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Violência de gênero: concepções de profissionais das equipes de saúde da família

Resumos

Este artigo é resultante de pesquisa junto a profissionais das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF), do município de Araraquara, SP, e teve como objetivo conhecer e analisar, à luz de gênero, as concepções de profissionais das equipes de saúde da família desse município em relação à mulher, ao homem e à violência de gênero. O referencial teórico-metodológico foi constituído pelo gênero e violência de gênero, como construtos sociais norteadores das práticas em saúde. Os dados empíricos foram obtidos em oficinas de trabalho e submetidos à análise de conteúdo. Constatou-se a coexistência de concepções críticas, potencialmente transformadoras, com outras conservadoras e reprodutoras da ideologia hegemônica da dominação masculina. Tais resultados confirmam a necessidade de ampliar a qualificação profissional no sentido de capacitar os trabalhadores para lidar com o fenômeno da violência de gênero, comum no cotidiano da vida das mulheres que buscam os serviços de saúde.

Violence Against Women; Saúde da Mulher; Saúde da Família


This study is the result of a survey carried out with professionals of the Family Health Strategy’s teams (FHS) in Araraquara, SP, Brazil. The study analyzed the conceptions held by FHS professionals concerning women, men and gender-based violence from the perspective of gender. The theoretical and methodological framework used was composed of gender and gender-based violence as social constructs guiding health practices. Empirical data were obtained from workshops and submitted to content analysis. The coexistence of critical and potentially transforming conceptions with conservative ones that reproduce the hegemonic ideology of male dominance was observed. These results confirm the need to broaden professional education to enable workers to deal with gender-based violence, which is a common element in the routine lives of women seeking health services.

Women’s Health; Family Health


Artículo resultante de una investigación entre profesionales de los equipos del Programa de Salud de la Familia (PSF) del municipio de Araraquara (SP) que tuvo como objetivo conocer y analizar, bajo la perspectiva de género, las concepciones que los profesionales de los equipos de salud de la familia de ese municipio tienen en relación a: mujer, hombre y violencia de género. El referencial teórico metodológico fue constituido por el género y la violencia de género como constructos sociales orientadores de las prácticas en salud. Los datos empíricos fueron obtenidos en Talleres de Trabajo y sometidos al análisis de contenido. Se constató la coexistencia de concepciones críticas, potencialmente transformadoras con otras conservadoras y reproductoras de la ideología hegemónica de la dominación masculina. Esos resultados confirman la necesidad de ampliar la calificación profesional en el sentido de capacitar a los trabajadores para lidiar con el fenómeno de la violencia de género, común en lo cotidiano de la vida de las mujeres que buscan los servicios de salud.

Violencia Contra la Mujer; Salud de la Mujer; Salud de la Familia


ARTIGO ORIGINAL

Violência de gênero: concepções de profissionais das equipes de saúde da família

Neusa Maria FranzoiI; Rosa Maria Godoy Serpa da FonsecaII; Rebeca Nunes GuedesIII

IAssistente Social, Mestre em Enfermagem em Saúde Coletiva, Coordenadoria de Assistência Social, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: nefranz@usp.br

IIEnfermeira, Doutora em Enfermagem. Professora Titular, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: rmgsfon@usp.br

IIIEnfermeira, Doutoranda, Programa Interunidades de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil. E-mail: rebecanunesguedes@gmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

Este artigo é resultante de pesquisa junto a profissionais das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF), do município de Araraquara, SP, e teve como objetivo conhecer e analisar, à luz de gênero, as concepções de profissionais das equipes de saúde da família desse município em relação à mulher, ao homem e à violência de gênero. O referencial teórico-metodológico foi constituído pelo gênero e violência de gênero, como construtos sociais norteadores das práticas em saúde. Os dados empíricos foram obtidos em oficinas de trabalho e submetidos à análise de conteúdo. Constatou-se a coexistência de concepções críticas, potencialmente transformadoras, com outras conservadoras e reprodutoras da ideologia hegemônica da dominação masculina. Tais resultados confirmam a necessidade de ampliar a qualificação profissional no sentido de capacitar os trabalhadores para lidar com o fenômeno da violência de gênero, comum no cotidiano da vida das mulheres que buscam os serviços de saúde.

