INTERVENÇÃO EDUCATIVA COM ENFERMEIROS SOBRE CONSULTA DE PUERICULTURA: UM ESTUDO DE MÉTODO MISTO

RESUMO

Objetivo:

determinar o efeito e a influência de uma intervenção educativa sobre consulta de puericultura no conhecimento e na prática de enfermeiros.

Método:

adotou-se o método misto de pesquisa, com o desenho explanatório sequencial, caracterizado por uma etapa com abordagem quantitativa, desenvolvida no estudo quase-experimental, com 30 enfermeiros, seguida por uma qualitativa, realizada por entrevista em profundidade, com 11 enfermeiros atuantes nas Unidades de Saúde da Família de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Na análise quantitativa, utilizou-se estatística descritiva e o teste de proporção, e na qualitativa a análise temática.

Resultados:

o efeito da intervenção educativa foi estatisticamente significante nas dimensões da consulta: Periodicidade da consulta, Alimentação da criança, Exame físico, Avaliação do crescimento, Avaliação do desenvolvimento e Educação em saúde. Na etapa qualitativa, compreendeu-se a influência da intervenção na ampliação do conhecimento e mudança de algumas práticas dos enfermeiros nas dimensões supracitadas, havendo concordância entre os dados encontrados.

Conclusão:

evidenciou-se o efeito positivo da intervenção educativa no conhecimento e na prática dos enfermeiros nas consultas de puericultura, possibilitando-lhes refletir sobre os conteúdos abordados e promover mudanças no seu cotidiano.

DESCRITORES:
Cuidado da criança; Crescimento e desenvolvimento; Enfermeiro; Educação permanente; Atenção primária à saúde

ABSTRACT

Objective:

to determine the effect and influence of an educational intervention on childcare consultation on nurses’ knowledge and practice.

Method:

a mixed research method was adopted, with a sequential explanatory design, characterized by a stage with a quantitative approach, developed in a quasi-experimental study, with 30 nurses, followed by a qualitative one, carried out by in-depth interview, with 11 nurses working in the Family Health Units of João Pessoa, Paraíba, Brazil. In quantitative analysis, descriptive statistics and proportion test were used, and in qualitative analysis, thematic analysis was used.

Results:

the effect of the educational intervention was statistically significant in the consultation dimensions: consultation frequency; child nutrition; physical examination; growth assessment; development assessment; and health education. In the qualitative stage, the influence of the intervention in expanding knowledge and changing some nurses’ practices in the aforementioned dimensions was understood, with agreement between the data found.

Conclusion:

the positive effect of the educational intervention on nurses’ knowledge and practice in childcare consultations was evident, enabling them to reflect on the content covered and promote changes in their daily lives.

DESCRIPTORS:
Child care; Growth and development; Nurse; Education continuing; Primary health care

RESUMEN

Objetivo:

determinar el efecto e influencia de una intervención educativa en la consulta de puericultura sobre el conocimiento y la práctica de las enfermeras.

Método:

se adoptó un método de investigación mixto, con diseño explicativo secuencial, caracterizado por una etapa con enfoque cuantitativo, desarrollado en un estudio cuasiexperimental, con 30 enfermeros, seguido de uno cualitativo, realizado por entrevista en profundidad. con 11 enfermeros trabajando en las Unidades de Salud de la Familia de João Pessoa, Paraíba, Brasil. En el análisis cuantitativo se utilizó estadística descriptiva y prueba de proporciones, y en el análisis cualitativo se utilizó análisis temático.

Resultados:

el efecto de la intervención educativa fue estadísticamente significativo en las dimensiones de la consulta: frecuencia de consulta; nutrición infantil; examen físico; evaluación del crecimiento; evaluación del desarrollo; y educación sanitaria. En la etapa cualitativa se comprendió la influencia de la intervención en la ampliación del conocimiento y el cambio de algunas prácticas de enfermería en las dimensiones before mencionadas, existiendo concordancia entre los datos encontrados.

