Avaliação de um software de promoção da saúde mental para graduandos de enfermagem dos anos iniciais

RESUMO

Objetivo:

Avaliar um software de promoção da saúde mental destinado a estudantes dos anos iniciais da graduação em enfermagem.

Método:

Estudo descritivo desenvolvido com 41 graduandos de uma instituição privada de ensino superior do interior do estado de São Paulo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. A coleta de dados foi realizada de forma remota de abril a outubro de 2021, usando um questionário de caracterização sociodemográfica e avaliação dos estudantes acerca do programa. Os resultados foram analisados por estatística descritiva.

Resultados:

A maioria dos participantes classificou a ferramenta e a clareza de seu conteúdo como excelentes. Os módulos considerados mais relevantes foram aqueles relacionados à resolução de problemas com implicações futuras. Os estudantes consideraram os aconselhamentos muito aplicáveis ao cotidiano e uma boa correspondência das situações-problema com a vida real.

Conclusão

Essa modalidade de intervenção configura-se como mais uma opção no rol de estratégias de promoção da saúde mental de graduandos de enfermagem, ainda que não substitua o cuidado face-a-face.

DESCRITORES
Estudantes; Enfermagem; Saúde Mental; Promoção da Saúde

ABSTRACT

Objective:

To evaluate mental health promotion software for students in the early years of undergraduate nursing course.

Method:

Descriptive study developed with 41 undergraduates from a private higher education institution in an inland city of the state of São Paulo, approved by the Research Ethics Committee. Data collection was carried out remotely from April to October 2021, using a sociodemographic characterization questionnaire and student assessment of the software. The results were analyzed by descriptive statistics.

Results:

Most respondents rated the tool and the clarity of its content as excellent. The modules considered most relevant were those related to solving problems with future implications. The students considered the advice very applicable to everyday life and a good correspondence between problem situations and real life.

Conclusion:

This type of intervention is configured as one more option in the list of strategies to promote nursing students’ mental health, although it does not replace face-to-face care.

DESCRIPTORS
Students; Nursing; Mental Health; Health Promotion

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar un software de promoción de la salud mental dirigido a estudiantes de los primeros años de graduación en enfermería.

Método:

Estudio descriptivo desarrollado con 41 estudiantes de graduación de una institución de enseñanza superior privada del interior del estado de São Paulo, aprobado por el Comité de Ética en Investigación. La recolección de datos se realizó de forma remota de abril a octubre de 2021, utilizando un cuestionario de caracterización sociodemográfica y evaluación de los estudiantes del programa. Los resultados fueron analizados por estadística descriptiva.

Resultados:

La mayoría de los encuestados calificaron la herramienta y la claridad de su contenido como excelentes. Los módulos considerados más relevantes fueron los relacionados con la resolución de problemas con implicaciones futuras. Los alumnos consideraron los consejos muy aplicables a la vida cotidiana y una buena correspondencia entre las situaciones-problema y la vida real.

Conclusión:

Este tipo de intervención es una opción más en la lista de estrategias para promover la salud mental de los estudiantes de enfermería, aunque no reemplaza la atención presencial.

DESCRIPTORES
Estudiantes; Enfermería; Salud Mental; Promoción de la Salud

INTRODUÇÃO

O ingresso na universidade é um período crítico para o desenvolvimento e ajustamento acadêmico do estudante, sendo que tal experiência, de modo geral, ocorre de forma concomitante com as tarefas psicológicas da transição da adolescência para a vida adulta – como a necessidade de desenvolvimento de novas responsabilidades e autonomia – constituindo-se, dessa forma, em um desafio a ser superado pelo discente(¹,²).

Ressaltam-se, ainda, os desafios associados à recente pandemia de COVID-19, na qual as medidas de isolamento interferiram sobremaneira em diversos aspectos psicossociais, com implicações diretas no modo de interação com as pessoas e contextos. No que tange aos estudantes, destacam-se também as adaptações necessárias nos processos de aprendizado, tendo em vista o predomínio do ensino não presencial nesse período. Esses fatores, associados ao medo da doença, que foi fortemente enfatizado também pelos meios de comunicação, são de suma importância de serem considerados em termos de resposta dos graduandos no quesito saúde mental, sobretudo entre os primeiranistas(³).

