibilidade perante a equipe multiprofissional e o usuário. A consulta de enfermagem realiza uma abordagem diferente da consulta médica, configurando ações que se complementam em benefício do cliente, numa visão holística e com objetivo de produzir cuidado, para se atingir a cura e a saúde(4).

A estrutura do sistema informacional foi construída de forma a possibilitar relatórios detalhados de freqüência de diagnóstico e intervenção, do perfil da clientela, da correlação entre diagnóstico e intervenção, da produtividade com e sem o uso da nomenclatura CIPESC® e da cobertura assistencial(1).

Considerando a necessidade de aprimoramento da consulta de enfermagem, bem como, o detalhamento das atividades desenvolvidas pelo enfermeiro neste processo, torna-se fundamental a avaliação dos resultados utilizando, para tal, as bases de dados do sistema de prontuário eletrônico.

Entende-se por avaliação o julgamento, a exposição de um juízo de valor sobre determinada ação, com base em critérios pré-estabelecidos, tendo os resultados alcançados a capacidade de auxiliar ou subsidiar uma tomada de decisão(5). Avaliar permite diminuir a distância entre os conceitos e as teorias e sua aplicação operacional, ponderando que a construção e utilização de indicadores facilitam a identificação de características específicas(6).

A partir da inclusão da CIPESC® na consulta de enfermagem, algumas aproximações avaliativas foram realizadas e uma delas evidencia questões relativas à reorganização do processo de trabalho, a valoração da sistematização da assistência de enfermagem, o desenvolvimento de uma prática reflexiva e monitorada(7) e a consolidação do vínculo entre o enfermeiro e o usuário.

Esse estudo caracteriza-se como uma continuidade do processo avaliativo e tem como objetivo avaliar a produtividade e cobertura assistencial da consulta de enfermagem, no cenário Curitiba.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa avaliativa, documental e retrospectiva(8), desenvolvida na cidade de Curitiba-Paraná, que concentra uma população de 1.587.315 habitantes. Dados estatísticos revelam que 75% da população, em geral, utilizam o SUS, e 25%, o sistema de saúde suplementar ou privado. No entanto, estima-se que 91% da população valem-se do SUS em algum momento de suas vidas(8).

Para atender esta população, a SMS disponibilizava em 2005, 111 Unidades Municipais de Saúde, sendo 103 básicas e do Programa Saúde da Família (PSF), três unidades especializadas e cinco Unidades 24 horas, distribuídas em nove Distritos Sanitários (DS). As Unidades de Saúde (US) básicas e do PSF se beneficiaram da incorporação da CIPESC® na consulta de enfermagem, no prontuário eletrônico. Neste cenário atuavam 388 enfermeiros, sendo aproximadamente 230 assistenciais, desenvolvendo a consulta de enfermagem em sua rotina diária. A média de enfermeiros por unidade é de 2,1. O quantitativo é determinado por variáveis como a estrutura da unidade, a população da área de abrangência e o número de equipes do PSF.

A população do estudo foi constituída de base de dados secundária da SMS de Curitiba, com informações registradas nas consultas de enfermagem, realizadas no período de abril a julho de 2005. As variáveis selecionadas foram: consultas de enfermagem realizadas com e sem a utilização da CIPESC®; número de profissionais enfermeiros por DS e usuários beneficiados com a consulta de enfermagem. A base secundária de dados foi disponibilizada pela Coordenação de Enfermagem da SMS, mediante termo de compromisso dos pesquisadores para uso exclusivo na pesquisa.

Os dados foram organizados e analisados com a utilização da tecnologia da informação, por permitir abranger um grande número e variedade de informações registradas na base de dados, de forma ágil, precisa e confiável, fator de fundamental importância, visto que o controle e uso eficaz das informações armazenadas subsidiam o processo decisório.

Os dados secundários estavam armazenados em bases diferenciadas que demandavam integração de forma a favorecer a análise proposta. A opção para a organização recaiu sobre o Datawarehouse, um sistema de administração de banco de dados, que permite organizar diferentes bases operacionais em uma base informacional integrada. Após este tratamento, a base foi submetida a ferramenta OLAP (On line Analytical Processing) que possibilita visualizar os dados sob várias dimensões, extraí-los de suas bases e construir relatórios de forma multidimensional. Todo o tratamento das bases foi realizado por um profissional da área de informática que, no sentido de facilitar o manuseio dos pesquisadores, transportou os dados para o Excel®, potencializando um recurso denominado tabela dinâmica. Desta forma, os dados foram submetidos a cruzamentos e apresentados por estatística descritiva.

