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Intensidade e frequência de distresse moral em enfermeiros brasileiros

Resumo

Objetivo:

Avaliar a frequência e a intensidade de distresse moral em enfermeiros brasileiros.

Método:

Estudo transversal desenvolvido com enfermeiros dos 27 estados brasileiros por meio da aplicação da Escala Brasileira de Distresse Moral e análise estatística descritiva.

Resultados:

Participaram do estudo 1.226 enfermeiros brasileiros. A intensidade e a frequência de distresse moral geral foram avaliadas como nível moderado, com médias de 3,08(±1,45) e 2,94(±1,37), respectivamente. Especificamente, a maior intensidade e frequência esteve relacionada aos fatores Reconhecimento, poder e identidade e Equipes de trabalho, enquanto a menor ao fator Defesa de valores e direitos.

Conclusão:

Denota-se a ocorrência do distresse moral em ambientes precários de trabalho e com pouca expressividade do papel do enfermeiro. Destaca-se a importância do problema em termos de sua amplitude e multicausalidade, atingindo profissionais que atuam em diferentes contextos de trabalho.

Descritores:
Ética em Enfermagem; Condições de Trabalho; Equipe de Assistência ao Paciente; Moral; Esgotamento Profissional

Abstract

Objective:

To evaluate the frequency and intensity of moral distress in Brazilian nurses.

Method:

Cross-sectional study performed with nurses from 27 Brazilian states through application of the Brazilian Moral Distress Scale in Nurses (Portuguese acronym: EDME-Br) and descriptive statistical analysis.

Results:

Participation of 1,226 Brazilian nurses in the study. The intensity and frequency of overall moral distress were rated as moderate level, with averages of 3.08 (± 1.45) and 2.94 (± 1.37), respectively. Specifically, the highest intensity and frequency was related to the factors Acknowledgement, power and professional identity and Work teams, while the lowest was related to the factor Defense of values and rights.

Conclusion:

Moral distress occurs in precarious work environments, with little expressiveness of the nurses’ role. One highlights the importance of the problem in terms of its amplitude and multicausality, reaching professionals acting in different work contexts.

Descriptors:
Ethics, Nursing; Working Conditions; Patient Care Team; Morale; Burnout, Professional

Resumen

Objetivo:

Evaluar la frecuencia y la intensidad de distrés moral en enfermeros brasileños.

Método:

Estudio transversal desarrollado con enfermeros de los 27 estados brasileños mediante la aplicación de la Escala Brasileña de Distrés Moral y análisis estadístico descriptivo.

Resultados:

Participaron en el estudio 1.226 enfermeros brasileños. La intensidad y la frecuencia de distrés moral general fueron evaluadas como nivel moderado, con promedios de 3,08(±1,45) y 2,94(±1,37), respectivamente. Específicamente, la mayor intensidad y frecuencia estuvo relacionada con los factores Reconocimiento, poder e identidad y Equipos de trabajo, mientras que la menor con el factor Defensa de valores y derechos.

Conclusión:

Se denota la ocurrencia del distrés moral en ambientes precarios de trabajo y con poca expresividad del papel del enfermero. Se destaca la importancia del problema en términos de su amplitud y multicausalidad, alcanzando a los profesionales que actúan en distintos contextos laborales.

Descriptores:
Ética en Enfermería; Condiciones de Trabajo; Grupo de Atención al Paciente; Moral; Agotamiento Profesional

INTRODUÇÃO

Aspectos laborais, como condições de trabalho, sobrecarga, habilidades e competências para atuação, relacionamento com a equipe e normas institucionais, permeiam o processo de trabalho do enfermeiro e estão associados ao desgaste físico, emocional e ao distresse moral (DM)(11. Loro MM, Zeitoune RCG. Collective strategy for facing occupational risks of a nursing team. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03205. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2015027403205
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201502...

2. Musto LC, Rodney PA, Vanderheide R. Toward interventions to address moral distress: Navigating structure and agency. Nurs Ethics. 2015; 22(1):91-102. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0969733014534879
https://doi.org/10.1177/0969733014534879...

3. Ramos FRS, Barth PO, Schneider AMM, Cabral AS, Reinaldo JS. Effects of moral distress on nurses: Integrative literature review. Cogitare Enferm. 2016;21(2):1-13.

4. Pires DEP, Machado RR, Soratto J, Scherer MA, Gonçalves ASR, Trindade LL. Nursing workloads in family health: implications for universal access. Rev Latino Am Enfermagem. 2016;24:e2682. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0992.2682
https://doi.org/10.1590/1518-8345.0992.2...

