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PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS ÀS INTENÇÕES DE PATERNIDADE EM HOMENS COM HIV/AIDS EM FORTALEZA, CEARÁ

Resumos

Objetivou-se analisar a prevalência e os fatores associados às intenções de paternidade em 162 homens com HIV/Aids em Fortaleza, Ceará. A coleta de dados ocorreu de junho a setembro de 2012, por meio de questionário, aplicado em ambulatórios de referência. Para a análise, utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson e o modelo de regressão logística. Tinham intenção de ter filho, 41,4%. Idade inferior a 35 anos (p<0,001), querer filho antes do diagnóstico (p<0,001), tempo do relacionamento inferior a cinco anos (p=0,022), parceiro querer filho (p<0,001), não ter filho com parceiro (p=0,047), parceiro não ter filho (p=0,032) e tempo de terapia superior a três anos (p=0,030), apresentaram associação estatisticamente significativa para homens desejarem filhos. Na análise multivariada, querer filho antes do diagnóstico (p=0,004; OR: 9,81; IC:1,84-52,20) e parceiro desejar filho (p<0,001; OR:9,72; IC:3,48-27,12) se mantiveram estatisticamente significativas. A intenção de paternidade permanece em muitos homens mesmo após o diagnóstico de HIV/Aids.

HIV; Paternidade; Saúde sexual e reprodutiva; Fertilidade


The aim of this study was to analyze the prevalence and factors associated with paternity intention in 162 men with HIV/AIDS in Fortaleza, Ceará. Data were collected from June to September 2012 using a questionnaire in reference outpatient centers. Pearson's chi-squared test and logistic regression model were used for analysis. In all, 41.4% of men had the intention to have children. Age <35 years (p<0.001), desire to have children before diagnosis (p<0.001), relationship for less than five years (p=0.022), partner's desire to have children (p<0.001), having no children with the partner (p=0.047), partner without children (p=0.032) and therapy for more than three years (p=0.030) presented significant statistical association with men's desire to have children. In the multivariate analysis, the desire to have children before diagnosis (p=0.004; OR:9.81; CI:1.84-52.20) and partner's desire to have children (p<0.001; OR:9.72; CI:3.48-27.12) remained statistically significant. Many men still intend to be fathers even after the HIV/AIDS diagnosis.

HIV; Paternity; Sexual and reproductive health; Fertility


Se objetivó analizar la prevalencia y factores asociados con intenciones de paternidad en 162 hombres con VIH/SIDA en Fortaleza, Ceará. Los datos fueron recopilados entre junio y septiembre de 2012 utilizando un cuestionario en ambulatorios de referencia. Se utilizó Prueba χ² de Pearson y modelo de regresión logística para análisis. Tenían la intención de tener hijos, 41.4%. Menores de 35 años (p<0,001), deseo de tener hijos antes del diagnóstico (p<0,001), relación < cinco años (p=0,022), deseo de pareja de tener hijos (p<0,001), no tener un hijo con su pareja ( p=0,047), pareja no tener hijos (p=0,032) y terapia > tres años (p=0,030) se asociaron con el deseo de tener hijos. En el análisis multivariante, deseo de tener hijos antes del diagnóstico (p=0,004; OR:9,81; IC:1,84-52,20) y deseo de pareja de tener hijos (p<0,001; OR:9,72; IC:3,48-27.12) se mantuvo estadísticamente significativa. Intención de paternidad se mantuvo en muchos hombres incluso después del diagnóstico de VIH/SIDA.

VIH; Paternidad; Salud sexual y reproductiva; Fertilidad


INTRODUÇÃO

A infecção pelo HIV/Aids ainda se configura como um complexo problema de saúde pública, apesar dos avanços conquistados em relação à prevenção e ao tratamento. Até o final de 2013, 35 milhões de pessoas viviam com HIV no mundo, sendo 3,2 milhões de crianças e 2,1 milhões de adolescentes.11. Joint United Nations Program on HIV/AIDS (UNAIDS). The Gap Report. Geneva: UNAIDS/WHO; 2014 [acesso 2015 Mar 20]. Disponível em: http://www.unaids.org/sites/default/files/en/media/unaids/contentassets/documents/unaidspublication/2014/UNAIDS_Gap_report_en.pdf
http://www.unaids.org/sites/default/file...
A maioria das pessoas que vivem com HIV estão em plena atividade sexual e reprodutiva.22. Demissie DB, Tebeje B, Tesfaye T. Fertility desire and associated factors among people living with HIV attending antiretroviral therapy clinic in Ethiopia. BMC Pregnancy Childbirth. 2014 Nov 20; 14: 382. Por esse motivo, mantêm a intenção e concretizam o desejo de ter filhos, o que levou a questão da maternidade/paternidade a merecer atenção dos serviços de saúde.