Conclusión:

fue evidente el efecto positivo de la intervención educativa en el conocimiento y la práctica de los enfermeros en las consultas de puericultura, permitiéndoles reflexionar sobre los contenidos tratados y promover cambios en su vida cotidiana.

DESCRIPTORES:
Cuidado del niño; Crecimiento y desarrollo; Enfermero; Educación continua; Atención primaria de salud

INTRODUÇÃO

A consulta de puericultura realizada na Estratégia Saúde da Família (ESF), modelo prioritário de organização da Atenção Primária à Saúde (APS),1 é uma ferramenta primordial para a vigilância à saúde na primeira infância e para a assistência individualizada à criança e à sua família2.

A consulta de puericultura, realizada por meio de ações contínuas e globais de promoção e proteção à saúde, prevenção e detecção precoce de agravos, é uma estratégia efetiva para a vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil3. Conforme o Ministério da Saúde (MS) brasileiro, é recomendado que sejam realizadas sete consultas de puericultura no primeiro ano de vida, duas consultas no segundo ano de vida e, posteriormente, consultas anuais4. Nesse encontro de cuidado, o enfermeiro é um profissional fundamental, capaz de proporcionar uma assistência qualificada à criança e à sua família, com vistas à integralidade e à longitudinalidade do cuidado5^-6.

Ao longo da consulta, preconiza-se que o enfermeiro realize a anamnese; o exame físico geral; a avaliação de crescimento: peso, comprimento/altura, perímetro cefálico, Índice de Massa Corporal (IMC); a avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor: reflexos primitivos, marcos do desenvolvimento; as intervenções de enfermagem frente às queixas e aos achados clínicos; o fornecimento de informação sobre sinais de alerta, estímulo do desenvolvimento infantil, prevenção de acidentes, estresse tóxico e atualização do calendário vacinal; o registro das informações no prontuário e na Caderneta da Criança. Ao fim da consulta, o enfermeiro deve elogiar a mãe por aquilo que vai bem e por ter levado a criança para a puericultura, agendar a próxima consulta e fazer perguntas de verificação para se certificar que suas orientações foram compreendidas7.

Todavia, quando a consulta de puericultura não é realizada de forma sistematizada, pode-se fragilizar a assistência com consequente perda da confiança do cuidado implementado pelo enfermeiro8. Estudo realizado com 31 enfermeiros da APS de uma capital do Nordeste evidenciou que apenas um enfermeiro apresentou desempenho satisfatório na consulta de puericultura. Ademais, foi identificado que as dimensões de cuidado relacionadas ao exame físico/desenvolvimento neuropsicomotor e a educação em saúde foram pouco contempladas na consulta9.

Outro estudo que avaliou 175 consultas de puericultura realizadas por profissionais da APS identificou que, em todas as consultas, foram verificadas as medições de peso e comprimento e de perímetro cefálico em 96,0% das crianças. Todavia, a avaliação do desenvolvimento (21,7%), as orientações sobre o crescimento - peso (38,3%) e desenvolvimento (11,4%), o registro nas curvas de IMC/idade (11,4%) e dos marcos do desenvolvimento (12,0%), e as orientações relacionadas à suplementação (25,7%) e à prevenção de acidentes e violência (2,9%) apresentaram baixas frequências de implementação10.

Diante disso, destaca-se a necessidade da realização de práticas educativas para atualizações dos conhecimentos e práticas dos profissionais da APS, a destacar os enfermeiros, a fim de proporcionar um olhar para a integralidade e um cuidado mais qualificado e seguro11. Estudo com 97 enfermeiros que receberam capacitação aponta que 88,5% desses consi deraram executar o trabalho com maior assertividade, e 82,8% afirmaram ter havido melhora nas atividades relacionadas ao conteúdo abordado, após o treinamento12.

