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Cuidando da criança com câncer: avaliação da sobrecarga e qualidade de vida dos cuidadores

Resumos

Câncer é doença de alta incidência entre crianças, e os portadores necessitam de cuidador durante o tratamento. O objetivo deste estudo foi avaliar a sobrecarga de cuidado e qualidade de vida (QV) dos cuidadores de crianças/adolescentes, portadoras de câncer, durante o tratamento quimioterápico, e relacioná-las entre si e aos dados sociodemográficos, e a presença e grau de sinais de depressão. Trata-se de estudo transversal, com 32 cuidadores. Coletados dados sociodemográficos, sobrecarga de cuidado (caregiver burden scale) e de QV, através do SF-36. Os resultados mostraram que 87,5% dos cuidadores eram mães, idade média de 35 anos, escore geral de sobrecarga 1,92±0,09 e escores do SF-36 mais comprometidos: aspectos emocionais (59,3), vitalidade (60,0) e dor (60,9). Houve correlação significativa entre sobrecarga, saúde mental e vitalidade. Conclui-se que os cuidadores apresentaram sobrecarga de cuidado e aspectos de QV comprometidos e, possivelmente, necessitam de intervenções que promovam bem-estar físico, social e emocional, para diminuir a sobrecarga, melhorar a QV e, consequentemente, prestar melhor assistência.

Cuidadores; Qualidade de Vida; Quimioterapia; Cuidado da Criança


Introduction: Cancer is a disease of high incidence among children and the patients need a caregiver during the treatment. Aim: to evaluate: the burden of care and quality of life (QOL) of caregivers of children/adolescents with cancer during chemotherapy treatment and relate them to each other and to the socio-demographic data and the presence and degree of signs of depression, Method: It is a cross-sectional study, with 32 caregivers. Socio-demographic, care burden (Caregiver Burden Scale) and QOL data (SF-36) were collected. Results: 87.5% of the caregivers were mothers, total score of burden 1.92±0.09 and most compromised score of the SF-36: emotional aspects (59.3), vitality (60.0), pain (60.9). There was a significant correlation between burden and mental health and vitality. Conclusion: Caregivers presented care burden and compromised aspects of QOL and possibly need interventions that will promote social and emotional wellbeing to reduce the burden, improve the quality of life QOL and consequently deliver better care.

Caregivers; Quality of Life; Drug Therapy; Child Care


El cáncer es una enfermedad de alta incidencia entre niños, los que necesitan de un cuidador durante el tratamiento. Se tuvo por objetivo evaluar la sobrecarga de cuidado y la calidad de vida (CV) de los cuidadores de niños/adolescentes portadores de cáncer durante el tratamiento quimioterápico, y relacionarlas entre sí y a los datos sociodemográficos, y a la presencia y grado de señales de depresión. Se trata de un estudio transversal, con 32 cuidadores. Fueron recolectados datos sociodemográficos, sobrecarga de cuidado (Caregiver Burden Scale) y de CV a través del SF-36. El 87,5% de los cuidadores eran madres, la edad promedio fue 35 años, el puntaje general de sobrecarga fue 1,92±0,09 y los puntajes del SF-36 más comprometidos fueron: aspectos emocionales (59,3), vitalidad (60,0) y dolor (60,9). Se encontró correlación significativa entre sobrecarga, salud mental y vitalidad. Concluimos que los cuidadores presentaron sobrecarga de cuidado y aspectos de CV comprometidos y posiblemente necesitan de intervenciones que promuevan el bienestar físico, el social y el emocional, para disminuir la sobrecarga y mejorar la CV, y así consecuentemente mejorar la asistencia.

Cuidadores; Calidad de Vida; Quimioterapia; Cuidado del Niño


ARTIGO ORIGINAL


Cuidando da criança com câncer: avaliação da sobrecarga e qualidade de vida dos cuidadores

Elizete Aparecida Rubira do Espírito SantoI; Maria Aparecida Munhoz GaívaII; Mariano Martinez EspinosaIII; Dulce Aparecida BarbosaIV; Angélica Gonçalves Silva BelascoIV

IEnfermeira, Mestre em Saúde e Ambiente. Professor Assistente, Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil. E-mail: elrubira@terra.com.br

IIEnfermeira, Doutora em Enfermagem em Saúde Pública. Professor Adjunto, Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil. E-mail: mamgaiva@yahoo.com.br