Os resultados estão apresentados, discutidos e analisados considerando as questões relacionadas à produtividade e a cobertura assistencial, por DS, segundo os parâmetros básicos para programação de ações básicas de saúde, do Ministério da Saúde (MS)(9).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os parâmetros de produtividade são destinados a estimar a capacidade de produção dos serviços assistenciais, seja por recursos humanos ou físicos(9). O cálculo da produtividade está diretamente ligado à relação produção e insumos, entendendo-se por insumos todos os recursos utilizados na produção(10). O parâmetro de produtividade estabelecido pelo MS é de 3 consultas de enfermagem/hora(9).

A Figura 1 evidencia uma produtividade média de consultas de enfermagem realizada por profissional por DS, da ordem de 2,5 consultas/dia. A unidade de medida desenvolvida para a mão de obra é a minuto-trabalhador por unidade de produção, ou seja, os minutos que um trabalhador bem treinado dispensa, em média, para realizar determinado procedimento. Considerando a média obtida, em uma jornada de trabalho de 6 horas diárias (40h semanais otimizadas), pode-se afirmar que o profissional utiliza 16% de sua jornada diária para a realização da consulta de Enfermagem, ou o equivalente à uma hora de trabalho.


Algumas dificuldades são apontadas quanto à otimização da agenda de consulta do enfermeiro, dentre elas: consultórios compartilhados; tempo previsto para a consulta; pressão da demanda por consulta médica ou especialidade e a compreensão equivocada da equipe, que interrompe o atendimento do enfermeiro por não conhecer esta face do seu trabalho(7) e não saber a quem recorrer para solucionar dúvidas, quando o mesmo realiza consultas.

O conhecimento da complexidade e diversidade das atividades tradicionalmente desenvolvidas pelo enfermeiro na rede básica determina a resistência, a dificuldade ou a impossibilidade para a priorização da gerência do cuidado, em relação à gerência da US, conflitando com o cenário desejável(9). A reversão deste quadro está ancorada no respaldo legal conferido à consulta de enfermagem e no respaldo institucional explicitado na pactuação de metas do município para cobertura de grupos prioritários (gestantes, hipertensos, diabéticos, crianças, entre outros) com a consulta de enfermagem.

O conjunto das dificuldades encontradas e o conhecimento da complexidade das atividades comprovam a necessidade de reorganização do processo de trabalho da equipe e da dinâmica operacional da US, cujas ações encontram amparo legal e institucional. Cabe ressaltar que a reorganização é um processo a ser iniciado antes da incorporação de uma nova atividade e visualizado numa ótica de continuidade como condição para a consolidação de uma mudança planejada.

O MS disponibiliza um índice de produtividade de 13.2 atividades para o enfermeiro, que permite calcular a potencialidade/mês do profissional: Carga Horária Semanal x Índice de Produtividade = Potencial/Mês. Este índice aplicado a Curitiba, considerando 18 horas semanais (50% da carga horária) do enfermeiro para a atividade consulta, resulta em um potencial/mês de 237,6 consultas. Os resultados mostram que o enfermeiro utiliza cinco horas semanais para consulta, realizando 66 consultas/mês, o equivalente a 27% do potencial/mês para consultas. Este baixo índice suscita uma reflexão relativa à vulnerabilidade do profissional enfermeiro para o desempenho de uma função privativa, o que pode refletir, em parte, sua invisibilidade perante a sociedade.

Ao discutir a não visibilidade, há um indicativo da representação social de uma profissão sofrida e depreciada. No entanto, quando em encontros pessoais com enfermeiros, os indivíduos descobrem "que ele pode ser um profissional de referência em áreas de conhecimento em saúde". Porém, esta capacidade não socializada torna a profissão anônima e invisível(11).

Diante desse fato, se discute a responsabilidade do enfermeiro, com premência da adoção de um efetivo posicionamento perante a sociedade e outros profissionais da saúde(11), reordenando sua prática para ações que configurem presença constante e significativa no cuidado à saúde.

A Figura 2 demonstra a situação real e a projetada, no tangente à consulta de enfermagem. Ao considerar o conjunto de atividades do enfermeiro e destinando 50% da carga horária diária de trabalho (três horas) para realização da consulta de Enfermagem, obter-se-ia nove consultas/dia, o que proveria uma melhor cobertura para a população disponibilizando, ainda, 50% do tempo enfermeiro, para o desenvolvimento de outras funções, tanto assistenciais quanto gerenciais.


