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Cuidando do neonato que está morrendo e sua família: vivências do enfermeiro de terapia intensiva neonatal

Resumos

Objetivo

Compreender as experiências vivenciadas por enfermeiros ao cuidar de neonatos que estão morrendo e seus familiares na UTIN; e resgatar as suas percepções sobre a atuação diante do processo de morte e luto.

Método

Estudo descritivo exploratório, de abordagem qualitativa, desenvolvido com nove enfermeiras da UTIN de um hospital de São Paulo (SP), Brasil. Os dados foram coletados por meio de entrevista semi-estruturada e analisados pela técnica do Discurso de Sujeito Coletivo (DSC).

Resultados

Cuidar de neonatos que estão morrendo e suas famílias é muito difícil para as enfermeiras, devido ao intenso envolvimento. Buscam estratégias para lidar com a situação e, diante do óbito do neonato, apesar do sofrimento, manifestam o sentimento de dever cumprido.

Conclusión

Enfrentar a morte e o luto aciona mecanismos que afloram referências de vida, deparando-se com questões dolorosas. Aprender a lidar com essas questões é um desafio diário para os enfermeiros de UTIN.

Morte; Cuidados de Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal


Objective

To understand the experiences of nurses when caring for dying newborns and their families in the NICU; and redeem their perceptions about acting before the death and grieving process.

Method

A descriptive exploratory study with a qualitative approach, developed with nine nurses at the ICU of a hospital in São Paulo (SP), Brazil. Data was collected through semi-structured interviews and analyzed using the Collective Subject Discourse (CSD).

Results

Caring for newborns who are dying and their families is very difficult for nurses, due to the intense involvement. They seek strategies to deal with the situation and, before the newborn’s death, despite the suffering, express the feeling of accomplishment.

Conclusions

Facing death and grief triggers mechanisms that emerge life references, coming across painful issues. Learning to deal with these questions is a daily challenge for nurses of the NICU.

Death; Nursing Care; Neonatal Intensive Care Units


Objetivo

Conocer las experiencias de las enfermeras en el cuidado de los recién nacidos que están muriendo y sus familias en la NICU y redimir sus percepciones acerca de la actuación antes de la muerte y el proceso de duelo.

Método

Estudio descriptivo exploratorio con abordaje cualitativo, desarrollado con nueve enfermeras en la unidad de cuidados intensivos de un hospital de São Paulo (SP), Brazil. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semi-estructuradas y analizados mediante el Sujeto Colectivo Discurso (CSD).

Resultados

El cuidado de los recién nacidos que están muriendo y sus familias es muy difícil para las enfermeras, debido a la intensa participación. Buscar estrategias para hacer frente a la situación y, antes de la muerte del recién nacido, a pesar del sufrimiento, expresó el sentimiento de logro.

Conclusion

rente a la muerte y el dolor desencadena mecanismos que surgen referencias vida, encontrando con problemas dolorosos. Aprender a lidiar con estas preguntas es un reto diario para las enfermeras de la UCIN.

Muerte; Atencíon de Enfermeria; Unidades de Cuidado Intensivo Neonatal.


Introdução

A Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) é um ambiente especializado no atendimento de neonatos a termo ou pré-termo em condições de risco de vida e que necessitam de monitorização contínua e/ou terapias específicas. Nesta unidade, os profissionais de saúde direcionam todos os seus esforços para o cuidado do bebe gravemente enfermo e o atendimento das suas necessidades e de sua família (11. Stelmak AP. Algoritmos de cuidado de enfermagem fundamentados no método canguru: uma construção participativa [dissertação de mestrado]. [Curitiba]: Universidade Federal do Paraná, Departamento de enfermagem; 2014. 206f.-22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde [livro eletrônico]. 2a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. [citado 2015 Nov 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_recem_nascido_profissionais_v1.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

Escutar os temores e preocupações dos familiares antes de informá-los sobre a rotina da unidade, os aparelhos e os cuidados realizados com seu filho, torna-se indispensável na construção de uma relação de confiança entre a família e a equipe de saúde, reduzindo ansiedades e medos (22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde [livro eletrônico]. 2a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. [citado 2015 Nov 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_recem_nascido_profissionais_v1.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
-33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém nascido de baixo peso: método canguru [livro eletrônico]. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. [citado 2015 Nov 27]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Manual_MetodoMaeCanguru.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

Devido a essa maior proximidade com o neonato e sua família, os profissionais da UTIN, de modo especial, a equipe de enfermagem lida com situações emocionais difíceis. A fragilidade e sofrimento de um bebê prematuro extremo, com risco de morte, bem como os sentimentos de ansiedade e insegurança por parte dos familiares são constantes em seu cotidiano profissional(44. Klock P, Erdmann AL. Caring for newborns in a NICU: dealing with the fragility of living/surviving in the light of complexity. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2015 Nov 27]; 46(1): 45-51. Available: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342012000100006
http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342012...
).

