Prevalência e correlatos de ideação suicida passiva e ativa em ingressantes da pós-graduação

Objetivo:

identificar a prevalência e fatores associados à ideação suicida passiva e ativa ao longo da vida em estudantes ingressantes na pós-graduação.

Método:

estudo analítico e de delineamento transversal, amostra composta por 321 estudantes ingressantes da pós-graduação. Realizou-se análise estatística descritiva e inferencial múltipla.

Resultados:

análises multivariadas apontaram que ideação suicida passiva e ativa foram similarmente mais prevalentes entre estudantes de orientações sexuais minoritárias, do sexo feminino, que realizavam atividade física diária ≤ 30 minutos/dia e sofreram vitimização por violência psicológica nos últimos 12 meses. O abuso de álcool, o não prejuízo no relacionamento familiar por demandas da pós-graduação stricto sensu e a baixa autoestima foram associadas unicamente com ideação suicida passiva. Por sua vez, o consumo de maconha ocorrido nos últimos 30 dias, a falta de um relacionamento interpessoal satisfatório com seus pares acadêmicos e a prática da atividade profissional em concomitância com as demandas da pósgraduação foram associadas apenas com ideação suicida ativa.

Conclusão:

identificou-se alta prevalência de ideação suicida passiva e ativa ao longo da vida entre estudantes ingressantes na pós-graduação e verificou-se a ocorrência de similitudes e diferenças entre alguns fatores associados para ambos os desfechos.

Descritores:
Ideação Suicida; Estudantes; Educação de Pós-Graduação; Fatores de Risco; Universidade; Saúde Mental

Objetivo:

identificar la prevalencia y los factores asociados a la ideación suicida pasiva y activa a lo largo de la vida en estudiantes ingresantes de posgrado.

Método:

estudio analítico y de diseño transversal, con una muestra compuesta por 321 estudiantes ingresantes de posgrado. Se realizó análisis estadístico descriptivo e inferencial múltiple.

Resultados:

los análisis multivariados indican que la ideación suicida pasiva y activa tuvieron una prevalencia mayor y similar en los estudiantes de orientación sexual minoritaria, del sexo femenino, que realizaban actividad física diaria ≤ 30 minutos/día y sufrieron victimización por violencia psicológica en los últimos 12 meses. Los factores abuso de alcohol, las exigencias del posgrado stricto sensu no afectaron las relaciones familiares y baja autoestima se asociaron solo con la ideación suicida pasiva. A su vez, el consumo de marihuana en los últimos 30 días, no tener una buena relación interpersonal con sus pares académicos, ejercer la actividad profesional junto con las exigencias del posgrado se asociaron únicamente con ideación suicida activa.

Conclusión:

se identificó una alta prevalencia de ideación suicida pasiva y activa a lo largo de la vida en los estudiantes ingresantes de posgrado y se comprobó que hubo similitudes y diferencias entre algunos de los factores asociados a ambos resultados.

Descriptores:
Ideación Suicida; Estudiantes; Educación de Postgrado; Factores de Riesgo; Universidad; Salud Mental

Objective:

to identify the prevalence and factors associated with passive and active suicidal ideation throughout life among students entering graduate courses.

Method:

an analytical and cross-sectional study with a sample comprised of 321 students entering graduate courses. Multiple descriptive and inferential statistical analyses were performed.

Results:

the multivariate analyses indicated that passive and active suicidal ideation were similarly more prevalent among female students belonging to minority sexual orientations who engaged in daily physical activity ≤ 30 minutes/day and were victims of psychological violence in the past 12 months. Alcohol abuse, family relationships not impaired due to the demands imposed by stricto sensu graduate studies and low self-esteem were only associated with passive suicidal ideation. In turn, recent marijuana use in the last 30 days, poor interpersonal relationships with academic peers, and engagement in professional activities concomitantly with the demands imposed by graduate studies were only associated with active suicidal ideation.

Conclusion:

high prevalence of lifetime passive and active suicidal ideation was identified among graduate students, and similarities and differences were verified between some associated factors for both outcomes.

Descriptors:
Suicidal Ideation; Students; Graduate Education; Risk Factors; University; Mental Health

Destaques:

(1) Avanço do entendimento de fatores associados ao espectro de ideação suicida.

(2) Diferenças e similitudes entre ideação passiva e ativa em pós-graduandos.

(3) Recrutar amostra homogênea de somente ingressantes na pós-graduação stricto sensu.

Introdução

A saúde mental de estudantes da pós-graduação stricto sensu tem sido tópico de crescente preocupação nos últimos anos devido, sobretudo, a uma série de evidências que apontam a maior vulnerabilidade destes indivíduos para o sofrimento mental, quando comparados a estudantes de outros níveis de formação ou, até mesmo, à população geral ^{( 1 - 2 )}.

O ensino na pós-graduação stricto sensu assume diferentes configurações variando entre países, impondo características peculiares para cada região do mundo, entretanto, alguns desafios/estressores aparentam ser compartilhados universalmente e constituem uma complexa rede de fatores imbricados nas relações pessoais, sociais e institucionais dos programas de formação ^{( 3 )}. Algumas situações vivenciadas especificamente na pós-graduação, como o desenvolvimento da dissertação ou tese, a pressão por produtividade e publicação, participação em eventos (inter)nacionais, exame de qualificação e dificuldades financeiras são estressores comumente relatados na literatura e que podem resultar em sofrimento mental nesta população ^{( 3 )}. Dentre os desfechos de sofrimento mental aos quais os pós-graduandos estão suscetíveis, destacam-se, por sua gravidade e severidade, aqueles relacionados ao comportamento suicida ^{( 4 - 5 )}.

