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Itinerário terapêutico do adolescente com diabetes mellitus tipo 1 e seus familiares

Resumos

Estudo de natureza qualitativa, do tipo convergente assistencial, objetivou compreender o itinerário terapêutico de adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 e seus familiares, vinculados a uma instituição de saúde de Florianópolis, SC. Foi utilizado o modelo de Cuidado à Saúde de Kleinman que inclui os subsistemas profissional, familiar e popular. Os dados foram obtidos através de entrevistas semi-estruturadas e observação de campo com vinte pessoas: familiares e adolescentes com diabetes. A análise incluiu a codificação e categorização dos dados. Foram construídas duas categorias: decisões e negociações sobre a saúde, os cuidados e os tratamentos e o percurso nos três subsistemas de saúde. O estudo permitiu compreender que os tratamentos e cuidados do subsistema profissional não são únicos, havendo diferentes práticas em saúde que são realizadas a partir da avaliação que cada família faz daquilo considera adequado para o adolescente com diabetes mellitus.

diabetes mellitus; adolescente; empatia; família


This is a qualitative assistential convergent study. Its main objective is to understand the therapeutic itinerary of adolescents with type 1 mellitus diabetes, as well as that of their families. The sample was composed of adolescents, between 15 and 25 years old, involved with a health institution in Florianópolis through the Health Care model that includes professional, family, and popular subsystems. Data were obtained through in-depth interviews and field observation of 20 people (relatives and adolescents with diabetes). The data analysis included data codification and categorization. Two categories were constructed: Decisions and negotiations about health, care and treatment; and the journey through the three subsystems of health care. The study permitted to understand that the treatment and care within the professional subsystem are not the only ones available. There are different practices in health performed from the evaluation each family makes, of what they believe adequate for their adolescent with diabetes.

diabetes mellitus; adolescent; empathy; family


Estudio de naturaleza cualitativa, de tipo convergente-asistencial, tuvo como objetivo comprender el camino terapéutico de los adolescentes con diabetes mellitus tipo I y sus familiares, vinculados a una institución de salud de Florianópolis, entre las edades de 15 y 25 años, a través del modelo del Cuidado para la Salud, que incluye los subsistemas profesional, familiar y popular. Los datos fueron obtenidos a través de la entrevista en profundidad y la observación de campo con 20 personas (familiares y adolescentes con diabetes). El análisis incluye la codificación y la categorización de los datos. Fueron construidos dos categorias: Las decisiones y negociaciones sobre la salud, los cuidados y los tratamientos y El percurso en los tres subsistemas de la salud. El estudio permitió comprender que los tratamientos y los cuidados del subsistema profesional no son los únicos, existiendo diferentes prácticas en la salud que son realizadas a partir de la evaluación que cada familia hace a partir de aquello que considera adecuado para el adolescente con diabetes mellitus.

diabetes mellitus; adolescente; empatía; familia


ARTIGOS ORIGINAIS

Itinerário terapêutico do adolescente com diabetes mellitus tipo 1 e seus familiares1 1 Texto extraído de Dissertação de Mestrado

Mariza Maria Serafim MattosinhoI; Denise Maria Guerreiro Vieira da SilvaII

IEnfermeira da Secretaria de Estado da Saúde, Santa Catarina, Brasil, Escola de Formação em Saúde/EFOS, Brasil, e-mail: marizaserafim@yahoo.com.br

IIProfessor Doutor da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

RESUMO

Estudo de natureza qualitativa, do tipo convergente assistencial, objetivou compreender o itinerário terapêutico de adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 e seus familiares, vinculados a uma instituição de saúde de Florianópolis, SC. Foi utilizado o modelo de Cuidado à Saúde de Kleinman que inclui os subsistemas profissional, familiar e popular. Os dados foram obtidos através de entrevistas semi-estruturadas e observação de campo com vinte pessoas: familiares e adolescentes com diabetes. A análise incluiu a codificação e categorização dos dados. Foram construídas duas categorias: decisões e negociações sobre a saúde, os cuidados e os tratamentos e o percurso nos três subsistemas de saúde. O estudo permitiu compreender que os tratamentos e cuidados do subsistema profissional não são únicos, havendo diferentes práticas em saúde que são realizadas a partir da avaliação que cada família faz daquilo considera adequado para o adolescente com diabetes mellitus.