5. Barth PO, Ramos FR, Barlem ELD, Dalmolin GD, Schneider DG. Validation of a moral distress instrument in nurses of primary health care. Rev Latino Am Enfermagem. 2018; 26:e3010. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2227.3010
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2227.3...
-66. Jameton A. A reflection on moral distress in nursing together with a current application of the concept. J Bioeth Inq. 2013;10(3):297-308. DOI: http://dx.doi.org/ 10.1007/s11673-013-9466-3
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)
. A ocorrência de DM associa-se às condições concretas e à experiência subjetiva do trabalho, em especial, envolvendo desafios cotidianos, como decisões clínicas e de gestão do cuidado. O DM caracteriza-se como dor e desequilíbrio emocional, vivenciado quando o enfermeiro reconhece a decisão ou curso correto de uma ação, mas, devido a constrangimentos institucionais ou barreiras de diversas ordens, é impedido de desenvolver a ação definida como moralmente correta(66. Jameton A. A reflection on moral distress in nursing together with a current application of the concept. J Bioeth Inq. 2013;10(3):297-308. DOI: http://dx.doi.org/ 10.1007/s11673-013-9466-3
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)
.

O DM vem sendo debatido em diversos cenários do contexto mundial como uma experiência ética e moral singular, de caráter processual, ou seja, que não se finda no episódio, mas que produz transformação no sujeito e efeitos tanto reativos imediatos como residuais, com repercussões pessoais, institucionais e para o cuidado prestado(1-2,7-12).

No Brasil foi desenvolvido um marco teórico próprio, considerando as particularidades desse cenário, numa abordagem do DM como processo ligado à experiência moral, articulado a elementos e conceitos como o de sensibilidade moral, deliberação moral, problema moral e o desenvolvimento de competências ético-morais(1313. Ramos FRS, Barlem ELD, Brito MJM, Vargas MA, Schneider DG, Brehmer LCDF. Conceptual framework for the study of moral distress in nurses. Texto Contexto Enferm. 2016;25(2):e4460015. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072016004460015
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)
. Tendo em vista rupturas e continuidades conceituais, o DM também foi analisado a partir da reflexão sobre os espaços de poder e resistência e a advocacia do paciente, sendo relacionado à inexpressividade ética, política e advocacional por parte do profissional(1414. Barlem ELD, Ramos FRS. Constructing a theoretical model of moral distress. Nurs Ethichs. 2014;22(5):608-15. DOI: http://dx.doi.org/ 10.1177/0969733014551595
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)
. O referido marco teórico constituiu a base do presente estudo e do desenvolvimento da Escala Brasileira de Distresse Moral em Enfermeiros (EDME-Br)(1515. Ramos FRS, Barlem ELD, Brito MJM, Vargas MA, Schneider DG, Brehmer LCDF. Construction of the Brazilian Moral Distress Scale in Nurses: a metodological study. Texto Contexto Enferm. 2016;26(4):e0990017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017000990017
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)
.

Justificou-se a relevância de estudar o objeto no cenário brasileiro pelas características próprias e complexas do trabalho nos serviços de saúde, especialmente por sua organização, regida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), público e universal, que enfatiza a transformação do modelo assistencial, assumindo o princípio da integralidade e valorizando a interdependência no trabalho de múltiplos profissionais. Ao focalizar em um cenário nacional e não restrito a um tipo de serviço ou especialidade, assume-se que as formas de organização do trabalho assim como dificuldades e particularidade dos serviços de saúde representam condições e desafios bem diversos de outros cenários mais amplamente estudados. As vivências profissionais são produzidas em seus contextos de atuação, e a avaliação do DM dos enfermeiros brasileiros deve buscar captar a diversidade desses cenários, seja em termos geográficos ou laborais. Além de os estudos internacionais se dirigirem quase que exclusivamente para o DM de enfermeiros que atuam em hospitais e serviços especializados(1616. Corley MC, Minick P, Elswick RK, Jacobs M. Nurse moral distress and ethical work environment. Nurs Ethics. 2005;12(4):381-90. DOI: http://dx.doi.org/10.1191/0969733005ne809oa
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17. Oh Y, Gastmans C. Moral distress experienced by nurses: a quantitative literature review. Nurs Ethics. 2015;22(1):15-31. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0969733013502803
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-1818. Schaefer R, Zoboli ELCP, Vieira M. Identification of risk factors for moral distress in nurses: basis for the development of a new assessment tool. Nurs Inq. 2016;23(4):346-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/nin.12156
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)
, o Sistema de saúde brasileiro se constitui como política única e diferenciada, e a profissão adquire nuances históricas e institucionais distintas, o que já justificaria o uso de instrumento especialmente construído para a realidade brasileira.

Assim, é necessária a avaliação do DM dos enfermeiros brasileiros, na abrangência e extensão do contexto nacional, na diversidade dos serviços de saúde e suas formas de organização do trabalho, as quais podem ser ou não favoráveis à saúde e atuação ética desses trabalhadores. O objetivo do presente consistiu em avaliar a frequência e a intensidade de distresse moral em enfermeiros brasileiros.