O comportamento suicida constitui um continuum de eventos multifacetados, multidimensionais e de etiologia complexa que engloba componentes como a ideação suicida (passiva e ativa), as tentativas de suicídio e o suicídio propriamente dito ^{( 6 )}. A ideação suicida se refere ao fenômeno de possuir diferentes níveis de pensamentos de retirar a própria vida, e pode variar desde pensamentos/desejos do fim da vida sem a preconcepção de um plano ou maneira para se alcançar tal objetivo (ideação passiva), a pensamentos intensos de morte autoprovocada com elaboração de um plano suicida (ideação ativa) ^{( 6 - 7 )}. O suicídio é um problema de saúde pública, sendo uma das principais causas de mortalidade entre a população jovem ^{( 8 )} que, geralmente, encontra-se inserida em processos formativos universitários de diferentes níveis ^{( 8 )}.

A ideação suicida possui considerável relevância clínica e epidemiológica por se tratar de uma precursora-chave para tentativas e mortes por suicídio, além de ser um importante marcador para outros problemas de saúde mental ^{( 9 )}. Inclusive, há crescente interesse de pesquisas dedicadas ao esclarecimento de como a ideação suicida pode evoluir para outras manifestações do comportamento suicida ^{( 10 )}. No contexto universitário, tem sido um problema de saúde prevalente entre estudantes da pós-graduação stricto sensu ^{( 4 - 5 )}. No entanto, registra-se a dificuldade de se comparar essas estimativas, principalmente pelas diversas janelas temporais sob as quais esse desfecho tem sido estudado (ao longo da vida, no último ano ou nas últimas duas semanas) ^{( 2 - 3 )}. Além disso, os estudos de saúde mental com pós-graduandos, em geral, recrutam amostras de alunos que ingressaram na pós-graduação em diferentes períodos e apresentam pouca diferença no panorama de saúde mental entre aqueles que estão em transição para essa modalidade de ensino e aqueles que já estão nela há mais tempo, o que torna improcedentes as conclusões sobre as relações associativas entre o processo formativo na pós-graduação e o adoecimento de seus estudantes ^{( 3 - 4 )}.

Assim, este estudo tem por objetivo identificar a prevalência fatores associados à ideação suicida passiva e ativa ao longo da vida de estudantes ingressantes na pós-graduação stricto sensu.

Método

Delineamento do estudo

Trata-se de estudo analítico e de delineamento transversal com dados da linha de base de um estudo longitudinal sobre fatores de risco e protetivos do adoecimento mental de pós-graduandos stricto sensu.

Local e período do estudo

O estudo foi conduzido em uma universidade pública federal de Cuiabá, Mato Grosso (MT), entre março e abril de 2021.

População, amostra e critérios de elegibilidade

A população do estudo compreendeu estudantes que ingressaram em cursos da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), sendo elegíveis todos aqueles que estavam iniciando a formação acadêmica e regularmente matriculados no primeiro semestre letivo de 2021 em quaisquer um dos 50 cursos stricto sensu dos três campi da universidade sede do estudo que oferecem esta modalidade de ensino. Dos três campi, apenas a sede oferecia cursos de mestrado (31) e doutorado (13), enquanto os do interior ofereciam apenas cursos de mestrado (respectivamente, 2 e 4 em cada um). Segundo a Pró-Reitoria de Ensino de Pós-Graduação da instituição, haviam 597 ingressantes nos cursos de pós-graduação no semestre de referência para este estudo, sendo 461 ingressantes nos cursos de mestrado e 136 ingressantes nos cursos de doutorado.

Desta forma, para estimativa amostral, considerou-se tamanho populacional de 597 ingressantes na pós-graduação, intervalo de confiança de 95%, erro amostral de 4% e proporção de desfecho de 50%, para garantir a maior estimativa amostral possível. Considerando-se os parâmetros acima, o tamanho amostral mínimo estimado foi de 299 participantes. Entretanto, foram recrutados 321 estudantes, a fim de mitigar efeitos de potenciais perdas de dados.

Variáveis de estudo e instrumentos

Para caracterização dos desfechos de ideação suicida passiva e ativa foram utilizadas questões do módulo de avaliação de comportamentos suicida da Composite International Diagnostic Interview (CIDI), validadas para o contexto brasileiro ^{( 11 )}, adaptadas para este estudo para forma autoaplicável.

Para identificar as características sociais da amostra, foi utilizado questionário autoaplicável elaborado pelos autores do estudo, contendo questões para identificação do sexo, idade, cor da pele autorreferida, status conjugal, orientação sexual, prática de fé, preocupação financeira atual e experiências de vitimização por violência interpessoal (física, sexual e psicológica), as quais foram avaliadas quanto à sua ocorrência no último ano, por meio de questões adaptadas do estudo prévio ^{( 12 )}.

Para caracterização de experiências acadêmicas na pós-graduação, utilizou-se um inventário ^{( 13 )} com Índice de Validade de Conteúdo igual a 0,93. O instrumento avalia o grau de concordância (concorda/não concorda) com a vivência de alguns potenciais estressores da pós-graduação stricto sensu como a percepção da qualidade de relacionamento interpessoal com orientador, colegas e professores; dificuldade com escrita científica e cobranças por produtividade.

Na caracterização psicológica e de aspectos relacionados à saúde mental, avaliou-se a autoestima mensurada por meio da Escala de Autoestima de Rosenberg, escala composta por 10 itens com respostas Likert de 4 pontos e que fornece escore final que varia de 0 a 30 pontos ^{( 14 )}.