Assim, destaca-se a Educação Permanente como estratégia necessária para o crescimento pessoal e intelectual dos enfermeiros, bem como para as mudanças no espaço de trabalho, refletindo em um melhor desempenho nas suas atividades e benefícios para o serviço e os usuários13. Contudo, constata-se que ainda é frágil a realização de capacitações nos serviços de saúde direcionados à assistência à criança e, quando realizadas, não contemplam as necessidades do trabalho14^-15.

Diante das fragilidades na assistência à criança e a seus familiares no âmbito da APS e de evidências na literatura de que a efetivação da educação permanente com base na necessidade do serviço é relevante para a mudança da realidade assistencial dos profissionais, é premente a realização de uma intervenção educativa e a avaliação do seu impacto nas ações de cuidado dos enfermeiros da APS, implementadas na consulta de puericultura.

Portanto, questionou-se: qual o efeito de uma intervenção educativa sobre a vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil na consulta de puericultura nos conhecimentos e práticas de enfermeiros da APS? Como pode ser descrita a influência da atividade educativa na perspectiva dos enfermeiros, em relação ao seu conhecimento e à sua prática?

Para isso, objetivou-se determinar o efeito e a influência de uma intervenção educativa sobre a consulta de puericultura no conhecimento e prática de enfermeiros.

MÉTODOS

Adotou-se o método misto de pesquisa, com o desenho explanatório sequencial (QUAN → qual), caracterizado pelo desenvolvimento de uma etapa com abordagem quantitativa, seguida por uma qualitativa. Nesse tipo de estudo, os dados qualitativos podem explicar os achados quantitativos contraditórios ou incomuns, a partir da mixagem dos dados, minimizando as limitações das abordagens quantitativas e qualitativas. Assim, ao proporcionar o aprofundamento dos resultados, justifica-se a utilização do método misto nesta investigação16. Foram contemplados os critérios estabelecidos pelo Mixed Methods Appraisal Tool (versão 2018)17.

O estudo foi realizado nas Unidades de Saúde da Família (USF) de um Distrito Sanitário (DS) em João Pessoa, Paraíba, Brasil, que possui 49 equipes de saúde da família. Todos os enfermeiros das USF desse DS foram convidados a participar da intervenção, por meio de um convite elaborado pela pesquisadora principal, e enviado à sua coordenação técnica.

A atividade educativa foi dividida em dois grupos, para não causar aglomeração devido à pandemia de Coronavírus Disease (Covid-19), e teve carga horária de 10 horas divididas em três oficinas e uma atividade complementar para o desenvolvimento e a realização de um exercício. O conteúdo elaborado baseou-se na literatura pertinente à saúde da criança e nas diretrizes de atenção à saúde da criança.

A amostra quantitativa foi composta pelos enfermeiros que participaram de pelo menos 75% da intervenção educativa, totalizando 30 participantes. Quatro estavam afastados do trabalho no período da intervenção, e os demais não se fizeram presente em nenhuma oficina.

Conforme o diagrama de operacionalização do estudo (Figura 1), os dados quantitativos foram originados a partir do preenchimento do instrumento de coleta pelos enfermeiros, em dois momentos: primeiramente, antes da intervenção educativa, que ocorreu em novembro de 2020, iniciada depois de um mês da conclusão da intervenção, no período de janeiro a março de 2021, para aqueles que compareceram a pelo menos 75% das oficinas.

Figura 1 -
Study operationalization diagram. João Pessoa, PB, Brazil, 2020.

Na abordagem quantitativa da pesquisa, houve a contagem da soma dos acertos dos itens do instrumento que compõem as dimensões da seção que avaliava o conhecimento (21 questões objetivas de múltipla escolha e 7 discursivas) e a prática (26 questões de múltipla escolha e 10 alternativas discursivas) dos enfermeiros sobre aspectos relacionados à vigilância do crescimento e desenvolvimento na consulta de puericultura, antes e após as oficinas.