IIIEstatístico, Pós-doutor em Confiabilidade. Professor Adjunto, Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil. E-mail marianom@cpd.ufmt.br

IVEnfermeira, Pós-doutora em Nefrologia. Professor Adjunto, Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil. E-mail: Dulce dulce@denf.epm.br, Angélica abelasco@denf.epm.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Câncer é doença de alta incidência entre crianças, e os portadores necessitam de cuidador durante o tratamento. O objetivo deste estudo foi avaliar a sobrecarga de cuidado e qualidade de vida (QV) dos cuidadores de crianças/adolescentes, portadoras de câncer, durante o tratamento quimioterápico, e relacioná-las entre si e aos dados sociodemográficos, e a presença e grau de sinais de depressão. Trata-se de estudo transversal, com 32 cuidadores. Coletados dados sociodemográficos, sobrecarga de cuidado (caregiver burden scale) e de QV, através do SF-36. Os resultados mostraram que 87,5% dos cuidadores eram mães, idade média de 35 anos, escore geral de sobrecarga 1,92±0,09 e escores do SF-36 mais comprometidos: aspectos emocionais (59,3), vitalidade (60,0) e dor (60,9). Houve correlação significativa entre sobrecarga, saúde mental e vitalidade. Conclui-se que os cuidadores apresentaram sobrecarga de cuidado e aspectos de QV comprometidos e, possivelmente, necessitam de intervenções que promovam bem-estar físico, social e emocional, para diminuir a sobrecarga, melhorar a QV e, consequentemente, prestar melhor assistência.

Descritores: Cuidadores; Qualidade de Vida; Quimioterapia; Cuidado da Criança.

Introdução

O surgimento de doença em um membro da família acarreta inúmeras alterações na estrutura familiar. Quando a doença é o câncer, a situação agrava-se, por ser moléstia estigmatizada e temida pela população, em virtude do sofrimento que causa ao paciente e à família. O diagnóstico de câncer afeta o indivíduo e as pessoas significativas e familiares de sua convivência, principalmente quando inúmeros cuidados são necessários(1). Dentre as doenças crônicas infantis, o câncer destaca-se por apresentar alta incidência e repercussões na vida da criança e da família(2).

Em geral, o indivíduo doente é o foco de atenção dos diversos profissionais, enquanto o familiar/cuidador é visto como aquele que ajuda no processo de cuidar, sem ser reconhecido como pessoa que está passando por processo doloroso e que necessita de auxílio e apoio(1). Na última década, as equipes que cuidam da criança com câncer têm dedicado esforços para entender o diagnóstico e o tratamento do câncer na criança, como evento psicologicamente traumático para os pais(3). Outras pesquisas, relacionadas às doenças crônicas, inclusive o câncer, têm tentado esclarecer os efeitos da doença na vida de pessoas que convivem com o paciente, principalmente o cuidador, por meio de escalas que avaliam a qualidade de vida, medem a sobrecarga e a depressão, entre outros parâmetros(3-5).

Os aspectos qualitativos mais investigados sobre o cuidador, ultimamente, são os emocionais, sociais, impacto do cuidado, estresse e depressão. O grande impacto vivenciado pelos cuidadores e a desorganização familiar são achados similares na maioria dos estudos relacionados ao assunto. Esses estudos demonstram que os cuidadores conseguem reconhecer o papel fundamental que desempenham no cuidado de um parente próximo, principalmente do filho(6).

Novos estudos, quantitativos, que se utilizam de escalas de medida de qualidade de vida, sobrecarga de cuidado, fadiga, depressão, ansiedade, humor, imagem corporal, inclusão social, entre outras, também têm sido cada vez mais realizados junto aos cuidadores de pacientes com patologias crônicas(7-10).

Essas diferentes formas de abordagem do cuidador podem gerar informações fundamentais para a compreensão dos mesmos e subsidiar os profissionais de saúde para implementação de ações, direcionadas e efetivas, que possam minimizar o impacto gerado pelo cuidado prestado a familiares com doenças crônicas(5).

Considerando que o cuidador é quem assume a responsabilidade do cuidado, este estudo teve como objetivo avaliar a sobrecarga, a qualidade de vida e a presença de depressão dos cuidadores de crianças com câncer, durante o tratamento quimioterápico.