A função administrativa do enfermeiro é de extrema importância, não devendo ocorrer, no entanto, em detrimento das atividades assistenciais. Ressalta-se que a organização gerencial da rede municipal de Curitiba prevê a chefia da US, desenvolvida por um profissional de nível superior, com carga horária de 40 horas semanais exclusivamente direcionadas a administração da unidade. Desta forma, o papel gerencial do enfermeiro recairia para o planejamento e controle estratégico da US e compartilhamento de decisões diárias com implicação direta no processo assistencial. Considera-se que uma redefinição de papéis com descrição de cargos, contribuiria para que o enfermeiro exercesse, predominantemente, ações assistenciais.

Ressalta-se que, em outras esferas da rede municipal de saúde, o enfermeiro ocupa posições que conferem participação no processo decisório, o que pode reforçar a reorganização do processo de trabalho do enfermeiro assistencial, equacionando a relação tempo/atividade.

A Figura 3 mostra um aumento significativo no número de consultas de enfermagem, de 2002 a 2005, com uma linha de tendência, que caracteriza uma curva de manutenção de processo, e não de implantação, que exibiria um crescimento contínuo e acelerado.


Observa-se que a curva de 2002 e 2003 equivale a uma curva de implantação decorrente do fato que, no ano de 2003, ocorreram a instrumentalização dos enfermeiros para realização da consulta, a primeira aproximação dos mesmos com sistemas classificatórios e a construção da nomenclatura CIPESC® a ser utilizada na rede municipal.

Especial atenção deve ser dada a curva de manutenção constatada nos anos 2003 a 2005, demandando uma análise acurada das autoridades de enfermagem do município, para se atingir a produtividade e cobertura populacional desejadas e garantir a melhoria de sua saúde e qualidade de vida da população.

A Figura 4 mostra o total de consultas realizada por DS, evidenciando que a distribuição de consultas não acompanha a distribuição populacional. Salienta-se que os índices mais altos coincidem com os DSs de classe social mais vulnerável, o que corrobora com a citação de que uma sociedade dividida em classes sociais apresenta diferentes exposições aos processos de risco e ao acesso a processos benéficos ou potenciais de saúde(12). Embora, o indicador consulta de Enfermagem apresente grandes variações, a relação mantém-se pouco flutuante, com variação de 1,27 a 1,41 consulta/usuário, demonstrando homogeneidade no atendimento aos clientes.


A Figura 5 mostra a variação na utilização da CIPESC® entre os DSs, com valor máximo de 27,91% (DS Santa Felicidade) e mínimo de 11,53% (DS Matriz), o que demonstra predominância de consultas sem a utilização da CIPESC®. Entretanto, destaca-se que da totalidade das consultas realizadas no município, 21% ocorreram com uso da classificação, índice considerado otimista, já que a incorporação da mesma foi restrita ao atendimento de mulheres e crianças.


As classificações das práticas de enfermagem, agregadas à consulta, tem por finalidade atender aos diferentes tipos de demandas, de forma particular, considerando aspectos da situação sócioeconômico-cultural(13) . É um instrumento capaz de potencializar a avaliação processual de resultados e impactos da ação da enfermagem, bem como permite a captura de padrões diferenciados de suas práticas em diferentes contextos(14).

Cabe salientar que, a finalidade precípua das classificações é padronizar a linguagem profissional, o que auxilia para uniformidade na qualidade do serviço tornando o processo mais controlável(2). Sua utilização permite planejamento das intervenções de Enfermagem e, conseqüentemente, maior resolubilidade nas ações.

Em relação à cobertura assistencial, o MS define como parâmetros aqueles destinados a estimar as necessidades de atendimento de uma determinada população. Preconiza como parâmetro da cobertura de consulta de enfermagem 0,5 a 1 consulta/hab./ano.

O índice de cobertura para a população em geral, em Curitiba, atingiu a média de 0,08 consulta por habitante, com cobertura de 6% da população. A comparação entre a população geral e população assistida pela consulta de enfermagem por DS, mostra uma cobertura que varia entre 1 e 11%. O que permite afirmar que grande parcela da clientela desconhece a consulta realizada pelo enfermeiro e, conseqüentemente, não reconhece o profissional como apto e resolutivo para atendimento de suas necessidades.