Historicamente, as mulheres sempre foram mais responsáveis pelas questões reprodutivas, entretanto, ao longo dos últimos anos, essa situação vem se modificando e o homem passou a ser sujeito ativo nesse processo.33. Withers M, Dworkin S, Harrington E, Kwena Z, Onono M, Bukusi E, et al. Fertility intentions among HIV-infected, sero-concordant Kenyan couples in Nyanza Province, Kenya. Cult Health Sex. 2013 Jul; 15(10):1175-90. A intenção de ter filhos está presente na vida das pessoas, independente do sexo,33. Withers M, Dworkin S, Harrington E, Kwena Z, Onono M, Bukusi E, et al. Fertility intentions among HIV-infected, sero-concordant Kenyan couples in Nyanza Province, Kenya. Cult Health Sex. 2013 Jul; 15(10):1175-90.-44. Mindry DL, Crankshaw TL, Maharaj P, Munthree C, Letsoalo T, Milford C, et al. We have to try and have this child before it is too late": missed opportunities in client-provider communication on reproductive intentions of people living with HIV. AIDS Care. 2015 Sep; 27(1):25-30. e de viver com HIV.55. Matthews LT, Crankshaw T, Giddy J, Kaida A, Smit JA, Ware NC, et al. Reproductive decision-making and periconception practices among HIV-positive men and women attending HIV services in Durban, South Africa. AIDS Behav. 2013 Feb; 17(2):461-70.-66. Cook R, Hayden R, Weiss SM, Jones DL. Desire for fertility among HIV-seroconcordant and-discordant couples in Lusaka, Zambia. Cult Health Sex. 2014 May; 16(7):741-51. Ocorre que, quando uma pessoa com HIV/Aids expressa essa intenção, geralmente a ideia não é muito aceita, gerando polêmica inclusive entre os profissionais de saúde, que têm dificuldade de compreendê-la como um direito que deve ser respeitado e considerado pelas políticas públicas.44. Mindry DL, Crankshaw TL, Maharaj P, Munthree C, Letsoalo T, Milford C, et al. We have to try and have this child before it is too late": missed opportunities in client-provider communication on reproductive intentions of people living with HIV. AIDS Care. 2015 Sep; 27(1):25-30.

Essa mudança em relação ao desejo de ter filhos em pessoas que vivem com o HIV/Aids ocorreu muito em função do advento da terapia antirretroviral. O uso da terapia, além aumentar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida, fez com que muitas pessoas com HIV passassem a elaborar projetos para o futuro, dentre eles, planejar ter filho.44. Mindry DL, Crankshaw TL, Maharaj P, Munthree C, Letsoalo T, Milford C, et al. We have to try and have this child before it is too late": missed opportunities in client-provider communication on reproductive intentions of people living with HIV. AIDS Care. 2015 Sep; 27(1):25-30.,77. Crankshaw TL, Matthews LT, Giddy J, Kaida A, Ware NC, Smit JA, et al. A conceptual framework for understanding HIV risk behavior in the context of supporting fertility goals among HIV-serodiscordant couples. Reprod Health Matters. 2012 Dec; 20(39 Suppl):50-60. Estudos têm mostrado também a eficácia da terapia antirretroviral na redução da transmissão vertical (TV) quando usada durante a gestação de mulheres com HIV.88. Leal AF, Roese A, Sousa AS. Medidas de prevenção da transmissão vertical do HIV empregadas por mães de crianças o positivas. Invest Educ Enferm. 2012 Mar; 30(1):44-54.-99. Kupek E, Oliveira JF. Transmissão vertical do HIV, da sífilis e da hepatite B no município de maior incidência de AIDS no Brasil: um estudo populacional no período de 2002 a 2007. Rev Bras Epidemiol. 2012 Set; 15(3):478-87.