Metodologia

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sob Parecer no0555/07, e os cuidadores que compuseram a amostra foram convidados a participar da pesquisa durante o período em que permaneciam no setor de quimioterapia. Após o aceite, foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo teve delineamento transversal e foi realizado no serviço de Oncologia Pediátrica (Ágape) do Hospital do Câncer de Mato Grosso. A população foi composta por cuidadores de crianças e adolescentes com câncer que tiveram o diagnóstico confirmado através do exame anatomopatológico, ou mielograma, e que estavam em tratamento quimioterápico há pelo menos dois meses. Foi considerado cuidador o familiar, com idade superior a 18 anos, que prestava cuidados ao paciente na maior parte do tempo, residia na mesma casa e concordou em participar do estudo.

A amostra (n=32) foi obtida pelo método de amostragem probabilística estratificada, proporcional ao número médio de crianças e adolescentes atendidas, nos seis meses que antecederam a pesquisa. O período de coleta de dados correspondeu aos meses de março e abril de 2008. O tempo gasto para cada entrevista variou entre 20 e 40 minutos. Por meio de entrevista individual e em ambiente reservado, na unidade de quimioterapia infantil, foram coletados: dados sociais e demográficos sobrecarga de cuidado por meio do instrumento cargiver burden scale (CBS) que é composto por 22 questões e subdividido em cinco dimensões: tensão geral, isolamento, desapontamento, envolvimento emocional e ambiente e que tem escores parciais e total que variam entre 1 (ausência de sobrecarga) e 4 (pior sobrecarga)(8); dados para avaliação da qualidade de vida através do medical outcome study 36 – item short-form health survey, instrumento que contém 36 itens agrupados em oito dimensões: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental(11) - os escores variam de 0 (pior estado) a 100 (melhor estado).

Foi aplicado, ainda, o inventário de depressão de Beck (BDI) para avaliar presença e grau dos sinais de depressão dos cuidadores, composto por 21 itens, que incluem sintomas e atitudes. As respostas variam entre 0 (ausência de sintomas) a 3 (sintomas depressivos mais acentuados). Os itens referem-se à tristeza, pessimismo, sensação de fracasso, falta de satisfação, sensação de culpa, sensação de punição, autodepreciação, autoacusações, ideias suicidas, crises de choro, irritabilidade, retração social, indecisão, distorção da imagem corporal, inibição para o trabalho, distúrbio do sono, fadiga, perda de apetite, perda de peso, preocupação somática, diminuição da libido. São várias as propostas de corte para distinguir os níveis de depressão, mas, para amostras não diagnósticas, recomendam-se escores acima de 15 para disforia e acima de 20 para depressão(9).

Para a caracterização dos dados amostrais, foram realizadas análises descritivas e inferenciais. Foi verificada a correlação entre as dimensões do CBS e do SF-36 por meio do coeficiente de correlação de Pearson. Análise de regressão linear múltipla para o CBS total (variável dependente) foi realizada em função das variáveis independentes sociodemográficas, dimensões do SF-36 e BDI. Permaneceram no modelo de regressão as variáveis que apresentaram nível de significância p<0,05. As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio dos programas SPSS, versão 14, e MINITAB, versão 14. Para ilustração deste estudo, nos resultados, será mostrada tabela com valores dos escores do SF-36 de cuidadores de crianças com câncer, em tratamento quimioterápico, e de cuidadores de crianças sadias, resultado de um estudo realizado em Uberlândia(10), além dos escores da população adulta brasileira, em comparação aos achados deste estudo.

Resultados

A idade média dos cuidadores foi de 35 anos, com predominância do sexo feminino (87,5%) e estado civil casado (75,0%). A maioria possuía baixa escolaridade, até primário completo (71,9%), não recebia ajuda de outras pessoas para o cuidado (34,4%), apresentava algum problema de saúde (21,9%) e fazia uso de medicação de rotina (15,6%) (Tabela 1).

Os escores médios das dimensões da escala de sobrecarga de cuidado (CBS) dos 32 cuidadores estão na Tabela 2, e as dimensões mais afetadas foram: isolamento (2,26), ambiente (2,12) e decepção (2,04).