O uso e abuso de substâncias foi avaliado por meio de questões próprias: consumo de álcool, tabaco e maconha nos últimos 30 dias (sim/não), além do abuso de álcool (sim/não) por meio do questionário CAGE (acrônimo referente às suas quatro perguntas - Cut down, Annoyed by criticism, Guilty e Eye-opener) ^{( 15 )}. Avaliou-se, também, a prática de atividade física diária, questionando-se o tempo médio, em minutos, da duração das atividades físicas realizadas nos últimos sete dias.

A fim de caracterizar as variáveis relacionadas à pandemia de coronavírus ou COVID-19, avaliou-se a percepção de medo da COVID-19 através da Escala de Medo da COVID-19 ^{( 16 )}, traduzida e adaptada para uso no Brasil ^{( 17 )}, e o status vacinal, o cumprimento de distanciamento/isolamento social, a preocupação com o atraso de atividades acadêmicas devido à pandemia, a autoavaliação da própria saúde mental durante a pandemia e o enquadramento em algum grupo de risco para a COVID-19.

Coleta de dados

Os dados foram coletados via formulário online, cujo link de acesso foi disponibilizado aos participantes por intermédio das coordenações dos cursos de pós-graduação da Universidade. Os estudantes elegíveis receberam carta-convite e o link nas primeiras duas semanas de coleta de dados, e aqueles que não se manifestaram tiveram o convite reiterado, respectivamente, na terceira e quinta semana de coleta. A fase de coleta durou 45 dias. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi disponibilizado e assinado de forma online pelo respondente que, após sua leitura, deveria selecionar a caixa de diálogo, indicando ciência do termo e seu aceite em participar do estudo. Nesta etapa, o participante era orientado a indicar um endereço de e-mail e/ou contato telefônico e essa informação foi utilizada como marcador de respostas/participações duplicadas. Como o estudo foi online, alguns cuidados foram tomados, por exemplo, avisar aos respondentes que o questionário poderia levar de quinze a vinte minutos para sua finalização, além de não ser necessário responder a quaisquer questões que gerassem desconforto, sendo, ainda, ressaltada a possibilidade de encerrar o estudo a qualquer momento sem nenhum tipo de ônus.

Tratamento e análise de dados

Os dados deste estudo foram analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 26.0. Na análise descritiva, apresentaram-se as frequências absoluta (FA) e relativa (FR) de cada categoria investigada, e, para as análises bi e multivariadas, utilizou-se Regressão de Poisson com estimação robusta para cada um dos desfechos principais do estudo separadamente. Na análise bivariada, reportou-se a razão de prevalência bruta (RP _b), com nível de significância estimado por meio do teste de Wald. Para construção do modelo múltiplo foram testadas todas as variáveis que apresentaram valor de p<0,20 na análise bivariada, tendo estas sido introduzidas simultaneamente, por meio da técnica backward ^{( 18 )}. As variáveis que apresentaram p>0,05 na análise múltipla foram removidas uma a uma, até restarem no modelo final apenas as variáveis que apresentaram valor de p<0,05, tendo-se apresentado suas razões de prevalência ajustadas (RP _a) e seus respectivos intervalos de confiança de 95%.

Aspectos éticos

Este estudo atendeu às normas nacionais de ética em pesquisa com seres humanos e à Resolução de Helsinki e foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa em Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) sob Parecer Consubstanciado 4.595.264 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética - CAAE: 42807420.0.0000.8124, de março de 2021.

Resultados

Participaram do estudo 321 estudantes ingressantes na pós-graduação stricto sensu no primeiro semestre letivo de 2021, sendo que a amostra se caracterizou pelo predomínio de estudantes do sexo feminino (72,6%), com idade média de 32,94 anos (±7,65), ingressantes em cursos de mestrado (86,6%) do campus principal (sede) da universidade (86,6%). A prevalência de ideação suicida passiva e ativa ao longo da vida foi de, respectivamente, 27,4% (n = 88) e 16,5% (n = 53).

Das variáveis sociais que, em análise bivariada, apresentaram valor de p < 0,20 para pelo menos um dos desfechos de interesse deste estudo, destaca-se que estudantes do sexo feminino, de orientações sexuais minoritárias (homossexuais, bissexuais e assexuais) que relataram vitimização por violência psicológica nos últimos 12 meses estiveram expostos a maior risco (p < 0,05), tanto para ideação suicida passiva quanto ativa. Ideação suicida passiva, também foi prevalente entre estudantes com idade mediana ≤ 32 anos (p = 0,037), enquanto ideação suicida ativa foi prevalente entre estudantes que declararam não possuir práticas de fé (p = 0,009) e aquelas vítimas de algum tipo de violência sexual nos últimos 12 meses (p = 0,006) conforme Tabela 1.

Tabela 1 -
Associação entre ideação suicida passiva/ativa e características sociais avaliadas em estudantes ingressantes da pós-graduação stricto sensu (n = 321). Cuiabá, MT, Brasil, 2021