Além disso, são frequentes as intercorrências na evolução clínica do bebe que requerem, simultaneamente, habilidade técnica, conhecimentos específicos e atualizados, agilidade e sensibilidade, gerando grande estresse físico e emocional nestes profissionais(44. Klock P, Erdmann AL. Caring for newborns in a NICU: dealing with the fragility of living/surviving in the light of complexity. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [cited 2015 Nov 27]; 46(1): 45-51. Available: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342012000100006
http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342012...
).

Acompanhar o processo de morte e luto em UTIN é, particularmente, um grande desafio para os enfermeiros ao suscitar sentimentos de falha no seu papel de promoção à saude. Isso se deve, em parte, à maneira como eles encaram o processo de morrer, em função, principalmente, da cultura e de suas experiências pessoais e profissionais.

Atualmente, a morte deixou de ser vista como um processo natural, tal como acontecia em sociedades antigas, quando o moribundo morria em casa e junto de sua família. Com o avanço da medicina e as mudanças sociais, a morte já não faz parte do cotidiano das pessoas, passando a ocorrer cada vez com maior frequencia no hospital e, com frequencia nas unidades de terapia intensiva (UTI)(55. Poles K, Bousso RS. Dignified death for children: concept analysis. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2009 [cited 2001 June 21];43(1):215-22. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n1/en_28.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n1/en...
).

Os recursos tecnológicos, hoje disponíveis, levam ao prolongamento do processo de morrer e, consequentemente, a um sofrimento adicional para os pacientes e seus familiares. A sensação é de que a morte pode ser evitável e os profissionais sentem-se obrigados a empregar todos os esforços para prolongar a vida do paciente(55. Poles K, Bousso RS. Dignified death for children: concept analysis. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2009 [cited 2001 June 21];43(1):215-22. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n1/en_28.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n1/en...
).

Diante desse cenário, percebe-se uma dificuldade ainda maior, por parte da sociedade, em aceitar a morte da criança e do jovem, especialmente os neonatos. No caso de um natimorto ou do neonato que morre dentro de algumas horas ou dias após o nascimento, essa perda pode parecer uma tragédia, pois durante toda a gravidez criou-se expectativas relacionadas ao filho perfeito dos sonhos(66. Baldissarella L, Dell’Aglio DD. No limite entre a vida e a morte um estudo de caso sobre a relação pais/bebê em uma UTI Neonatal. Estilos Clín [Internet]. 2009 [citado 2015 Nov 27]; 14(26): 68-89. Disponível em: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v14i26p68-89
http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-162...
).

Quando o neonato morre, os membros da família precisam concluir suas ligações com o bebe e desligar-se gradativamente dele, de maneira que consigam focar a atenção nas necessidades e na vida da família, progredindo no processo de luto(66. Baldissarella L, Dell’Aglio DD. No limite entre a vida e a morte um estudo de caso sobre a relação pais/bebê em uma UTI Neonatal. Estilos Clín [Internet]. 2009 [citado 2015 Nov 27]; 14(26): 68-89. Disponível em: http://dx.doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v14i26p68-89
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).

A experiência das autoras deste estudo em vivenciar o sofrimento das famílias que perderam seus bebês em sua trajetória profissional motivou-as a investigar sobre como os enfermeiros lidam com o luto dessas famílias, levando-as a refletir sobre alguns questionamentos: como se sentem os enfermeiros ao se relacionar com famílias de neonatos internados na UTIN que estão vivendo o processo de luto? De que forma lidam com essa situação para conseguirem interagir de maneira efetiva com as famílias e atender as suas necessidades nesse momento? Qual o impacto dessas vivências em sua vida pessoal?

Dessa forma, o estudo propõem-se a compreender as experiências vivenciadas pelos enfermeiros ao cuidar de neonatos que estão morrendo e sua família na UTIN e resgatar as percepções destes profissionais em relação à sua atuação diante do processo de morte e luto vivenciado.

Método

Trata-se de um estudo descritivo exploratório, de abordagem qualitativa, desenvolvido com enfermeiros da UTIN de um hospital privado da cidade de São Paulo, que concordaram em participar da pesquisa. Foram excluídos da pesquisa, os profissionais afastados das atividades por motivo de férias ou licença no período da coleta de dados.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, o número de participantes foi definido no decorrer da coleta de dados, que se encerrou no momento em que os dados obtidos possibilitaram aos pesquisadores compreender a experiência vivenciada pelos enfermeiros.

A amostra constituiu-se de nove enfermeiros, todos do sexo feminino, com mais de três anos de conclusão do curso de graduação (55,6%) e de atuação na UTIN (66,7%), sendo todos especialistas nas áreas de Enfermagem neonatal e/ou pediátrica.

