Acessibilidade / Reportar erro

O papel da Atenção Primária na prevenção de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde* * Extraído do projeto "Avaliação da vulnerabilidade programática para prevenção de Infecções Relacionadas à Assistência a Saúde nas Unidades Básicas de Saúde da Região do Butantã do Município de São Paulo", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2011-2013

Resumos

O papel da Atenção Primária à Saúde (APS) na prevenção de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) é raramente discutido na literatura. O presente artigo tem por objetivo desenvolver um estudo teórico com base no princípio Primum non nocere , trazendo à luz uma reflexão sobre o papel da APS na prevenção de IRAS com ênfase nas recomendações de práticas. Os papéis indireto e direto da APS na prevenção de IRAS são debatidos, considerando este princípio orientador. No papel indireto da APS, discutem-se a questão do hospitalocentrismo e as internações por condições sensíveis à atenção primária. Referente ao papel direto apontam-se os desafios a serem superados. São indicados sete componentes essenciais para desenvolvimento de um programa de prevenção de IRAS na APS e respectivas recomendações.



Infecção hospitalar; Segurança do paciente; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem em saúde comunitária; Modelos teóricos


Little research has been conducted to date on the role of primary health care (PHC) in the prevention of healthcare associated infections (HCAIs). The present article is a theoretical study of the principle of primum non nocere and aims to promote reflection on the role of PHC in HCAI prevention with emphasis on practical recommendations. The indirect and direct roles of PHC in HCAI prevention are debated in light of this guiding principle. With respect to the indirect role of PHC, we discuss the issues of hospital-centrism and ambulatory care-sensitive conditions. The article outlines a number of challenges faced by health services related to PHC’s direct role in HCAI prevention, highlights seven key components of HCAI prevention programmes within the PHC sphere and provides practical recommendations for HCAI control and prevention.


Cross infection; Patient safety; Primary Health Care; Community health nursing; Models theoretical


El rol de la Atención Primaria a la Salud (APS) en la prevención de Infecciones Relacionadas con la Asistencia a la Salud (IRAS) rara vez se discute en la literatura. El presente artículo tiene como meta desarrollar un estudio teórico con base en el principioPrimum non nocere, trayendo a la luz una reflexión acerca del papel de la APS en la prevención de IRAS con énfasis en las recomendaciones de prácticas. Los roles indirecto y directo de la APS en la prevención de IRAS se debaten teniendo en cuenta este principio orientador. En el rol indirecto de la APS se discuten el tema del hospitalocentrismo y los internamientos por condiciones sensibles a la atención primaria. Con respecto al rol directo se apuntan los retos a superarse. Se señalan siete componentes esenciales para el desarrollo de un programa de prevención de IRAS en la APS y las respectivas recomendaciones.


Infección hospitalaria; Seguridad del paciente; Atención Primaria de Salud; Enfermería en salud comunitaria; Modelos teóricos


Introdução

Atenção Primária à Saúde (APS) é definida, desde a Conferência de Alma-Alta, em 2003, como

a assistência sanitária essencial baseada em métodos e tecnologias práticas, cientificamente fundados e socialmente aceitáveis, postos ao alcance de todos os indivíduos e famílias da comunidade mediante a sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam suportar, em todas e cada etapa do seu desenvolvimento, com um espírito de autorresponsabilidade e autodeterminação(101 Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde; Biblioteca Virtual em Saúde. DeCS - Descritores em Ciências da Saúde. Atenção Primária à Saúde [Internet]. São Paulo; 2014 [citado 2014 set. 9]. Disponível em: http://decs.bvs.br
http://decs.bvs.br...
).

A APS é considerada componente-chave da atenção à saúde e não deve ser compreendida como a antítese da assistência hospitalar, mas simcoordenadoras de uma resposta integrada a todos os níveis do sistema de saúde(202 Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial de Saúde 2008. Cuidados de Saúde Primários: agora mais que nunca. Lisboa: Ministério da Saúde; 2008).

O sistema de saúde atual requer o atendimento às crescentes expectativas de um melhor desempenho. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a prestação de cuidados pouco seguros constitui-se em uma das cinco limitações comuns na prestação de cuidados de saúde(202 Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial de Saúde 2008. Cuidados de Saúde Primários: agora mais que nunca. Lisboa: Ministério da Saúde; 2008). Neste contexto, a minimização da ocorrência de Infecções Relacionadas à Assistência a Saúde (IRAS) é uma prioridade de segurança.

A concepção de segurança do paciente é a ausência de danos preveníveis durante o processo do cuidado em saúde(303 World Health Organization. Patient Safety [Internet]. Geneva; 2004 [cited 2013 Mar 3]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/about/en/index.html
http://www.who.int/patientsafety/about/e...
). Esta concepção apoia-se no princípio expresso pelo axioma latino Primun non nocere, cujo significado em português pode ser entendido como Antes de tudo, não causar dano. Muitas vezes atribuído a Hipócrates, este axioma de origem desconhecida(404 Smith CM. Origin and uses of primum non nocere: above all, do no harm! J Clin Pharmacol. 2005;45(4):371-7) é utilizado como um lema do princípio da não maleficência, no qual se apoiam os programas de segurança do paciente. Primun non nocere tem sido intensamente utilizado e debatido como princípio orientador na assistência hospitalar desde o estudo clássico desenvolvido pelo Institute of Medicine (IOM), nos EUA, apontando a morte anual de aproximadamente 98.000 pessoas/ano naquele país em consequência de erros médicos(505 Leape LL, Berwick DM. Five years after to err is human. JAMA. 2005;293(19):2384-90.). Porém, embora algumas publicações indiquem a sua aplicação voltada para a assistência não hospitalar(606 Centers for Diseases Control and Prevention. Guide to infection prevention for outpatient settings: minimum expectations for safe care [Internet]. Atlanta, GA; 2014 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/HAI/settings/outpatient/outpatient-care-guidelines.html
http://www.cdc.gov/HAI/settings/outpatie...
), este princípio ainda é pouco refletido quando se trata da APS.

O presente artigo tem por objetivo desenvolver um estudo teórico na perspectiva do princípio Primum non nocere, analisando a segurança do paciente na atenção à saúde no âmbito da APS com enfoque na prevenção de IRAS. Pretendemos trazer à luz uma reflexão sobre os papéis da APS na prevenção de IRAS, questionando o quanto o modelo atual de saúde atende a este princípio norteador, identificando desafios a serem superados e propondo uma abordagem prática de componentes essenciais para prevenção de IRAS na APS.