	Ideação Suicida Passiva					Ideação Suicida Ativa
Características sociais	Sim	Não	RP b*	IC 95% †	Valor de p ‡	Sim	Não	RP b*	IC 95% †	Valor de p ‡
	n(%)	n(%)				n(%)	n(%)
Sexo
Feminino (n=233)	74(31,8%)	159(68,2%)	2,00	1,1-3,34	0,009	45(19,3%)	188(80,7%)	2,21	1,04-4,32	0,038
Masculino (n=88)	14(15,9%)	74(84,1%)	1,00			8(9,1%)	80(90,9%)	1,00
Orientação sexual
Minorias sexuais (n=68)	33(48,5%	35(51,5%)	2,23	1,59-3,13	<0,001	22(32,4%)	46(67,6%)	2,64	1,64-4,25	<0,001
Heterossexual (n=253)	55(21,7%)	198(78,3%)	1,00			31(12,3%)	222(87,7%)	1,00
Prática de fé
Não (n=72)	25(34,7%)	47(65,3%)	1,37	0,94-2,01	0,104	19(26,4%)	53(73,6%)	1,93	1,18-3,17	0,009
Sim (n=249)	63(25,3%)	186(74,7%)	1,00			34(13,7%)	215(86,3%)	1,00
Realiza atividade profissional durante a pós-graduação stricto sensu
Não (n=98)	37(37,8%)	61(62,2%)	1,65	1,16-2,34	0,005	25(25,5%)	73(74,5%)	2,03	1,25-3,30	0,004
Sim (n=223)	51(22,9%)	172(77,1%)	1,00			28(12,6%)	195(87,4%)	1,00
Vitimização por violência sexual
Sim (n=26)	11(42,3%)	15(57,7%)	1,62	0,99-2,64	0,053	9(34,6%)	17(65,4%)	2,32	1,28-4,20	0,006
Não (n=295)	77(26,1%)	218(73,9%)	1,00			44(14,9)	251(85,1%)	1,00
Vitimização por violência psicológica
Sim (n=147)	54(36,7%)	93(63,3%)	1,88	1,30-2,71	0,001	40(27,2%)	107(72,8%)	3,64	2,03-6,54	<0,001
Não (n=174)	34(19,5%)	140(80,5%)	1,00			13(7,5%)	161(92,5%)	1,00
Idade mediana
≤ 32 anos (n = 177)	57(32,2%)	120(67,8%)	1,50	1,02-2,18	0,037	35(19,8%)	142(80,2%)	1,58	0,94-2,67	0,086
> 33 anos (n=144)	31(21,5%)	113(78,5%)	1,00			18(12,5%)	126(87,5%)	1,00
Cor da pele autorreferida
Branca (n=140)	39(27,9%)	101(72,1%)	1,03	0,72-1,47	0,876	28(20,0%)	112(80,0%)	1,48	0,88-2,37	0,140
Não branca (n=181)	49(27,1%)	132(72,9%)	1,00			25(13,8%)	156(86,2%)	1,00

• ^*
  RP _b = Razão de prevalência bruta;
• ^†
  IC 95% = Intervalos de confiança de 95%;
• ^‡
  Valor de p <0,05 estimado por meio do teste de Wald

Em relação às variáveis acadêmicas, destaca-se que a ideação suicida ativa aconteceu com maior frequência entre os que não concordavam possuírem uma boa relação interpessoal com seus pares universitários (p = 0,038). Quanto às variáveis pandêmicas, nenhuma delas se associou estatisticamente ao nível de valor de p<0,05 com nenhum dos desfechos de ideação suicida (Tabela 2).

Tabela 2 -
Associação entre ideação suicida passiva/ativa e características contextuais (acadêmicas e relacionadas à pandemia de coronavírus) avaliadas em estudantes ingressantes da pós-graduação stricto sensu (n = 321). Cuiabá, MT, Brasil, 2021

	Ideação Suicida Passiva					Ideação Suicida Ativa
Características acadêmicas e relacionadas à pandemia de coronavírus	Sim	Não	RP b*	IC 95% †	Valor de p ‡	Sim	Não	RP b*	IC 95% †	Valor de p ‡
	n(%)	n(%)				n(%)	n(%)
Boa relação com orientador
Não concorda (n=20)	08(40,0%)	12(60,0%)	1,47	0,83-2,60	0,186	05(25,0)	15(75,0)	1,48	0,66-3,31	0,335
Não se aplica (n=22)	04(18,2%)	18(81,8%)	0,67	0,27-1,65	0,382	01(4,5%)	21(95,5)	0,27	0,04-1,86	0,184
Concorda (n=279)	76(27,2%)	203(72,8%)	1,00			47(16,8%)	232(83,2%)
Boa relação com pares
Não concorda (n=47)	18(38,3%)	29(61,7%)	1,46	0,96-2,21	0,078	13(27,7%)	34(72,3%)	1,78	1,03-3,07	0,038
Não se aplica (n=23)	04(17,4%)	19(82,6%)	0,66	0,26-1,65	0,376	01(4,3%)	22(95,7%)	0,28	0,04-1,94	0,198
Concorda (n=251)	66(26,3%)	185(73,7%)	1,00			39(15,5%)	212(84,5%)	1,00
Otimismo quanto a perspectivas futuras
Não concorda (n=67)	23(34,3%)	44(65,7%)	1,34	0,91-1,98	0,142	13(19,4%)	54(80,6%)	1,23	0,70-2,17	0,469
Concorda (n=254)	65(25,6%)	189(74,4%)	1,00			40(15,7%)	214(84,3%)	1,00
Relacionamento familiar prejudicado pelas demandas da pós-graduação
Não concorda (n=144)	46(31,9%)	98(68,1%)	1,38	0,94-2,03	0,096	26(18,2%)	117(81,8%)	0,95	0,58-1,57	0,856
Não se aplica (n=34)	09(26,5%)	25(73,5%)	1,15	0,61-2,16	0,672	02(5,9%)	32(94,1%)	0,32	0,08-1,30	0,111
Concorda (n=143)	33(23,1%)	110(76,9%)	1,00			25(17,4%)	119(82,6%)	1,00
Autoavaliação da saúde mental durante a pandemia
Piorou (n=252)	75(29,8%)	177(70,2%)	1,58	0,97-2,67	0,088	44(17,5%)	208(82,5%)	1,34	0,69-2,60	0,391
Não piorou (n=69)	13(18,8%)	56(81,2%)	1,00			9(13,0%)	60(87,0%)	1,00
Cumprimento de medidas de distanciamento social
Cumpre (n=249)	72(28,9%)	177(71,1%)	1,30	0,81-2,09	0,276	46(18,5%)	203(81,5%)	1,90	0,90-4,02	0,094
Não cumpre (n=72)	16(22,2%)	56(77,8%)	1,00			7(9,7%)	65(90,3%)	1,00