Quanto a esse público, estudos prévios ao período da pandemia(⁴,⁵) já destacavam que o aumento das demandas acadêmicas, especialmente nos anos iniciais do curso, geralmente culmina em níveis de estresse e impactos significativos na saúde mental. Entre estudantes da área da saúde, como a enfermagem, além do grande volume de conteúdos teóricos, aspectos como atividades práticas, contato com pacientes, estudo de processos de adoecimento e morte e a responsabilidade com a vida e saúde das pessoas demandam ainda mais do equilíbrio emocional do aluno(⁴,⁵).

Frente à vasta produção científica referente aos importantes impactos na saúde mental de fatores acadêmicos e psicossociais relacionados à vivência universitária de graduandos de enfermagem, a necessidade de elaboração de estratégias de intervenção para promoção da saúde mental destes universitários é evidente, visando melhor adaptação e resiliência diante dos desafios do ensino superior(⁵). Tal necessidade tornou-se ainda mais premente no contexto da pandemia.

Dentre as diversas possibilidades de intervenções para promoção de saúde mental de universitários, estudos demonstram que propostas que utilizam recursos on-line têm como vantagens um menor custo; capacidade de atingir uma grande população; acessibilidade e otimização do tempo de intervenção, considerando que os estudantes apresentam um grande volume de atividades acadêmicas e reduzido tempo disponível para programas presenciais(²,⁶–⁸). Ademais, deve-se considerar ainda a frequente dificuldade de acesso a profissionais de saúde mental por muitos discentes, por questões financeiras, escassez de profissionais no sistema público ou até mesmo devido ao estigma ainda associado à saúde mental(⁷,⁹).

Outro aspecto que favorece o uso de intervenções on-line pelos universitários é o amplo acesso e facilidade de utilização de dispositivos como smartphones, tablets e computadores. Conhecidos como “nativos digitais”, a atual geração de estudantes de graduação recorre à internet e às novas tecnologias para atividades diversas, tanto acadêmicas e profissionais como pessoais(¹⁰–¹¹). Não obstante, deve-se destacar que a ampla utilização de tais recursos digitais pelos jovens, apesar de suas potencialidades, também apresenta limitações. O excesso de tempo na utilização de tecnologias, por exemplo, pode implicar em comportamentos disfuncionais e prejuízos à saúde(¹²).

Estudos de avaliação de estratégias digitais de promoção da saúde mental ganharam maior destaque nas últimas duas décadas, com a popularização dos dispositivos eletrônicos(¹¹). Nos últimos cinco anos, estudos que avaliaram a eficácia de intervenções com recursos on-line a universitários e populações não clínicas foram realizados em países como China(²), Coreia do Sul(¹³)–¹⁴), Austrália e Nova Zelândia(⁷,¹⁵), com desfechos positivos quanto aos aspectos como estresse, sintomas depressivos e ansiosos, satisfação com a vida e bem-estar. No Brasil, no entanto, a produção científica sobre tais estratégias remotas ainda é incipiente(¹⁶).

Um artigo de revisão de escopo acerca de aplicativos móveis de autogestão em saúde mental reuniu publicações sobre a temática entre 2015 e 2020 e demonstrou a necessidade de estudos sobre aperfeiçoamento das funções destas ferramentas, sendo reforçada a importância de que a construção de tecnologias seja embasada em pesquisas que considerem as avaliações das mesmas(¹⁶).

Desse modo, entende-se que há um sólido corpo de evidências relacionado aos estressores e mecanismos de enfrentamento de estudantes universitários, inclusive da enfermagem. No entanto, o desenvolvimento e avaliação de estratégias de intervenção e promoção da saúde mental ainda é um campo a ser mais minunciosamente explorado. Ademais, diante da importância da avaliação da satisfação do público-alvo para o aprimoramento constante das intervenções, com implicações na adesão e aplicabilidade, o presente estudo teve como objetivo avaliar um software de promoção da saúde mental destinado a estudantes dos anos iniciais da graduação em enfermagem.

Entende-se que os resultados deste estudo certamente contribuirão para orientar futuras pesquisas sobre esta temática, bem como o desenvolvimento e melhorias de estratégias de cuidado para esse público, sobretudo pela possibilidade de explicitar os potenciais focos e temáticas mais compatíveis com as manifestações emocionais, contexto relacional e acadêmico deste público.