Descritores: Violência Contra a Mulher; Saúde da Mulher; Saúde da Família.

Introdução e Justificativa

A sociedade, embora em constante transformação, produz e reitera valores androcêntricos que reforçam a assimetria e poder das relações entre homens e mulheres, trazendo no seu âmago graves problemas, dentre eles a violência de gênero, referida como "qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher, inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação da liberdade na vida pública ou privada"(1).

Pesquisas no mundo revelam que entre um quarto e mais da metade das mulheres relatam agressões físicas pelo companheiro, atual ou anterior(2). O estupro e a violência doméstica são causas de incapacidade e morte de mulheres produtivas. Na América Latina e Caribe, essa violência atinge entre 25 e 50% das mulheres(1).

Estudo realizado em 14 serviços públicos de saúde no Brasil revelou que cerca de um quarto das mulheres sofreu violência grave por parceiro íntimo, incluindo socos, queimaduras ou uso de arma. Em torno de 20% afirmaram ter sido agredidas na gestação(3). Apesar da elevada frequência, a violência de gênero não é visível na sua totalidade, tanto pela subnotificação de casos quanto pela sua desvalorização, enquanto problema social, transgressão aos direitos das mulheres e como contexto instaurador de danos à saúde. A subnotificação acontece pela dificuldade de diagnosticar e registrar essa violência. Num dos estudos, dos registros de agressão, 68,75% deles foram achados casuais(4).

Influenciando sobremaneira o modo de viver das mulheres, em diversos contextos sociais, a violência doméstica e sexual afeta significativamente o processo saúde/doença das mulheres que a vivenciam. Elas apresentam mais problemas de saúde, geram mais custos de atenção sanitária e constantemente buscam mais os serviços hospitalares e de urgência do que mulheres que não sofrem maus-tratos(2). Como problema social, pertence ao âmbito da justiça, da segurança pública e é objeto de movimentos sociais. Portanto, a atenção a essas mulheres não é exclusividade da saúde, mas de vários setores sociais articulados. Essa articulação aparece na concepção ampliada de saúde/doença como processo social, referindo-se a qualquer agravo e ameaça à vida, a condições de trabalho, relações interpessoais, qualidade da vida e de existência. De outra parte, é necessário ampliar a visão do problema e da assistência na perspectiva de gênero, visando superar os valores sociais hegemônicos que naturalizam as desigualdades e justificam a opressão e a violência contra as mulheres.

Profissionais de saúde trazem, no cotidiano de suas práticas, valores que são internalizados pela construção das identidades de gênero(5-6). Na atenção à saúde das mulheres, esses construtos se traduzem muitas vezes pela omissão de cuidados efetivos, solidariedade e proteção, além de dificultar a prática profissional como instrumento de emancipação individual e social(5).

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) consolidou a Estratégia Saúde da Família (ESF) como principal estratégia de reorganização da Atenção Básica. Na Estratégia, a territorialização da atenção à saúde têm possibilitado maior vínculo e proximidade entre profissionais e usuários dos serviços de saúde, descortinando, dessa forma, problemas antes invisibilizados ou não reconhecidos como objeto passível de intervenção no setor saúde, como é o caso da violência de gênero. Essas propostas têm como principal desafio promover a reorientação das práticas e ações de saúde de forma integral e contínua, levando-as para mais perto da família(7). Desse modo, essa aproximação entre os profissionais de saúde e a clientela das áreas de abrangência favorece a empatia necessária à abordagem de temas complexos como a violência(8). No entanto, no âmbito da atenção às mulheres que vivenciam violência sexual, estudos revelaram que profissionais da ESF não se sentem instrumentalizados para lidar com o problema, de modo que definem sua atuação como impotência paralisante, o que remete a lacunas históricas na formação profissional e na organização do serviço para acolher necessidades produzidas pela vivência da violência(9).