• ^*
  RP _b = Razão de prevalência bruta;
• ^†
  IC 95% = Intervalos de confiança de 95%;
• ^‡
  Valor de p <0,05 estimado por meio do teste de Wald

Na Tabela 3 estão apresentadas as características psicológicas e aquelas relacionadas à saúde mental, destacando que ideação suicida, passiva e ativa foram prevalentes entre estudantes que reportaram consumo de tabaco e maconha no último mês, apresentaram baixa autoestima e não realizavam ou realizavam atividade física diária em tempo ≤ 30 dias. Por sua vez, associação apenas com ideação suicida passiva foi observada somente entre estudantes com comportamento de abuso de álcool.

Tabela 3 -
Associação entre ideação suicida passiva/ativa e características psicológicas/relacionadas à saúde mental avaliadas em estudantes ingressantes da pós-graduação stricto sensu (n = 321). Cuiabá, MT, Brasil, 2021

	Ideação Suicida Passiva					Ideação Suicida Ativa
Características psicológicas/relacionadas à saúde mental	Sim	Não	RP b*	IC 95% †	Valor de p ‡	Sim	Não	RP b*	IC 95% †	Valor de p ‡
	n(%)	n(%)				n(%)	n(%)
Consumo de álcool no último mês
Sim (n=201)	54(26,9%)	147(73,1%)	0,95	0,66-1,36	0,775	29(14,4%)	172(85,6%)	0,72	0,44-1,18	0,193
Não (n=120)	34(28,3%)	86(71,7%)	1,00			24(20,0%)	96(80,0%)	1,00
Consumo de tabaco no último mês
Sim (n=43)	17(39,5%)	26(60,5%)	1,55	1,02-2,36	0,042	14(32,6%)	29(67,4%)	2,32	1,38-3,90	0,001
Não (n=278)	71(25,5%)	207(74,5%)	1,00			39(14,0%)	239(86,0%)	1,00
Consumo de maconha no último mês
Sim (n=26)	13(50,0%)	13(50,0%)	1,97	1,28-3,03	0,002	10(38,5%)	16(61,5%)	2,64	1,51-4,62	0,001
Não (n=295)	75(25,4%)	220(74,6%)	1,00			43(14,6%)	252(85,4%)	1,00
Abuso de álcool
Sim (n=33)	18(54,5%)	15(45,5%)	2,24	1,55-3,26	<0,001	09(27,3%)	24(72,7%)	1,78	0,96-3,32	0,067
Não (n=288)	70(24,3%)	218(75,7%)	1,00			44(15,3%)	244(84,7%)	1,00
Autoestima
Baixa autoestima (n=157)	27(50,9%)	26(49,1%)	2,24	1,59-3,16	<0,001	16(30,2%)	37(69,8%)	2,19	1,32-3,63	0,002
Alta autoestima (n=164)	61(22,8%)	207 (77,2%)	1,00			37 (13,8%)	231(86,2)	1,00
Tempo de atividade física diária
≤ 30 minutos/dia (n=166)	61(36,7%)	105(63,3%)	2,11	1,42-3,14	<0,001	40(24,1%)	126(75,9%)	2,87	1,60-5,16	<0,001
> 30 minutos/dia (n=155)	27(17,4%)	128(82,6%)	1,00			13(8,4%)	142(91,6%)	1,00

• ^*
  RP _b = Razão de prevalência bruta;
• ^†
  IC 95% = Intervalos de confiança de 95%;
• ^‡
  Valor de p <0,05 estimado por meio do teste de Wald

Resultados da análise multivariada para ideação suicida passiva foram apresentados na Tabela 4. O modelo demonstra que estudantes do sexo feminino (RP _a = 2,44; p<0,001), de orientações sexuais minoritárias (RP _a = 2,36; p<0,001), que apresentaram comportamento de abuso de álcool (RP _a =2,01; p<0,001), que realizavam atividade física por períodos ≤ 30 minutos/dia (RP _a = 1,97; p<0,001), discordaram possuir relacionamento familiar prejudicado pelas demandas da pós-graduação stricto sensu (RP _a = 1,91; p<0,001), com histórico de vitimização por algum tipo de violência psicológica nos últimos 12 meses (RP _a =1,85; p< 0,001), apresentaram baixa autoestima (RP _a = 1,60; p = 0,005) e reportaram que estiveram mais propensos a reportar ideação suicida passiva ao longo da vida.

Tabela 4 -
Análise multivariada com estimação robusta de fatores associados à ideação suicida passiva em estudantes iniciantes da pós-graduação stricto sensu (n = 321). Cuiabá, MT, Brasil, 2021

Variável	Categoria	RP a*	IC95% †	Valor de p ‡
Sexo	Feminino	2,44	1,56-3,81	<0,001
	Masculino	1,00
Orientação sexual	Minoria sexual	2,36	1,76-3,25	<0,001
	Heterossexual	1,00
Abuso de álcool	Sim	2,01	1,43-2,83	<0,001
	Não	1,00
Tempo de atividade física diária	≤30 minutos/dia	1,97	1,38-2,80	<0,001
	>30 minutos/dia	1,00
Relacionamento familiar prejudicado pelas demandas da pós-graduação stricto sensu	Não concorda	1,91	1,35-2,72	<0,001
	Concorda	1,00
Vitimização por violência psicológica	Sim	1,85	1,32-2,59	<0,001
	Não	1,00
Autoestima	Baixa autoestima	1,60	1,15-2,23	0,005
	Alta autoestima	1,00

• ^*
  RP _a = Razões de prevalência ajustadas;
• ^†
  IC 95% = Intervalos de confiança de 95%;
• ^‡
  Valor de p <0,05

A Tabela 5 apresenta resultados da análise multivariada para ideação suicida ativa. É possível notar que quatro características que se mostraram predisponentes para ideação suicida passiva também foram consideradas fatores de risco na análise ajustada para ideação suicida ativa (orientações sexuais minoritárias, sexo feminino, tempo de atividade física diário inferior a 30 minutos/dia e vitimização por violência psicológica nos últimos 12 meses).