A primeira parte do instrumento continha dados de caracterização da amostra, e a segunda parte, dividia-se na seção do conhecimento e da prática, com itens que contemplavam as seguintes dimensões: periodicidade da consulta, alimentação da criança, exame físico, avaliação do crescimento, avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor, educação em saúde, assistência à criança vítima de violência e à criança com necessidades especiais de saúde (CRIANES).

O instrumento de coleta de dados para essa abordagem foi submetido à validação de conteúdo, a fim de avaliar se os itens atendiam aos critérios de clareza, representatividade e relevância, empregando uma escala de resposta aos itens, tipo Likert, graduada com pontuação de 1 a 4. Participaram da validação 13 juizes, com rodada única, entre maio e julho de 2020. Utilizou-se o Índice de Validade de Conteúdo (IVC), sendo padronizado o índice de concordância aceitável entre os juízes de, no mínimo, 80% e, preferencialmente, maior que 90%18.

A consistência interna do instrumento também foi verificada pelo teste Alfa de Cronbach, no qual a seção do conhecimento apresentou coeficiente de 0,779 no critério clareza e, na seção da prática, 0,973 no critério relevância e representatividade. Para as análises estatísticas, utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20. Foi realizada a análise descritiva e a análise inferencial, aplicando o teste de proporção, com nível de significância de 5% (p<0,05) para a situação quase-experimental, pré e pós-intervenção.

Na abordagem qualitativa, participaram 11 enfermeiros que foram selecionados aleatoriamente, entre os participantes da intervenção educativa, seguindo os preceitos de saturação dos dados e alcance da compreensão dos objetivos do estudo19. Nessa etapa, foi contemplada a percepção dos enfermeiros acerca da intervenção e a sua influência sobre a vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil no conhecimento e prática dos enfermeiros nas consultas de puericultura.

Os dados qualitativos foram obtidos por meio de entrevista em profundidade, que ocorreram nas unidades de saúde. Para tanto, utilizou-se um roteiro semiestruturado, contendo as seguintes questões norteadoras: “como você avalia a intervenção educativa sobre a consulta de puericultura?”; “De que forma você acha que pode ter impactado na sua prática?”

As entrevistas ocorreram entre janeiro e março de 2021, com duração média de 20 minutos e conduzidas por uma única entrevistadora. Foram gravadas em mídia digital, após concordância dos entrevistados e, posteriormente, transcritas na íntegra para o procedimento de análise. Os participantes foram identificados com a letra “E” de Enfermeiro, seguidas pela ordem das entrevistas.

O material empírico foi interpretado empregando-se os princípios da análise temática de Minayo, obedecendo às etapas: ordenação dos dados, classificação dos dados e análise final20. Para a mixagem dos dados, foram confrontados os resultados que deram estatisticamente significantes, com as narrativas das participantes do estudo.

Vale ressaltar que, devido à permanência da pandemia da Covid-19 nas fases da coleta de dados, foram adotadas todas as medidas de biossegurança e prevenção contra o novo coronavírus recomendadas pelas autoridades nacional e internacional.

Posteriormente, a análise final foi mediada pela integração dos dados quantitativos e qualitativos, a fim de determinar convergências, divergências e combinações16. Tal integração foi apresentada através da estratégia joint display21.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob CAAE desenvolvido em consonância com a Resolução e 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que norteia a prática de pesquisa com seres humanos.

RESULTADOS

Dos 30 enfermeiros participantes do estudo, 21 possuíam até 50 anos; 24 eram formados há mais de dez anos; 17 atuavam na APS há mais de 11 anos; a maioria (21) realizou algum curso de pós-graduação, e 15 deles referiram ter realizado alguma atualização envolvendo a saúde da criança.

Na análise dos números de acertos das dimensões que compõem o instrumento antes e após a intervenção (Tabela 1), houve associação estatisticamente significante nas seguintes dimensões da seção conhecimento: Periodicidade da consulta (<0,001), Alimentação da criança (0,026), Exame físico (<0,001) e Avaliação do crescimento (0,030). Na seção prática, as dimensões com significância estatística foram: Avaliação do crescimento (0,034), Avaliação do desenvolvimento (<0,001) e Educação em saúde (<0,001).