MÉTODO

Desenho do estudo

Trata-se de um estudo transversal realizado com enfermeiros brasileiros de todas as regiões do país e de diferentes tipos de serviços assistenciais.

População

A população do estudo compreendeu 451.666 enfermeiros distribuídos nas 27 unidades da federação (26 estados e o Distrito Federal), conforme cadastro do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN).

Para a seleção dos participantes, adotaram-se, como critérios de inclusão, ser graduado em Enfermagem e possuir experiência atual ou prévia em campo assistencial.

Foi utilizada amostragem não probabilística. Para fins estatísticos, por meio de uma fórmula para amostragem finita, calculou-se uma amostra mínima com base na população apresentada, nível de confiança de 95% e erro amostral de 0,5, estimando-se o mínimo de 380 participantes(1919. Bolfarine H, Bussab WO. Elementos de amostragem. São Paulo: Blucher; 2005.). Foi obtida uma amostra final de 1.226 enfermeiros respondentes.

Coleta de dados

A coleta dos dados ocorreu por formulário eletrônico via Google.docs, nos meses de novembro de 2015 a maio de 2016. Numa primeira etapa, foram buscados contatos, por conveniência, com enfermeiros, especialmente gestores e professores universitários, das diferentes regiões do país, localizados em buscas por instituições da rede pública e privada de serviços de saúde, solicitando que o e-mail-convite e o link para o instrumento eletrônico fossem divulgados nas instituições. Com o baixo alcance dessa coleta, foi realizada uma impulsão da pesquisa por meio de rede social, dirigindo convite para aqueles que se identificavam com a profissão “enfermeiro”. Ao entrar no instrumento, o respondente era informado sobre a pesquisa e solicitado a continuar apenas se atendesse ao critério de inclusão; após, era direcionado para a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), somente após concordância, tinha acesso ao instrumento propriamente dito.

O instrumento aplicado foi a EDME-Br, construída e validada em contexto brasileiro(1515. Ramos FRS, Barlem ELD, Brito MJM, Vargas MA, Schneider DG, Brehmer LCDF. Construction of the Brazilian Moral Distress Scale in Nurses: a metodological study. Texto Contexto Enferm. 2016;26(4):e0990017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017000990017
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)
. Trata-se de uma escala likert de seis pontos que avalia a frequência e a intensidade de distresse moral, na qual 0 = nunca/nenhum e 6 = muito frequente/muito intenso, tendo como ponto médio o valor 3. A escala contempla inicialmente uma parte de caracterização sociodemográfica e laboral, constituída pelas variáveis idade, sexo, estado, tempo de formação, formação complementar, número de vínculos, tipo e natureza do vínculo, local de atuação, tempo de atuação e carga horária semanal; e pela escala com 49 itens distribuídos em seis fatores.

Os seis fatores de avaliação do DM mensurados pela EDME-Br são “Reconhecimento, poder e identidade pessoal” (11 itens), “Cuidado seguro e qualificado” (11 itens), “Defesa de valores e direitos” (oito itens), “Condições de trabalho” (seis itens), “Infrações éticas” (seis itens) e “Equipes de trabalho” (sete itens)(1515. Ramos FRS, Barlem ELD, Brito MJM, Vargas MA, Schneider DG, Brehmer LCDF. Construction of the Brazilian Moral Distress Scale in Nurses: a metodological study. Texto Contexto Enferm. 2016;26(4):e0990017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017000990017
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)
.

Análise e tratamento dos dados

Para a análise dos dados, empregou-se o programa PASW Statistic® (Predictive Analytics Software, da SPSS Inc., Chicago, USA) versão 22.0 para Windows. A análise da intensidade e frequência do distresse moral foi operacionalizada por meio de cada um dos seis fatores da escala e pela análise do DM geral, considerando-se os seis fatores em conjunto.

Utilizou-se de estatística descritiva com distribuição de frequência relativa e absoluta para variáveis categóricas e, para as variáveis quantitativas, apresentação de medianas e intervalo interquartil pela constatação de distribuição assimétrica dos dados. A normalidade dos dados foi testada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Na análise descritiva dos fatores, foi utilizado o coeficiente de variação de Pearson para a verificação da representatividade das médias, adotando-se como representativos valores menores de 50%.