A política nacional de saúde instaurada com o SUS e, consequentemente, a ESF pressupõem atenção à saúde que amplie o recorte do objeto de trabalho para além dos limites do biológico, considerando as formas de trabalhar e andar a vida na sociedade como determinantes significativos do processo saúde/doença. Porém, no cotidiano das práticas, essa política, em alguns aspectos, não tem se concretizado, pois, historicamente, os profissionais, desde a formação, não têm sido instrumentalizados com tecnologias específicas para a abordagem de problemas complexos que fogem à lógica singular e biologicista da atenção em saúde.

Por outro lado, a assistência é direcionada para entender assertivamente, pois seu objetivo final é responder às necessidades de saúde da coletividade. Contrariamente a essa intenção, estudos sobre a temática têm revelado que as práticas em saúde, voltadas para mulheres que vivenciam violência, têm sido desgenerificadas, de modo que a assistência prestada nem sempre considera a assimetria de poder nas relações entre homens e mulheres, resultante de processos sociais mais amplos, como determinante da violência de gênero.

Além disso, os profissionais de saúde trazem para o cotidiano das práticas profissionais a construção das identidades de gênero, revelando atenção muitas vezes impregnada de preconceitos e reiteração das desigualdades. Essa construção determina a subjetividade do profissional, influenciando o modo de reconhecer e enfrentar os problemas, mas, antes de tudo, resulta de um processo histórico e ideológico impregnado de referencial androcêntrico que permeia toda a estrutura social.

Nesse sentido, para a transformação das práticas em saúde, a partir da instrumentalização dos profissionais, é premente a compreensão da sua visão de mundo sobre a construção social da identidade de gênero e da violência de gênero. O saber norteador é o principal instrumento do qual os profissionais de saúde se valem, em seu processo e trabalho, determinando prática que supera ou reitera as desigualdades. Assim, a proposta de qualificação das equipes de saúde, a ser implementada nos serviços, deve considerar o saber e a ideologia norteadora das práticas.

Com base nisso, tomou-se como objeto de investigação as concepções sobre violência de gênero dos profissionais do PSF. Essa compreensão pode oferecer elementos tanto para sua capacitação como para a definição de políticas assistenciais no enfrentamento dessa violência. Além disso, pode despertar a visão crítica desses profissionais para intervir no processo saúde/doença das mulheres, de maneira articulada às suas necessidades. Para atingir tal finalidade, o estudo teve como objetivo conhecer e analisar, à luz de gênero, as concepções de profissionais das equipes de saúde da família, do município de Araraquara, SP, em relação à mulher, ao homem e à violência de gênero, buscando fazer emergir as contradições que as permeiam.

Metodologia

Trata-se de estudo qualitativo, cujos elementos discursivos foram analisados sob a perspectiva de gênero. O material empírico foi coletado em três sessões de uma oficina de trabalho, realizada com 95 profissionais de saúde (90 agentes comunitários de saúde e 5 enfermeiras), componentes de 12 equipes do PSF de Araraquara, com a finalidade de estimular a reflexão acerca da violência contra as mulheres, uma das atividades componentes do mês em que se comemora, no dia 25, o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher. Entre as comemorações de 2005, estava prevista a realização deste estudo, fortalecendo a ideia da importância de agregar pesquisa e intervenção social. Cerca de 85% do grupo era formado por mulheres, com idade variando entre 21 e 45 anos, escolaridade maior ou igual ao segundo grau, sendo quase metade (40%) com escolaridade superior completa ou incompleta.

A cidade está situada na região central do Estado de São Paulo, conta com população aproximada de 200.000 habitantes e apresenta razoáveis índices de desenvolvimento social. "Araraquara melhorou sua posição no Índice de Desenvolvimento Econômico Equilibrado (IDEE) do Instituto de Estudos Metropolitanos (IEME). O município ocupava a 19a colocação na pontuação de 2003. (...) Entre os municípios do interior [do Estado de São Paulo], Araraquara aparece em 10o lugar [2004]"(10).