Adicionalmente, considerando que os atuais estudantes da área da saúde serão profissionais dentro de alguns anos, uma boa experiência com abordagens on-line de promoção da saúde mental, além dos benefícios para o próprio aluno, pode contribuir para que esse passe a considerar esse tipo de estratégia como relevante também em sua prática profissional, dado o número crescente de abordagens digitais em saúde(⁹,¹¹).

MÉTODO

Tipo e Local do Estudo

Trata-se de um estudo descritivo desenvolvido com estudantes dos anos iniciais do curso de enfermagem de uma instituição privada de ensino superior do interior do estado de São Paulo, Brasil.

População, Critérios de Elegibilidade, Recrutamento e Amostra

A referida instituição contou, em 2021, com 75 alunos matriculados no turno integral e 67 no noturno dos anos iniciais da graduação em enfermagem. Os critérios de elegibilidade foram: idade igual ou superior a 18 anos e frequência regular nas atividades acadêmicas no período do desenvolvimento do estudo. Todos os estudantes foram convidados a participar da pesquisa, 81% atenderam aos critérios de elegibilidade e 41 aceitaram participar, compondo a amostra final. Quanto às recusas, o motivo alegado foi falta de tempo e sobrecarga de atividades remotas. Em relação ao perfil da amostra, a maioria dos participantes era do sexo feminino (90%, n = 37), autodeclarou-se branca (71%, n = 29) e tinha entre 18 e 22 anos (68%, n = 28).

Para o recrutamento dos participantes, o pesquisador elaborou um infográfico com informações breves sobre o propósito da pesquisa, benefícios e instruções para participação. Adicionalmente, o pesquisador também preparou um vídeo no qual o estudo é explicitado de forma clara e breve, reforçando o convite à participação. O vídeo foi postado na plataforma de vídeos on-line YouTube e marcado como “não listado”, ou seja, apenas os alunos que receberam o link puderam acessá-lo. O infográfico e o vídeo foram compartilhados pelos representantes de classe nos grupos de Whatsapp das turmas, e fixados no Portal do Aluno da instituição pela coordenadora do curso.

Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada de forma remota no período de abril a outubro de 2021. Foi estruturada em duas fases, a saber, a utilização do software pelos estudantes e a respectiva avaliação do mesmo por meio de um questionário.

Descrição do Software

O software denominado “Programa interativo para estudantes de enfermagem: refletindo sobre habilidades para lidar com os desafios do contexto universitário”(¹⁷), foi desenvolvido sob financiamento do CNPq (Edital Universal n 28/2018, processo 422244/2018-0) e registrado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) pela Agência USP de Inovação (Processo Nº: BR512020002487-4). O script do software passou por validação de conteúdo de dois juízes (psicólogos de formação e docentes universitários dos cursos de enfermagem) e foi aplicado em uma amostra de graduandos de enfermagem de uma universidade pública, com resultados promissores em relação à saúde psicossocial dos mesmos(¹⁸).

O software, disponível tanto em página da web como em formato de aplicativo para Android e iOS, teve como fundamentação a teoria cognitivo-comportamental com ênfase na técnica de resolução de problemas e no treino de habilidades sociais(¹⁷–¹⁸). É composto por seis módulos: 1) estabelecimento de novas relações; 2) integração em um grupo; 3) mecanismos de enfrentamento; 4) solicitação de apoio; 5) estabelecimento de prioridades em atividades do dia a dia e 6) reflexão sobre o percurso acadêmico e metas futuras(¹⁷–¹⁸).

Os quatro primeiros módulos, estruturados no formato de situações-problema, apresentam alternativas de respostas sobre o comportamento que o estudante considera que mais se assemelha ao seu em circunstâncias como as apresentadas. O software disponibiliza aconselhamentos e informações sobre as consequências de tais comportamentos(¹⁷–¹⁸).

No quinto módulo, há uma lista de atividades para que o estudante selecione suas prioridades em relação a seu dia a dia e a partir da seleção é gerado um gráfico que ilustra as áreas com maior ênfase (acadêmicas/laborais e lazer, sendo esse dividido entre físico, social e sedentário). O sistema, então, provê aconselhamentos para um melhor equilíbrio entre elas. Por fim, no sexto e último módulo, a partir da reflexão sobre seu próprio percurso acadêmico, estimula-se que o discente descreva metas futuras nos âmbitos pessoal, profissional e social(¹⁷–¹⁸).