Descritores: Diabetes Mellitus; adolescente; empatia; família

INTRODUÇÃO

Percebe-se na prática assistencial desenvolvida pelas autoras em um hospital de ensino junto a adolescentes com diabetes mellitus Tipo 1, que os profissionais de saúde têm considerado como foco de sua prática a educação em saúde, porém, numa perspectiva que envolve informações sobre a doença, o tratamento e os cuidados que devem realizar, voltadas especialmente para o controle glicêmico. No entanto, observa-se que grande parte dos adolescentes apresenta exames com resultados acima dos parâmetros normais de glicemia. Essa constatação remeteu a alguns questionamentos sobre a prática desenvolvida, levando a observar que há um hiato entre o que se orienta e o que eles realizam.

O impacto do diabetes na sociedade vem sendo discutido há algum tempo(1), não somente pelas repercussões sociais e econômicas, mas pelas implicações que acarreta na vida da pessoa tais como dor, sofrimento, desesperança, ansiedade, isolamento, incapacidade, mutilações e morte. As doenças crônicas provocam mudanças não só na estrutura e funcionamento do organismo, mas podem alterar as condições e a qualidade de vida. Conviver com uma doença crônica torna-se uma realidade com a qual tanto a pessoa quanto seus familiares precisam aprender a lidar(2-3).

Esse impacto na vida das pessoas parece ser ainda mais importante quando atinge um adolescente e sua família. O período da adolescência torna-se, freqüentemente, um momento crítico para o controle da doença, pois as restrições necessárias se contrapõem à busca da independência, à tendência grupal, à noção de indestrutibilidade, aos comportamentos de riscos, entre outras características dessa faixa etária.

No contexto do cuidado ao adolescente com diabetes mellitus, a família ganha papel fundamental. No ano 1962, já era enfatizado(4) que uma das principais causas de distúrbios emocionais no adolescente é a atitude dos pais. O sentimento de culpa que, por vezes, os domina, leva-os a assumirem conduta excessivamente protetora em relação ao adolescente, tornando-o dependente(5).

O diabetes em adolescentes tem repercussões importantes no seu cotidiano, pois essa condição de saúde requer um conjunto de hábitos especiais, reforçando ainda mais a importância da família no cuidado de seus integrantes e a influência que ela exerce nas práticas de cuidado.

A família e o adolescente com diabetes mellitus, portanto, precisam ser conhecidos e reconhecidos em suas histórias e experiências, tanto no que diz respeito à estrutura, conformações e significados diversos que a saúde e a doença têm para eles, mas também nos compromissos mútuos, interações, desempenho de papéis, aspectos culturais e modos de vida(6). A família participa dos cuidados ajudando-os de diferentes maneiras, mas principalmente, mantendo-se junto e apoiando-os nas decisões sobre os cuidados e tratamentos na busca por vida com melhor qualidade(7).

Em situações crônicas de saúde, como é o caso do diabetes mellitus as pessoas realizam diferentes cuidados e tratamentos, com a perspectiva de encontrar uma solução para seu problema. O prognóstico médico de que o diabetes não tem cura, que pode apenas ser controlado é, muitas vezes, extremamente agressivo para as pessoas. Elas precisam acreditar que algo mais pode ser feito e, então, buscam variadas opções de tratamentos. O saber profissional não é o único que está envolvido na assistência à saúde. Existem outros saberes: o da própria pessoa que vive a situação de pessoas próximas (parentes, amigos, vizinhos) e de outros agentes de cura.