Estar com HIV, apesar de acarretar profundas implicações no processo de concepção,33. Withers M, Dworkin S, Harrington E, Kwena Z, Onono M, Bukusi E, et al. Fertility intentions among HIV-infected, sero-concordant Kenyan couples in Nyanza Province, Kenya. Cult Health Sex. 2013 Jul; 15(10):1175-90. não tem sido impedimento para que se concretize a vontade de ter um filho.1010. Ngure K, Baeten JM, Mugo N, Curran K, Vusha S, Heffron R, et al. My intention was a child but I was very afraid: fertility intentions and HIV risk perceptions among HIV-serodiscordant couples experiencing pregnancy in Kenya. AIDS Care. 2014 Apr; 26(10):1283-7. Entretanto, apesar da melhoria na qualidade de vida e considerável redução na TV após a introdução da terapia antirretroviral, a maternidade/paternidade em pessoas com HIV ainda é uma situação preocupante devido às barreiras no acesso às medidas profiláticas necessárias para evitar a TV.33. Withers M, Dworkin S, Harrington E, Kwena Z, Onono M, Bukusi E, et al. Fertility intentions among HIV-infected, sero-concordant Kenyan couples in Nyanza Province, Kenya. Cult Health Sex. 2013 Jul; 15(10):1175-90.

Para que o processo de reprodução ocorra em circunstâncias seguras, ou seja, livre do HIV, os direitos reprodutivos devem ser respeitados e estratégias disponibilizadas, visando garantir o diagnóstico precoce e as condições necessárias para o acompanhamento adequado. Por outro lado, as pessoas devem estar cientes da possibilidade da TV, pois essa decisão deve ser tomada da forma mais segura e consciente possível.33. Withers M, Dworkin S, Harrington E, Kwena Z, Onono M, Bukusi E, et al. Fertility intentions among HIV-infected, sero-concordant Kenyan couples in Nyanza Province, Kenya. Cult Health Sex. 2013 Jul; 15(10):1175-90.

Em geral, os estudos que desenvolveram a temática da concepção em pessoas com HIV/Aids são escassos e envolveram mais as mulheres ou o casal. Diante da complexidade e da relativa escassez de estudos que envolveram a intenção de ter filhos em homens com HIV, esse estudo teve por objetivo analisar a prevalência e os fatores associados às intenções de paternidade em homens com HIV/Aids em Fortaleza, Ceará.

MÉTODOS

Pesquisa de corte transversal realizada em Fortaleza, em dois ambulatórios de hospitais de referência para o atendimento de pessoas com HIV/Aids, um vinculado à Secretaria de Saúde do Estado e o outro à Universidade Federal do Ceará (UFC). Essas instituições foram selecionadas por serem responsáveis por 93% das notificações e acompanhamento dos casos de HIV/Aids em Fortaleza.1111. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Boletim Epidemiológico: Aids, sífilis em gestantes e transmissão vertical da sífilis e do HIV. Fortaleza (CE): Prefeitura Municipal; 2009.

A população do estudo foi composta por homens com HIV/Aids que se encontravam em acompanhamento ambulatorial nos referidos hospitais, independente do tempo de tratamento.

A amostra foi calculada considerando um total de 3115 casos de Aids em pessoas maiores de 20 anos residentes em Fortaleza, entre os anos de 2000 e 2008,1111. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Boletim Epidemiológico: Aids, sífilis em gestantes e transmissão vertical da sífilis e do HIV. Fortaleza (CE): Prefeitura Municipal; 2009. prevalência de gravidez em mulheres com HIV de 6,9%,1212. Friedman RK, Bastos FI, Leite IC, Veloso VG, Moreira RI, Cardoso SW, et al. Pregnancy rates and predictors in women with HIV/AIDS in Rio de Janeiro, Southeastern Brazil. Rev Saúde Pública. 2011 Apr; 45(2):373-81. intervalo de confiança de 99% e erro amostral de 5%. A amostra necessária foi de 162 homens. Para o cálculo da amostra foram consideradas as notificações de casos de Aids em homens na faixa etária acima de 20 anos e em mulheres na idade fértil (20 a 49 anos) na cidade de Fortaleza.1111. Prefeitura Municipal de Fortaleza. Boletim Epidemiológico: Aids, sífilis em gestantes e transmissão vertical da sífilis e do HIV. Fortaleza (CE): Prefeitura Municipal; 2009.