Além desses fatores, estudantes que reportaram consumo de maconha nos últimos 30 dias (RP _a = 2,28; p = 0,001) e que não concordavam possuírem um bom relacionamento interpessoal com seus pares acadêmicos (RP _a = 2,00; p = 0,001) apresentaram maior prevalência de ideação suicida ativa. Demonstra-se, ainda, que realizar atividade profissional em concomitância com as demandas da pós-graduação stricto sensu atuou mitigando a prevalência de ideação suicida ativa nessa amostra de estudantes (RP _a = 0,63, p = 0,045).

Tabela 5 -
Análise multivariada com estimação robusta de fatores associados à ideação suicida ativa em estudantes ingressantes da pós-graduação stricto sensu (n = 321). Cuiabá, MT, Brasil, 2021

Variável	Categoria	RP a*	IC95% †	Valor de p ‡
Orientação sexual	Minoria sexual	4,08	2,60-6,42	<0,001
	Heterossexual	1,00
Vitimização por violência psicológica	Sim	3,41	1,94-6,01	<0,001
	Não	1,00
Tempo de atividade física diária	≤30 minutos/dia	3,00	1,76-5,13	<0,001
	>30 minutos/dia	1,00
Sexo	Feminino	2,37	1,36-4,15	0,002
	Masculino	1,00
Consumo de maconha nos últimos 30 dias	Sim	2,28	1,41-3,69	0,001
	Não	1,00
Bom relacionamento com pares	Não concorda	2,00	1,31-3,06	0,001
	Concorda	1,00
Atividade profissional durante a pós-graduação stricto sensu	Sim	0,63	0,40-0,99	0,045
	Não	1,00

• ^*
  RP _a = Razões de prevalência ajustadas;
• ^†
  IC 95% = Intervalos de confiança de 95%;
• ^‡
  Valor de p <0,05

Discussão

Esse estudo avaliou a prevalência de ideação suicida passiva e ativa ao longo da vida em estudantes ingressantes na pós-graduação stricto sensu de uma universidade pública brasileira e encontrou evidências de que esses sujeitos apresentaram prevalências dos desfechos mais elevadas do que as esperadas para outros grupos populacionais. A prevalência de ideação suicida passiva (27,4%) e ativa (16,5%) ao longo da vida entre pós-graduandos excedeu as estimativas para a população geral (respectivamente, 9,2% e 3,1%) ^{( 19 )}.

Apesar de alarmantes, as altas prevalências de diferentes manifestações do espectro de ideação suicida entre pós-graduandos já haviam sido pontuadas previamente em outros estudos, demonstrando prevalência de ideação suicida passiva ao longo da vida, variando de 25,7% ^{( 20 )} a 32,2% ^{( 21 )} e ideação suicida ativa ao longo da vida em pós-graduandos brasileiros, estimada em 19,4% ^{( 21 )}.

A análise de regressão múltipla para cada um dos desfechos de ideação suicida avaliados demonstrou, nos modelos finais adotados, que algumas características da amostra se associaram significativamente com ambos os fenômenos, corroborando a constatação do compartilhamento de similitudes entre os diferentes espectros de ideação suicida ^{( 22 )}. Orientações sexuais minoritárias, sexo feminino, relato de vitimização por violência psicológica nos últimos 12 meses e média diária de realização da atividade física ≤30 minutos foram características compartilhadas tanto entre estudantes com histórico de ideação passiva quanto ativa, entretanto, as razões de prevalência dessas variáveis entre os estudantes que reportaram ideação ativa foram consideravelmente mais elevadas neste estudo.

As diferentes manifestações do comportamento suicida, bem como a transição da ideação suicida passiva para ativa, frequentemente têm sua etiologia associada à ocorrência de circunstâncias/eventos desencadeantes que, em geral, carregam consigo grande carga estressogênica ou, ainda, exacerbação de sofrimentos mentais/problemas de saúde mental ^{( 6 , 23 )}. Tais condições podem se relacionar aos achados deste estudo, já que se observou maior prevalência destes desfechos entre mulheres, pessoas de orientações sexuais minoritárias, bem como vítimas de violência psicológica.

A sociedade sempre imputou às mulheres a necessidade de desempenharem múltiplos e diferentes papéis sociais em sua vida cotidiana, como a responsabilidade de cuidado com filhos, idosos, e atividades domésticas, o que pode ser altamente desgastante física e psiquicamente quando elas necessitam conciliar essas demandas com atividades de desenvolvimento pessoal, profissional ou acadêmico ^{( 24 - 25 )}. Essa miríade de funções realizadas e cobradas concomitantemente pode levar a conflito de papéis e suas repercussões psíquicas negativas que, aliados ao tempo e energia necessários para gerir todas essas demandas específicas, torna-se propícia à instalação de um panorama que, inevitavelmente, conduzirá ao distresse e sofrimento mental e, em última análise, desencadear a manifestação de pensamentos suicidas ^{( 24 )}.