Aspectos éticos

Trata-se de um estudo multicêntrico, que obteve a Aprovação dos Comitês de Ética das universidades envolvidas, com os seguintes pareceres: 602.598-0, de 10/02/2014 (Universidade Federal de Santa Catarina); 602.603-0, de 31/01/2014 (Universidade Federal de Minas Gerais) e 511.634, de 17/01/2014 (Universidade Federal do Rio Grande). Foram seguidas as orientações emanadas da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Participaram do estudo 1.226 enfermeiros brasileiros, a maioria do sexo feminino (n=1148 - 93,6%), com faixa etária de 30 a 39 anos (n= 512 - 41,8%), com até 10 anos de formação (n=759 - 62,3%), atuando em um único vínculo empregatício (n= 863 - 70,8%), até 5 anos de atuação na mesma instituição (n=625 - 51%), com carga horária semanal de trabalho de 31 a 40 horas (n=619 - 50,5%), com formação complementar em Especialização/Residência (n=800 - 65,3%) e atuando no setor público (n=824 - 67,2%). Houve representatividade regional dos participantes, em uma similar distribuição dos profissionais ativos no país, segundo os registros profissionais no Conselho Federal de Enfermagem, exceto pelo maior número de participantes da região Sul e menor da região Nordeste do país (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição dos participantes por regiões do país, comparada aos dados de registro de profissionais ativos por região - Brasil, 2018.

Os resultados descritivos de frequência e intensidade dos itens de cada fator do distresse moral dos enfermeiros podem ser observados na Tabela 2. Observa-se que todos os itens dos fatores “Reconhecimento, poder e identidade” e “Condições de trabalho” apresentam o mesmo valor de mediana. Já no fator “Cuidado seguro e qualificado”, o item 32 ‒ Reconhecer rotinas e práticas inadequadas à segurança do familiar/acompanhante ‒ apresentou mediana inferior comparada às demais do mesmo fator, tanto em intensidade como frequência. No fator “Defesa de valores e direitos” destacou-se o item 44 ‒ Sentir-se impotente para defender autonomia do paciente ‒ com a maior mediana de intensidade e frequência. No fator “Infrações éticas”, observa-se que o item 18 ‒ Vivenciar a omissão por parte do médico ‒ apresentou um intervalo interquartil de maior amplitude, assumindo valores mais elevados. Por fim, no fator “Equipes de trabalho” destaca-se o item 3 ‒ Vivenciar condições de sobrecarga de trabalho ‒, que apresentou as medianas de intensidade e frequência mais altas do fator e do instrumento.

Na Tabela 3 apresenta-se a estatística descritiva dos fatores da EDME-Br, demonstrando que as maiores medianas estiveram presentes no fator Reconhecimento, poder e identidade, este relacionado com questões de autonomia e identidade do enfermeiro, atribuições e desvio de atribuições realizadas por este profissional, as quais geram sentimentos e vivências de desvalorização e desrespeito gerados por atitudes de outros profissionais, discriminação e pressão por superiores hierárquicos e usuários. Em contraponto, as menores medianas foram do fator Defesa de valores e direitos, com apenas um item (44 ‒ Sentir-se impotente para defender autonomia do paciente) com valor próximo da média geral de DM. Entre os demais sete itens desse fator, um deles (39 ‒ Vivenciar condutas assistenciais que desconsideram crenças e cultura dos pacientes) teve o menor valor da escala. No conjunto, esse fator incorpora questões relacionadas a maus-tratos ou desrespeito aos direitos de autonomia, privacidade, sigilo, informação.

Quando analisados os itens preditores de DM com maior frequência e intensidade observa-se que 1 ‒ Trabalhar com número insuficiente de profissionais para a demanda e 3 ‒ Vivenciar condições de sobrecarga de trabalho expressam intensidade e frequência importantes de DM, ambos com as medianas mais elevadas da escala. Salienta-se que esses dois itens constituem o fator Equipes de Trabalho, que, por sua vez, expressou as maiores medianas de intensidade e frequência de DM comparado aos demais fatores. Sobressaem, nesse fator, a carência numérica de profissionais e a sobrecarga de trabalho, que, embora estejam ligadas às condições de trabalho, neste estudo constituíram um construto próprio, reunindo dimensões quantitativas e qualitativas da força de trabalho.

Por fim, analisando todos os fatores, bem como o DM geral, afirmaram-se valores moderados de intensidade e frequência de DM, próximos do ponto médio da escala (valores de mediana em torno de 3,0).

Tabela 2
Análise descritiva dos itens da EDME-Br conforme seus seis fatores - Brasil, 2018.
Tabela 3
Estatística descritiva da frequência e intensidade de distresse moral conforme fatores - Brasil, 2018.