Para a realização da oficina, os participantes foram divididos em dois grupos (manhã e tarde). Foram realizadas 3 sessões de 4 horas, total de 12 horas com cada grupo. Na primeira sessão, foram discutidas as concepções de homem, mulher e relações de gênero; na segunda, o fenômeno da violência contra as mulheres e, na terceira, as práticas profissionais no âmbito da saúde da família. Foram utilizadas estratégias facilitadoras como construção de painéis feitos com esculturas de tecido, massa de modelar e dramatizações de situações reais de atendimento, descritas pelos próprios participantes.

Os dados obtidos dos relatórios dos trabalhos em grupo, em cada etapa das sessões, foram gravados e transcritos literalmente. Para a presente pesquisa, do conjunto discursivo, foram escolhidos os temas relacionados ao objeto de estudo. As falas foram submetidas à análise de conteúdo para extração das categorias empíricas que, por sua vez, foram submetidas à análise, utilizando-se as categorias analíticas gênero e violência de gênero.

Em linhas gerais, a categoria gênero pressupõe a construção histórica das relações sociais entre os sexos, diferenciando o biológico do social. "O núcleo essencial da definição baseia-se em duas proposições: gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças entre os sexos e uma forma primeira de significar as relações de poder"(11).

O gênero se define na relação com o outro e se articula com outras categorias sociais - geração, raça, etnia, classe, profissão, sexualidade - de maneira diversa. Enquanto instrumento de análise, conduz à revisão da ideologia da dominação masculina. Resultante disso, a violência de gênero também é uma categoria histórica e originária do exercício de dominação do homem sobre a mulher. Pode, portanto, clarificar e possibilitar a compreensão da determinação social dos fenômenos da vida das mulheres, entre eles, a violência de gênero.

Aspectos Éticos

O estudo integrou o projeto "Práticas profissionais e violência contra as mulheres: um recorte de gênero e classe social", tendo o protocolo de pesquisa sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Foram observados todos os aspectos éticos envolvidos na pesquisa com seres humanos, com base na Resolução 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde. As oficinas de trabalho têm sido amplamente utilizadas pelo Grupo de Pesquisa Gênero Saúde e Enfermagem, do Departamento de Saúde Coletica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, e têm se constituído em potente instrumento metodológico para pesquisas sob o enfoque de gênero, uma vez que a vivência grupal possibilita maior compreensão de significados e subjetividades que permeiam os fenômenos relacionados aos processos de construção da feminilidade e masculinidade, na realidade estudada. Antes do início das atividades de cada oficina, foi claramente explicitado aos participantes que essas seriam utilizadas para coleta de dados, de acordo com os objetivos da pesquisa. Na mesma oportunidade, foi colocada a voluntariedade e liberdade na decisão para participar da pesquisa e das oficinas, de modo que, àqueles que concordaram, foi solicitada a leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados e Discussão

Os resultados levaram à emergência de quatro categorias empíricas, conforme segue.

Mulheres e homens: igualdade e diferença, papéis e identidades

Os participantes reconheceram que o ser humano, no processo de socialização, ao se tornar mulher ou homem vai formando sua identidade. Identidades de gênero são construtos sociais instáveis, como femininos e masculinos. Os sujeitos vão se construindo, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições, suas formas de ser e estar no mundo, mediante relações sociais, discursos, símbolos, representações e práticas. Tais construções e arranjos são sempre transitórios, transformando-se historicamente(12).

A identidade de gênero se revela por meio de comportamentos ou papéis sociais associados à feminilidade e à masculinidade. Assim, os profissionais da ESF reproduziam em suas concepções os estereótipos de gênero, pois, para eles, os homens se sentem bem em proteger e, com isso, determinar quem detém e exerce o poder. Apesar disso, portam, também, características tidas socialmente como do feminino, referidas como carência e dependência. Quanto às mulheres, embora atualmente participem mais da esfera pública, respondem também, no espaço privado, pelos afazeres domésticos e maternidade, revelando a heterogeneidade do ser mulher nos diversos espaços sociais que ocupa. A fala, a seguir, ilustra o dito.