Tabela 1 -
Comparação dos acertos para cada dimensão da seção do conhecimento e da prática, antes e depois da intervenção. João Pessoa, PB, Brasil, 2020-2021. (n=30).

Dimensão	Seção do conhecimento		p valor*	Seção da prática		P valor*
	Antes	Depois		Antes	Depois
Periocidade da consulta	16	60	< 0,001	55	56	0,999
Alimentação da criança	32	45	0,026	53	56	0,999
Exame físico	12	37	< 0,001	49	53	0,481
Avaliação do crescimento	54	69	0,030	126	140	0,034
Avaliação do desenvolvimento	114	116	0,897	102	138	< 0,001
Educação em saúde	26	28	0,704	137	167	<0,001
Violência	25	26	0,999	6	6	0,999
CRIANES	23	28	0,184	35	37	0,856

• ^*Valor obtido por meio de Teste de Proporção

No Quadro 1, está apresentada a mixagem dos depoimentos dos enfermeiros com os resultados quantitativos significantes, antes e após a intervenção educativa para responder à pergunta de pesquisa relacionada ao objeto de estudo proposto. Constata-se que os achados qualitativos confirmaram o que o número maior de acertos em algumas dimensões já havia identificado, apreendendo-se que houve a ampliação do conhecimento e mudança de algumas práticas dos enfermeiros, após a intervenção educativa.

Quadro 1 -
Depoimentos dos participantes norteados pelas dimensões significativas das seções do conhecimento e da prática que compõem o instrumento de coleta de dados. João Pessoa, PB, Brasil, 2020-2021. (n=30).