Desenvolvimento do Estudo

O presente estudo desenvolveu-se tendo como referência o princípio Primun non nocere aplicado aos dois âmbitos reconhecíveis do papel da APS no que tange à prevenção de IRAS: indireto e direto.

Por configurar-se como elemento integrador no sistema de saúde, a APS possui um papel indireto na prevenção de IRAS, dado que deve atuar na prevenção de enfermidades e, consequentemente, na redução de internações hospitalares desnecessárias. Deve também propiciar o acesso oportuno aos serviços de saúde de acordo com as necessidades de saúde. As intervenções de saúde desnecessárias podem causar danos, o que claramente conflita com o princípio de segurança assumido mundialmente como um preceito ético e de trabalho em saúde(707 Tovar-Bobo M, Cerecedo-Pérez MJ, Rozadilla-Arias A. Ética y prevención de la medicalización. Semergen. 2013;39(7):376-81).

Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) são consideradas marcadores importantes da qualidade na APS(808 Malta DC, Duarte EC. Causas de mortes evitáveis por ações efetivas dos serviços de saúde: uma revisão de literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(3):765-76-909 Fernandes VBL, Caldeira AP, Faria AA, Rodrigues Neto JF. Internações sensíveis na atenção primária como indicador de avaliação da Estratégia Saúde da Família. Rev Saúde Pública. 2009;43(6):928-36). Um estudo realizado em Minas Gerais demonstrou que houve associação entre ICSAP e o não acompanhamento pela Estratégia Saúde da Família (ESF)(909 Fernandes VBL, Caldeira AP, Faria AA, Rodrigues Neto JF. Internações sensíveis na atenção primária como indicador de avaliação da Estratégia Saúde da Família. Rev Saúde Pública. 2009;43(6):928-36). Os autores consideraram que as equipes de ESF têm o maior potencial para atuar preventivamente sobre as doenças crônicas que representam as principais causas de internações evitáveis. A prevenção de ICSAP deve ter um impacto natural na redução de indivíduos expostos às condições de atendimento hospitalar, que são as maiores geradoras de IRAS. Em outras palavras, o princípio Primun non nocere estaria incorporado nas estratégias de prevenção de ICSAP, uma vez que apenas prevenir o dano da assistência realizada é insuficiente: é preciso promover a saúde(404 Smith CM. Origin and uses of primum non nocere: above all, do no harm! J Clin Pharmacol. 2005;45(4):371-7).

O fenômeno caracterizado como hospitalocentrismo enfatiza de maneira desproporcional a resolução dos problemas de saúde por meio do atendimento hospitalar. A centralização hospitalar implica custos consideráveis em termos de medicação e iatrogênese desnecessárias. Em decorrência do pensamento hospitalocêntrico, quando um indivíduo é admitido para tratamento por internação hospitalar, é generalizada a crença de que as consequências de iatrogenias decorrentes de seu cuidado estão diretamente relacionadas à qualidade dos cuidados prestados no hospital. Esta é uma visão simplista do processo que não considera questões relevantes para o sistema de saúde e que envolvem as relações existentes entre os níveis de atenção em saúde. Entre as questões potenciais, pode-se arguir sobre qual a real necessidade de uma internação ou mesmo se a conduta adequada quanto ao agravo pode evitar a internação hospitalar. Ainda, se realmente necessária a internação, o indivíduo chega ao atendimento hospitalar em tempo oportuno ou o atraso no seu atendimento gera complicações que poderiam ter sido evitadas? A característica de evitabilidade de um fenômeno é decorrente também do atendimento pré-hospitalar. Esta situação é agravada na atenção a emergências cirúrgicas, de trauma e parto, para os quais o atraso no atendimento aumenta as chances de um evento infeccioso.

A centralidade exacerbada no intervencionismo carrega em seu bojo uma ênfase no tecnicismo comercial, no qual a incorporação de mais exames e procedimentos diagnósticos sofisticados são percebidos como melhoria na qualidade assistencial. Entretanto, nem sempre é ponderado que exames invasivos possuem também a sua parcela de eventos adversos. Há um esquecimento induzido de que o princípio de Primun non nocere pressupõe uma seleção criteriosa de quando intervir e de quando não intervir, considerando a possível maleficência de uma intervenção, seja ela terapêutica ou diagnóstica(1010 Cucalón JM, Guiu M. El enigma de la prevención cuaternaria en atención primaria. Cuándo hacer y cuándo no hacer (a propósito de 2 casos). Semergen. 2013;39(6):313-5). O sentido estrito do Primun non nocere na APS pode ser considerado dentro do conceito de prevenção quaternária, na qual se evitam os danos decorrentes do excesso da intervenção médica(707 Tovar-Bobo M, Cerecedo-Pérez MJ, Rozadilla-Arias A. Ética y prevención de la medicalización. Semergen. 2013;39(7):376-81,1010 Cucalón JM, Guiu M. El enigma de la prevención cuaternaria en atención primaria. Cuándo hacer y cuándo no hacer (a propósito de 2 casos). Semergen. 2013;39(6):313-5). Há influências econômicas que pendem para este tecnicismo, pois determinados segmentos da indústria da saúde têm maior interesse em vender o que é mais lucrativo, coincidindo muitas vezes com procedimentos invasivos.

Além da prevenção de ICSAP e do acesso oportuno, a APS deve atuar também no sistema de referência e contrarreferência e pode contribuir com a vigilância pós-alta de IRAS. Compreendendo o cuidado aos indivíduos, como um continuum no sistema de saúde, a APS deve participar da detecção e notificação de IRAS adquiridas em outras unidades assistenciais. Esta possibilidade é extremamente relevante, em se tratando de infecções de sítio cirúrgico, particularmente pós-parto cesáreo, as quais são detectadas em grande parte apenas após a alta(1111 Cardoso Del Monte MC, Pinto Neto AM. Postdischarge surveillance following cesarean section: the incidence of surgical site infection and associated factors. Am J Infect Control. 2010;38(6):467-72). Outra contribuição potencial é no monitoramento da dispersão de agentes de resistência microbiana, uma vez que já se identifica a possibilidade de disseminação de agentes entre instituições e a comunidade(1212 Friedman C, Banette M, Buck AS, Ham R, Harris J, Hoffman P, et al. Requirements for infrastructure and essential activities of infection control and epidemiology in out-of-hospital settings: a consensus panel report. Infect Control Hosp Epidemiol. 1999;20(10):695-705

13 Mielke M. Prevention and control of nosocomial infections and resistance to antibiotics in Europe – Primum non-nocere: elements of successful prevention and control of healthcare-associated infections. Int J Med Microbiol. 2010;300(6):346-50
-1414 Gastmeier P. Healthcare-associated versus community-acquired infections: a new challenge for science and society. Int J Med Microbiol. 2010;300(6):342-5). A disseminação da resistência microbiana na comunidade é particularmente relevante dentro do princípio do Primun non nocere quando se considera que os típicos fatores de risco associados são os extremos de idade e doenças crônicas como a diabetes e as disfunções renais e que o papel da APS na assistência a estes indivíduos é essencial(1313 Mielke M. Prevention and control of nosocomial infections and resistance to antibiotics in Europe – Primum non-nocere: elements of successful prevention and control of healthcare-associated infections. Int J Med Microbiol. 2010;300(6):346-50-1414 Gastmeier P. Healthcare-associated versus community-acquired infections: a new challenge for science and society. Int J Med Microbiol. 2010;300(6):342-5).