O homem sente-se bem em proteger, manter, mas também tem a sua carência, a sua dependência. A mulher busca também proteger, também ser mantenedora. Hoje é o papel da mulher também, porque ela é mãe, sensível e lutadora.

Os discursos revelaram a maternidade como reiteradora dos papéis femininos, vinculada ao mundo natural, à natureza e seus ciclos, concepção essa idealizada que não considera possíveis problemas enfrentados nas relações de gênero.

Colocamos a natureza representada pelo verde, porque a mulher representa como se fosse os ciclos da natureza, ela dá a vida também, ela fica grávida.

A lógica da relação de dominação impõe e inculca nos homens e nas próprias mulheres propriedades negativas que a ideologia machista atribui à natureza feminina. A visão patriarcal androcêntrica continuamente confirma e legitima as próprias práticas que determina, fazendo homens e mulheres introjetarem o preconceito desfavorável ao feminino. Assim, a dominação masculina tem as condições favoráveis para seu pleno exercício, pois está incorporada em toda a estrutura social(13).

De maneira geral, os profissionais representaram o homem e a mulher nas diferenças físicas, na força e na compleição física. O atributo físico masculino é argumento utilizado historicamente para veicular a ideologia patriarcal, representando a superioridade masculina justificada por atributos biológicos.

Um homem representado por uma gravata, porque fisiologicamente ele é mais forte. Não tem como comparar o corpo, às vezes, fisiologicamente de um homem com uma mulher, ele tem uma estrutura mais forte que a mulher.

É usual ouvir que mulheres são diferentes dos homens e diferem porque eles são tomados como padrão, sendo a mulher o segundo sexo. Primordialmente, a diferença entre gêneros refere-se a aspectos biológicos, físicos, psíquicos, comportamentais, habilidades, concepções essas apoiadas em teorias construídas para justificar historicamente os lugares sociais, as possibilidades e os destinos de cada gênero(12). Essa diferença mostra-se como dicotomia aparentemente verdadeira, pois igualdade - conceito político - supõe diferença e não há sentido em reivindicar igualdade e sim, equivalência, uma vez que os sujeitos não são idênticos. É preciso considerar a historicização na desconstrução dos termos da diferença sexual(11).

Assim, as relações entre os sexos, tanto no espaço privado quanto no público, são caracterizadas por assimetria de poder. A construção sociocultural da identidade feminina e a definição da mulher como passiva e submissa cria o espaço propício para o exercício da opressão masculina sobre as mulheres que pode se traduzir em violência(5).

Superando as diferenças

Os profissionais, majoritariamente, situaram as diferenças entre mulheres e homens no campo do biológico. Contraditoriamente, viam nos filhos possibilidades transformadoras dessas relações.

Esse homem e essa mulher criam um relacionamento onde nascem os filhos, e nós chegamos à conclusão que esses filhos devem ser simplesmente preservados, na inocência deles, tem-se que tentar colocá-los numa linha de vida para poder mudar as diferenças, que há hoje em dia.

A educação formal e os meios de comunicação, entre outras veiculações da consciência social, transmitem novas formas de agir e pensar às crianças, inclusive no tocante à identidade de gênero. Atualmente, observam-se transformações na naturalização da subalternização das mulheres pelos homens. Uma pesquisa nos Estados Unidos revelou que crianças cuidadas mais tempo pelo pai apresentavam maior flexibilização dos tradicionais papéis de gênero, do que as criadas em famílias com costumes mais ortodoxos(14). Os profissionais expressaram que a superação das desigualdades nas relações de gênero também pode ser possibilitada pela formação educacional.

Temos aqui um diploma escolar para o homem e um diploma escolar para a mulher também, pois nós somos seres humanos, temos o direito de evoluir, crescer e ter conhecimento, tanto homem como mulher.