Os anos de 2000 a 2008 foram incluídos devido à disponibilização pelo SUS da terapia antirretroviral, o que garantiu o acesso ao tratamento às pessoas que vivem com HIV/Aids. A amostra foi distribuída proporcionalmente entre os dois serviços, considerando-se o percentual de notificações.

Foram incluídos no estudo homens com diagnóstico de HIV/Aids, independente de ter parceiro(a) e da orientação sexual; com idade igual ou superior a 18 anos. Foram excluídos aqueles que já tinham se submetido à vasectomia.

A coleta de dados ocorreu no período de junho a setembro de 2012 por meio de um questionário aplicado pela pesquisadora, juntamente com duas bolsistas do curso de graduação em Enfermagem, devidamente treinadas. O questionário constava de variáveis sóciodemográficas, comportamentais, dados do diagnóstico e tratamento do HIV/Aids, dados do parceiro sexual e do serviço de saúde, e questões que abordavam a intenção de ter filho. Os homens foram convidados a participar do estudo enquanto aguardavam atendimento ambulatorial. Caso aceitassem, eram conduzidos a um local privativo para a aplicação do questionário.

Os dados foram processados no Programa Estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.0. Foi realizada uma análise descritiva utilizando a distribuição de frequências para as variáveis categóricas e cálculo de média e desvio padrão para as variáveis numéricas. Na análise bivariada, utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher, quando pertinente, para analisar associações estatísticas, estabelecendo um nível de significância de 5% e intervalo de confiança de 95%. Em seguida, aquelas com valor de p<0,05 foram analisadas no programa Data Analysis and Statistical Software (STATA), versão 11.0, utilizando-se o modelo de regressão logística multivariada. Como variável dependente foi definida a intenção de ter filho em homens com diagnóstico de HIV/Aids.

Os aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos foram respeitados, conforme as recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São José de Doenças Infecciosas, com o parecer de n. 047/2008 e do Comitê do Hospital Universitário Walter Cantídio, com o parecer de n. 042.06.12. Somente após a anuência do entrevistado e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, iniciou-se a coleta de dados.

RESULTADOS

Dos 162 homens entrevistados, 67 (41,4%) referiram intenção de ter filho e, destes, 53 (79,1%) relataram que o principal motivo era o desejo de constituir família.

A idade variou de 18 a 67 anos (média:39,7; DP:10,2) e a maioria tinha mais de 40 anos (48,8%). Tinham dez ou mais anos de estudo, 89 (54,9%); referiram ter uma religião, 156 (96,3%); exerciam atividade remunerada, 91 (56,2%); iniciaram a vida sexual com idade igual ou inferior a 18 anos, 143 (88,3%); e mantinham-se sexualmente ativos, 120 (74,1%) (Tabela 1).

Tabela 1
- Dados sociodemográficos de homens com HIV/Aids acompanhados em ambulatórios de referência. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2012

Um total de 72 (44,4%) já tinham filhos (média:1,56; DP:0,49) e 23 (31,9%) informaram que as crianças nasceram após o diagnóstico de HIV. Quatro (17,4%) tinham filhos com HIV. Declararam-se heterossexuais, 80 (49,4%); homossexuais, 66 (40,7%); e bissexuais, 16 (9,9%). Tinham parceiro fixo, 92 (56,8%) e, destes, 65 (70,7%) residiam com o mesmo. Também tinham diagnóstico de HIV os parceiros de 37 (40,2%) homens (Dados não exibidos em tabela).

A maior parte dos entrevistados, 129 (79,6%), relatou não estar com diagnóstico de Aids na ocasião da entrevista e 33 (20,4%) encontravam-se com alguma doença oportunista. A grande maioria, 146 (90,1%), estava em uso de terapia antirretroviral e, destes, 86 (58,9%) faziam uso há mais de três anos. Estiveram internados anteriormente, 74 (45,7%), sendo que para a maioria, 49 (66,2%), a internação havia ocorrido há menos de um ano da entrevista (dados não exibidos em tabela).