Pouco ainda se sabe sobre os cuidados e tratamentos realizadas fora da biomedicina, o que dificulta o diálogo aberto com esses adolescentes com diabetes mellitus e suas famílias. Ao se presta assistência a uma pessoa em condição crônica de saúde, visando o viver mais saudável, é preciso ir além do conhecimento sobre alterações físicas e psíquicas. É preciso compreender as experiências construídas por essas pessoas no processo de viver com a doença, que vão orientar o processo de escolhas sobre os cuidados e os tratamentos que irão realizar, denominado itinerário terapêutico.

Acredita-se, assim, que estudos sobre itinerário terapêutico podem desempenhar papel importante para compreender como as pessoas constroem seus próprios caminhos no enfrentamento das exigências e conseqüências que a cronicidade da doença acarreta.

Diante do exposto, o estudo que aqui se desenvolve pretende encontrar respostas para a seguinte questão: qual o itinerário terapêutico realizado por adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 e seus familiares, na busca por tratamentos e cuidados?

Teve como objetivos: 1) conhecer as práticas de cuidados e tratamentos realizados pelos adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 e familiares; 2) identificar os elementos que participam das avaliações efetuadas pelos adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 e familiares com relação aos cuidados e tratamentos realizados; 3) identificar a influência dos subsistemas popular, familiar e profissional nas práticas de saúde dos adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 e familiares na busca por tratamentos e cuidados.

REFERENCIAL TEÓRICO

A pesquisa foi orientada pelo modelo de Arthur Kleinman e pela concepção de itinerário terapêutico. As atividades de cuidado à saúde são respostas sociais organizadas frente às doenças e podem ser compreendidas como um sistema cultural: o Sistema de Cuidado à Saúde(8).

O Sistema de Cuidado à Saúde fornece às pessoas caminhos para a interpretação de sua condição e ações possíveis na busca do tratamento para sua doença. E é, na realidade social, mutante e dinâmica, onde são construídas as doenças, seu processo de tratamento e cura(8).

Esse Sistema é constituído internamente pela interação de três subsistemas: Subsistema Familiar, Subsistema Profissional e Subsistema Popular.

O Subsistema Familiar é a arena da cultura popular, do senso comum, não profissional, não especialista, onde as doenças são primeiramente identificadas e enfrentadas. Esse subsistema inclui o indivíduo, a família, a rede social e os membros da comunidade próxima. É nesse subsistema que a doença é identificada e as primeiras decisões e ações são efetuadas, dando início ao processo terapêutico(8).

O Subsistema Profissional consiste das proposições de cura organizadas, legalmente reconhecidas, com aprendizagem formal e com registros sistemáticos extremamente desenvolvidos. Na maioria das sociedades, a biomedicina é dominante, embora existam outros sistemas médicos profissionais, como a medicina chinesa tradicional(8).

O Subsistema Popular consiste de especialistas de cura não-formais, não reconhecidos legalmente e com registros limitados de seus conhecimentos. Têm amplo reconhecimento pela sociedade e, geralmente, estão ligados ao subsistema familiar(8).

O itinerário terapêutico inclui uma seqüência de decisões e negociações entre várias pessoas e grupos com interpretações divergentes sobre a identificação da doença e a escolha da terapia adequada. Inclui tanto o percurso feito na busca de tratamento e cura da doença, quanto as avaliações dos diferentes resultados obtidos(9-10). Neste estudo, o itinerário terapêutico foi compreendido como o percurso que o adolescente com diabetes e seus familiares fazem na busca por cuidado e tratamento para sua condição de saúde.

Para a escolha do percurso são levados em conta aspectos como sinais da doença (corporais e não corporais), crenças, diagnósticos e prognóstico. Além desses fatores existe, pluralidade de interpretações representadas pela posição da pessoa, a disponibilidade de recursos e a relação prévia com especialistas de cura(10).

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Trata-se de pesquisa qualitativa, do tipo convergente assistencial(11), realizada em um hospital de ensino e no domicílio dos adolescentes com diabetes e suas famílias que recebem assistência nesse hospital.