Estudos realizados sobre comportamento organizacional revelam que as organizações, bem como seus membros, são resistentes às mudanças(15). Essa resistência inicial encontra-se implícita tanto no profissional enfermeiro, para assumir a responsabilidade de uma consulta, quanto no usuário, acostumado a encontrar, somente, a oferta de consulta médica. Muito embora o enfermeiro vivencie a construção, as repercussões e resultados do trabalho vivo em ato devido ao seu múltiplo papel na equipe de saúde, nem sempre tem o desejo de desfazer processos institucionalizados, que lhes dão segurança(16).

Salienta-se que a consulta de enfermagem é contra hegemônica ao modelo biomédico, pois sua organização é voltada ao cuidado, priorizando, no âmbito da saúde pública, ações de prevenção de doenças e promoção de saúde.

A Organização Mundial da Saúde enfatiza que dentre os fatores que promovem longevidade e melhoria da qualidade de vida do indivíduo, 53% estão relacionados ao estilo de vida, 20% ao meio ambiente, 17% à herança genética e apenas 10% estão associados à assistência médica. Desta forma, a enfermagem encontra um campo fértil para o desenvolvimento de seu saber, ao direcionar suas ações de cuidado aos determinantes do meio ambiente e a educação em saúde como promotora de mudanças no estilo de vida(17).

Analisando sob a ótica de inovação tecnológica em serviços de saúde é sabido que, ao ser implantada, ela afeta tanto o cliente, quanto os trabalhadores, que precisam ser capacitados para a utilização adequada do instrumento, influenciando dessa forma a produtividade e a qualidade do serviço prestado. Esta introdução requer, além da capacitação, mudanças organizacionais equivalentes, as quais serão capazes de permitir à organização, o uso abrangente dos benefícios da tecnologia(18), os quais só aparecem e são comparáveis, se todos participam do processo, ocorrendo, a partir de então, a necessidade de padronização(2).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do avanço conquistado com a implantação da consulta de enfermagem e o uso da CIPESC® no prontuário eletrônico, observa-se a necessidade da adoção de estratégias de re-planejamento e controle, otimizando sua utilização e maximizando os resultados.

Os resultados apresentados remetem à análise de quatro questões que determinam a consolidação e expansão da consulta de enfermagem e do uso da CIPESC® na SMS de Curitiba. A primeira delas indica para a reorganização do processo de trabalho do enfermeiro que resulte, entre outros, na descrição de cargo para os diferentes enfermeiros que atuam numa mesma US, diferenciando suas ações e âmbito de responsabilidade, assim como estabelecendo a diferença entre o trabalho do enfermeiro e do gerente da US.

A segunda se relaciona com o estabelecimento de metas e indicadores para a consulta de enfermagem, correlacionadas aos planos pactuados do município, objetivando o monitoramento desta atividade.

Outro aspecto refere-se à ampliação da nomenclatura CIPESC® para outras áreas de atuação do enfermeiro, além da saúde da mulher e criança, possibilitando o benefício a outros usuários do sistema e gerando novos conhecimentos.

Por fim, urge considerar a relevância de um programa de educação continuada que contemple a atualização dos profissionais envolvidos no processo e os novos enfermeiros agregados à rede municipal.

Sabe-se que o trabalho do enfermeiro é constituído, sobremaneira, por um conjunto de atividades de retaguarda, não visualizadas pelo cliente, que obstaculizam a aproximação concreta e tangível profissional/cliente. Muito embora se considere a importância das atividades relacionadas ao planejamento e desenvolvimento das ações assistenciais, elas se desenvolvem nos bastidores do processo, portanto, não são reconhecidas pela clientela que não identifica o enfermeiro como promotor de tais ações.

A implantação da CIPESC®, como uma ferramenta de uso na consulta de enfermagem num prontuário eletrônico, além de ser considerada uma abordagem sistematizada para o processo assistencial da enfermagem na Saúde Coletiva, permite visibilidade, em relatórios institucionais, de diagnósticos e intervenções de enfermagem.

Esta condição permite traçar o perfil da clientela atendida pelo enfermeiro, bem como tornar conhecidas as práticas de enfermagem em toda sua amplitude e extensão, possibilitando a caracterização de seu papel no cuidado à saúde da população e, como conseqüência, um novo posicionamento profissional capaz de influenciar a construção de políticas públicas.

Recebido: 03/06/2008

Aprovado: 05/02/2009

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  • Correspondência:

    Sandra Honorato da Silva
    Av. Iguaçu, 1340, apto 11B - Rebouças
    CEP 80250-190 - Curitiba, PR, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Aceito
      05 Fev 2009
    • Recebido
      03 Jun 2008
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