A tabela 2 traz uma análise dos dados sociodemográficos, relacionando-os com a intenção de ter filhos. Identificou-se que ter idade igual ou inferior a 35 anos foi a única variável que apresentou associação estatisticamente significativa para que os homens com HIV/Aids tivessem intenção de ter filhos (p<0,001; OR:4,62; IC:2,21-9,67).

Tabela 2
- Análise dos dados sociodemográficos relacionados com a intenção de ter filho em homens com HIV/Aids. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2012

Querer filho antes do diagnóstico de HIV (p<0,001; OR:17,64; IC:5,10-92,5), tempo de relacionamento inferior ou igual a cinco anos (p=0,022; OR:2,65; IC:1,05-6,74), o parceiro querer filho (p<0,001; OR:9,99; IC:3,48-29,2), não ter filhos com o(a) parceiro(a) atual (p=0,047; OR:2,60; IC:0,91-7,84) e o(a) parceiro(a) não ter filho de outro relacionamento (p=0,032; OR:2,60; IC:0,99-7,00) foram as variáveis que apresentaram associação estatisticamente significativa para os homens desejarem ter filhos (Tabela 3).

Tabela 3
- Relações entre intenção de ter filho com as variáveis comportamentais e relativas aos parceiros sexuais de homens com HIV/Aids. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2012

Na tabela 4, a análise das questões relacionadas ao diagnóstico e ao tratamento mostrou que a variável tempo de terapia antirretroviral superior a três anos (p=0,030; OR:2,10; IC:1,01-4,36) apresentou associação estatisticamente significativa com a intenção de terem filhos entre os homens com HIV/Aids.

Tabela 4
- Intenção de ter filho em homens com HIV/Aids relacionados aos dados do diagnóstico e tratamento. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2012

Na análise multivariada ajustada, o(a) parceiro(a) querer filho (p<0,001; OR:9,72; IC:3,48-27,12) e querer filhos antes do diagnóstico de HIV (p=0,004; OR:9,81; IC:1,84-52,20) foram as variáveis que mantiveram associação estatisticamente significativa com a intenção de ter filhos (Tabela 5).

Tabela 5
- Análise multivariada da intenção de ter filho em homens com HIV/Aids. Fortaleza, Ceará, Brasil, 2012

DISCUSSÃO

A prevalência de homens que queriam filho, mesmo após o diagnóstico de HIV, foi semelhante à encontrada em outros estudos.22. Demissie DB, Tebeje B, Tesfaye T. Fertility desire and associated factors among people living with HIV attending antiretroviral therapy clinic in Ethiopia. BMC Pregnancy Childbirth. 2014 Nov 20; 14: 382.,1313. Kawale P, Mindry D, Stramotas S, Chilikoh P, Phoya A, Henry K, et al. Factors associated with desire for children among HIV-infected women and men: a quantitative and qualitative analysis from Malawi and implications for the delivery of safer conception counseling. AIDS Care. 2014 Nov; 26(6):769-76. Esses achados reforçam que a intenção de concepção é uma realidade na vida das pessoas, independente de viverem ou não com a infecção pelo HIV.55. Matthews LT, Crankshaw T, Giddy J, Kaida A, Smit JA, Ware NC, et al. Reproductive decision-making and periconception practices among HIV-positive men and women attending HIV services in Durban, South Africa. AIDS Behav. 2013 Feb; 17(2):461-70. Na maioria das vezes, a infecção pode adiar, mas não remover essa intenção.1414. Mmbaga EJ, Leyna GH, Ezekiel MJ, Kakoko DC. Fertility desire and intention of people living with HIV/AIDS in Tanzania: a call for restructuring care and treatment services. BMC Public Health. 2013 Jan 30; 13:86. Ocorre que, no contexto da infecção pelo HIV/Aids, a reprodução suscita questões polêmicas, tendo em vista as implicações envolvidas.1414. Mmbaga EJ, Leyna GH, Ezekiel MJ, Kakoko DC. Fertility desire and intention of people living with HIV/AIDS in Tanzania: a call for restructuring care and treatment services. BMC Public Health. 2013 Jan 30; 13:86.