A APS é o nível de atenção com o maior potencial para estimular o empoderamento dos indivíduos e famílias, favorecendo o conhecimento do seu direito à saúde e o seu engajamento no processo de cuidar. Este engajamento é considerado atualmente como elemento importante para a prevenção de IRAS(202 Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial de Saúde 2008. Cuidados de Saúde Primários: agora mais que nunca. Lisboa: Ministério da Saúde; 2008,707 Tovar-Bobo M, Cerecedo-Pérez MJ, Rozadilla-Arias A. Ética y prevención de la medicalización. Semergen. 2013;39(7):376-81).

Idealmente, a APS deve possuir características que favoreçam ofertar cuidados primários orientados para as pessoas, centrados nas necessidades de saúde, em uma relação personalizada que perdura no tempo, abrangente, contínua e orientada para os indivíduos e para as famílias. A responsabilidade pela saúde comunitária deve envolver todo o ciclo de vida e o combate aos determinantes das doenças, tendo as pessoas como parceiras na gestão da sua própria doença e da saúde da sua comunidade(202 Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial de Saúde 2008. Cuidados de Saúde Primários: agora mais que nunca. Lisboa: Ministério da Saúde; 2008). Em suma, embora o princípio de não causar dano esteja subsumido no papel da APS pela inerente potencialidade deste nível de atenção para a qualificação da saúde, é necessário amplificar a reflexão de que a segurança em saúde não começa apenas quando um indivíduo é hospitalizado.

No que tange ao papel direto da APS na prevenção de IRAS, trata-se de matéria ainda incipiente. A magnitude de eventos adversos relacionados aos cuidados de saúde é subestimada no mundo todo. Segundo a OMS(202 Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial de Saúde 2008. Cuidados de Saúde Primários: agora mais que nunca. Lisboa: Ministério da Saúde; 2008), em países industrializados, aproximadamente um em cada 10 doentes sofre, durante a prestação de cuidados de saúde, de efeitos adversos evitáveis. Este número pode ser ainda maior nos países em desenvolvimento(1515 Allegranzi B, Bagheri Nejad S, Combescure C, Graafmans W, Attar H, Donaldson L et al. Burden of endemic health-care-associated infection in developing countries: systematic review and meta-analysis. Lancet. 2011;377(9761):228-41).

O convencional conceito de infecções hospitalares cedeu lugar à denominação IRAS, cuja mudança de nomenclatura porta em si as mudanças conceituais que consideram o fenômeno de aquisição de infecção, independentemente do local onde a assistência é prestada(1616 Kuehm BM. CDC targets health-related infections acquired in outpatient settings. JAMA. 2011;306(11):1189-90). O deslocamento do conceito de IRAS para cenários diferentes do hospital produz a necessidade de levar o conhecimento de medidas preventivas à profissionais de saúde que atuam em outros níveis assistenciais e até mesmo a indivíduos que não são caracterizados como profissionais de saúde, como cuidadores e inclusive as próprias famílias.

Contudo, existem diferenças importantes entre os contextos hospitalares e os demais contextos, tanto no que se refere ao risco de infecção como no que se refere às condições para a aplicação das recomendações. Ainda assim, são poucos os guias de recomendação consensuais para os programas de controle de IRAS em contextos não hospitalares(606 Centers for Diseases Control and Prevention. Guide to infection prevention for outpatient settings: minimum expectations for safe care [Internet]. Atlanta, GA; 2014 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/HAI/settings/outpatient/outpatient-care-guidelines.html
http://www.cdc.gov/HAI/settings/outpatie...
,1717 Infection Control Nurses Association. Department of Health. Audit tools for monitoring infection control guidelines within community settings 2005 [Internet]. [cited 2011 Dec 14]. Available from: www.icna.co.uk
www.icna.co.uk...
-1818 National Institute for Health and Clinical Excellence. Infection prevention and control of healthcare-associated infections in primary and community care [Internet]. London: Royal College of Physicians, UK; 2012 [cited 2014 June 26]. Available from: guidance.nice.org.uk/cg139
guidance.nice.org.uk/cg139...
).

Os ambientes assistenciais de saúde não hospitalares podem variar amplamente no que se referem as suas características, com uma grande diversidade de cenários: centros de diálise, cirurgia ambulatorial, consultórios médicos e odontológicos, serviços de fisioterapia e de saúde mental, etc. Dentre os contextos de assistência não hospitalar, destaca-se a APS, que é o foco principal da presente discussão.

O princípio do Primun non nocere traz a reflexão sobre a expectativa com relação à qualidade dos cuidados prestados na APS, e para tanto destacamos a seguinte afirmação:

Não é aceitável que em países de baixo rendimento os cuidados primários à saúde sejam sinônimo de cuidados não profissionais, com tecnologia pouco diferenciada para os pobres de zonas rurais que não podem se dar ao luxo de ter melhor(202 Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial de Saúde 2008. Cuidados de Saúde Primários: agora mais que nunca. Lisboa: Ministério da Saúde; 2008).