Os dados da Tabela 3 comparam os valores médios de cada dimensão do SF-36 dos cuidadores deste estudo; com escores de outros cuidadores de crianças e adolescentes com câncer, tratados em Uberlândia, MG, e com o grupo controle de cuidadores de crianças normais do mesmo estudo e, ainda, com dados da população normal brasileira.

Segundo o inventário de depressão de Beck, a porcentagem de cuidadores que apresentavam sinais de depressão foi de 6,25%, sinais de disforia 9,38%, e, com escore normal, 84,38%. Os itens do BDI que mais contribuíram para a presença de sinais de depressão foram: irritabilidade , diminuição da libido , autoacusação e choro, e para sinais de disforia foram: irritabilidade, perda do interesse por outras pessoas e sono.

Ao se correlacionar os escores das dimensões do SF-36 com a sobrecarga geral do cuidador e o índice de depressão de Beck, utilizando-se o coeficiente de correlação de Spearman (ρ), observou-se que as dimensões vitalidade e saúde mental se correlacionaram de forma estatisticamente significante com a sobrecarga de cuidado, o mesmo também pode ser observado entre a dimensão saúde mental e depressão, conforme apresentado na Tabela 4.

Os dados da Tabela 5 mostram a correlação entre as variáveis sociodemográficas, a sobrecarga média do cuidador e os escores das dimensões do SF-36. As variáveis que mais afetaram a sobrecarga global do cuidador foram: saúde mental (25,55%), gastos com a função de cuidador (11,30%) e dor (4,5%).

Discussão

Os resultados obtidos no presente estudo possibilitam ampla discussão sobre como a vida do cuidador é afetada pelo diagnóstico e tratamento do câncer na criança. A idade média dos cuidadores (35 anos) se aproximou da idade demonstrada em diferentes estudos, envolvendo cuidadores de criança com câncer(3,10-11), bem como cuidadores de crianças com paralisia cerebral(12) e artrite idiopática juvenil(13).

A média de idade das crianças foi de 8,62 anos, semelhante à faixa etária apresentada em outros estudos sobre crianças com câncer(10,14). Dados nacionais apontam a leucemia como o câncer mais frequente em crianças, seguida de linfomas, e a idade alvo entre 1-4 anos e entre 15-18 anos, respectivamente. A classificação da faixa etária do câncer infantil, na maioria dos estudos, considera a idade entre 0 e 18 anos incompletos, sendo assim, a média nacional fica em torno de 8-10 anos(15). Quanto ao sexo das crianças estudadas, o masculino apresentou maior incidência da doença, dado semelhante ao encontrado na literatura(16).

Quanto ao sexo do cuidador houve predominância de mulheres exercendo a tarefa do cuidado, especificamente a mãe, informação compatível com outros estudos, em que se identificou a taxa de mulheres cuidadoras superior a 70%(10,12). A mãe, em geral, acredita que "ninguém está à altura para cuidar, proteger e atender as necessidades de seu filho"(1). A maioria (79,7%) era casada/amasiada - esse achado é inferior aos dos cuidadores de crianças com artrite idiopática juvenil (92,5%)(13) e de crianças com tumor cerebral (93,3%)(14). Esse índice mais baixo pode ser atribuído ao fato de que, segundo o IBGE, o número de separações e divórcios vem aumentando no país: em 2007, para cada quatro casamentos foi registrada uma dissolução(17).

Neste estudo, apesar da baixa escolaridade da maioria dos cuidadores, não se encontrou correlação dessa variável com a QV, ou sobrecarga, o mesmo ocorreu em outro estudo realizado com cuidadores de criança com câncer que também utilizou o SF-36(10). Porém, a pesquisa realizada na Holanda, com cuidadoras de crianças com doença falciforme, mostrou que o baixo nível educacional associou-se, de forma significativa, aos menores escores nos domínios função motora e dor(18).

Quanto à situação de emprego, 65,6% desenvolviam atividades inerentes ao lar e 9,4% estavam desempregados, totalizando 74,0% de cuidadores sem renda mensal. Estudos demonstram que, na situação do câncer em um dos filhos, ocorre rompimento com o vínculo empregatício, devido à necessidade de organização para o cuidado e tratamento do filho, acarretando comprometimento da renda familiar(4). Muitos cuidadores perdem o emprego depois do diagnóstico(11), em decorrência da dificuldade para conciliar as atividades do cuidado e o trabalho(1). Com sustentação nesses dados, pode-se entender o relato sobre a falta de necessidade de faltar ao serviço, dos cuidadores do estudo (87,5%), uma vez que a maioria informou ser do lar ou desempregado. Apesar do distanciamento, citado na literatura, entre os outros membros da família e o cuidador(4), esse desenvolve outras atividades, pois a maioria tem mais filhos, como no presente estudo, onde se encontrou média de 2,7 filhos e 34,4% dos cuidadores não recebiam ajuda para os cuidados com a criança doente e nem para a demanda decorrente do tratamento (recursos, incluindo tempo e dinheiro).