No caso da relação entre os gêneros, mais que igualdade, o que se busca é a equidade. "Adotar a equidade de gênero como um conceito ético associado aos princípios de justiça social e de direitos humanos não implica em desmerecer ou desvestir de direitos os homens para privilegiar as mulheres (...). Trata-se de re-olhar, com esmero e cuidado, a situação de milhares de mulheres que sofrem iniquidades no cotidiano, indignar-se com isso e mover-se para as transformações, sem confundir o direito à assistência digna e respeitável por serem, antes de tudo, cidadãs, com o imperativo de tê-las hígidas e produtivas, por serem geradoras e mantenedoras da força de trabalho presente e futura, portanto, de quem a sociedade depende para a geração de riqueza social"(15).

Violência de gênero: o que pensam os profissionais do PSF

Sabe-se que todo discurso é ideologicamente situado e toda interpretação é construída, aprendida e apreendida historicamente. Assim, a construção social de gênero é a grande responsável pela naturalização da violência, tanto por homens como por mulheres. Os profissionais revelaram a barreira cultural que sustenta a violência como difícil de ser quebrada, uma vez que os valores são arraigados. Mencionaram, no entanto, a influência da cultura na construção de homens e mulheres, a exemplo do depoimento que segue.

(...) nós colocamos a barreira cultural, às vezes, é próprio da mulher achar que isso não é violência, foi criada assim, foi tratada daquela maneira, que é normal, que é certo, então ela não encara, às vezes, como violência.

A naturalização da violência nas relações como processo histórico e cultural corresponde a uma ideologia androcêntrica que permeia a sociedade e é carregada e aprendida ao longo da história, de modo que, mesmo mediante todas as transformações da sociedade no que concerne a valores hegemônicos, a ideologia de dominação masculina e da naturalização da violência é reiterada. Ainda hoje, as agressões tornam-se rotineiras e se acentuam com o tempo e, geralmente, são interpretadas pelas mulheres como destino. De normal, a violência passa a banal e é vista como parte integrante do relacionamento afetivo. Embora possa acontecer entre parceiros afetivos de ambos ou do mesmo sexo, há nisso um caráter de gênero, pois resulta de construções sociais de homens e mulheres, em relações assimétricas, nas quais a um dos pares é conferido maior poder e autoridade(16).

A ideologia androcêntrica hegemônica concebe a natureza feminina de maneira que circunscreve as mulheres, seus sentimentos, pensamentos e ações à esfera privada do mundo doméstico e da procriação(16). Estudos apontam que muitas mulheres não reconhecem situações de violência vivenciadas nas relações íntimas como tal. Isso revela, na prática, que não só homens, mas também mulheres carregam consigo a naturalização da dominação masculina e da violência de homens contra mulheres. Esse aspecto constitui um dos limites para o enfrentamento do fenômeno e a transformação da cultura da subordinação feminina(17).

A permanência de muitas mulheres, em relações em que se mantêm submissas ao poder masculino, envolve desde a dependência econômica ou afetiva do parceiro até supostas gratificações que a relação traz pela realização pessoal de manter o modelo idealizado de mulher que mantém a relação afetiva e a família nuclear, mesmo tendo que se anular como ser humano(5).

A respeito da mulher provedora do lar, os profissionais de saúde destacaram que a cultura também se interpõe na dissolução do casamento, mesmo que, para a sua manutenção, esteja presente a violência. Referiram que a mulher agredida sequer se reconhece como mantenedora da relação, suportando agressões em nome da família e de convenções impostas culturalmente.

É a barreira cultural. Tinha um caso assim: a mulher era a provedora, era ela que bancava tudo. Era independente, mas culturalmente sentia que os filhos, a família não pode se dissolver, mesmo tendo um esposo alcoólatra. Ele batia nela, na cabeça dela, ela acreditava piamente que, a partir do momento que casou, deveria ficar com aquele homem, para criar a família.

No âmbito familiar, as mulheres participam cada vez mais como provedoras econômicas das famílias. Dessa perspectiva, aspectos culturais como mudança de valores, processo de individualização e autonomia de mulheres pelo trabalho e aumento do nível de escolaridade podem ter rompido parte da tradição da autoridade exclusiva masculina, o que pode determinar tensão nas relações intergêneros desiguais. A autonomia da mulher na sexualidade e na reprodução também pode ser tensionadora, pois contesta o homem como regulador da sexualidade feminina(16).