No modelo de saúde atualmente existente no Brasil, a abordagem da prevenção de IRAS na esfera da APS tendo como premissa o Primun non nocere apresenta um desafio de dimensões pouco exploradas até o momento e que são discutidas a seguir.

a) Dificuldade para a definição de IRAS: A adoção de medidas de prevenção objetivadas presume o embasamento em evidências de fatores a serem controlados ou eliminados. Para tal, são necessários estudos epidemiológicos e critérios bem delimitados para a acurácia do diagnóstico de IRAS. Entretanto, raros são os relatos de estudos epidemiológicos voltados para estas populações, à exceção dos serviços de diálise e cirurgias ambulatoriais. Os raros relatos existentes são mais frequentemente relacionados a surtos(1616 Kuehm BM. CDC targets health-related infections acquired in outpatient settings. JAMA. 2011;306(11):1189-90) e, até o presente momento, inexiste sistema de vigilância epidemiológica de IRAS estabelecidos para a APS. Entre as limitações para o estabelecimento deste tipo de sistema estão as dificuldades conceituais para a determinação de um episódio de IRAS associado a procedimentos realizados na APS e a escassez de recursos para diagnóstico acurado. Os critérios diagnósticos para vigilância de IRAS nos ambientes hospitalares classicamente reconhecidos são voltados aos serviços de internação aguda(1919 Centers for Disease Control and Prevention. CDC/NHSN surveillance definition of healthcare-associated infection and criteria for specific types of infections in the acute care setting [Internet]. Atlanta; 2008 [cited 2014 June 26]. Available from: https://www.premierinc.com/safety/topics/guidelines/downloads/surve-definitions-hospital.pdf
https://www.premierinc.com/safety/topics...
). Uma das condições essenciais para a caracterização de um processo infeccioso como IRAS é a determinação de que ele não esteja presente no momento da prestação da assistência. Contudo, na APS, a cronicidade dos pacientes e a sua recorrência ao serviço torna-se um fator limitante para a determinação temporal da aquisição da infecção(1212 Friedman C, Banette M, Buck AS, Ham R, Harris J, Hoffman P, et al. Requirements for infrastructure and essential activities of infection control and epidemiology in out-of-hospital settings: a consensus panel report. Infect Control Hosp Epidemiol. 1999;20(10):695-705), pois cada contato é fugaz, mas contínuo ao longo do tempo. Em outras situações, o momento da assistência concorre simultaneamente com processos infecciosos já instalados, porém assintomáticos. Comorbidades que favorecem a aquisição de infecções oportunistas (ex.: HIV) prejudicam a definição clara de IRAS neste grupo de indivíduos. Não se tem ainda estabelecido a padronização para um denominador confiável de indicadores que permitam monitorar o processo(2020 Nihill DM, Lundstrom T. Infection prevention and control in the outpatient setting. In: Laugntenbach E. Infection control and epidemiology. 3rd ed. Washington: SHEA; 2010. p. 356-72). O uso do denominador pessoas sob risco não parece contemplar este tipo de atenção a saúde, podendo ser utilizado o denominador de pessoas-tempo sob risco ou alternativamente, número de exposições por pessoa.

Além das dificuldades inerentes ao processo assistencial na APS, há a insuficiência de recursos diagnósticos complementares. A possibilidade de diagnóstico de IRAS na APS fundamenta-se, sobretudo nos sinais e sintomas, pois o uso de exames complementares de laboratório é muitas vezes um recurso difícil. Isto não somente limita a acuidade do diagnóstico epidemiológico e clínico, como favorece o uso excessivo de antimicrobianos empíricos, agindo como fator de pressão seletiva sobre os microrganismos, potencialmente contribuindo para o fenômeno da resistência microbiana.

Em funções destes dificultadores, os sistemas de vigilância em pacientes não internados que foram testados até o momento resultaram em consumidores de tempo ou em perda de sensibilidade e especificidade(2020 Nihill DM, Lundstrom T. Infection prevention and control in the outpatient setting. In: Laugntenbach E. Infection control and epidemiology. 3rd ed. Washington: SHEA; 2010. p. 356-72). Mas como saber qual a magnitude do dano das IRAS na APS se este não puder ser reconhecido? A implantação de um sistema de vigilância de IRAS na APS, que seja sensível, específico e eficiente é um dos grandes desafios a serem superados. Um sistema ideal para a APS precisa ser simples e pragmático, com enfoque nas infecções mais prováveis associadas aos procedimentos mais comumente realizados e que possam ser preveníveis(1212 Friedman C, Banette M, Buck AS, Ham R, Harris J, Hoffman P, et al. Requirements for infrastructure and essential activities of infection control and epidemiology in out-of-hospital settings: a consensus panel report. Infect Control Hosp Epidemiol. 1999;20(10):695-705).

b) Multidisciplinaridade: Diferentes profissionais estão envolvidos na APS, sendo as categorias profissionais mais frequentes: agentes comunitários de saúde (ACS), odontólogos, nutricionistas, farmacêuticos, assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, médicos, auxiliares/técnicos de enfermagem, psicólogos. Nem sempre estes profissionais tiveram em sua formação as noções de prevenção de IRAS, o que pode levar algumas categorias profissionais a desconsiderá-las como um problema em potencial. Pode haver uma tendência a exercer as práticas assistenciais de forma isolada, na qual cada profissional aplica as medidas de prevenção segundo seus conhecimentos individuais, sem uma padronização de condutas.

Os riscos associados aos procedimentos mais comuns realizados na APS são pouco conhecidos, com exceção daqueles referentes à imunização. Comumente são realizados na APS procedimentos com certo grau de invasividade, como coleta de exames colpocitológico, inserção de dispositivo intrauterino (DIU), cauterização de colo de útero, glicemia capilar, inalações, curativos, administração de injetáveis, para os quais se pode antecipar algum evento adverso associado. Entretanto, até o momento não existem estimativas a este respeito. Quanto aos procedimentos odontológicos, é bem reconhecido o risco associado à aquisição de vírus (ex.: hepatite B, HIV), porém são raros os relatos de IRAS causadas por bactérias.

Na literatura atual há pouca ou nenhuma informação relacionada a riscos potenciais de infecções associadas a práticas especificas de fisioterapia, excepto para hidroterapia(2020 Nihill DM, Lundstrom T. Infection prevention and control in the outpatient setting. In: Laugntenbach E. Infection control and epidemiology. 3rd ed. Washington: SHEA; 2010. p. 356-72). Via de regra, assume-se que o risco é mínimo nas práticas realizadas por psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais e outros profissionais que não aplicam práticas invasivas. Entretanto, o uso de brinquedos, mobiliários especiais e outros dispositivos eventualmente podem manter-se como reservatório de patógenos, caso sejam confeccionados com artigos que não permitam a limpeza e desinfecção rotineira.