15. Reis RK, Santos CB, Dantas RAS, Gir E. Qualidade de vida, aspectos sociodemográficos e de sexualidade de pessoas vivendo com HIV/AIDS. Texto Contexto Enferm. 2011 Jul-Set; 20(3):565-75.
-1616. Wanyenze RK, Wagner GJ, Tumwesigyec NM, Nannyonga M, Wabwire-Mangen F, Kamya MR. Fertility and contraceptive decision-making and support for HIV infected individuals: client and provider experiences and perceptions at two HIV clinics in Uganda. BMC Public Health. 2013 Feb 2; 13:98.

Os homens mais jovens e que faziam uso da terapia antirretroviral há mais de três anos tinham mais intenção de ter filhos, situação possivelmente relacionada ao fato de não terem concretizado o desejo de ser pai e apresentarem melhoria no estado de saúde e na qualidade de vida resultante do uso da terapia antirretroviral, situação evidenciada também em outros estudos.77. Crankshaw TL, Matthews LT, Giddy J, Kaida A, Ware NC, Smit JA, et al. A conceptual framework for understanding HIV risk behavior in the context of supporting fertility goals among HIV-serodiscordant couples. Reprod Health Matters. 2012 Dec; 20(39 Suppl):50-60.,44. Mindry DL, Crankshaw TL, Maharaj P, Munthree C, Letsoalo T, Milford C, et al. We have to try and have this child before it is too late": missed opportunities in client-provider communication on reproductive intentions of people living with HIV. AIDS Care. 2015 Sep; 27(1):25-30.

Querer filho antes do diagnóstico do HIV e o parceiro(a) desejar filho foram fatores que se mantiveram influenciando o processo da paternidade. Estudos com homens e mulheres com HIV mostram que as razões para querer filhos se diferenciam entre os sexos,55. Matthews LT, Crankshaw T, Giddy J, Kaida A, Smit JA, Ware NC, et al. Reproductive decision-making and periconception practices among HIV-positive men and women attending HIV services in Durban, South Africa. AIDS Behav. 2013 Feb; 17(2):461-70. e estão fortemente influenciadas pelo desejo do parceiro.55. Matthews LT, Crankshaw T, Giddy J, Kaida A, Smit JA, Ware NC, et al. Reproductive decision-making and periconception practices among HIV-positive men and women attending HIV services in Durban, South Africa. AIDS Behav. 2013 Feb; 17(2):461-70.-66. Cook R, Hayden R, Weiss SM, Jones DL. Desire for fertility among HIV-seroconcordant and-discordant couples in Lusaka, Zambia. Cult Health Sex. 2014 May; 16(7):741-51.

O que se pode constatar é que o fato de viver com HIV não é impedimento para que se concretize o sonho de maternidade/paternidade, situação que pode ocorrer de forma segura, caso a pessoa tenha acesso ao tratamento e aos métodos de reprodução assistida.1717. Taylor TN, Mantell JE, Nywagi N, Cishe N, Cooper D. "He lacks his fatherhood": Safer conception technologies and the biological imperative for fatherhood among recently-diagnosed Xhosa-speaking men living with HIV in South Africa. Cult Health Sex. 2013 Jul; 15(9):1101-14. Essas alternativas têm aumentado a expectativa de vida e a possibilidade de conceber com segurança.1818. Gosselin JT, Sauer MV. Life after HIV: examination of HIV serodiscordant couples desire to conceive through assisted reproduction. AIDS Behav. 2011 Feb; 15(2):469-78.

Vale ressaltar que a assistência ao planejamento familiar, bem como o aconselhamento reprodutivo em pessoas acompanhadas em ambulatórios de HIV/Aids, são mais voltados para mulheres. Na África do Sul, evidenciou-se que os profissionais reconheciam os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com HIV/Aids. Entretanto, vivenciam conflitos entre garantir esses direitos e prevenir a disseminação do HIV,1919. Moodley J, Cooper D, Mantell JE, Stern E. Health care provider perspectives on pregnancy and parenting in HIV-positive individuals in South Africa. BMC Health Serv Res. 2014 Sep 12; 14:384. e concentravam a atenção nas mulheres.2020. Moore AM, Bankole A, Awolude O, Audam S, Oladokun A, Adewole I. Attitudes of women and men living with HIV and their healthcare providers towards pregnancy and abortion by HIV-positive women in Nigeria and Zambia. Afr J AIDS Res. 2015 Mar; 14(1):29-42.