Dimensões	Depoimentos
Seção do Conhecimento
Avaliação do crescimento (p=0,030)	[...] a questão que eu acho bem interessante é que às vezes a gente confundia e colocava altura, mas, na verdade, era comprimento. (E1) [...] esse acompanhamento do prematuro que eu tinha muita dúvida e eu tinha desejo de conhecer [...] Eu inclusive já estou me programando para receber uma criança prematura. Eu fiquei pensando assim: “se essa menina estivesse chegado aqui e eu ia atender ela, iria fazer tudo errado porque eu não lembrava mais [...] como eu iria calcular a idade dela, peso, o cálculo corrigido”. (E9)
Periocidade da consulta (p < 0,001)	[...] na realidade, eu não fazia aquela primeira visita nos cinco dias, porque eu tenho uma área muito grande e eu tenho quatro áreas descobertas que eu não tenho feedback dos agentes de saúde dessas áreas. Então, essa visita de cinco dias eu não fazia (visita na primeira semana de vida). Agora eu estou procurando fazer, tanto que, quando chega uma pessoa que não é da minha área, eu dou meu telefone particular para, quando ela tiver neném, chegar em casa, ela entrar em contato comigo. (E2) [...] melhorou com relação a eu buscar mais os pacientes de puericultura [...] como eu estava com um déficit maior [...], abriu mais a minha mente para envolver ainda mais minha equipe, para a gente fazer cada vez mais puericultura. Trazer criança para a gente ver a questão da caderneta, tudinho e fora as orientações que a gente tem dado para os pais. (E7)
Alimentação (p=0,026)	[...] a questão da alimentação era uma dúvida que eu tinha muito. Então, assim, eu achei muito bom essa parte e está dentro do crescimento e desenvolvimento. (E7)
Exame físico (p< 0,001)	[...] não adianta só a gente preencher, ficar aqui só no papel e não examinar, fazer o exame clínico que é muito importante. Às vezes, eu não fazia o exame clínico completo. A gente achava que fazia, mas aprendi muita coisa [...], é colocar em prática um melhor exame clínico. Realmente pecava, faltava melhorar, faltava aperfeiçoar. (E1) [...] eu não sabia que (no exame físico simplificado) o ideal era focar na queixa da mãe e não perder tanto tempo com outras coisas, dar mais atenção a esse outro lado do desenvolvimento [...]. (E9)
Seção da Prática
Avaliação do crescimento (p=0,034)	[...] a parte de acompanhar no gráfico, que eu disse a você, era uma dificuldade grande, eu não sabia fazer o índice de massa corpórea, isso também foi muito bom. Estou conseguindo registrar no prontuário e na cadernetinha. (E6) [...] a questão dos gráficos dos prematuros e do cálculo da idade corrigida do recém-nascido foi uma novidade. Eu aprendi muito com você porque a gente não fazia isso. Sabia que precisava, tinha alguma coisa estranha sabe, [...] mas foi muito interessante. (E10)
Avaliação do desenvolvimento (p< 0,001)	[...] eu consegui melhorar mais as ideias sobre essa questão (como é que a gente poderia identificar alguma alteração na criança) [...] porque eu tinha em mente que teriam características muito específicas, sabe? Mas aí, depois do treinamento eu consegui observar que só de você identificar a ausência daqueles marcos, em um mês, em outro mês, já vai caracterizando uma alteração, seja do autismo ou de outra coisa. (E4) [...] eu, por exemplo, ficava muito em dúvida até que ponto eu poderia ir sozinha e até que ponto eu passava para o médico ou para os especialistas. [...] A tabela do desenvolvimento, que você falou que a gente avalia o anterior também (marcos do desenvolvimento), eu avaliava só aquele mês, entendeu? (E5)
Educação em saúde (p< 0,001)	[...] com esse treinamento, eu estou sabendo distinguir, [...] prestar mais atenção, ouvir, elogiar (a mãe), que eu elogiava assim, mas muita coisa eu aprendi a explicar, a dar orientação. Aí eu ajudo, explico, mostro aqui esse livrinho (Caderneta da Criança) que eu coloco de modelo [..] eu peço para ir lendo, prestando atenção direitinho, tudo muito, muito proveitoso. (E6) [...] os (sinais de perigo) não é?! A pessoa sabe por alto, mas com a capacitação eu fiquei mais segura para conversar com a mãe, porque eu já fazia assim pela caderneta da criança, aqueles... é... os marcos. (E3) [..] nunca me preocupei em fornecer tantas informações a elas (mães), só dizia que estava dentro dos parâmetros. Quando estava mais pesado, dizia que estava, mas explicava por cima, mas pelas perguntas da prova (instrumento), eu percebi que existe essa real importância de fornecer a ela essas informações a respeito do que está acontecendo naquela consulta. (E11)

DISCUSSÃO

Os resultados apresentados comprovam o efeito positivo da intervenção educativa no conhecimento e na prática dos enfermeiros sobre a consulta de puericultura, contudo, ainda assim, é necessário elencar as limitações metodológicas da pesquisa. A realização deste estudo com enfermeiros da Atenção Primária de apenas um distrito de uma capital do Nordeste brasileiro consiste na principal limitação, visto que trouxe implicações à generalização dos resultados obtidos. Outro ponto importante foi a impossibilidade do acompanhamento longitudinal do impacto da intervenção educativa no cotidiano dos enfermeiros.

Em contrapartida, as contribuições do estudo superam suas limitações, visto que a (re)construção dos conhecimentos dos enfermeiros sobre a consulta de puericultura e suas novas práticas durante esse momento de cuidado demonstra que a intervenção, para além de sensibilização, promoveu melhorias na efetivação de uma puericultura pautada na vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil no cenário estudado. Ademais, essa intervenção educativa consiste em uma proposta eficaz a ser replicada em outros contextos, com todos os membros da equipe da ESF, ampliando, assim, a importância do estudo.