DISCUSSÃO

Os dados deste estudo apontam para um universo de enfermeiros do sexo feminino, assim como outros estudos direcionados ao distresse moral(11-12,20-21), coerente com pesquisa promovida pelo COFEN, que apresenta 84,2% dos profissionais de enfermagem do sexo feminino e 15,8% do sexo masculino. A faixa etária de 30 a 39 anos também esteve presente em outros estudos de distresse moral(2,7,11,22), assim como o tempo médio de formação de 10 anos(77. Dyoa M, Kalowesb P, Devries J. Moral distress and intention to leave: a comparison of adult and paediatric nurses by hospital setting. Intensive Crit Care Nurs. 2016;36:42-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.iccn.2016.04.003
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,1111. Veer AJE, Francke AL, Struijs A, Willems DL. Determinants of moral distress in daily nursing practice: a cross sectional correlational questionnaire survey. Int J Nurs Stud. 2013;50(1):100-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012.08.017
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)
; no entanto, estes apontam que não há uma correlação significativa entre gênero, idade e tempo de formação com o DM. Apenas um estudo mostra correlação significativa, quando mulheres com formações complementares obtiveram níveis maiores de DM do que homens com o mesmo nível de formação(2222. O´Connell CB. Gender and the experience of moral distress in critical care nurses. Nurs Ethics. 2015;22(1):32-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0969733013513216
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)
.

Os achados indicaram níveis moderados de intensidade de DM em quatro dos seis fatores. O fator “Reconhecimento, poder e identidade” teve destaque nas frequências e intensidades de situações de DM, apontando dificuldades de expressão da identidade dos enfermeiros nas relações de trabalho como gatilhos, ou seja, elementos disparadores ou preditores da ocorrência de DM, em especial quando esses se sentem desvalorizados, discriminados e com sua autonomia impedida. Outros estudos, em contextos distintos do brasileiro, também revelam este tipo de preditor de DM intervindo na satisfação do trabalho, pela perda de autonomia e desvalorização da ação do enfermeiro por outros membros da equipe de saúde, em especial, o médico; ou quando as ações éticas sofrem interferência pelas regras institucionais, enfraquecendo sua autonomia perante o cuidado ao usuário(77. Dyoa M, Kalowesb P, Devries J. Moral distress and intention to leave: a comparison of adult and paediatric nurses by hospital setting. Intensive Crit Care Nurs. 2016;36:42-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.iccn.2016.04.003
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-88. Wolf LA, Perhats C, Delao AM, Moon MD, Clark PR, Zavotsky KE. "It's a burden you carry": describing moral distress in emergency nursing. J Emerg Nurs. 2016;42(1):37-46. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jen.2015.08.008
https://doi.org/10.1016/j.jen.2015.08.00...
,1111. Veer AJE, Francke AL, Struijs A, Willems DL. Determinants of moral distress in daily nursing practice: a cross sectional correlational questionnaire survey. Int J Nurs Stud. 2013;50(1):100-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012.08.017
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,2020. Shoorideh FA, Ashktorab T, Yaghmaei F, Majd HA. Relationship between ICU nurses' moral distress with burnout and anticipated turnover. Nurs Ethics. 2015;22(1):64-76. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0969733014534874
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,2222. O´Connell CB. Gender and the experience of moral distress in critical care nurses. Nurs Ethics. 2015;22(1):32-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0969733013513216
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)
.

No fator “Defesa de valores e direitos”, sobressaiu apenas o item que se refere ao sentimento de impotência diante da defesa de autonomia do paciente, visto que os demais itens que compõem o fator tiveram os menores valores da escala. O desrespeito à autonomia do paciente apresentou a maior intensidade de DM em profissionais de enfermagem em pesquisa realizada no sul do Brasil. Porém, o que os diferencia é o instrumento de medida utilizado, sendo que os profissionais do estudo citado responderam à escala internacional validada e adaptada no Brasil, em que as principais questões eram relativas a procedimentos médicos e condutas frente à terminalidade e à reanimação pós-parada cardiorrespiratória(2323. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS. Moral distress in everyday nursing: hidden traces of power and resistance. Rev Latino Am Enfermagem. 2013;21(1). DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692013000100002
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)
.

Evidencia-se, assim, que, apesar de o enfermeiro apresentar maior frequência e intensidade de DM nas questões relacionadas à sua competência técnica e identidade profissional, é possível que consiga desenvolver suas ações em prol dos direitos dos usuários e de princípios, como da integralidade e acesso à assistência, já que o fator relacionado à Defesa de valores e direitos obteve os menores valores de DM. Mesmo assim, não é possível descartar a possibilidade de a incompleta percepção acerca da amplitude de tais direitos levar a uma sensibilidade prejudicada para detectar eventuais desrespeitos.