AVALIAÇÃO DO SOFTWARE

Itens do Questionário

Foi utilizado um questionário elaborado pelos autores, em formato eletrônico via Google Forms, tanto para o levantamento de indicadores pessoais mínimos (idade; sexo; cor autodeclarada) quanto para avaliação da ferramenta utilizada.

Um estudo prévio(¹⁹) desenvolveu uma Taxonomia para Avaliação de Softwares Educativos (TaCASE) baseando-se nas normas ISO 9126-1 e 9241-1 na qual são propostos dois grandes critérios, de qualidade e de usabilidade. No presente estudo, optou-se pelo desenvolvimento de questões avaliativas específicas considerando tanto as experiências descritas por estudos que trabalharam especificamente com a área de enfermagem(²⁰–²²), quanto nos itens propostos por esta taxonomia, selecionando aqueles mais pertinentes ao escopo do referido software.

Desse modo, o questionário contemplou majoritariamente aspectos correspondentes aos critérios de qualidade, do qual foram elencados seis dos 21 itens, e um dos 12 itens correspondentes aos critérios de usabilidade da TaCASE, conforme exposto na Figura 1.

Figura 1
Correspondência da TaCASE com os aspectos avaliados pelo questionário desenvolvido pelos autores.

Além dos 10 itens expostos na Figura 1, adicionaram-se duas questões de caráter mais geral, conforme proposto no tópico “impressão geral” de estudo prévio com graduandos de enfermagem²⁰, sendo uma denominada avaliação geral do software (item 11) e a outra inquerindo sobre possíveis sugestões de melhorias (item 12).

Métodos de Resposta dos Itens do Questionário

Quanto aos métodos de resposta propostos na elaboração do questionário, optou-se pelos métodos somativo do tipo Likert (em escala de um a cinco), conforme preconizado pelos estudos relacionados a este tipo de avaliação(¹⁹–²²), formato dicotômico tipo “sim” ou “não” quando a questão não implicava em escala de valor, e ainda formato dissertativo com um campo correspondente e de caráter opcional quando necessário, de acordo com recomendações de estudo sobre desenvolvimento de questionários na área de enfermagem(²³). O método de resposta correspondente a cada item está detalhado no Quadro 1.

Quadro 1
Itens do questionário e métodos de resposta correspondentes.

O questionário passou por avaliação de seu conteúdo por duas juízas (enfermeiras de formação, com expertise em saúde mental) e foi utilizado em um estudo piloto com três graduandas de enfermagem participantes do grupo de pesquisa dos autores, que avaliaram positivamente a clareza e pertinência dos itens.

Procedimentos de Coleta de Dados

A disponibilização do acesso ao software e respectivo questionário de avaliação foi realizada por meio de links fornecidos aos estudantes através do Portal do Aluno da instituição de ensino em questão, pela coordenadora do curso de enfermagem, e também nos grupos de Whatsapp das turmas, pelos representantes de classe. Os graduandos que se interessaram em participar do estudo, inicialmente, tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Aqueles que aceitaram participar indicaram concordância em formato eletrônico, no próprio Google Forms. O software e o questionário eram autoaplicáveis.

Análise dos Dados

Para fins de análise, optou-se pela organização dos dados em três grandes temas, a saber 1) avaliação geral, 2) interface e 3) funcionalidade. O tema 1 agrega as respostas referentes à percepção geral do participante em relação ao software (itens 10 e 11 do questionário); o tema 2 corresponde à interação do usuário com o sistema (itens 4 a 6) e o tema 3 diz respeito à aplicabilidade das temáticas e aconselhamentos propostos (itens 1 a 3, 7 a 9 e 12).

As respostas dos participantes foram organizadas em uma planilha do Microsoft Excel. Tal planilha foi transposta ao programa IBM^® SPSS versão 21.0, no qual utilizou-se estatística descritiva, medidas de dispersão e gráficos.