Em uma perspectiva similar, principalmente no que tange ao efeito somativo da vivência de eventos estressores ao longo de sua história de vida, a literatura tem consistentemente apontado indivíduos de orientações sexuais minoritárias sob maior risco de reportarem ideação suicida quando comparados com seus pares heterossexuais ^{( 26 - 27 )}. Enquanto tentam se inserir no contexto acadêmico da pós-graduação, muitos estudantes de orientações sexuais minoritárias devem mobilizar energia adaptativa para lidar, além dos estressores acadêmicos, com a estigmatização, discriminação, preconceito, rejeição, homofobia, transfobia e outras formas de agressões ^{( 28 )} tanto na academia quanto em sua vida extrauniversidade. Além disso, uma metanálise para caracterização do fenômeno da ideação suicida passiva e comparações com ideação ativa destaca a relevância da relação entre orientações sexuais minoritárias e esse desfecho por consistir, dentre as variáveis sociodemográficas analisadas, aquela com maior magnitude de efeito ^{( 29 )}.

Associações entre vitimização pelas diferentes formas de violência interpessoal e pensamentos suicidas em diferentes gradações têm sido robustamente reportadas na literatura ^{( 30 - 31 )}. Apesar desta marcante relação, a vitimização por violência interpessoal, inclusive a psicológica, não parece ser um fator diretamente associado à etiologia da ideação suicida, mas, sim, um fator distal que impacta na manifestação deste tipo de pensamento mediado por fatores mais proximais, causados pela vitimização, como, por exemplo, a sintomatologia depressiva, sintomas somáticos e o uso de substâncias psicoativas ^{( 27 )}. Porém, vale ressaltar que a vitimização por violência interpessoal pode gerar sequelas físicas e psicológicas graves que podem resultar em sofrimento mental e a manifestação de pensamentos suicidas ^{( 31 )}.

Evidências compiladas em estudo de revisão sistemática com metanálise apontam a prática de atividade física como uma intervenção promissora para mitigação de ideação suicida ^{( 32 - 33 )}, apesar de ainda ser incerto quais os tipos e doses (duração) ideais para obter tal efeito ^{( 30 )}. Em contrapartida, há mais evidências de que o comportamento sedentário prejudica a saúde mental das pessoas ^{( 34 )}, uma perspectiva de acordo com os achados deste estudo, em que se evidenciou que tanto a ideação suicida ativa quanto a passiva são mais comuns em indivíduos que não praticavam atividade física ou faziam poucas vezes (≤30 min/dia) ^{( 34 )}.

Vale destacar que o estilo de vida sedentário é associado ao aumento do distresse psicológico, bem como ao aumento do sentimento de desesperança, importante fator desencadeante de comportamento suicida ^{( 35 )}. Além disso, é importante destacar a alta prevalência de estudantes com sintomas compatíveis com depressão nessa amostra, sendo a inércia e o sedentarismo manifestações comuns desta condição ^{( 36 )}.

Referente às similitudes compartilhadas entre ideação passiva e ativa ao ingresso na pós-graduação, cada um destes desfechos apresentou fatores únicos associados à sua prevalência, aproximando-se dos achados do estudo realizado com idosos chineses, em que fatores associados à ideação suicida passiva, ativa e tentativas de suicídio diferiram entre cada um destes desfechos ^{( 6 )}.

Em relação à ideação passiva, estudantes com baixa autoestima, em abuso de álcool e que não tiveram relacionamento familiar prejudicado pelas demandas da pós-graduação apresentaram maiores prevalências deste desfecho. Por não estarem associados à ideação suicida ativa, esses achados podem sugerir que esses elementos se encontram, de algum modo, relacionados ao desencadeamento de pensamentos suicidas passivos, mas podem não ser importantes fatores na transição da ideação passiva para a ativa ^{( 18 )}, ao menos nesta amostra.

Baixa autoestima é um recorrente fator de risco para a ideação suicida e acredita-se que a recorrência de uma visão pessimista acerca de perspectivas futuras e predominância de percepção de menos valia possam associar-se à ocorrência dos pensamentos suicidas ^{( 37 )}.

Em relação à pós-graduação stricto sensu, apesar de esta não ser uma constatação consensual na literatura, reconhece-se o ingresso nesse nível acadêmico como um período conturbado e de vulnerabilidade para o estudante ^{( 38 - 39 )}, principalmente no que tange à sua autoestima. Nesse período transicional, os estudantes encontram-se inclinados a realizar comparações sociais para avaliar seu próprio valor, sendo que tais comparações nem sempre são salutares, podendo acentuar uma série de sentimentos negativos, como menos valia, baixa autoestima e baixo pertencimento social ^{( 40 )}.

O uso de substâncias psicoativas, entre elas consumo/abuso de álcool e maconha, tem sido documentado como um grave problema de saúde pública entre adultos jovens, inclusive entre aqueles inseridos no ambiente universitário, repercutindo tanto em problemas acadêmicos quanto de saúde física e mental ^{( 41 )}. Em estudo prévio realizado com população similar e no mesmo contexto regional, encontrou-se alta prevalência (40,17%) de abuso de álcool entre pós-graduandos ^{( 42 )}.

Os estudantes desta amostra que não concordaram que as demandas da pós-graduação prejudicavam as relações familiares, ao contrário dos que percebiam algum impacto negativo, podem ser explicados pela ausência de outros fatores que podem afetar a dinâmica familiar, que não foi contemplada neste estudo. Além disso, é importante ressaltar que durante a coleta de dados a inserção nesta modalidade de ensino havia ocorrido há menos de 45 dias.