A favor da primeira interpretação (menor DM por maior potencial de ação ou defesa), procede considerar o marco legal brasileiro no que se refere ao direito universal à saúde, aos serviços do Sistema Único de Saúde e a própria Carta de Direitos dos usuários (Portaria 1.820/09), dispondo de todos direitos e deveres que esses possuem em relação aos serviços de saúde, sejam eles de caráter público ou privado(2424. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.820, de 13 de agosto de 2009. Dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde Internet . Brasília; 2009 citado 2018 mar. 01 . Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt1820_13_08_2009.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
)
. É possível que garantias legais e mudanças na formação profissional já venham alterando a percepção de problemas relacionados a alguns direitos, tanto porque esses podem ser mais respeitados quanto porque a intervenção dos profissionais para assegurá-los possa ser mais efetiva, ou seja, sintam menor impotência e maior amparo ou capacidade de defesa.

Assim, pode-se reforçar a tese de que o sentimento de falta de poder se relaciona à resistência reduzida e à inexpressividade ética, política e advocacional(1414. Barlem ELD, Ramos FRS. Constructing a theoretical model of moral distress. Nurs Ethichs. 2014;22(5):608-15. DOI: http://dx.doi.org/ 10.1177/0969733014551595
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)
, este último termo aplicado como capacidade de agir em defesa e em favor dos interesses do paciente/usuário dos cuidados/serviços de saúde. Isso é coerente com a reflexão de que políticas públicas favoráveis aos direitos dos usuários são instrumentos, também, para o empoderamento profissional, na medida que fornecem base consistente para a argumentação em defesa da qualidade de serviços e cuidados. Ao encontro dessa constatação, relata-se que a abordagem do DM pelas equipes produz efeitos de aumento do seu poder de enfretamento(2525. Hamric AB, Epstein EG. A health system-wide moral distress consultation service: development and evaluation. HEC Forum. 2017;29(2):27-143.).

Já no fator “Equipes de Trabalho”, as questões com maior intensidade e frequência de DM retratam o cenário de precariedade a que é exposto o trabalhador, a exemplo de questões relacionadas à sobrecarga de trabalho e insuficiência de equipe e de tempo para a prestação do cuidado. Outros estudos também evidenciaram as más condições de trabalho associadas ao elevado DM, quando apontam a necessidade de fornecer uma avaliação e cuidado adequados ao paciente, em contraste com a impossibilidade devido à falta de profissionais e à alta demanda, relacionando sobrecarga de trabalho e prejuízos à segurança e cuidado do paciente(77. Dyoa M, Kalowesb P, Devries J. Moral distress and intention to leave: a comparison of adult and paediatric nurses by hospital setting. Intensive Crit Care Nurs. 2016;36:42-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.iccn.2016.04.003
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,1111. Veer AJE, Francke AL, Struijs A, Willems DL. Determinants of moral distress in daily nursing practice: a cross sectional correlational questionnaire survey. Int J Nurs Stud. 2013;50(1):100-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2012.08.017
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)
.

Por esse ângulo e pelos aspectos já mencionados de defesa ao paciente e condições de trabalho, sobressai no fator “Infrações éticas” o item 17 ‒ Vivenciar a omissão por parte do médico ‒ com maior amplitude, assumindo valores mais elevados. Em oposição, vivenciar situações em que o médico omite ou realiza ações que não são consideradas éticas pela enfermagem, se mostrou um item com baixo índice em estudo do cenário norte-americano(2222. O´Connell CB. Gender and the experience of moral distress in critical care nurses. Nurs Ethics. 2015;22(1):32-42. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0969733013513216
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)
. Além de remeter às diferenças relacionadas à formação e competências profissionais em distintas realidades, este preditor também pode remeter à constituição histórica dos campos de trabalho e do exercício profissional em cada país, onde influem aspectos de hegemonia e práticas institucionais, inclusive de maior ou menor avanço em termos de trabalho em equipe, práticas interdisciplinares, qualidade dos ambientes e relações de trabalho. Especificamente em contexto internacional de atenção primária, médicos e enfermeiras mostraram tipos de erros por omissão quanto ao acompanhamento, educação, apoio emocional e saúde mental de pacientes, alertando para os fatores que levam a tais omissões, como limitações de tempo, rotinas inadequadas e encargos administrativos, destacando as cargas de trabalho na equação da omissão(2626. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Almeida AS. Psycometric characteristics of the Moral Distress Scale in Brazilian nursing professionals. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):563-72. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014000060013
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)
. As omissões descritas se referem ao cuidado que extrapola as condutas clínicas mais tradicionais sobre o sintoma físico ou a doença, mas indicam a forma como a educação ou o olhar sobre o componente emocional é negligenciado. Vale reconhecer que em situação de sobrecarga ou falta de tempo, profissionais estabelecem prioridades ou acatam aquelas ditadas pela instituição, omitindo-se de avaliar sobre o prisma ético ou das necessidades do paciente o melhor, o mais justo e o mais correto a fazer. Em serviços brasileiros, nesse mesmo nível de atenção, prejuízos ao acesso e à qualidade do cuidado também são relacionados à altas cargas de trabalho(44. Pires DEP, Machado RR, Soratto J, Scherer MA, Gonçalves ASR, Trindade LL. Nursing workloads in family health: implications for universal access. Rev Latino Am Enfermagem. 2016;24:e2682. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.0992.2682
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)
. Ou seja, do mesmo modo, condições da organização do trabalho têm sido decisivas sobre princípios políticos, direitos e valores do cuidado, sem que os profissionais se sintam efetivos para alterar as condições limitantes.