Os dados foram coletados no segundo semestre de 2011, por meio de entrevista semi-estruturada, que foi gravada, a fim de que pudesse ser transcrita literalmente. Após explicar sobre a pesquisa e a participação do profissional, a pesquisadora agendava a entrevista, após a obtenção do seu consentimento ao assinar o TCLE.

A entrevista foi conduzida utilizando-se um roteiro contendo informações sobre os participantes e duas perguntas norteadoras relacionadas à experiências do enfermeiro em relação ao cuidar do neonato gravemente enfermo que está morrendo e de seus familiares.

A coleta dos dados iniciou-se após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE n• 0066.0.028.000-11) e autorização do gestor da unidade onde se realizou a coleta, sendo que as pesquisadoras comprometeram-se a utilizar os dados somente para a realização desta pesquisa.

Para a análise dos dados, utilizou-se o método “Discurso do sujeito coletivo” (DSC), uma técnica de tabulação e organização de dados qualitativos que tem, como fundamento, a teoria da Representação Social(77. Lefevre F, Lefevre AM. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa. 2a ed. Caxias do Sul: EDUCS; 2005. (Desdobramentos). ).

Para elaborar o DSC, os discursos individuais no estado bruto são decompostos, selecionando-se as idéias centrias, expressões-chave e ancoragens, que possibilitam a construção das categorias. Procura-se, com isso, a reconstituição discursiva da representação social, como se o discurso de todos os sujeitos se tornasse o discurso de um só(77. Lefevre F, Lefevre AM. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa. 2a ed. Caxias do Sul: EDUCS; 2005. (Desdobramentos). -88. Lefevre F, Lefevre AM, Marques MC. Discurso do sujeito coletivo, complexidade e auto-organização. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2009[citado 2015 Nov 27]; 14(4): 1193-204. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009000400025.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009...
).

Resultados

Os discursos das enfermeiras possibilitou identificar cinco DSCs, que serão apresentados a seguir.

Sendo um momento difícil para o enfermeiro

Os relatos evidenciaram que a morte do neonato é sempre um momento muito difícil para o profissional, pois ele estabelece um vínculo forte com o bebe e sua família. Ressalta, ainda, que é sempre mais difícil aceitar a morte de um bebê do que de um adulto ou idoso.

“Tem situações que são um pouco mais pesadas... que são essas situações de morte. É um momento muito difícil pra toda equipe, não só pra enfermeira... Também porque nem todo mundo tem essa serenidade... A gente foi preparada pra cuidar de gente viva e não de gente morta, né. E nessa idade, ainda... se fosse um velhinho que tivesse morrendo, você se conforma. Tá certo que é errado, mas você se conforma que o velhinho já viveu, já teve a vida dele, já foi feliz, já casou já teve filho. Agora, um bebê não teve nada, né... nada, nada simplesmente, né! Ele não teve nem tempo para ter...”(DSC 1)

A enfermeira passa a vivenciar um pouco do dia-a-dia daquela família, conhecendo suas angústias, medos e participando intensamente da sua rotina diária, em um momento de fragilidade familiar.

“a gente acaba se envolvendo, criando um vínculo muito grande: família, bebê e equipe (…) Então para a gente que é enfermeira, que tá mais próxima dessa família, é claro que a gente sofre mais que o médico que, lógico, sofre, mas é diferente o envolvimento. A gente tá seis horas, todos os dias, até que ele (o bebê) morra, né…” (DSC1).

A enfermeira também faz reflexões sobre a qualidade de vida do neonato que sobrevive, devido ao risco de sequelas importantes, e o impacto dessa ocorrência sobre a família. Pondera sobre suas ações e esforços para a sobrevida do bebe, que poderiam gerar consequências igualmente complexas para a família caso ele sobrevivesse.

“De repente, você acaba fazendo coisas, às vezes, temivelmente heróicas, e talvez nem precisasse tudo isso, né (…) Será que tudo isso que nós estamos fazendo não vai causar nenhum problema lá na frente? Vou fazer até que ponto? ...Para deixar esse bebe virar o que depois? Que estrutura de família vai ter pra poder levar isso tudo, né (…) Se for pensar em qualidade de vida como a gente imagina para uma criança... brincar na rua, ser feliz, fazer tudo saudável, feliz...sem ter que deixar ninguém dependente eternamente da família... porque é isso que vai acontecer, né!” (DSC1)

Questiona-se sobre até que ponto deve-se investir na manutenção da vida de neonatos graves que não tem um bom prognóstico, uma vez que essa decisão não cabe ao enfermeiro.

Você também passa a se questionar o que é melhor pra esse neném e para essa família. Então, por um lado você quer que ele vá embora bem (para casa). Mas se você for pensar que qualidade de vida ele vai ter... até que ponto você continua fazendo tudo que tem que fazer? Para ele não ter qualidade absoluta nenhuma de vida, né... Esse é um questionamento muito frequente! E nós, enfermeiras, não temos esse poder de parar aqui. Talvez você evitasse sofrimento, também né...(DSC 1)

Buscando estratégias para enfrentar o sofrimento.