Os profissionais afirmaram também que a guerra começa sempre em casa, referindo-se à violência de gênero que ocorre no espaço familiar em decorrência da falta de respeito mútuo. No entanto, esse discurso desconsidera que pode residir na iminência da perda do status quo por parte do homem, assim como na progressiva ocupação desse espaço pela mulher, desencadeando resistências.

O homem e a mulher precisam primordialmente de respeito mútuo para dar continuidade ao ciclo da vida; esses conflitos só levam a violências: moral, física, psicológica etc., não permitindo ao outro crescer e evoluir como ser humano. A guerra começa sempre em casa.

A crescente autonomia das mulheres, com suas ações contraculturais, aliada à mudança do padrão de autoridade paterna, possivelmente provoca acirramentos nas relações de gênero, nas quais a superação feminina vem pé ante pé se construindo isoladamente. Desse modo, as mulheres não conseguem romper totalmente as amarras da subordinação, pois essas ocorrem movidas por mecanismos ideológicos de reprodução do status quo que só são superados na construção de novas relações sociais, o que requer a desconstrução daquilo que está posto hegemonicamente como atributos de mulheres e homens, na atualidade(5).

Mulher frágil, homem forte: uma relação desigual gerando violência

Os profissionais referiram que a baixa autoestima das mulheres é que permite a violência pelo homem, vinculando-a à fragilidade feminina.

(...) um pouquinho da falta de autoestima que muitas vezes a mulher tem, por isso ela se permite ser violentada, tanto física quanto psicologicamente.

Autoestima pode ser entendida como o valor do sujeito atribuído a si mesmo, adquirido através da convivência com seus pares e com os demais sujeitos no espaço das relações sociais. Dessa maneira, também é resultado de uma construção social que pode ser estimulada, ou minimizada, a depender da qualidade das parcerias e das relações. Quando essas estão desgastadas ou fragilizadas, como no caso das relações violentas, o resultado é a baixa autoestima que, por sua vez, funciona como desmotivadora e desmobilizadora do movimento por transformações. Dessa maneira, estimula não só a a continuidade das relações violentas como interfere negativamente na sua possibilidade de transformação. Assim, não se pode dizer que a baixa autoestima determina relações violentas, mas, certamente, pode contribuir para a sua perenização.

Os profissionais participantes do estudo reforçaram valores estereotipados como a exigência da vaidade e beleza feminina, mesmo para as mulheres que vivenciam violência. Sendo a beleza atributo exterior, ela pode ser produzida como disfarce das agressões. Tais discursos são perigosos porque podem sugerir que as mulheres devem camuflar a violência através da aparência e, por consequência, reiterar valores androcêntricos. Para eles, são as perdas sofridas pelas mulheres - de autoestima, da vaidade – além do medo e da vergonha da sociedade que faz com que sejam incapazes de enfrentar e resolver as dificuldades relacionais.

Nós colocamos [como causa da violência] a baixa autoestima, a perda da vaidade, a insegurança, o medo, e a vergonha da sociedade, ela começa se sentir incapaz.

A percepção de que as mulheres se sentem incapazes, no entanto, pode colocá-las na posição de vítimas, incapacitadas de reagir, discurso esse que nega a dinamicidade e a possibilidade de transformação das relações. Assim, quando as mulheres, os homens, os profissionais de saúde e a sociedade em geral pensam a permanência dos sujeitos em relações violentas como destino, colocando-as no papel de vítimas, esses mesmos as vitimizam. Apesar da dominação masculina se introjetar também no imaginário feminino, isso não significa afirmar que as mulheres são responsáveis pela própria opressão, que a escolhem conscientemente ou que se gratificam em adotar práticas submissas. A submissão feminina é, muitas vezes, citada como pretexto para culpar a vítima, mas é importante assinalar que essa construção não é um ato consciente e, sim, resultante de mecanismos ideológicos que ocultam ou dissimulam a realidade(5).