Aspectos Éticos

Este estudo foi elaborado de acordo com as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde) e foi aprovado pelo Parecer nº 4.382.426 de 05 de novembro de 2020 do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Todos os participantes indicaram aceite no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os estudantes que apontaram sugestões de melhorias ou ocorrência de problemas foram codificados por números, de acordo com a ordem de participação no estudo, de forma a resguardar seu anonimato.

RESULTADOS

A Figura 2 apresenta os resultados referentes à avaliação geral do software e da interface.

Figura 2
Distribuição dos participantes de acordo com a avaliação dos mesmos em relação aos aspectos gerais e à interface do software – Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2021 (n = 41).

Dos três itens que compõem a interface, o gráfico final foi o que apresentou maior percentual de participantes que atribuíram o valor máximo da escala Likert em sua avaliação (Figura 2).

Quanto à funcionalidade, conforme indicado na Figura 3, os módulos considerados mais relevantes e melhor avaliados em termos de aconselhamentos foram “metas para o futuro” e “enfrentamento”.

Figura 3
Distribuição dos participantes de acordo com os módulos considerados mais relevantes e média dos respectivos valores atribuídos aos aconselhamentos na escala Likert – Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2021 (n = 41).

A média dos valores atribuídos, na escala Likert, à aplicabilidade das proposições no cotidiano foi 4,4 (dp = 0,62), e à correspondência das situações-problema com a vida real foi 4,5 (dp = 0,67).

No que tange à ocorrência de problemas, dois participantes indicaram os seguintes problemas (que não os impediram de finalizar todas as etapas da intervenção):

Algumas partes foram um pouco lentas (participante 8).

Não consegui clicar em mais atividades de lazer que gosto de fazer (participante 27).

Quatro participantes apontaram que não finalizaram o programa por completo. Não relataram, no entanto, o problema ocorrido. Cinco participantes sugeriram melhorias:

Talvez no final colocar algumas formas de incentivo aos alunos, palavras de acolhimento e apoio (participante 4).

Acredito que uma caixinha de interação seria ótimo (participante 22).

Se conseguir diminuir os textinhos ficará melhor ainda (participante 31).

O sistema é ótimo e o design é inteligente, mas é preciso melhorar na questão de resposta rápida do sistema (participante 32).

Acho que o programa poderia oferecer mais praticidade devido ao excesso de atividades acadêmicas, com opção de textos resumidos e textos completos. Na avaliação do percentual de atividades poderia ter a possibilidade de inserir as médias das horas de cada atividade para uma avaliação mais precisa. O programa tem uma finalidade educativa, parabéns (participante 33).

DISCUSSÃO

Em relação ao perfil sociodemográfico da amostra, há congruência com os perfis apresentados na literatura em relação aos estudantes de enfermagem brasileiros, a saber, maior número de discentes do sexo feminino, jovens com idade entre 18 e 24 anos e de maioria branca(²⁴–²⁵). O cuidado, característico da profissão de enfermagem, está também associado à feminilidade, de um ponto de vista histórico. Dessa forma, é comum a caracterização deste ofício como uma profissão feminina(²⁴). Ocorre que mulheres frequentemente enfrentam demandas associadas às responsabilidades com o lar e a família de forma concomitante à universidade, aumentando seus níveis de estresse(⁵). Assim, nota-se a importância de que as estratégias de promoção da saúde mental de tais acadêmicos considerem também as especificidades relacionadas às questões de gênero.

A literatura aponta que estudos sobre estratégias on-line de promoção de saúde mental devem focar em intervenções nas quais aspectos mais singulares dos participantes sejam considerados, como características e necessidades pessoais, de forma a manter a adesão do público-alvo e maximizar a possibilidade de eficácia da abordagem(²,⁸,¹¹,¹⁵–¹⁶). Neste sentido, o presente estudo foi desenvolvido com um grupo bem específico, estudantes de enfermagem dos anos iniciais da graduação, e utilizou um software desenvolvido especialmente para essa população, considerando suas particularidades e necessidades. Essa especificidade do programa pode, então, ter contribuído à sua boa avaliação geral, com ampla maioria dos estudantes sinalizando-o como “excelente”, além de contribuir também à indicação de satisfatória aplicabilidade no cotidiano das proposições apresentadas e correspondência das situações-problema com a vida real, considerando que estas foram elaboradas pensando em aspectos específicos da adaptação ao início do curso de enfermagem.