Percebe-se, nos relatos, o quanto essa experiência gera sofrimento para o enfermeiro, principalmente quando estabelece um vínculo mais forte com a família, e o quanto essa perda pode interferir na sua vida pessoal. Expressar seu sofrimento por meio do choro ou rezar pelas famílias são algumas estratégias utilizadas pelo profissional no enfrentamento da situação.

“Dizer pra você que eu cheguei em casa e chorei por um paciente que morreu, não. Eu já chorei, assim, de ver a família sofrendo no momento que tá perdendo o paciente... pelo sofrimento de quem tá ficando. A gente não tá preparado e você chora muito...Ou você chora ou você fica doente...Você pode escolher o que é melhor, o que é pior pra você… depende de quanto emocionalmente você é capaz de mostrar ou não seus sentimentos. Tem colegas que choram tanto ou mais que a família (…) Então, às vezes, fico pensando... Peço conforto, rezo... eu oro pra pessoa que tá indo... dar conforto, dar o melhor caminho pra quem for, mas dar o conforto pra quem fica... É isso. Mas eu não fico sofrendo vários dias, assim, não...”(DSC 2)

Para a enfermeira, há situações em que é impossível não se envolver com a família e o sofrimento é inevitável. Nesses momentos, conta com a ajuda de outros colegas.

“E nesse caso, especificamente, eu sofri bastante. Não consegui muito separar o profissional da vida pessoal. Fiquei lamentando aquilo por alguns dias. Tanto é que, quando a mãe chegou, eu pedi pra outra enfermeira mostrar o bebê para ela... porque eu não estava em condições de mostrar naquela hora. Eu me emocionei... (DSC 2)

Em outros momentos, no entanto, apesar da tristeza, o profissional consegue manter seu auto-controle.

Por outro lado, há outras situações em que consigo separar bem. Você fica triste na hora, pelo acontecido...A gente tem apego à família, né. Eu acho que, aqui, eu consigo... fora daqui, é diferente. Principalmente depois que você tem filho. Mesmo você, não sendo mãe, acaba se envolvendo com a criança, né... Mas a gente, na hora, tem que fazer o que tem que ser feito e pronto, entendeu? Acho que o importante é isso. Você tem que saber que o profissional é uma coisa e o pessoal é outra. Então, eu não fico remoendo isso posteriormente... Isso, não.”(DSC 2)

O tempo de atuação na área, vivenciando repetidamente estas experiências, leva o profissional a adotar algumas atitude que os ajudam a enfrentar melhor essa situação. Entretanto, parece nunca se sentir totalmente preparado para o momento do óbito do bebê, quando, por vezes, não sabe o que fazer e o que dizer aos pais e familiares.

E já faz alguns anos que eu trabalho na UTIN, então, acho que dá pra separar um pouquinho. O tempo ajuda, porque você acaba criando mecanismos de defesa em relação a isso. Então quando você vê que é uma criança que está um pouco mais grave, que vai evoluir para..(o óbito), a gente já começa a se preparar… Mas acho que isso, é depois de um tempo... a gente aprende.”(DSC 2)

Reconhecendo que o momento é muito mais difícil para a família

Para a enfermeira, cuidar de um neonato que está morrendo é difícil para todos, entretanto, para a família, o sofrimento é muito maior. Percebe a frustração da família que se defronta com uma situação de perda, num momento da vida que normalmente é marcado por festa e comemoração.

A enfermeira enfatiza a importância da atuação da psicóloga da unidade no apoio emocional a esta família, mesmo antes do bebê morrer.

“Nós temos uma psicóloga aqui na UTIN e ela ajuda nessa parte emocional, que as vezes ela ajuda no link dessa historia pra afivelar um pouco melhor, pra poder ajudar o casal no relacionamento interpessoal. Então, o que acontece é que ela acompanha aqueles nenês que estão pré-obitos ou que tem um prognostico muito ruim..”(DCS3)

Outro fato que emergiu nos discursos é quando há gemelares e um deles acaba falecendo. Entendem o afastamento da mãe da UTIN e do banco de leite como uma etapa do processo de luto que ela precisa enfrentar, para que consiga continuar a cuidar do bebê que sobreviveu.

“Era um gemelar.. e que um deles morreu e outro não, né… e que na própria família você vê esse misto de festa com um e dor com outro… é uma coisa, né, estranha... Ainda mais por que você esta falando do óbito do seu filho que é uma coisa muito complicada, nesse caso, então ela demorou uns 2, 3 dias pra mexer no outro bebê de nov,o né (…) Então, ela não veio no banco de leite, nada, né... Ela tava fazendo um luto, a parte dela mesmo, né… fechando esse final de historia, né. No final, foi super legal porque ela conseguiu tratar do outro bebê… conseguiu participar de toda vidinha dele… mas ela precisava passar por aquele momento...”(DSC 3)

Ajudando a família a enfrentar o momento do óbito

Diante do momento de óbito do bebê, a enfermeira tenta ajudar a família, mesmo que ainda não se sinta suficientemente preparada para enfrentar a situação. Preocupa-se em garantir a privacidade dos familiares, atender seus desejos e solicitações naquele momento. Entende que a família necessita vivenciar os estágios de luto e empenha-se em ajudá-los a passar por eles da melhor maneira possível.