Os dados quantitativos e qualitativos foram concordantes no que tange à aquisição de novos conhecimentos dos enfermeiros, após a intervenção educativa, em algumas dimensões abordadas no instrumento, a exemplo da periodicidade da consulta. Os resultados evidenciam que a intervenção proporcionou maior compreensão dos enfermeiros quanto à importância da primeira consulta à criança nos primeiros cinco dias de vida, denominado “5º dia saúde integral”,22 bem como da necessidade de estimular a busca ativa das crianças faltosas na consulta de puericultura.

Esse achado é animador, pois evidencia a intervenção educativa como uma possibilidade para o enfrentamento de um notável problema na APS, o acompanhamento da criança tardio e descontínuo. Sobre isso, estudos internacionais comprovam que os cuidados pós-natal não seguiram o calendário recomendado pelas autoridades de saúde23 e que ainda são frágeis os cuidados com os recém-nascidos na primeira semana de vida24. Igualmente, evidencia-se o não cumprimento da periodicidade das consultas para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança como preconizado25.

Outra dimensão que apresentou diferença estatisticamente significativa no conhecimento dos enfermeiros após a intervenção foi a alimentação. Apesar disso, na abordagem qualitativa, foram evidenciadas poucas falas que desvelassem as mudanças no conhecimento dos enfermeiros nessa dimensão, o que pode indicar a pouca importância dada pelos enfermeiros à dimensão alimentação na consulta de puericultura. A despeito disso, um estudo reiterou que cerca de 42% dos profissionais da atenção básica de Itupeva - São Paulo relataram limitações no aconselhamento nutricional, além de apresentarem reduzido conhecimento sobre as questões do aconselhamento nutricional26.

Isso é um problema preocupante e que merece maior atenção, pois, considerando que o enfermeiro é o profissional de referência para questões de alimentação infantil na APS,27 a inobservância dessa dimensão do cuidado durante a consulta de puericultura pode ser uma lacuna na identificação precoce e no acompanhamento de críticos agravos à saúde na infância, como desnutrição e obesidade.

Porém, estudo realizado em centros de saúde infantil da Noruega que desenvolveu uma intervenção educativa para prevenção e tratamento de sobrepeso e obesidade infantil evidenciou que, embora os enfermeiros fossem capazes de identificar a obesidade em crianças antes da intervenção, eles não tinham ferramentas de acompanhamento disponíveis28. Desse modo, compreende-se que existem outros fatores na realidade dos enfermeiros que podem contribuir para a insegurança na orientação alimentar e no acompanhamento nutricional das crianças.

Além de proporcionar mudanças no conhecimento dos enfermeiros, a presente intervenção educativa também propiciou novas práticas durante a consulta de puericultura. É importante enfatizar o papel da educação permanente para a mudança de prática, pois estudo evidencia que a atualização dos conteúdos discutidos na prática educativa resultou em um cuidado mais qualificado e seguro ofertado pelos profissionais11. Os achados quantitativos e qualitativos foram convergentes e evidenciaram mudanças na prática de avaliação do crescimento e desenvolvimento da criança e na realização de atividades de educação em saúde pelos enfermeiros na puericultura, após a intervenção.

Sobre a avaliação do crescimento, estudo constatou que a aferição do peso, da altura e do comprimento e o cálculo do IMC por idade na APS representam medidas econômicas, eficazes e precisas, sendo recomendadas nesse nível de atenção29. A prestação de cuidados de saúde das crianças deve propiciar o monitoramento do crescimento em sua integralidade. Os profissionais da atenção primária possuem o privilégio de contemplar as diferentes realidades de saúde das crianças e suas famílias, o que lhes dá a oportunidade única de inserir em sua prática o monitoramento regular do crescimento infantil, a fim de identificar precocemente possíveis distúrbios do crescimento na infância30.

Para tanto, é indispensável que os profissionais realizem a medição, registrem e interpretem corretamente os achados de saúde da criança na Caderneta da Criança (instrumento de acompanhamento da criança utilizado no Brasil). Por isso, acredita-se que a melhoria da vigilância do crescimento decorrente da intervenção educativa foi um resultado de suma relevância e de ampla contribuição prática deste estudo, visto que capacitou os enfermeiros para o acompanhamento do crescimento da criança no contexto investigado, com enfoque inclusive para o cuidado ao prematuro.