Por questões culturais e/ou estruturais, os homens, por muitos anos, foram praticamente excluídos dos serviços de saúde e do envolvimento com as questões reprodutivas.2121. Alves RF, Silva RP, Ernesto MV, Lima AGB, Souza FM. Gênero e saúde: o cuidar do homem em debate. Psicol Teor Prat. 2011 Dez; 13(3):152-66. Só mais recentemente, foi elaborada uma política pública de saúde voltada para essa população.2222. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde do homem: princípios e diretrizes. Brasília (DF): MS; 2009.

No que diz respeito aos homens que vivem com HIV/Aids e que desejam ter filhos, atenção especial deve ser dada pelos serviços de saúde, uma vez que esses homens já podem se sentir excluídos e discriminados por conta do HIV, situação que se agrava com o desejo de paternidade, considerando a falta de preparo dos serviços em acolher essas demandas específicas.

Por esse motivo, o desejo de paternidade em homens que vivem com HIV/Aids merece atenção especial das políticas públicas e dos profissionais de saúde, considerando que querer filho após o diagnóstico tem se mostrado uma experiência significativa, justificando inclusive a superação das dificuldades por parte das pessoas que pretendem vivenciar a situação.2323. Maksud I. Silêncios e segredos: aspectos (não falados) da conjugalidade face à sorodiscordância para o HIV/AIDS. Cad Saúde Pública. 2012 Jun; 28(6):1196-204.

Os profissionais de saúde resistem em aceitar a ideia, alegando os riscos envolvidos.1919. Moodley J, Cooper D, Mantell JE, Stern E. Health care provider perspectives on pregnancy and parenting in HIV-positive individuals in South Africa. BMC Health Serv Res. 2014 Sep 12; 14:384. Ademais, desconsideram a individualidade, o respeito à sexualidade e os aspectos subjetivos envolvidos nesse processo.

Esse estudo apresenta algumas limitações. Por ser do tipo transversal, não considerou as questões subjetivas que estão envolvidas com a paternidade, situação que pode ter influência direta no desejo de ter filhos. Outra limitação é que, por se tratar de uma temática sensível e de difícil abordagem, pode ter influenciado as respostas dos participantes. Entretanto, acredita-se que as entrevistadoras estavam devidamente capacitadas na abordagem das questões, o que amenizou esse viés. Por outro lado, houve cuidado em desenvolver interação com os entrevistados, para tornar o momento da entrevista descontraído, bem como as perguntas claras, abrindo espaço para um diálogo aberto quando havia alguma dúvida. Apesar dessas limitações, destaca-se a relevância por ser um assunto pouco documentado quando se trata de homens.

A partir desses achados, sugere-se algumas recomendações no intuito de contribuir para a elaboração de políticas públicas de atenção voltadas para pessoas que vivem com HIV/Aids, especialmente os homens, população normalmente invisível aos serviços de saúde: 2121. Alves RF, Silva RP, Ernesto MV, Lima AGB, Souza FM. Gênero e saúde: o cuidar do homem em debate. Psicol Teor Prat. 2011 Dez; 13(3):152-66. realizar capacitações permanentes com os profissionais de saúde por meio de oficinas participativas, onde possam expressar e discutir suas limitações em relação à aceitação da concepção em pessoas com HIV/Aids; as unidades de saúde divulgarem e garantirem os direitos reprodutivos das pessoas que vivem HIV/Aids; ofertar serviços e métodos de planejamento familiar com aconselhamento reprodutivo, de forma a auxiliar as pessoas que vivem com HIV/Aids a conceberem com menor probabilidade de transmissão vertical e a tomarem decisões mais seguras.

CONCLUSÃO

Esse estudo evidenciou que querer ter filhos é uma realidade presente na vida de alguns homens, mesmo após o diagnóstico de HIV/Aids, e que essa decisão mostra-se complexa e influenciada por alguns fatores.

Os aspectos que estiveram fortemente associados ao fato do homem querer ter filho foi o(a) parceiro(a) também manifestar a mesma intenção e querer filho antes do diagnóstico. A concretização da paternidade em homens com HIV/Aids deve ser respeitada e entendida como um direito, com garantia de minimização dos riscos e apoio dos serviços de saúde.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2015
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2014
  • Aceito
    17 Ago 2015
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