O fato de as mulheres vivenciarem anos em situações de violência afeta consideravelmente sua autoestima e confiança, diminui sua capacidade de reagir e de participar plenamente na sociedade. Além disso, em geral, elas não buscam apoio para a solução do problema porque acham que suas demandas não serão acreditadas e sentem que não têm opções frente à pouca possibilidade de mudança, o que torna difícil qualquer iniciativa para enfrentar a violência. Ocorre que tal imobilidade também colabora para que a violência de gênero tenda a diversificar-se e se agravar com o tempo, tornando-se mais intensa e frequente, se não houver intervenção apropriada para tentar deter a escalada dos fatos(17).

Desse modo, o enfrentamento da violência de gênero, como fenômeno destrutivo dos processos de vida das mulheres, deve considerar que sua determinação ocorre tanto na dimensão da estrutura social como na dos grupos e dos indivíduos e famílias, tendo como forte componente a ideologia que perpassa as relações de gênero. É fundamental que os serviços de saúde passem a identificar e compreender o problema em profundidade para enfrentá-lo de forma diferente do modo hegemônico que, sobretudo, reproduz a ideologia opressora dominante(18).

Este trabalho revelou visão pautada pela ideologia da dominação masculina em relação aos significados que perpassam a determinação da violência de gênero. Esse aspecto pode determinar contradições no âmago da prática que lhe é relacionada. Frente ao despreparo tecnológico dos serviços de saúde, para lidar com o fenômeno da violência na prática, é necessário investir para que os profissionais se sintam capazes de criar estratégias de identificação e intervenção no coletivo, em conjunto com a Equipe de Saúde da Família(19).

Considerações finais

O trabalho analisou as concepções dos profissionais de saúde do PSF de Araraquara, SP, acerca da violência de gênero, fundamentada e articulada às visões de homem e de mulher. Os resultados mostraram que, apesar dos avanços no sentido de visão mais crítica a respeito da influência dos processos de construção da masculinidade e da feminilidade, na identidade de gênero, coexistem, com essa, visões conservadoras, reafirmando estereotipias condizentes com o senso comum, reveladas, por exemplo, na concepção de homem/provedor (racional, forte, que deve mandar), mulher/reprodutora (emocional, frágil, que deve obedecer), que nada mais são que o reforço dos papéis estabelecidos socialmente.

Essa coexistência de diferentes modos de compreender mulheres e homens se deve a mudanças que estão acontecendo nas relações, a partir da maior participação das mulheres no mundo público, o que lhes permitiu melhorar suas condições de autonomia. Ainda, por essas mudanças não terem sido radicais, elas operam também transformações na sua conduta e posicionamentos, tornando-se mais firmes nas relações que estabelecem com os homens, o que contribui para que, aos poucos, redefinam seus papéis de gênero no âmbito familiar.

Esse movimento é sentido socialmente e colabora para que transformações também ocorram na concepção de gênero dos sujeitos, uma vez que gênero é constituinte da identidade. Considerando-se que a subjetividade também é historicamente determinada, quando os profissionais mostram concepções de gênero mais tradicionais ou timidamente mais inovadoras, revelam também o seu repertório de gênero e isso demonstra que se trata de sujeitos em construção.

É necessário reafirmar que considerar a violência contra as mulheres como problema social implica não só dar maior visibilidade ao problema como também pensar uma forma especial de abordar o seu enfrentamento. Assim, a concepção da violência como problema individual, conseqüência de alguma situação ou circunstância da singularidade, é contraditória à sua consideração como problema social que compreende que a violência contra as mulheres tem sua origem nas relações sociais baseadas na desigualdade, em um contrato social entre homens e mulheres que implica na opressão de um gênero (o feminino) por parte do outro (o masculino).

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  • Corresponding Author:
    Neusa Maria Franzoi
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      22 Fev 2011
    • Recebido
      08 Dez 2009
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