“E no momento em que o bebê vai a óbito a gente, sempre a gente fecha a cortina, deixa o tempo que eles quiserem conversando com o bebê... pra vivenciar o óbito mesmo... pra passar pelo processo de aceitação né... E avisa que a gente tá ali para o que precisar a gente tenta sentir o que, que a mãe ta precisando naquele momento, tem umas que naquele momento precisam ficar sozinha mesmo. É aquele momento que não adianta oferecer colo, não adianta oferecer psicólogo, não adianta nada, por que ela não quer isso de você , ela quer o seu silencio.”(DSC 4)

O enfermeiro possibilita a família cuidar do corpo do bebe, quando assim o deseja, bem como a entrada de outros familiares na unidade, para que se façam as despedidas.

A gente oferece pra mãe, se ela quer pegar o bebê... acaba dando banho, vestindo esse bebê, fazendo toda a parte emocional pra terminar a história. Precisa fechar essa história... tem começo, meio e tem que ter fim...A gente deixa os familiares entrarem, não só a mãe e o pai, mas os outros familiares... Os avós. Às vezes, eles rezam do lado do bebe, batizam... Tem que ter a despedida, né! Acho que dá o tempo que for necessário... e incentivar a chorar mesmo. Porque é o momento deles, então pode chorar ...”(DSC4)

Promover um ambiente acolhedor, tocar o outro e colocar-se a disposição para ouvir a família são mais algumas estratégias empregadas pela enfermeira.

“Acho que o primordial também é dar a oportunidade de um ambiente que ela se acalme, aquela coisa do toque. Eu gosto muito de tocar: mão, braço... oferecer uma água, né. Porque eu acho que, nessas horas, a gente tem mais que ouvir, do que falar, né... Às vezes, a gente não tem muita habilidade pra falar o que precisa e cada família encara de uma forma a morte. Então, quanto menos você fala, acho que é melhor para aquela pessoa viver, passar por aquele momento. Mas acho que isso, é depois de um tempo... a gente aprende.. (DSC 4)

A enfermeira acredita que o envolvimento do profissional com os pais durante a internação é fundamental para ajudá-lo a lidar com a perda do bebe. Esse envolvimento depende da interação que se estabelece com o núcleo familiar e a equipe, da própria dinâmica de cada família e, também, do tempo de permanência do neonato na unidade.

“O envolvimento acaba dependendo dos pais... do envolvimento que você tem com a criança, com a família. Tem alguns (pais) que dão abertura, tem outros que são mais fechados, né... Tem aqueles que gostam mais de conversar... tem outros que ficam pouco tempo aqui e, às vezes, acaba não tendo muito vínculo. Isso varia muito... A gente cria vínculo dependendo dos pais, né... Dependendo do caso, se (o bebê) ficou muito tempo (na unidade), a gente consegue uma abordagem melhor... Se foi uma coisa muito rápida a permanência na UTIN, a gente fica um pouco de mãos atadas, né. Faz diferença.(DSC 4)

A enfermeira ressalta, ainda, o quanto a empatia pode interferir na sua maneira de se relacionar com a família.

Depende muito da empatia que eu tenho pelo casal, de quanto eu me relaciono com ele, quanto eu consigo falar com ele numa boa, de quanto menos distante ele fica de mim. Porque, tem casal que não quer sua participação... eles se fecham e não querem que você entre no meio do mundo deles. Às vezes, você não tem empatia com aquele casal... não gosto de você, não acho você simpática, então, fica muito mais difícil eu ser solidária a você, né! Mas é o que eu falo, depende muito da criança.. (DSC4)

Experimentando um sentimento de dever cumprido, apesar da tristeza pela perda do neonato

Apesar de toda a tristeza e dos momentos de angustias vivenciados pela enfermeira frente ao óbito do neonato, há a sensação de dever cumprido, pois entende que fez o possível por aquele bebe. E quando se estabelece um vínculo saudável, os pais, muitas vezes retornam algum tempo depois do óbito e manifestam sua gratidão, reforçando esse sentimento de dever cumprido.