A pesquisa convergente assistencial tem como principal característica sua articulação intencional com a prática assistencial, conduzida para descobrir realidades e resolver problemas específicos em determinados contextos(11).

A prática assistencial incluiu o desenvolvimento de uma proposta de educação em saúde com a intenção de promover maior participação dos adolescentes e suas famílias nos cuidados e tratamentos a partir de visitas domiciliares.

Sujeitos do estudo

Participaram deste estudo cinco adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 e quinze familiares, totalizando vinte pessoas. Os adolescentes eram integrantes de um serviço de saúde de atendimento multiprofissional a pessoas com diabetes mellitus, vinculado a um hospital de ensino, residentes na Grande Florianópolis. Para a escolha dos adolescentes, foram utilizados os seguintes critérios: idade entre 15 a 21 anos e 11 meses, diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1 estabelecido há, no mínimo, dois anos, tempo e disponibilidade para participar da pesquisa e dificuldade de seguir o tratamento representado, especialmente, por repetidos resultados elevados da hemoglobina glicosilada.

Nas visitas domiciliares realizadas foram convidados os familiares que participavam direta ou indiretamente dos cuidados prestados ao adolescente, residentes no mesmo domicílio e que aceitaram integrar a pesquisa.

Coleta de dados

Os dados foram obtidos através de entrevistas em profundidade e observação de campo, realizadas nos domicílios, com média de três a cinco encontros por família. As entrevistas tinham como foco conhecer e compreender o que as pessoas faziam para cuidar/tratar do diabetes. Todas as entrevistas foram gravadas em fita cassete.

Análise dos dados

A análise de dados foi realizada de acordo com as seguintes etapas: organização dos dados, leituras repetidas pelo grupo de pesquisa dos dados obtidos, identificação dos códigos relacionados tanto aos cuidados e tratamentos quanto às avaliações sobre as decisões tomadas e os resultados obtidos, formação das categorias, compreendidas como o conjunto de expressões com características similares que representam o itinerário terapêutico das pessoas que fizeram parte da investigação, discussão das categorias encontradas, e interpretação dos achados(11).

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina e realizada de acordo com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas com seres humanos, no que diz respeito ao sigilo, anonimato, consentimento livre e esclarecido (que foi assinado pelos pais dos adolescentes com diabetes e com a concordância gravada dos adolescentes) e liberdade de desistir a qualquer momento da pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A análise dos dados permitiu a construção de duas categorias: a) decisões e negociações sobre os cuidados e os tratamentos e b) o percurso nos três subsistemas.

Decisões e negociações sobre a doença, os cuidados e os tratamentos

Esta primeira categoria foi constituída a partir da compreensão do que os integrantes do estudo referiram a respeito do que fazem para cuidar ou tratar de sua condição crônica de saúde, ou seja, seu percurso terapêutico. Percebe-se que não há seqüência linear, mas um processo, com momentos distintos, que inicia com a verificação de que algo está diferente com seu corpo, pois sentem sede exagerada, têm fome e emagrecem. O adolescente e sua família passam a buscar uma denominação para esse problema de saúde e identificar possíveis causas e estabelecer possibilidades do que fazer. Iniciam as experimentações a partir de um arsenal de conhecimentos que têm sobre cuidados com a saúde. Não havendo resultado efetivo nessas práticas familiares, procuram os profissionais da saúde que então estabelecem o diagnóstico médico de diabetes mellitus e indicam alguns cuidados e tratamentos.

- Tratamentos e cuidados realizados

Após o estabelecimento do diagnóstico médico de diabetes mellitus, mesmo realizando cuidados e tratamentos indicados pelos profissionais de saúde, eles não deixam de buscar outros meios de cuidar e tratar sua doença, motivados pela esperança de cura e/ou controle da doença.

Fazem uso de variados tratamentos e cuidados, efetuando-os sem uma seqüência específica, mas de acordo com oportunidades que surgem, novidades indicadas e resultados que vão obtendo. Alguns desses cuidados e tratamentos são mais freqüentes e representaram referência para os integrantes do estudo.