Procede relacionar esses achados com importantes reflexões que se fazem, inclusive no contexto nacional, sobre a advocacia (advocacy) do paciente como uma responsabilidade profissional individual e coletiva. Uma das barreiras para o enfermeiro exercer a advocacia do paciente é imposta quando tal defesa impõe questionar ou desafiar decisões médicas(2727. Tomaschewski-Barlem JG, Lunardi VL, Barlem ELD, Silveira RS, Ramos AM, Piexak. Patient advocacy in nursing: barriers, facilitators and Potential implications. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e0100014. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-0707201700010001
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)
.

Conforme os itens 21 e 22 da escala, a omissão e a imprudência por parte de médicos alcançaram maior intensidade e frequência de DM dentro do fator “infrações éticas”, enquanto as mesmas falhas, quando identificadas em enfermeiros e outros profissionais, alcançaram valores inferiores. Emerge o questionamento sobre a origem desse resultado, se devido à observação do maior número de ocorrências de infrações éticas por parte de médicos ou pelo fato de o enfermeiro sentir-se mais impotente ou sem condições de enfrentar, denunciar e mudar a situação justamente por ser percebida nesse profissional. Também não se pode deixar de levantar os limites de avaliações que recaem sobre si mesmo ou sobre o outro, sob interferências de sentimentos e experiências prévias, sensibilidade e competências morais(1515. Ramos FRS, Barlem ELD, Brito MJM, Vargas MA, Schneider DG, Brehmer LCDF. Construction of the Brazilian Moral Distress Scale in Nurses: a metodological study. Texto Contexto Enferm. 2016;26(4):e0990017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017000990017
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,2828. Johnstone MJ, Hutchinson A. 'Moral distress' - time to abandon a flawed nursing construct? Nurs Ethics. 2015;22(1):5-14. DOI: http://dx.doi.org/ 10.1177/0969733013505312
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)
. Ou seja, há que se estar alerta acerca da qualidade e neutralidade de juízos morais que dependem de capacidades em permanente construção e estão sujeitos a dificuldades de isenção e autocrítica.

Outro estudo brasileiro usando escala internacional adaptada mostrou que a falta de competência na equipe de trabalho constitui a causa mais frequente de DM, destacando-se o profissional médico, com médias superiores à de outros profissionais(2626. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Almeida AS. Psycometric characteristics of the Moral Distress Scale in Brazilian nursing professionals. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):563-72. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014000060013
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)
. Os autores relacionam tal resultado à necessidade de exercício de poder por parte dos trabalhadores da equipe de Enfermagem, além da dificuldade de enfrentamentos de conflitos com os demais profissionais. O já mencionado fator “defesa de valores e direitos” pode, assim, ser relacionado à capacidade de posicionamento e expressão ética do profissional, em estreita conexão com competências técnicas, no entendimento de que o poder é exercitado no campo das práticas e na relação com o outro, em decisões morais, clínicas e gerenciais, entre outras.

O fator “Cuidado seguro e qualificado” no item 32 ‒ Reconhecer rotinas e práticas inadequadas à segurança do familiar/acompanhante ‒ apresentou menor intensidade e frequência de DM. A escassez de estudos não permite relacionar diretamente o DM com as práticas de segurança ao familiar ou acompanhante, o que remete à necessidade de maiores investigações. No entanto, é possível abordar alguns gatilhos, ou seja, elementos que disparam ou acionam o DM, como o reconhecimento de condutas inadequadas, tratamentos contínuos sem resposta terapêutica adequada, ações em saúde sem o conhecimento necessário para desenvolvê-las, como situações que representam ameaças ou prejuízos à segurança do paciente(22. Musto LC, Rodney PA, Vanderheide R. Toward interventions to address moral distress: Navigating structure and agency. Nurs Ethics. 2015; 22(1):91-102. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0969733014534879
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,2626. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Almeida AS. Psycometric characteristics of the Moral Distress Scale in Brazilian nursing professionals. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):563-72. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014000060013
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)
. O que se sugere é que uma situação desencadeadora de DM, seja ocasional ou frequente, é capaz de predizer o DM e indicar a importância de algumas condições. Assim, no caso do fator em análise, a segurança do cuidado é valor assumido, e práticas que não expressem tal valor podem ser percebidas como ameaças, tanto para o outro como para o sentido de realização profissional.