Neste cenário, raras são as situações em que há uma liderança estabelecida formalmente para coordenar a elaboração de políticas, treinamento e supervisão das medidas de prevenção de IRAS. Assim, poucas são as unidades que possuem profissional capacitado para servir como elemento de referência de prevenção de IRAS na APS.

c) Necessidade de resposta rápida: Os eventos pandêmicos relacionados aos surtos de influenza revelaram a necessidade de resposta rápida e acentuaram a importância da resposta organizada e harmoniosa entre os diferentes níveis de atenção na saúde. Nas situações de desastres humanitários e surtos de doença, é fundamental que o sistema de saúde esteja preparado para executar uma resposta rápida. Reagir com efetividade ao problema implica que a APS apresente efetiva capacidade dos profissionais para o atendimento aos indivíduos e para a orientação da população quanto às medidas de prevenção.

Proposta de Abordagem Prática do Princípio Primun Non Nocere: componentes essenciais para prevenção de iras na APS

Não há indicações específicas na literatura nacional sobre como deve ser estruturado e conduzido um programa de prevenção e controle de IRAS na APS, e existem poucas recomendações para a assistência extra-hospitalar em geral(1212 Friedman C, Banette M, Buck AS, Ham R, Harris J, Hoffman P, et al. Requirements for infrastructure and essential activities of infection control and epidemiology in out-of-hospital settings: a consensus panel report. Infect Control Hosp Epidemiol. 1999;20(10):695-705,1717 Infection Control Nurses Association. Department of Health. Audit tools for monitoring infection control guidelines within community settings 2005 [Internet]. [cited 2011 Dec 14]. Available from: www.icna.co.uk
www.icna.co.uk...
-1818 National Institute for Health and Clinical Excellence. Infection prevention and control of healthcare-associated infections in primary and community care [Internet]. London: Royal College of Physicians, UK; 2012 [cited 2014 June 26]. Available from: guidance.nice.org.uk/cg139
guidance.nice.org.uk/cg139...
). O objetivo principal é proteger o paciente, o trabalhador da saúde e demais pessoas que estejam no ambiente de assistência à saúde. Assim sendo, oito componentes essenciais podem ser apontados e devem fazer parte do conjunto de medidas a serem implementadas na APS. O gestor público deve prover os recursos necessários para a implementação, manutenção e supervisão das condições para a prevenção de IRAS na APS.

1. Precauções Padrão (PP): /Trata-se de um conjunto de práticas de prevenção que devem ser aplicadas a todos os pacientes, independentemente de diagnóstico suspeito ou confirmado de infecção(2121 Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. 2007 Guideline for Isolation Precautions: preventing transmission of infectious agents in healthcare settings [Internet]. Atlanta; 2007 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/isolation2007.pdf
http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/...
). Atualmente é reconhecido que a adesão completa às PP é a estratégia primária para a prevenção de IRAS(2121 Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. 2007 Guideline for Isolation Precautions: preventing transmission of infectious agents in healthcare settings [Internet]. Atlanta; 2007 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/isolation2007.pdf
http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/...
). Entre os seus componentes, merecem destaque na prática da APS:

Higiene das mãos: a higiene das mãos é considerada a medida mais eficiente para a prevenção de infecções, pois previne a propagação de microrganismos em todos os contextos de cuidados em saúde(2222 Martín-Madrazo C, Salinero-Fort MA, Cañada-Dorado A, Carrillo-De Santa-Pau E, Soto-Díaz S, Abánades-Herranz JC. Evaluación del cumplimiento de higiene de las manos en una área de Atención Primaria de Madrid. Enferm Infec Microbiol Clin. 2011;29(1):32-5). Atualmente, preconiza-se o uso de produto alcoólico preferencialmente, sempre que as mãos não estiverem visivelmente sujas, o qual deve ser disponibilizado no ponto de assistência. Várias razões levam a recomendar o produto alcoólico como preferencial em relação à lavagem com água e sabonete, pois apresenta: a) maior eficácia germicida; b) maior rapidez na ação; c) menor ressecamento da pele. Recomenda-se também disponibilizar um dispensador de produto alcoólico na recepção da unidade, a fim de favorecer a higiene das mãos dos usuários no momento da chegada e durante a espera. Na APS, a prática da higiene das mãos deve ser aplicada de maneira consistente também no momento da visita domiciliária, portanto, o ideal é que o profissional possa levar consigo um frasco de bolso para a aplicação de produto alcoólico, seguindo as indicações para os momentos de higiene das mãos.

Cuidado com produtos para saúde: há duas categorias clássicas de produtos para saúde: os que são considerados processáveis e os que não são processáveis(2323 Costa EAM, Costa EA, Graziano KU, Padoveze MC. Medical device reprocessing: a regulatory model proposal for Brazilian hospitals. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(6):1459-65.). Os itens não processáveis devem ser submetidos ao descarte (ex.: seringas, agulhas, espéculos vaginais de plástico). Não é aceitável o seu processamento do ponto de vista de segurança e nem justificável do ponto de vista econômico. Os itens processáveis devem seguir as recomendações mundiais e as normativas vigentes que preconizam requisitos mínimos de área física e do processo de trabalho(2323 Costa EAM, Costa EA, Graziano KU, Padoveze MC. Medical device reprocessing: a regulatory model proposal for Brazilian hospitals. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(6):1459-65.-2424 Rutala WA, Weber DJ; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. CDC Guideline for disinfection and sterilization in healthcare facilities 2008 [Internet]. Atlanta; 2008 [cited 2013 Feb 2]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/guidelines/disinfection_nov_2008.pdf
http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/guidelines...
). Dentre os procedimentos realizados na APS, os procedimentos de maior risco são aqueles que envolvem a invasão de tecidos estéreis, como administração de soluções injetáveis, punção venosa, sondagem vesical e alguns procedimentos odontológicos. Portanto, os itens utilizados nestes procedimentos devem estar estéreis. Os procedimentos que manipulam mucosas são considerados de menor risco, porque as membranas mucosas possuem uma capacidade relativa de proteção contra a invasão de patógenos (procedimentos odontológicos em geral, coleta de exame colpocitológico, inalação, curativos). Para estes procedimentos, é importante assegurar que microrganismos não pertencentes à microbiota local penetrem neste tecido e que patógenos não sejam transferidos de um paciente a outro. No mínimo, estes itens devem receber uma desinfecção de alto nível.

Uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI): devem ser utilizados sempre que se antecipa o risco de contato ou respingo de sangue ou qualquer outra matéria orgânica. Devem estar amplamente disponíveis na unidade, sendo os mesmos: luvas, máscara facial (cirúrgica comum), aventais impermeáveis, óculos de proteção(2121 Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. 2007 Guideline for Isolation Precautions: preventing transmission of infectious agents in healthcare settings [Internet]. Atlanta; 2007 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/isolation2007.pdf
http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/...
).