A relação entre qualidade das relações familiares e comportamento suicida tem sido tópico recorrente e bem documentado na literatura, cujas evidências disponíveis têm demonstrado que dinâmicas familiares ruins ou conflituosas associam-se à maior prevalência de desfechos do comportamento suicida ^{( 43 - 44 )}, principalmente porque essas relações acabam se comportando como uma fonte importante de distresse, além de não atuarem como mecanismos de rede de apoio que poderiam auxiliar na mitigação do sofrimento mental e busca de ajuda no caso da manifestação de pensamentos suicidas, por exemplo ^{( 44 )}.

Algumas variáveis desta investigação foram associadas apenas à ideação suicida ativa ao longo da vida, sendo elas o consumo de maconha nos últimos 30 dias, não concordância de bom relacionamento interpessoal com seus pares acadêmicos e realização de atividade profissional em concomitância com as demandas da pós-graduação, caracterizando-se esta última com fator de proteção nesta análise. Apesar desta associação encontrada, a confirmação de que essas variáveis contribuem para o processo transicional da ideação passiva para a sua forma ativa, bem como os mecanismos como isso de fato ocorre, ainda são incipientes, e estudos futuros nesta perspectiva precisam ser operacionalizados.

O uso de maconha é associado à ideação suicida, em particular, ao uso frequente desta substância ^{( 45 - 46 )}, cujo consumo pode afetar características psicopatológicas relacionadas ao aumento de pensamentos suicidas ^{( 47 - 46 )}. Além disso, é possível que os estudantes com histórico de ideação suicida ativa e comportamento suicida de maior severidade façam consumo de maconha como uma estratégia de coping negativa para reduzir o sofrimento mental ^{( 45 - 47 )}.

Relações interpessoais de boa qualidade com pares acadêmicos se caracterizam como um importante fator relacional na vivência da pós-graduação stricto sensu, e que possui potencial para predizer melhores indicadores de sucesso acadêmico, inclusive, de saúde mental ^{( 48 )}. Em estudo com ingressantes em programas de doutoramento, a interação com pares acadêmicos foi preditor consistente de desfechos emocionais e experienciais como o senso de pertencimento e satisfação com desempenho acadêmico ^{( 48 )}. Julga-se importante reforçar que os dados foram coletados durante período pandêmico, no qual as aulas presenciais estavam suspensas, encontrando-se em vigência apenas as atividades de ensino e pesquisa na modalidade remota, sendo que todas as interações sociais acadêmicas, seja com professores, orientadores, seja com colegas ocorreram mediados exclusivamente por tecnologias virtuais.

Dos fatores associados encontrados neste estudo, o único que caracterizou como fator protetivo, foi o status laboral “empregado durante o início da formação stricto sensu”. Estar empregado, apesar dos potenciais efeitos negativos do estresse laboral na saúde mental, é notoriamente um fator protetivo para o comportamento suicida ^{( 49 - 50 )}. Indivíduos empregados, que conseguem manter uma renda mensal regular, independentemente das suas condições de trabalho, podem sentir-se seguros financeiramente, repercutindo positivamente na sua percepção de bem-estar, minimizando o sofrimento mental e pensamentos suicidas ^{( 49 - 50 )}.

O desenho transversal impossibilita o estabelecimento de nexos causais entre as variáveis estudadas. Por mais que se tenha agregado uma série de variáveis a este estudo, não foi possível controlar as análises para todas as características sociais, demográficas e acadêmicas da amostra, o que, agregado à natureza observacional da investigação, aumenta a possibilidade de ocorrência de confusão residual. Por fim, destacamos as limitações referentes ao tamanho amostral que, por mais que seja representativa da população local estudada, pode gerar o incremento de erro tipo II em determinadas análises multivariadas.

Acredita-se que os resultados deste trabalho podem auxiliar enfermeiros e outros profissionais de saúde mental a melhor compreender as diferentes facetas da ideação suicida e suas manifestações em estudantes de pós-graduação, além de fornecer subsídios para a tomada de decisão clínica para prevenção do fenômeno. Vale enfatizar que a identificação precoce da ideação suicida é uma via de cuidado em saúde importante para a prevenção de suicídio. Desse modo, os achados deste estudo podem auxiliar a construção de políticas universitárias voltadas à promoção de saúde mental com foco na redução dos efeitos dos pensamentos suicidas.

Conclusão

Foi identificado alto percentual de estudantes ingressantes na pós-graduação stricto sensu com histórico de ideação suicida passiva e/ou ativa. Na análise de fatores associados, verificou-se que estudantes de orientações sexuais minoritárias, do sexo feminino, com histórico de vitimização por violência psicológica nos últimos 12 meses e que não realizavam ou realizavam tempo de atividade física diária ≤ 30 minutos/dias estavam sob maior risco para histórico tanto de ideação suicida passiva quanto ativa ao longo da vida. Além disso, baixa autoestima, abuso de álcool, e não possuir relacionamento familiar prejudicado pelas demandas da pós-graduação foram fatores associados unicamente ao histórico de ideação suicida passiva, enquanto o consumo de maconha no último mês, não concordar que possui bom relacionamento interpessoal com pares acadêmicos e exercer atividade profissional concomitante à pós-graduação foram fatores associados ao histórico de ideação suicida ativa, sendo esta última caracterizada como fator protetivo.

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• Como citar este artigo

  Kogien M, Marcon SR, Modena CF, Bittencourt MN, Rézio LA, Faria JS. Prevalence and correlates of passive and active suicidal ideation among students entering graduate courses Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2023;31:e3981 [cited ano mês dia]. Available from: URL . https://doi.org/10.1590/1518-8345.6581.3981
• Todos os autores aprovaram a versão final do texto.

Editado por

Editora Associada:

Sueli Aparecida Frari Galera

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Set 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  24 Nov 2022
• Aceito
  06 Jun 2023