Por fim, a semelhança entre os resultados de intensidade e frequência, prevalecendo valores moderados, pode ser sugestiva para futuras averiguações sobre a suficiência da medida de intensidade para avaliar o fenômeno, ou, até mesmo, que a intensidade da vivência possa ser mais representativa em caso de manifestações regulares e persistentes. Esta é uma nova observação em relação ao estudo com escala internacional adaptado no Brasil que apresentou diferenças entre valores de intensidade e frequência(2929. Poghosyan L, Norful AA, Fleck E, Bruzzese JM, Talsma NA, Nannini A. Primary care providers' perspectives on errors of omission. J Am Board Fam Med. 2017;30(6):733-42. DOI: http://dx.doi.org/10.3122/jabfm.2017.06.170161
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)
.

Finalmente, quanto à avaliação do DM geral, destaca-se que os enfermeiros brasileiros apresentaram níveis moderados, semelhantes a estudos em contextos institucionais específicos no país(2626. Barlem ELD, Lunardi VL, Lunardi GL, Tomaschewski-Barlem JG, Almeida AS. Psycometric characteristics of the Moral Distress Scale in Brazilian nursing professionals. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):563-72. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014000060013
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,2929. Poghosyan L, Norful AA, Fleck E, Bruzzese JM, Talsma NA, Nannini A. Primary care providers' perspectives on errors of omission. J Am Board Fam Med. 2017;30(6):733-42. DOI: http://dx.doi.org/10.3122/jabfm.2017.06.170161
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)
. Isso denota a necessidade de aprofundamento sobre seus elementos preditores e de estratégias que minimizem os efeitos da sua ocorrência, instrumentalizando os enfermeiros para uma atuação ética diante das situações conflituosas e desafios do cotidiano, e para a promoção de ambientes de trabalho mais saudáveis e satisfatórios. Os desafios e conflitos nem sempre mostram explicitamente sua vinculação com o campo da deliberação moral, mas integram decisões e procedimentos clínicos, gerenciais e educativos, ou onde quer que existam conflitos de valores ou tensões entre perspectivas e interesses diversos, institucionais, individuais ou grupais.

Cabe destacar que, por se tratar de um estudo descritivo, não se pode fazer correlações entre os fatores e as variáveis e entre os próprios fatores, sendo essa a limitação do recorte do estudo. A partir dessa limitação aponta-se a necessidade de novas investigações que possam contribuir para o desvelamento do DM como fenômeno processual no cotidiano dos profissionais enfermeiros.

CONCLUSÃO

A partir da análise descritiva evidenciou-se que o DM esteve presente no cotidiano dos enfermeiros em nível moderado em intensidade e frequência, em quatro dos seis fatores, sendo que nos fatores “Reconhecimento, poder e identidade” e “Condições de trabalho” todas as questões apresentaram-se com níveis moderados. Isso expressa a ocorrência do DM em ambientes precários de trabalho e com pouca expressividade do papel do enfermeiro.

O fator que teve destaque em intensidade e frequência foi “Equipes de Trabalho”, o único que apresentou mediana com valores acima do moderado de DM, relacionado principalmente com as questões de sobrecarga de trabalho.

Outro achado importante do estudo se refere ao DM em níveis abaixo do moderado na maioria dos itens do fator “Defesa de valores e direitos”, o que levou a refletir se os enfermeiros estariam compreendendo seu papel como advogado do usuário, sentindo-se mais capazes de agir em defesa de seus direitos de acesso e qualidade de atenção à saúde. Em contraponto, as questões sobre a omissão e a imprudência por parte de médicos, profissional que também deveria atuar em prol dos usuários, alcançaram maior intensidade e frequência de DM, dentro do fator “infrações éticas”, ainda que em níveis moderados.

A identificação dos fatores relacionados ao fenômeno no âmbito brasileiro evidenciou a importância do problema em termos de sua amplitude e multicausalidade, atingindo profissionais que atuam em diferentes contextos de trabalho. Remete-se à necessidade de ampliar a compreensão sobre as condições e a valorização do exercício profissional, de modo a subsidiar estratégias mais eficientes para a concretização de ambientes e relações de trabalho mais saudáveis, ética e organizacionalmente.

O impacto do estudo é evidente para o conhecimento do problema, mas também representa um subsídio para políticas profissionais e institucionais que levem em conta a mútua interferência entre aspectos organizacionais do trabalho, a qualidade dos produtos da atenção à saúde e as vivências subjetivas dos profissionais, articulando efeitos complexos e implicando estratégias de valorização dos sujeitos, da autonomia e das competências para a ação eticamente responsável.

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  • Apoio financeiro:

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Processo número 471859/2013-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2018
  • Aceito
    05 Set 2019
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