Etiqueta respiratória: pacientes devem ser orientados a cobrir a boca e nariz ao tossir ou espirrar, com subsequente higiene de mãos. Para favorecer este comportamento devem ser disponibilizados lenços de papel e produtos para a higiene das mãos nas áreas de espera e atendimento(2121 Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. 2007 Guideline for Isolation Precautions: preventing transmission of infectious agents in healthcare settings [Internet]. Atlanta; 2007 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/isolation2007.pdf
http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/...
).

Área física e cuidado ambiental: dentre as responsabilidades comuns a todas as esferas de governo, inclui-se garantir a infraestrutura necessária ao funcionamento das Unidades Básicas de Saúde(2525 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção a Saúde, Departamento de Atenção Básica. Manual de estrutura física das Unidades Básicas de Saúde. 2ª ed. Brasília; 2008). Compete aos municípios e distrito federal a manutenção regular da infraestrutura e dos equipamentos das Unidades Básicas de Saúde (UBS)(2525 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção a Saúde, Departamento de Atenção Básica. Manual de estrutura física das Unidades Básicas de Saúde. 2ª ed. Brasília; 2008). Todos os mobiliários e itens existentes nas UBS devem ser produzidos com materiais que permitam a limpeza e a desinfecção. Colchonetes e tapetes para práticas de fisioterapia, relaxamento ou demais atividades físicas devem ser limpos entre o uso de cada usuário. Brinquedos devem ser confeccionados de material lavável.

Manejo de resíduos: resíduos infectantes requerem manejo específico atendendo à legislação pertinente. É fundamental possuir definição e orientação clara a toda a equipe de quais são os resíduos infectantes(2121 Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. 2007 Guideline for Isolation Precautions: preventing transmission of infectious agents in healthcare settings [Internet]. Atlanta; 2007 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/isolation2007.pdf
http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/...
). Especial atenção deve ser dada aos resíduos pérfuro-cortantes. Na APS os locais onde frequentemente são gerados resíduos pérfuro-cortantes são as salas de imunização, curativos, coleta de exames, administração de medicamentos e verificação de glicemia capilar. Nestas salas, há a obrigatoriedade de manter regularmente o recipiente específico que deve estar instalado segundo a norma nacional; recipientes improvisados para o descarte destes itens são inaceitáveis. O manejo de resíduos referentes a cuidados de saúde prestados no domicílio é de responsabilidade do profissional que realiza o cuidado. Portanto, idealmente, o resíduo contaminado deve retornar para a unidade para o descarte. Quando se prevê o uso de itens pérfuro-cortantes, um recipiente rígido individual deve ser levado para a visita domiciliária.

2. Precauções Específicas (PE): São recomendações adicionais a serem adotadas quando o uso de PP não são suficientes para interromper a rota de transmissão de patógenos(2121 Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. 2007 Guideline for Isolation Precautions: preventing transmission of infectious agents in healthcare settings [Internet]. Atlanta; 2007 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/isolation2007.pdf
http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/...
). São três as categorias de PE: contato, gotículas e aerossóis(2121 Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. 2007 Guideline for Isolation Precautions: preventing transmission of infectious agents in healthcare settings [Internet]. Atlanta; 2007 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/isolation2007.pdf
http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/...
). As condições de saúde que requerem adoção das PE mais frequentes na APS são: tuberculose pulmonar ou laríngea bacilífera, varicela (aerossóis), influenza (gotículas) escabiose e microrganismos multirresistentes (contato). É imprescindível determinar uma rotina de atendimento na unidade para impedir que ocorra a transmissão destes patógenos, ainda que a exposição seja fugaz. Pacientes com suspeita de condições que requeiram PE não devem aguardar na sala de espera e devem ser priorizados para o atendimento. Devem ser utilizados os Equipamento de Proteção Individual (EPI) de acordo com o indicado para cada tipo de PE(2121 Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. 2007 Guideline for Isolation Precautions: preventing transmission of infectious agents in healthcare settings [Internet]. Atlanta; 2007 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/isolation2007.pdf
http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/...
). Pacientes que estejam em fase de transmissão de doença por contato devem ser orientados a utilizar itens individuais e não manusear itens de acesso coletivo.

3. Cuidado com medicamentos e imunobiológicos: Os medicamentos e imunobiológicos devem ser estocados em condições que preservem a higiene, longe de fontes de umidades, jamais armazenados diretamente no chão e com empilhamento máximo recomendado pelo fabricante. O acondicionamento deve ser em recipientes laváveis; as caixas de papelão devem ser descartadas, pois não permitem a higienização e favorecem a permanência de insetos. É necessário dispor de uma geladeira, com controle periódico de temperatura para a armazenagem destes itens específicos. Não é aceitável a estocagem de itens de outra natureza (alimentos, matéria orgânica) no mesmo refrigerador onde são armazenados os medicamentos ou imunobiológicos. O local de estocagem e distribuição de medicamentos deve possuir recursos para higiene das mãos. A administração segura de injeções é uma das prioridades de segurança para o paciente; a técnica asséptica deve ser rigorosamente observada. O uso de frascos multidose tem sido a prática mais frequentemente relacionada a surtos de infecções, especialmente causadas por vírus da hepatite B e C e bactérias gram-negativas(1616 Kuehm BM. CDC targets health-related infections acquired in outpatient settings. JAMA. 2011;306(11):1189-90,2020 Nihill DM, Lundstrom T. Infection prevention and control in the outpatient setting. In: Laugntenbach E. Infection control and epidemiology. 3rd ed. Washington: SHEA; 2010. p. 356-72,2626 Maki DG, Crnich CJ. History forgotten is history relived: nosocomial infection control is also essential in the outpatient setting. Arch Intern Med. 2005;165(22):2565-7).

4. Saúde ocupacional: O programa de atenção à saúde do trabalhador é obrigatório(2727 Brasil. Ministério da Saúde. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora n. 32 - Segurança e Saúde no Trabalho em Serviço de Saúde [Internet]. Brasília; 2005 [citado 2013 fev. 2]. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC8820135161931EE29A3/NR-32%20(atualizada%202011).pdf
http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C...
) e deve contemplar a atenção a acidentes com risco biológico, com fluxo bem definido para o atendimento de urgência e vacinação segundo o Programa Nacional de Imunização, o que inclui vacina contra hepatite B, varicela e anualmente influenza.