Chás e a insulina são considerados pontos de destaque, pois são praticados por todos os adolescentes que fizeram parte da pesquisa. São utilizados simultaneamente com outros recursos terapêuticos.

Os chás são indicados por pessoas da família e vizinhos, que geralmente são os fornecedores das plantas. A indicação é baseada nas experiências que foram adquiridas através do sucesso obtido com o uso de determinados chás por suas famílias ou por outras pessoas conhecidas. Mesmo quando utilizam o mesmo tipo de chá (jambolão, pata-de-vaca, carqueja), o fazem de formas diferentes, tanto no que diz respeito à dosagem, à preparação e à forma de ingestão (quantidade e horários).

Com relação à insulina, apesar de entenderem que a mesma é fundamental para o controle da doença, apresentam dificuldade em sua aceitação. Aceitá-la significa entender que é portador de uma doença que não tem cura, que vai exigir mudanças importantes e que a insulina será utilizada para sempre, evidenciando dependência de uma substância química.

Práticas espirituais vivenciadas, como forma de tratamento e cuidado da doença, realizados pelos adolescentes e familiares, incluem visitas ao centro espírita, às benzedeiras e à realização de rezas.

As benzedeiras e os centros espíritas são procurados, inicialmente, quando percebem que algo diferente está acontecendo e logo após o diagnóstico. Essa busca é feita baseada na interpretação dos sintomas e na busca de explicação do porquê foram acometidos pela doença.

As práticas espirituais são procuradas como um apoio, que os auxiliam nos momentos de tensão durante o curso da doença e tradicionalmente converge para um Deus que é superior e poderoso a todo ser humano.

Para muitas pessoas, essas práticas confortam, aliviam os sintomas e podem curar a doença. Além disso, as pessoas que as realizam estão disponíveis para ouvir, interpretar o que as pessoas sentem, dar conselhos com um discurso que se aproxima do popular. Referem que os procedimentos não causam dor, não fazem mal e estão sempre disponíveis.

Existe um elemento que permeia todas as práticas espirituais realizadas pelos adolescentes e familiares: a fé religiosa. Ela acompanha todos os cuidados e tratamentos que realizam, independente do subsistema de saúde. Se a fé não está presente, acreditam que os cuidados e os tratamentos realizados não surtirão o efeito desejado. Isso é mais enfatizado pelas mulheres, principalmente pelas mães.

Dietas e exercícios físicos são considerados como os tratamentos mais difíceis. A referência a esses cuidados e tratamentos é recorrente, mesmo em diferentes momentos da doença. O conflito entre reconhecer sua importância e não os realizar é pouco explorado, tornando-se uma questão complexa e de difícil definição. Esses tratamentos são orientados pelos profissionais de saúde, mas também são cuidados oriundos da família, com reinterpretações sobre o que é permitido e o que é proibido. Centralizam a dieta na exclusão de "alimentos doces".

Os hábitos culturais e alimentares, bem como fatores de ordem econômica e social, contribuem para essa dificuldade. Em nossa cultura, o alimento desempenha vários papéis. Ele serve para suprir nossas necessidades nutricionais, como recompensa de algumas ações, em momentos de ansiedade e estresse e é o centro das nossas atividades sociais. O alimento é o elemento que não pode faltar nos encontros sociais entre amigos e famílias(12-13).

Referem que a dificuldade na realização dos exercícios físicos está relacionada com a falta de tempo, especialmente para aquelas pessoas que trabalham. Enfatizam que os exercícios físicos não fazem parte de seus hábitos.

Consulta médica e exames são considerados como "procedimentos", que são realizados a cada dois ou três meses, não os percebendo muito claramente como tratamento ou cuidado.

Para muitos adolescentes, a constante necessidade de ser avaliado é cansativa, estressante, sendo motivo de apreensão. Referem que o contato nos serviços de saúde com outras pessoas com complicações da doença, como amputações e cegueira, lhes trazem expectativas negativas.