Tal melhoria também foi constatada na avaliação do desenvolvimento infantil realizada pelos enfermeiros na puericultura. Esse achado consolida a reflexão de estudo anterior que evidenciou a necessidade de capacitações com o intuito de qualificar e sensibilizar os enfermeiros da ESF para a vigilância do desenvolvimento, haja vista que poucos mencionaram realizar a avaliação dos marcos do desenvolvimento e utilizar a classificação do desenvolvimento, após a avaliação da criança na consulta de puericultura31.

A implementação de intervenções educativas sobre a vigilância do desenvolvimento é indispensável em diversas regiões do Brasil, pois diferentes realidades evidenciam a fragilidade nessa dimensão de cuidado. Sobre isso, estudo que investigou 287 crianças de um a 24 meses de idade e suas mães no município de Picos, Piauí, ao constatar que 12,7% das crianças avaliadas apresentaram suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e 42,2% suspeita de alteração no desenvolvimento socioemocional, reafirmou a imprescindibilidade da vigilância do desenvolvimento contínua e de qualidade, a fim de favorecer a adoção oportuna de intervenções que promovam o potencial de desenvolvimento de cada criança32.

Outrossim, a implementação mais efetiva da educação em saúde, evidenciada quantitativamente, bem como a construção de um novo significado sobre a importância da oferta de orientações, a valorização dos cuidadores e a maior segurança do profissional para o diálogo com os cuidadores, durante a puericultura, também foram aspectos revelados nos dados qualitativos que chamam a atenção.

Conforme estudo italiano realizado com pediatras vinculados à atenção primária, as ações de educação em saúde são as mais importantes da atuação da enfermagem em sua prática33. Assim, destaca-se que melhorar as atividades educativas na consulta de puericultura é fundamental, pois ela possibilita uma abordagem mais humanizada e qualificada, proporcionando maior segurança para a genitora6.

Com base no exposto, compreende-se a relevância da formação para a área da saúde partir da problematização do processo de trabalho dos profissionais, a fim de alcançar a transformação das práticas e da própria organização do trabalho13. Ademais, o conhecimento é a base que edifica a competência prática no trabalho, para tanto é necessário o desenvolvimento de atividades educativas de sensibilização, que articulem o empirismo e a experiência prática profissional para o compartilhamento de saberes34.

CONCLUSÃO

Evidenciou-se o efeito positivo da intervenção educativa no conhecimento e na prática dos enfermeiros nas consultas de puericultura, principalmente, nas dimensões periodicidade da consulta, alimentação da criança, exame físico, avaliação do crescimento, avaliação do desenvolvimento e educação em saúde. A incorporação do elemento qualitativo ao estudo quantitativo de intervenção possibilitou a ampliação do olhar sobre o achado, demonstrando que os enfermeiros passaram a refletir sobre os conteúdos abordados e conseguiram promover mudanças no seu cotidiano.

Assim, acredita-se que a qualificação profissional, por meio da educação permanente, tendo como pilar a necessidade de mudança no serviço, pode contribuir com o avanço no conhecimento e transformação da prática dos profissionais de saúde, promovendo melhoria do cuidado à criança e sua família.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da tese - Efeito de uma intervenção educativa com enfermeiros para a vigilância do crescimento e do desenvolvimento infantil na consulta de puericultura: um estudo misto, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba, em 2022.

• FINANCIAMENTO

  O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, parecer n. 4.354.337/2020, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 26615819.1.0000.5188.

• TRADUZIDO POR

  Letícia Belasco

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Glilciane Morceli, Ana Izabel Jatobá de Souza Editor-chefe: Elisiane Lorenzini

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Dez 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  14 Jun 2023
• Aceito
  09 Out 2023