5. Educação permanente: Todos os profissionais de saúde devem ser treinados e responsabilizar-se pela prevenção de infecções(1616 Kuehm BM. CDC targets health-related infections acquired in outpatient settings. JAMA. 2011;306(11):1189-90). Rotinas escritas e educação permanente são fundamentais para a adesão dos profissionais e incorporação do princípio Primum non nocere, favorecendo a manutenção de um clima de segurança para o paciente e os trabalhadores. Pelo menos um profissional na unidade de APS deve receber treinamento aprofundado quanto às medidas de prevenção de IRAS(1212 Friedman C, Banette M, Buck AS, Ham R, Harris J, Hoffman P, et al. Requirements for infrastructure and essential activities of infection control and epidemiology in out-of-hospital settings: a consensus panel report. Infect Control Hosp Epidemiol. 1999;20(10):695-705). Este profissional deve atuar como elemento de ligação e facilitador para elaboração de normas e deve ser capacitado para receber, interpretar e gerenciar notificações de eventos adversos relacionados à APS. Segundo recomendações de um painel de especialistas canadenses, este profissional deve receber suporte regular de um especialista em prevenção de infecção e ter acesso a recursos de laboratório, para manejo de casos especiais(2828 Morrison J; Health Canada, Nosocomial and Occupational Infection Section. Development of a resource model for infection prevention and control programs in acute, long term, and home care settings: conference proceedings of the Infection Prevention and Control Alliance. Am J Infect Control. 2004;32(1):2-6). Unidades de APS nem sempre possuem dimensões que justifiquem a dedicação exclusiva de um profissional para esta finalidade, por isto é sugerido que possam consorciar-se entre si para estruturar uma equipe para a coordenação do programa de prevenção de IRAS.

6. Auditorias: Devem ser estabelecidas auditorias periódicas para assegurar que as boas práticas assistenciais estão sendo seguidas(1616 Kuehm BM. CDC targets health-related infections acquired in outpatient settings. JAMA. 2011;306(11):1189-90). Estes programas de auditorias devem ser realizados utilizando-se ferramentas estruturadas e aplicadas por profissionais treinados para esta atividade(606 Centers for Diseases Control and Prevention. Guide to infection prevention for outpatient settings: minimum expectations for safe care [Internet]. Atlanta, GA; 2014 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/HAI/settings/outpatient/outpatient-care-guidelines.html
http://www.cdc.gov/HAI/settings/outpatie...
,1717 Infection Control Nurses Association. Department of Health. Audit tools for monitoring infection control guidelines within community settings 2005 [Internet]. [cited 2011 Dec 14]. Available from: www.icna.co.uk
www.icna.co.uk...
-1818 National Institute for Health and Clinical Excellence. Infection prevention and control of healthcare-associated infections in primary and community care [Internet]. London: Royal College of Physicians, UK; 2012 [cited 2014 June 26]. Available from: guidance.nice.org.uk/cg139
guidance.nice.org.uk/cg139...
).

7. Resposta rápida: Em situações de epidemias, o profissional com treinamento em IRAS deve estar apto a orientar, capacitar e supervisionar medidas visando limitar a amplificação da situação de risco, com foco na prevenção dirigida para os indivíduos, famílias e profissionais de saúde. É necessária uma articulação eficiente entre a APS e as demais estruturas que compõem o sistema de vigilância em saúde.

8. Engajamento do paciente: O conhecimento dos riscos potenciais e a comunicação efetiva com os profissionais da saúde pode favorecer o engajamento do paciente nas ações de prevenção de IRAS. O engajamento do paciente na sua proteção é uma prioridade, pois é um elemento-chave na instalação de um clima de segurança institucional e confere confiabilidade às instituições de saúde(303 World Health Organization. Patient Safety [Internet]. Geneva; 2004 [cited 2013 Mar 3]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/about/en/index.html
http://www.who.int/patientsafety/about/e...
). Este processo, no entanto, requer uma tomada de posição diferente por parte do profissional de saúde, favorecendo um modelo assistencial no qual os pacientes tomem parte no processo decisório da terapêutica e tenham direitos assegurados para a salvaguarda de sua segurança(2929 Longtin Y, Sax H, Leape LL, Sheridan SE, Donaldson L, Pittet D. Patient participation current knowledge and applicability to patient safety. Mayo Clin Proc. 2010;85(1):53-62). Isto inclui informar ao paciente qual o grau de incerteza quanto ao potencial benefício de uma determinada intervenção, seja ela diagnóstica ou terapêutica. Mais do que isto, a saúde baseada em evidências deve apoiar-se na perspectiva do paciente e, portanto é imperativo um novo modelo de pensar o desenvolvimento de pesquisas(3030 Rich EC. From methods to policy: Primum non nocere: reconciling patient-centered outcomes with evidence-based care. J Comp Eff Res. 2013;2(2):107-8).

Considerações Finais

O princípio Primun non nocere é congruente com as premissas do Sistema Único de Saúde e alinha-se com o entendimento mundial de que danos preveníveis decorrentes da assistência à saúde não podem mais ser tolerados. Não obstante, o modelo atual de saúde no país ainda não privilegia plenamente a promoção dos papéis tanto indireto como direto da APS na segurança do paciente. O presente estudo teórico propõe a ampliação dos olhares quanto à prevenção de IRAS, apontando elementos para formulação de pesquisas futuras para a enfermagem que visem à superação dos desafios apresentados. A proposta de abordagem prática apresentada neste estudo pode orientar a criação de guias de recomendações específicos para a APS.

  • *
    Extraído do projeto "Avaliação da vulnerabilidade programática para prevenção de Infecções Relacionadas à Assistência a Saúde nas Unidades Básicas de Saúde da Região do Butantã do Município de São Paulo", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2011-2013
  • Apoio financeiro

    Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Processo 2010/16729-1.