A avaliação da clareza do conteúdo do software como “excelente” ou “boa” sugere que o programa apresenta informações adequadas e objetivas, enquadrando-se nas recomendações de publicação recente acerca do desenvolvimento de aplicativos móveis de saúde mental, que destaca que intervenções que requisitam menor esforço cognitivo tendem a estar associadas a mudanças comportamentais mais efetivas, otimizando a possibilidade de aprendizado do usuário com a plataforma(⁹).

As proposições do software de acordo com os módulos descritos no método podem ser agrupadas em dois grandes blocos, aqui denominados relacional (módulos 1 e 2) e funcional (módulos 3, 4, 5 e 6). O primeiro bloco versa sobre habilidades sociais que podem auxiliar o estudante a estabelecer relações de amizade ou de estudo no ambiente acadêmico. O segundo bloco fornece orientações sobre formas de lidar com situações acadêmicas focadas no estudo, com vistas à resolução de problemas, ampliando o rol de possibilidades/estratégias para tal.

Conforme observado nos resultados, os módulos 3 (mecanismos de enfrentamento) e 6 (definição de metas para o futuro) foram os considerados mais relevantes e também os que receberam maior pontuação. Nota-se que ambos os módulos fazem parte do bloco funcional, sugerindo que tais alunos demandam mais esse tipo de repertório voltado à resolução de problemas, a despeito de também se beneficiarem das questões relacionais.

Vale ressaltar que o módulo 3 versava sobre uma situação-problema relacionada especificamente a uma questão de desempenho acadêmico, com vistas às repercussões futuras em sua formação, caráter similar ao módulo 6 que também convida o usuário a visualizar-se no futuro. Entende-se que essa dinâmica de se projetar no devir possa ter, de algum modo, despertado o interesse dos participantes, sobretudo por tratarem-se de primeiranistas que usualmente estão imbuídos de inúmeros projetos futuros desde a fase de escolha da profissão e do curso. Destaca-se que estas características podem ser consideradas como um convite a projetos de vida, que são de suma importância para o fortalecimento da resiliência(²⁶).

No que concerne à interface, o aspecto mais amplamente avaliado como “excelente” foi a qualidade do gráfico de distribuição das tarefas do usuário de acordo com as prioridades estabelecidas no dia a dia. Ressalta-se que tal módulo se configura no mais interativo do programa, além de proporcionar um gráfico final como um produto de tal interação. Esse caráter assume relevância tendo em vista que, em outros estudos, o fator de interatividade foi considerado como especialmente importante à maior adesão a intervenções on-line em saúde(⁷–⁸), além de os recursos gráficos serem associados a um menor esforço cognitivo para o aprendizado com a ferramenta(⁹).

Além disso, a disponibilização de uma ampla lista com diferentes possibilidades de lazer neste módulo configura-se, ainda, como uma possibilidade de expansão do repertório comportamental do estudante neste quesito. Isto é, entende-se que com a leitura dessa lista, no momento de selecionar as que correspondem a seu cotidiano, bem como dos aconselhamentos propostos após essa seleção, o graduando vislumbra outras alternativas de lazer nas quais pode se engajar. Considerando a relevância das atividades físicas, de interação social e de descanso à sua saúde mental e bem-estar(²⁷–²⁹), notam-se os potenciais benefícios dessa ampliação de repertório.

Em relação ao tempo de resposta do software, estudos prévios têm destacado a importância deste quesito tendo em vista o seu papel na motivação do usuário em relação à finalização da atividade e adesão à proposta(⁸,¹¹). Neste sentido, o presente estudo também corrobora esta indicação, tendo em vista as pontuações feitas por três participantes em relação à lentidão do sistema quando utilizaram a plataforma. Apesar disso, o tempo de resposta do programa foi avaliado como “excelente” ou “bom” pela maioria dos participantes, o que pode sinalizar prováveis oscilações na rede acessada pelo participante.