Garrafadas são realizadas a partir de indicações efetuadas por familiares e vizinhos e não é uma prática referida como freqüente.

Assim como os chás, as garrafadas são tratamentos que as pessoas utilizam há muito tempo para tratar doenças. A preparação é feita com raízes, folhas, frutos, cascas que são infundidos em água ardente ou vinho. A grande maioria é administrada via oral, embora algumas são apenas para uso tópico. Percebe-se que há certa resistência em falarem sobre essa prática.

Esses cuidados e tratamentos realizados não seguem uma lógica e são escolhidos nas interações sociais. As escolhas estão relacionadas ao momento que estão vivendo. Crises e outras situações de estresse são momentos que os fragilizam e são mais propícias para que experimentem novos tratamentos. Isso reforça que o conhecimento da biomedicina não é considerado como o único válido e onde centram suas escolhas. Há diferentes possibilidades de itinerário, sempre fortemente vinculadas ao processo de viver com suas inúmeras oportunidades de escolhas(13).

- A participação da família

A doença crônica é incorporada ao processo de viver das pessoas. Nesse processo a família é parte fundamental, especialmente para adolescentes, uma vez que as opções que fazem de cuidados e tratamentos são influenciadas pela família que assume o papel de cuidadora.

Para muitos pais, o momento do diagnóstico caracteriza-se como um momento de crise. Eles mudam suas relações com os filhos de modo a compensá-los pelas limitações impostas pela doença. Para alguns, o filho torna-se especial, "paparicado", nunca ficando sozinho. Isso pode também influenciar a interação social do adolescente, principalmente por ele se achar diferente, limitando seu mundo às pessoas que o rodeiam. Há um reajuste familiar que possibilita a aceitação e compreensão do diagnóstico, das recomendações para os tratamentos e os cuidados. Em todos os momentos a família é percebida como parte do processo de cuidar e tratar dos adolescentes com diabetes mellitus.

- Avaliação dos tratamentos e cuidados realizados

Em busca do controle da doença e de um viver melhor, os adolescentes e os familiares recorrem a diversos tipos de cuidados e/ou tratamentos, simultaneamente ou sucessivamente nos diferentes subsistemas. Assim, o adolescente vai ao médico, vai a um centro espírita e toma um chá, integrando esses cuidados e tratamentos de diferentes maneiras, não referindo necessidade de abandonar um tratamento ou cuidado para iniciar um novo. Cada situação é avaliada em sua especificidade, considerando diferentes elementos que envolvem o seu viver naquele momento.

Adolescentes e familiares avaliam não apenas o tratamento e cuidado que recebem, mas, também, a maneira como esses cuidados e tratamentos são indicados. Destacam o diálogo como essencial, incluindo a possibilidade de falar o que pensam, sentem e percebem a doença.

Outro aspecto fundamental da avaliação é a eficácia do tratamento. A insulina e a dieta estão no topo da avaliação, sendo reconhecidas como o que realmente ajuda a controlar o diabetes, mesmo com todas as suas implicações já apontadas.

A aplicação da insulina, apesar de considerada como indispensável para o controle do diabetes, é avaliada, pela maioria dos adolescentes, como uma sensação desprazerosa, reportando a idéia de sofrimento e dor. No entanto, esse tratamento é, no final, avaliado como benéfico, pois o medo das internações, complicações e agravamento do diabetes supera o medo das "picadas".

Outro aspecto considerado na avaliação dos cuidados e tratamentos são os custos excessivos de alguns tratamentos. Isso pode inviabilizar sua realização ou mobilizá-los para a busca de estratégias para sua realização. Reconhecem que o fornecimento de insulina, seringas, agulhas e fitas para glicemia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) facilitam a realização do tratamento.

Com o passar do tempo, os adolescentes e suas famílias selecionam os cuidados e os tratamentos que são mais adequados às suas características e necessidades, sempre levando em consideração os resultados, facilidade de acesso a esses cuidados e tratamentos e aspectos culturais envolvidos(2-9).