Resultados de pesquisas mostram que o fato de não ter com quem dividir o cuidado com o paciente e os afazeres domésticos leva a maioria dos cuidadores a perder o emprego(9), pais de crianças com câncer são obrigados a prestar assistência aos seus filhos de dia e de noite, e isso tem implicado sobre a quantidade de tempo que sobra para atender as suas próprias necessidades(19). Neste estudo, a média de tempo de cuidado com a criança ultrapassou um ano (16,1 meses), o tempo prolongado de cuidado também aumenta o comprometimento da QV e da sobrecarga(6,20).

Neste estudo, 21,9% dos cuidadores referiram algum problema de saúde, 15,6% fazia uso regular de medicamentos e 62,5% havia procurado atendimento médico pelo menos uma vez no último ano, podendo-se perceber que, apesar de ser população composta por adultos jovens, eles relataram problemas de doença crônica, o que não é frequente para essa faixa etária(10). Outro estudo demonstrou que até 41% de cuidadores de criança com câncer adoeceram em algum momento do tratamento(11).

O escore geral médio de sobrecarga, medido através da CBS, aqui, foi de 1,94. São escassos os estudos que avaliam a sobrecarga em cuidadores de crianças com doenças crônicas, por meio de escalas. Essas pesquisas normalmente são de cunho qualitativo ou utilizam questionários estruturados especificamente para o estudo(1,11,19). Um estudo que avaliou a sobrecarga do cuidador de crianças com paralisia cerebral, utilizando a escala burden interview (BI), identificou que o baixo nível socioeconômico e o grau de comprometimento motor da criança foram as variáveis que mais interferiram negativamente para o aumento da sobrecarga de cuidador(12). Em estudo realizado com cuidadores de jovens com epilepsia, utilizando o burden interview Zarit e o SF-36, encontrou-se correlação negativa e estatisticamente significante entre os domínios: estado geral de saúde, saúde mental e aspectos da saúde emocional do SF-36 e a sobrecarga do cuidador(7). Aqui, neste estudo, observou-se que os cuidadores apresentaram maior sobrecarga de cuidado nos domínios isolamento, ambiente e decepção, apesar de não se ter avaliado a alteração de cada dimensão da sobrecarga isoladamente, pode-se perceber que algumas características da amostra de cuidadores poderiam ter influenciado tais alterações, como: a maioria não trabalhar fora, alguns não receberem auxílio para cuidar da criança, a maioria pertencer ao sexo feminino e apresentar mais sinais de depressão, o baixo grau de instrução, tempo prolongado de prestação de cuidado à criança doente e comprometimento de várias dimensões da qualidade de vida. Entretanto, tais suposições necessitam ser mais bem investigadas.

Pesquisa anteriormente realizada com cuidadores de crianças com câncer, em tratamento quimioterápico, e grupo controle, em Uberlândia, MG(10), nos cuidadores mostrou 6 escores do SF-36 superiores aos encontrados nesta investigação, um escore inferior e um escore igual, já o grupo controle apresentou escores superiores em todos os domínios em relação a este estudo. Os achados, aqui, também foram semelhantes ao estudo realizado com mães de crianças com leucemia e grupo controle, no Japão, que apontou todos os domínios do SF-36 mais baixos em relação ao grupo controle e 5 dos 8 domínios foram estatisticamente significantes: aspecto físico, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos emocionais e saúde mental(20).

Encontraram-se, ainda, cuidadores com sintomas depressivos (2) e com sintomas de disforia (3), totalizando 15,63%. Esses achados são importantes porque as alterações psíquicas apresentadas pelos cuidadores podem alterar a qualidade da assistência por eles prestada à criança, sob seus cuidados, além dos prejuízos pessoais. Vale ressaltar que o BDI mede sintomas depressivos e não diagnostica depressão. Estudo com cuidadores de crianças com câncer, utilizando o BDI e o SF-36, apresentou correlação moderada e significativa em todos os domínios componente mental do SF-36 com o BDI, apenas o domínio aspectos sociais apresentou correlação fraca, embora significativa(10), reforçando a informação de que a doença na criança pode afetar a relação familiar.