Finalmente, ressalta-se como uma recomendação de suma importância a divulgação e incentivo, por parte das instituições de ensino, com relação à disponibilização e uso de softwares ou aplicativos previamente triados por elas no tocante à efetividade e adequação de suas temáticas e objetivos. Isto é, a literatura aponta que universitários tendem a confiar mais em aplicativos de saúde disponibilizados por instituições oficiais e reconhecidas, como suas próprias universidades(⁶,¹¹), e apresentam maior adesão a programas que otimizem o tempo investido, considerando a escassez de tempo livre nessa população, frequentemente sobrecarregada com atividades acadêmicas e/ou de trabalho(²,³⁰). Desta forma, sugere-se que novas estratégias de promoção da saúde mental de graduandos sejam adicionadas, por instituição reconhecida, em plataformas oficiais, aumentando a confiança na intervenção e na segurança de seu uso. Isso porque, atualmente, inúmeros aplicativos têm sido desenvolvidos; no entanto, muitos têm a finalidade comercial, outros disponibilizam conteúdos pouco embasados cientificamente ou ainda reforçando ideias de senso comum, sobretudo em relação à saúde mental(¹³,¹⁶).

Como limitações do presente estudo, vale ressaltar a utilização de instrumento de autoria própria, amostragem por conveniência e apenas uma instituição de ensino como local de estudo. Entende-se que, embora o questionário de avaliação tenha sido submetido à apreciação de juízes com expertise na área, a utilização de um instrumento validado ampliaria a confiabilidade dos resultados obtidos. Além disso, amostragens mais acuradas em termos estatísticos, bem como diversificação dos locais de estudo, ampliariam as possibilidades de generalização e comparação dos resultados.

A impossibilidade de recrutamento e coleta de dados de forma presencial, devido à pandemia de COVID-19, teve implicações diretas no tamanho amostral. A sobrecarga de atividades remotas e a falta de tempo foram aspectos destacados pelos estudantes que se recusaram a participar. Apesar disso, os resultados obtidos sugerem que o software consiste em um recurso de promoção de saúde mental também para este público que não participou da pesquisa, visto que tal ferramenta se sobrepõe aos desafios elencados como motivos de recusa, tendo em vista seu caráter autoaplicável, sua boa interface e funcionalidade. Desse modo, os pesquisadores viabilizaram links para uso do software para toda a população do estudo, independentemente se desejassem ou não participar da etapa avaliativa.

Por fim, ressalta-se que, apesar das evidentes potencialidades da utilização de intervenções on-line em saúde, suas limitações não devem ser desconsideradas. O uso de tecnologias no cotidiano dos “nativos digitais”, ainda que imprescindível à inserção do jovem ao dinamismo da sociedade contemporânea, quando em excesso, está associado à perda de competências relacionais e de gestão emocional(¹²). Dessa forma, entende-se que a implementação de novas abordagens digitais deve ser considerada no seio de uma política mais alargada de promoção de saúde mental, em equilíbrio com as atividades presenciais, para que não ocorra substituição das interações pessoais.

CONCLUSÃO

A avaliação dos estudantes em relação ao software foi muito boa, especialmente quanto aos aspectos gerais de sua utilização e à sua funcionalidade. Conclui-se que o referido software pode ser considerado como mais uma opção dentre as possibilidades de intervenções para promoção da saúde mental de estudantes de enfermagem dos anos iniciais, constituindo-se em uma ferramenta promissora sobretudo pelo fácil acesso, baixo custo e transposição de barreiras como falta de tempo para abordagens mais demoradas ou dificuldade de acesso a estratégias presenciais.

Sugere-se que a elaboração de novas propostas de promoção da saúde mental de graduandos de enfermagem resguarde características como clareza do conteúdo, interface interativa e responsiva, utilização de recursos gráficos e disponibilização da ferramenta por instituição percebida como confiável, para promoção da adesão e satisfação do público-alvo, com implicações na eficácia da intervenção. Sugere-se, também, conteúdo com foco em temáticas associadas a resolução de problemas, e que especificidades de gênero sejam consideradas, sendo a maior parte dos acadêmicos do gênero feminino.

Ainda que nenhuma ferramenta tecnológica substitua completamente o cuidado face-a-face com um profissional capacitado, especialmente no caso de problemas de adaptação e sofrimento emocional mais acentuados, nota-se a potencialidade do uso de tais recursos como estratégia adicional, sobretudo entre uma população de jovens considerados “nativos digitais”.

• Apoio financeiro Processo nº 2020/13449-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Paulino Artur Ferreira de Sousa

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Set 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  14 Jan 2022
• Aceito
  24 Jul 2022