“A gente fica triste, mas com a sensação de dever cumprido, né... Porque você sempre tenta fazer o seu melhor em todos os momentos, seja enquanto (o bebê) tá bem, enquanto tá grave e no momento da morte também... E com muito respeito, né. Normalmente, a gente permite que ela faça tudo o que quer fazer: pegar no colo, dar banho, trocar, tudo... Você se sente impotente diante da situação, mas tem que ter consciência de que você fez tudo o que fosse possível naquele momento...Os pais vêem que a gente está fazendo de tudo, entendeu? Outro dia fiquei muito feliz...os pais terem vindo aqui no mesmo ano em que o bebe faleceu, pra entregar uma lembrança e desejar “feliz natal”. Acho que foi muito gratificante esse cuidado, que acabou marcando todo mundo aqui. Foi legal, porque foi um vinculo estabelecido de uma maneira saudável, entendeu?..”(DSC 5)

Discussão

A dificuldade enfrentada pelo enfemeiro ao cuidar do neonato que está morrendo e sua família mostra-se bastante eloquente nos discursos. O envolvimento emocional é inevitável, pois esses profissionais acompanham esse bebê diariamente em seu turno de trabalho, desde sua admissão na unidade até o momento de seu óbito ou alta.

Um estudo aponta para a ambivalência entre o sentir e o agir experimentada pelos profissionais de saúde no cuidado à criança sem possibiliades de cura, pois o vínculo que aproxima é o mesmo que leva esses profissionais a sofrerem quando o óbito está próximo(99. Silva AF, Issi HB, Motta MG, Botene DZ. Critical care nursing professionals’ perceptions about the death of the newborn. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2015[cited 2015 Nov 27]; 36(2): 56-62. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2015.02.46299
http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2015...
).

Sobre o fato dos enfermeiros entrevistados terem maior dificuldade para aceitar a morte de um bebê do que de um adulto, a literatura mostra que qualquer perda representa um desafio para as pessoas. Requer adaptação e reorganização, modificando o curso normal da vida. Para o ser humano, é dificil enfrentar e encarar a morte, mesmo sabendo que ela faz parte da vida, sobretudo quando se trata de um neonato(1010. Silva PS, Valença NC, Germano MR. Percepções dos profissionais de enfermagem intensiva frente a morte do recém-nascido. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010[citado 2015 Nov 27]; 63(2) 238-42. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672010000200011
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672010...
).

Na concepção dos enfermeiros do presente estudo, destaca-se o sentimento de impotência ao não conseguir evitar a morte do recém-nascido, seguido de alívio ao entender que este acontecimento põe fim ao seu sofrimento.

Os sentimentos que emergem frente à morte no período neonatal são complexos por estimularem a reflexão sobre a finitude humana. A morte do outro é uma lembrança da própria morte e nisto consiste a dificuldade das pessoas em oferecer a ajuda e afeição de que necessitam, ao se despedir dos outros (1111. Oishi KL. O Jardim de Julia: a vivência de uma mãe durante o luto. Psicol Teor Pesqui [Internet]. 2014 [citado 2015 Nov 27]; 30(1): 5-11. Disponível em: https://revistaptp.unb.br/index.php/ptp/article/view/561
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-1212. Silva LC , Valença CN , Germano RM. Estudo fenomenológico sobre a vivência da morte em uma unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010 [citado 2015 Nov 27]; 63(5): 770-4. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672010000500012
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).

A preparação e o esforço do profissional de saúde para a manutenção da vida do bebe e a interação com seus familiares, bem como a necessidade de enfrentar o pesar diante do final de uma existência que mal começou, torna esta experiência ainda mais difícil de ser enfrentada(1212. Silva LC , Valença CN , Germano RM. Estudo fenomenológico sobre a vivência da morte em uma unidade de terapia intensiva neonatal. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010 [citado 2015 Nov 27]; 63(5): 770-4. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672010000500012
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).

Os discursos evidenciam, ainda, que os enfermeiros estão sensibilizados para o sofrimento intenso das famílias, especialmente dos pais. Entendem que a família necessita vivenciar os estágios de luto e empenha-se em ajudá-los a passar por eles da melhor maneira possível.

A perda de um filho é um dos acontecimentos mais devastadores que pode acontecer, pois envolve três tempos diferentes: o passado de construção de sonhos, a frustração e sofrimento infinito do presente e a incerteza do futuro(1111. Oishi KL. O Jardim de Julia: a vivência de uma mãe durante o luto. Psicol Teor Pesqui [Internet]. 2014 [citado 2015 Nov 27]; 30(1): 5-11. Disponível em: https://revistaptp.unb.br/index.php/ptp/article/view/561
https://revistaptp.unb.br/index.php/ptp/...
).

Para a elaboração do luto de forma saudável, alguns aspectos são facilitadores, como quando a morte do bebê é encarada de forma real pela sua família, incluindo a despedida, velório e a realização de outros rituais. Oferecer espaço de escuta e acolhimento dos sentimentos também favorece a expressão dos familiares, possibilitando delinear outro significado para essa perda(1111. Oishi KL. O Jardim de Julia: a vivência de uma mãe durante o luto. Psicol Teor Pesqui [Internet]. 2014 [citado 2015 Nov 27]; 30(1): 5-11. Disponível em: https://revistaptp.unb.br/index.php/ptp/article/view/561
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). Os enfermeiros deste estudo também utilizaram estratégias facilitadoras para apoiar o momento de despedida entre a família e o bebe.