References

  • 01
    Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde; Biblioteca Virtual em Saúde. DeCS - Descritores em Ciências da Saúde. Atenção Primária à Saúde [Internet]. São Paulo; 2014 [citado 2014 set. 9]. Disponível em: http://decs.bvs.br
    » http://decs.bvs.br
  • 02
    Organização Mundial de Saúde. Relatório Mundial de Saúde 2008. Cuidados de Saúde Primários: agora mais que nunca. Lisboa: Ministério da Saúde; 2008
  • 03
    World Health Organization. Patient Safety [Internet]. Geneva; 2004 [cited 2013 Mar 3]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/about/en/index.html
    » http://www.who.int/patientsafety/about/en/index.html
  • 04
    Smith CM. Origin and uses of primum non nocere: above all, do no harm! J Clin Pharmacol. 2005;45(4):371-7
  • 05
    Leape LL, Berwick DM. Five years after to err is human. JAMA. 2005;293(19):2384-90.
  • 06
    Centers for Diseases Control and Prevention. Guide to infection prevention for outpatient settings: minimum expectations for safe care [Internet]. Atlanta, GA; 2014 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/HAI/settings/outpatient/outpatient-care-guidelines.html
    » http://www.cdc.gov/HAI/settings/outpatient/outpatient-care-guidelines.html
  • 07
    Tovar-Bobo M, Cerecedo-Pérez MJ, Rozadilla-Arias A. Ética y prevención de la medicalización. Semergen. 2013;39(7):376-81
  • 08
    Malta DC, Duarte EC. Causas de mortes evitáveis por ações efetivas dos serviços de saúde: uma revisão de literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(3):765-76
  • 09
    Fernandes VBL, Caldeira AP, Faria AA, Rodrigues Neto JF. Internações sensíveis na atenção primária como indicador de avaliação da Estratégia Saúde da Família. Rev Saúde Pública. 2009;43(6):928-36
  • 10
    Cucalón JM, Guiu M. El enigma de la prevención cuaternaria en atención primaria. Cuándo hacer y cuándo no hacer (a propósito de 2 casos). Semergen. 2013;39(6):313-5
  • 11
    Cardoso Del Monte MC, Pinto Neto AM. Postdischarge surveillance following cesarean section: the incidence of surgical site infection and associated factors. Am J Infect Control. 2010;38(6):467-72
  • 12
    Friedman C, Banette M, Buck AS, Ham R, Harris J, Hoffman P, et al. Requirements for infrastructure and essential activities of infection control and epidemiology in out-of-hospital settings: a consensus panel report. Infect Control Hosp Epidemiol. 1999;20(10):695-705
  • 13
    Mielke M. Prevention and control of nosocomial infections and resistance to antibiotics in Europe – Primum non-nocere: elements of successful prevention and control of healthcare-associated infections. Int J Med Microbiol. 2010;300(6):346-50
  • 14
    Gastmeier P. Healthcare-associated versus community-acquired infections: a new challenge for science and society. Int J Med Microbiol. 2010;300(6):342-5
  • 15
    Allegranzi B, Bagheri Nejad S, Combescure C, Graafmans W, Attar H, Donaldson L et al. Burden of endemic health-care-associated infection in developing countries: systematic review and meta-analysis. Lancet. 2011;377(9761):228-41
  • 16
    Kuehm BM. CDC targets health-related infections acquired in outpatient settings. JAMA. 2011;306(11):1189-90
  • 17
    Infection Control Nurses Association. Department of Health. Audit tools for monitoring infection control guidelines within community settings 2005 [Internet]. [cited 2011 Dec 14]. Available from: www.icna.co.uk
    » www.icna.co.uk
  • 18
    National Institute for Health and Clinical Excellence. Infection prevention and control of healthcare-associated infections in primary and community care [Internet]. London: Royal College of Physicians, UK; 2012 [cited 2014 June 26]. Available from: guidance.nice.org.uk/cg139
    » guidance.nice.org.uk/cg139
  • 19
    Centers for Disease Control and Prevention. CDC/NHSN surveillance definition of healthcare-associated infection and criteria for specific types of infections in the acute care setting [Internet]. Atlanta; 2008 [cited 2014 June 26]. Available from: https://www.premierinc.com/safety/topics/guidelines/downloads/surve-definitions-hospital.pdf
    » https://www.premierinc.com/safety/topics/guidelines/downloads/surve-definitions-hospital.pdf
  • 20
    Nihill DM, Lundstrom T. Infection prevention and control in the outpatient setting. In: Laugntenbach E. Infection control and epidemiology. 3rd ed. Washington: SHEA; 2010. p. 356-72
  • 21
    Siegel JD, Rhinehart E, Jackson M, Chiarello L; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. 2007 Guideline for Isolation Precautions: preventing transmission of infectious agents in healthcare settings [Internet]. Atlanta; 2007 [cited 2014 June 26]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/isolation2007.pdf
    » http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/isolation/isolation2007.pdf
  • 22
    Martín-Madrazo C, Salinero-Fort MA, Cañada-Dorado A, Carrillo-De Santa-Pau E, Soto-Díaz S, Abánades-Herranz JC. Evaluación del cumplimiento de higiene de las manos en una área de Atención Primaria de Madrid. Enferm Infec Microbiol Clin. 2011;29(1):32-5
  • 23
    Costa EAM, Costa EA, Graziano KU, Padoveze MC. Medical device reprocessing: a regulatory model proposal for Brazilian hospitals. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(6):1459-65.
  • 24
    Rutala WA, Weber DJ; Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee. CDC Guideline for disinfection and sterilization in healthcare facilities 2008 [Internet]. Atlanta; 2008 [cited 2013 Feb 2]. Available from: http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/guidelines/disinfection_nov_2008.pdf
    » http://www.cdc.gov/hicpac/pdf/guidelines/disinfection_nov_2008.pdf
  • 25
    Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção a Saúde, Departamento de Atenção Básica. Manual de estrutura física das Unidades Básicas de Saúde. 2ª ed. Brasília; 2008
  • 26
    Maki DG, Crnich CJ. History forgotten is history relived: nosocomial infection control is also essential in the outpatient setting. Arch Intern Med. 2005;165(22):2565-7
  • 27
    Brasil. Ministério da Saúde. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora n. 32 - Segurança e Saúde no Trabalho em Serviço de Saúde [Internet]. Brasília; 2005 [citado 2013 fev. 2]. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC8820135161931EE29A3/NR-32%20(atualizada%202011).pdf
    » http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC8820135161931EE29A3/NR-32%20(atualizada%202011).pdf
  • 28
    Morrison J; Health Canada, Nosocomial and Occupational Infection Section. Development of a resource model for infection prevention and control programs in acute, long term, and home care settings: conference proceedings of the Infection Prevention and Control Alliance. Am J Infect Control. 2004;32(1):2-6
  • 29
    Longtin Y, Sax H, Leape LL, Sheridan SE, Donaldson L, Pittet D. Patient participation current knowledge and applicability to patient safety. Mayo Clin Proc. 2010;85(1):53-62
  • 30
    Rich EC. From methods to policy: Primum non nocere: reconciling patient-centered outcomes with evidence-based care. J Comp Eff Res. 2013;2(2):107-8

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2014
  • Aceito
    12 Set 2014
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br