Os achados, neste estudo, em relação à correlação existente entre o escore médio da sobrecarga geral do cuidador, o BDI e o SF-36, assemelham-se aos encontrados por pesquisadores que investigaram sintomas/desordens de mães de crianças com diagnóstico recente de câncer, quanto às trajetórias de ajustamento, e concluíram que sintomas/desordens são comuns entre pais de crianças com câncer durante o tratamento, e que intervenções psicossociais devem ser utilizadas para promover o bem-estar dos pais e da criança, a longo prazo(21). Além disso, outros autores afirmam que os sintomas de estresse pós-traumático devem ser acompanhados por equipe multidisciplinar, pois esse tipo de atendimento favorece o paciente e a família(3,22).

A análise de regressão linear múltipla, realizada neste estudo, mostrou as variáveis responsáveis por 50,4% da sobrecarga de cuidado vivenciada pelos cuidadores e foram elas: domínio saúde mental, dor e aspectos físicos do SF-36, gastos extras, realizados na condição de cuidador, e ter que faltar ao serviço para atender as necessidades da criança e exigências do tratamento, mesmo essa última variável, atingindo a minoria dos cuidadores, foi significante na sobrecarga dos que trabalhavam. Vale destacar que a saúde mental isolada respondeu por 25,55% dessa sobrecarga. Não se encontrou na literatura estudos com cuidadores de crianças com câncer, ou mesmo outras doenças crônicas, utilizando o SF-36 e CBS, simultaneamente, porém, uma pesquisa realizada com cuidadores de pacientes adultos, submetidos à hemodiálise, utilizando os mesmos instrumentos (CBS e SF-36), apesar da diferença na média de idade, em relação aos cuidadores deste estudo (46,1 versus 35,0 anos, respectivamente) observou que a saúde mental também foi o domínio que mais colaborou para a sobrecarga do cuidado 24,0%(8).

Conclusão

Diante dos resultados, entende-se que existe grande desafio a ser explorado na interação cuidador/equipe de saúde, quanto à inserção do cuidador na prestação de cuidados à criança, e que suas atividades junto à criança podem interferir no sucesso do tratamento. O cuidador necessita de intervenções que promovam seu bem-estar físico, social e emocional, para possível redução da sobrecarga de cuidado por ele vivenciada e manutenção de sua QV. Novas pesquisas, envolvendo cuidadores de crianças com câncer, precisam ser realizadas para melhor esclarecimento sobre essa população e para subsidiar medidas de prevenção e promoção da QV dos mesmos.

Os resultados deste estudo permitem concluir que os cuidadores de crianças, portadoras de câncer e que realizam tratamento quimioterápico, apresentam aumento da sobrecarga de cuidado demonstrado pelo comprometimento dos escores da escala CBS: isolamento, ambiente e tensão geral, além do escore geral. A QV dos cuidadores mostrou-se significantemente diminuída nos domínios do SF-36: aspectos emocionais, vitalidade e dor.

Houve correlação negativa e estatisticamente significante entre o escore geral da sobrecarga de cuidado e os resultados do BDI e entre a sobrecarga e os domínios saúde mental e vitalidade do SF-36. Cerca de 50% da sobrecarga vivenciada pelos cuidadores de crianças com câncer, em tratamento quimioterápico, é explicada devido à alteração da saúde mental, dos aspectos físicos e dor apresentada pelo cuidador; da necessidade de faltar ao serviço e de gastos acrescidos ao orçamento, devido à atividade de cuidador que desempenha.

Apesar de Cuiabá comportar um centro de referência para o tratamento do câncer infantil, o número de cuidadores que compôs a amostra deste estudo foi pequeno, o que permite sugerir a realização de estudos semelhantes em outros serviços no Brasil.

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  • Corresponding Author:
    Elizete Aparecida Rubira do Espírito Santo
    Universidade Federal de Mato Grosso. Faculdade de Enfermagem
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Maio 2010
    • Aceito
      04 Abr 2011
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