A inserção de programas de cuidados paliativos no período neonatal é, atualmente, considerada estratégia importante de acolhimento, quando abordadas questões relacionadas à promoção de um atendimento de qualidade para o neonato sem possibilidade de cura. Estes programas enfatizam a necessidade de cuidados que promovam conforto físico, como aconchego, toque e posicionamento adequado no leito ou no colo dos pais, entre outros.

Benefícios físicos e emocionais são obtidos com estas iniciativas, tanto para o recém-nascido, reduzindo os sintomas físicos que causam desconforto, quanto para sua família, amenizando o sofrimento emocional e espiritual(99. Silva AF, Issi HB, Motta MG, Botene DZ. Critical care nursing professionals’ perceptions about the death of the newborn. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2015[cited 2015 Nov 27]; 36(2): 56-62. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2015.02.46299
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).

Outra pesquisa reforça a importância de se ter, nas UTIN, um espaço reservado para o cuidado paliativo neonatal. O ambiente acolhedor e a equipe preparada para atender as necessidades da família são fundamentais, inclusive para que ao serem transferidos para esta unidade, os familiares não se sintam abandonados pelos profissionais com os quais já criou vínculo(1313. Kain V. Exploring the barriers to palliative care practice in neonatal nursing: A focus group study. Neonatal, Paediatric and Child Health Nursing. 2011; 14(1): 9-14.).

Os enfermeiros entrevistados buscam estratégias para enfrentar a perda e lidar com a família nestas situações, ao refletirem os esforços realizados para a manutenção da vida do RN. Nesse sentido, deparar-se com a possibilidade de morte do recém-nascido, no seu cotidiano é se defrontar com a dificuldade em decidir a viabilidade de tratamento para pacientes gravemente enfermos e o inconformismo com a morte quando as medidas terapêuticas não alcançam êxito(1010. Silva PS, Valença NC, Germano MR. Percepções dos profissionais de enfermagem intensiva frente a morte do recém-nascido. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010[citado 2015 Nov 27]; 63(2) 238-42. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672010000200011
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).

A vivência cotidiana dos profissionais de enfermagem em UTI neonatal não é suficiente para prepará-los para lidar com a morte de um recém-nascido. Sentimentos de culpa, fracasso e negação da morte afloram, representando dificuldade de compreender a transição vida-morte nesse momento(1414. Cardoso DH, Muniz RM, Schwartz E, Arrieira IC. Cuidados paliativos na assistência hospitalar: a vivência de uma equipe multiprofissional. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 [citado 2015 Nov 27]; 22(4): 1134-41. Disponivel em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072013000400032
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).

Dar a notícia de morte aos pais do neonato é outro momento de grande dificuldade para o profissional, que sente a dor do outro e não sabe lidar com ela, pois desconhece os limites e necessidades desses cuidadores(1010. Silva PS, Valença NC, Germano MR. Percepções dos profissionais de enfermagem intensiva frente a morte do recém-nascido. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010[citado 2015 Nov 27]; 63(2) 238-42. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672010000200011
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).

O enfermeiro relata, em seus discursos, sobre a influência desse sofrimento no desempenho profissional e na vida pessoal. Pesquisas revelam que, assim como ocorre com a família, a morte da criança impacta psicologicamente sobre estes profissionais, que buscam meios pessoais para poder lidar da melhor forma com a perda da criança(99. Silva AF, Issi HB, Motta MG, Botene DZ. Critical care nursing professionals’ perceptions about the death of the newborn. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2015[cited 2015 Nov 27]; 36(2): 56-62. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2015.02.46299
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).

A doença é um dos aspectos que mantem os indivíduos sempre conectados à morte e suas nuances. Durante sua formação acadêmica, o enfermeiro percebe-se enquanto ser finito e mortal, quando se insere no campo hospitalar em seu processo de formação acadêmica. Ao vivenciar a morte do outro, ele reflete sobre sua própria morte e a de seus entes queridos(1515. Kempfer SS, Carraro TE. Temporalidade: o existir e a perspectiva da finitude para o ser-acadêmico-de-enfermagem ao experienciar a morte. Texto & Contexto Enferm [Internet]. 2014[citado 2015 Nov 27]; 23(3): 728-34. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n3/pt_0104-0707-tce-23-03-00728.pdf
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).