O percurso nos três subsistemas

Observou-se que o itinerário terapêutico dos adolescentes e familiares se deu, inicialmente, no Subsistema Familiar. Depois, simultaneamente, no Popular e no Profissional, com prevalência de um ou de outro em determinados momentos, sem que o Subsistema Familiar deixasse de estar presente na hora das decisões, avaliações e na realização de alguns cuidados.

Alguns cuidados e tratamentos vinculados aos Subsistemas Popular e Familiar são realizados, independentemente do resultado da glicemia. Dentre eles destacam-se: as rezas, as idas aos centros espíritas e às benzedeiras. Consideram que os mesmos oferecem consolo, permitem os desabafos, passam pensamentos positivos e dão esperança, fortalecendo-os internamente. No Subsistema Popular, o custo é referido como importante, pois são considerados mais baratos e estão ao alcance de todos. São práticas que remetem ao passado, tendo um valor simbólico incluído. Eram utilizadas pelos seus antepassados, por pessoas mais velhas e difundidas entre eles de geração a geração. Além disso, as práticas desses Subsistemas têm uma linguagem familiar a essas pessoas, confortam e se dão numa relação mais horizontal.

Várias pessoas influenciam nas decisões sobre os cuidados e tratamentos que serão realizados. As pessoas que mais se envolvem são familiares, vizinhos, amigos e membros da comunidade, especialmente aqueles que de alguma maneira vivenciam o diabetes.

O Subsistema Profissional teve maior valorização e incluiu o maior volume de práticas. Essa situação pode estar relacionada ao fato do diabetes ser considerado pelas pessoas como "doença de médico", ou seja, o seu reconhecimento parte do estabelecimento do diagnóstico médico. A partir desse diagnóstico, a doença passa a afetar vários aspectos da vida da pessoa, indo além de mudanças na estrutura e funcionamento do organismo(2).

Outro fator que contribuiu para o predomínio do Subsistema Profissional foi o reconhecimento da insulina como tratamento que é essencial. Não pode ser desconsiderada a forte influência da biomedicina em nossa sociedade, que tenta impor seus princípios como os únicos válidos e efetivos, utilizando-se da mídia e de outras estratégias para sua sobreposição à qualquer outra prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observa-se que a maneira como as pessoas interpretam a origem, a importância e o efeito da doença sobre seus comportamentos e relacionamentos vão influenciar suas decisões na busca de cuidados e tratamentos de sua doença.

O itinerário terapêutico inicia com a percepção que algo não está bem, trazida por manifestações físicas que interferem no dia-a-dia dos adolescentes. Nesse momento, adolescentes e familiares começam a refletir sobre o que pode estar causando tais manifestações e arriscam fazer algum "diagnóstico", iniciando em seguida a busca por cuidados e tratamentos. As escolhas geralmente são aquelas que fazem sentido para eles, ancoradas em suas experiências prévias e construídas socialmente, são sempre provisórias e estão em constante avaliação. Não há um único caminho a ser seguido, as possibilidades são múltiplas e as interpretações que fazem do que está lhes acontecendo pode sempre abrir uma nova perspectiva. Acreditar que é sempre possível viver melhor com sua condição de saúde é o que dá ânimo e energia para continuar na busca.

Finalizando, ressalta-se que compreender o itinerário terapêutico de adolescentes com diabetes e seus familiares contribui para atuação profissional mais humanizada, fazendo com que o profissional deixe de centrar suas ações apenas no seu conhecimento e abra espaço para as experiências e percepções daqueles que vivem a doença. Os profissionais de saúde, ao entenderem melhor o que as pessoas fazem na busca por tratamentos e cuidados, como também porque o fazem, mostram-se mais abertos e dispostos a estabelecer novas trocas e relação mais horizontal e permeada pelo respeito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 21.11.2006

Aprovado em: 20.8.2007

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  • 1
    Texto extraído de Dissertação de Mestrado
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      20 Ago 2007
    • Recebido
      21 Nov 2006
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