Ser resiliente e entender a morte como parte natural do ciclo de vida pode ajudar as enfermeiras a viverem estas situações com menos sofrimento. Muitas vezes, buscar a ajuda dos pares, reservadamente, é mais bem aceito pelos profissionais do que a proposta de grupos de ajuda ou discussões em grupos(1616. Bloomer MJ, O’Connor M, Copnell B, Endacott R. Nursing care for the families of the dying child/infant in paediatric and neonatal ICU: nurses' emotional talk and sources of discomfort. A mixed methods study. Aust Crit Care. 2015;28(2):87-92.).

Após entender suas limitações frente à morte e aceitá-la como um evento natural, os profissionais precisam ressignificar sua vivência de cuidado. A possibilidade de auxiliar pacientes e famílias a enfrentar a morte do bebe é uma tarefa compreendida como gratificante e o trabalho multidisciplinar, como fundamental nesse momento(1111. Oishi KL. O Jardim de Julia: a vivência de uma mãe durante o luto. Psicol Teor Pesqui [Internet]. 2014 [citado 2015 Nov 27]; 30(1): 5-11. Disponível em: https://revistaptp.unb.br/index.php/ptp/article/view/561
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). Os discurso apontam para o sentimento de dever cumprido manifestado pelo profissional, quando percebe que fez o melhor para o bebe e sua família.

Estudos realizados com pais de crianças e neonatos que foram ao óbito após um período na UTI e com enfermeiros que atuam em unidades neonatais, revelaram algumas das atitudes dos profissionais de enfermagem que ajudaram as famílias frente à morte dos seus filhos. Ser uma equipe sensível e experiente, ter compaixão e favorecer o envolvimento dos pais nas decisões de cuidados contribui para uma experiência construtiva(1717. Brooten D, Youngblut JM, Seagrave L, Caicedo C, Hawthorne D, Hidalgo I, Roche R. Parent’s perceptions of health care providers actions around child ICU death: what helped, what did not. Am J Hosp Palliat Care. 2013; 30(1):40-9).

Quando o profissional mostra-se insensível ao sofrimento dos familiares, tem conflitos com os pais e não promove o suporte necessário, demonstra dificuldade para abordar as questões da morte, junto à família. Evidencia, então, sua inexperiência e incapacidade na vivência desta experiência difícil para os profissionais e, sobretudo para as famílias (1717. Brooten D, Youngblut JM, Seagrave L, Caicedo C, Hawthorne D, Hidalgo I, Roche R. Parent’s perceptions of health care providers actions around child ICU death: what helped, what did not. Am J Hosp Palliat Care. 2013; 30(1):40-9).

O cuidado dos enlutados impõe relacionamentos sofisticados e mais difíceis de serem articulados do que a aparente simplicidade dos modelos de cuidar. Envolvem a necessidade de prestar atenção às particularidades do enlutado para guiá-los nesta difícil situação de vida, ajudando-os a perceber que, às vezes, o que mais pode trazer conforto é, ironicamente, o que estão evitando fazer, como falar sobre sua perda(1818. Bousso RS. The complexity and simplicity of the experience of grieving. Acta Paul Enferm [Internet]. 2011[cited 2015 Nov 27]; 24(3): VII-VIII. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002011000300001
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).

Esforços em compartilhar o sofrimento, a dor e a impotência diante da perda pode tornar a experiência diante da morte do neonato algo menos solitário para o profissional(1818. Bousso RS. The complexity and simplicity of the experience of grieving. Acta Paul Enferm [Internet]. 2011[cited 2015 Nov 27]; 24(3): VII-VIII. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002011000300001
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).

Os achados do presente estudo reforçam a necessidade de se estabelecer uma rede de apoio ao profissional que atua em situações de sofrimento intenso, como ocorre na unidade de cuidados intensivos, entre outros.

Conclusão

A experiência em cuidar do neonato que está morrendo e sua família evidencia-se como um momento muito difícil para a enfermeira, que busca estratégias para lidar com o sofrimento, como externá-lo por meio do choro ou pedir a ajuda de outros profissionais, quando não se sente em condições de atender a família.

Ela reconhece a dimensão do sofrimento da família, para quem é muito mais dificil vivenciar a morte do neonato, e empenha-se em ajudá-la a enfrentar o momento do óbito oferecendo um ambiente acolhedor, utilizando o toque, respeitando o silêncio do familiar e mostrando-se disponível para ouvi-lo. Enfatiza, ainda, a importância de estabelecer um vínculo de confiança com a família.

Apesar de toda tristeza e angústia vivenciada, a enfermeira experimenta o sentimento de dever cumprido, ao entender que atuou da melhor forma possível no cuidado ao neonato e sua família.

A criação de grupos multiprofissionais que se reúnem periodicamente pode ser bastante efetiva, no sentido de possibilitar um espaço para que os membros da equipe de saúde verbalizem seus sentimentos e dificuldades, minimizando suas angustias.

Outra questão importante a se considerar é a necessidade de se preparar o profissional pra lidar com situações de luto e morte desde o início de sua formação acadêmica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2015
  • Aceito
    14 Nov 2015
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