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Cultura de segurança do paciente em um hospital de ensino: diferenças de percepção existentes nos diferentes cenários dessa instituição1 1 Artigo extraído da dissertação - A cultura de segurança do paciente na percepção de profissionais de enfermagem de um hospital de ensino, apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), em 2012.

Resumos

Estudo quantitativo descritivo-exploratório que teve como objetivos avaliar a percepção de profissionais de enfermagem acerca da cultura de segurança do paciente e identificar diferenças de percepção nas unidades do hospital. Participaram 301 profissionais de enfermagem. O instrumento de coleta foi o questionário da Agency for Healthcare Research and Quality, intitulado Hospital Survey on Patient Safety Culture. A análise dos dados se deu por estatísticas descritivas e analíticas. Como resultado constatou-se que havia diferenças significativas entre as unidades, destacando-se as unidades pediátricas que tiveram melhores percepções de segurança (média: 3,43 e mediana: 3,44). Esses achados possibilitam traçar modelos de melhoria da qualidade mais específicos para cada setor e a análise dos contextos permite arquitetar boas práticas em saúde direcionadas para cada processo de trabalho desempenhado na instituição.

Qualidade da assistência à saúde; Avaliação de serviços de saúde; Segurança do paciente; Enfermagem


This quantitative descriptive-exploratory study aimed to evaluate the perception of nursing professionals regarding the patient safety culture and to identify differences in perception in the hospital's units. A total of 301 nursing professionals participated. The collection instrument was the Agency for Healthcare Research and Quality questionnaire, titled 'Hospital Survey on Patient Safety Culture'. Data analysis was undertaken through descriptive and analytical statistics. As a result, it was observed that there were significant differences between the units, emphasis being placed on the pediatric units, which had better perceptions of safety (mean: 3.43 and median: 3.44). These findings make it possible to outline models for quality improvement which are more specific for each department, and the analysis of the contexts makes it possible to build good practices in health which are directed towards each work process performed in the institution.

Quality of health care; Evaluation of health services; Patient safety; Nursing


Este estudio cuantitativo tuvo como objetivo evaluar la percepción de las enfermeras sobre la cultura de seguridad del paciente, y para identificar las diferencias en la percepción de las unidades hospitalarias. Participaron de este estudio 301 profesionales de enfermería. El instrumento de recolección de datos fue un cuestionario de la Agencia de Investigación y Calidad de la Salud, entitulado Encuesta Hospitalaria sobre la Cultura de Seguridad de Pacientes. El análisis de datos se realizó mediante estadística descriptiva y analítica. Como resultado se encontró que no había diferencias significativas entre las unidades, especialmente en las unidades pediátricas que tuvieron una mejor percepción sobre la seguridad de los pacientes (media: 3,43 y la mediana: 3,44). Estos resultados hacen posible rastrear modelos más específicos de mejoría de la calidad para cada sector y el análisis de los contextos permitió planear buenas prácticas de salud dirigidas a cada proceso de trabajo desempeñado en la institución.

Calidad de la atención de salud; Evaluación de servicios de salud; Seguridad del paciente; Enfermería


INTRODUÇÃO

A qualidade e a avaliação em serviços de saúde

A qualidade desponta como um fator crucial para o sucesso nos serviços de saúde. Nessa abordagem, a qualidade em saúde pode ser entendida como a obtenção de maiores benefícios em detrimento de menores riscos para o paciente/cliente, benefícios estes que se definem em função do alcançável de acordo com os recursos disponíveis e valores sociais existentes.1Donabedian A. The quality: how can it be assessed? JAMA. 1988 Sep; 260(12):1743-8. - 2Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. QRB Qual Rev Bull. 1992 Nov; 18(11):356-60.

Ainda, a qualidade compreende-se como a satisfação das necessidades dos usuários, que devem ser ouvidos tanto sobre a avaliação sistemática das atitudes dos profissionais de saúde como a respeito do impacto dos processos a eles oferecidos. Dessa forma, a sua avaliação pode se dar por meio do desempenho técnico que se configura como a aplicação do conhecimento e da tecnologia em saúde; e através do relacionamento interpessoal com o paciente, de modo a satisfazer os preceitos éticos, as normas sociais e as legítimas expectativas e necessidades dos pacientes.2Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. QRB Qual Rev Bull. 1992 Nov; 18(11):356-60. - 3Donabedian, A. The quality of medical care. Science. 1978 May; 200(4344):856-64.

Nesse contexto podem-se adotar critérios da qualidade que servem de subsídio para a sua aferição, como o Modelo Donabediano que utiliza como pressupostos: Estrutura: que envolve os recursos humanos, físicos, materiais e financeiros, os equipamentos, as políticas de educação permanente e o estabelecimento de protocolos assistenciais; Processo: que corresponde ao conjunto de atividades na produção, e no setor saúde, nas relações estabelecidas entre os profissionais e os usuários, incluindo a busca pelo diagnóstico e pela terapêutica empregada; e Resultado: que consiste na obtenção das características desejáveis dos produtos ou serviços, retratando os efeitos da assistência à saúde do paciente e da população, o custo mensurado e se esse é compatível com a sustentabilidade da organização.4Donabedian A. The definition of quality and approaches to its assessment: explorations in quality assessment and monitoring. Chicago (US): Health Administration Press; 1980.

Em todas essas dimensões e, mais especificamente, na dimensão de processo é que se estabelece a assistência, propriamente dita; nessa interação é que ocorre o cuidado, a melhora e a recuperação. Todavia, podem surgir falhas e, assim, a ocorrência de eventos adversos (EA). Os EAs podem levar à complicações indesejáveis, o que compromete a segurança do paciente e representam, atualmente, um dos maiores desafios para o aprimoramento da qualidade no setor saúde.

Segurança do paciente e cultura de segurança

A consolidação da segurança do paciente se configura como subsídio para as propostas de melhoria da qualidade, pois os seus constructos permitem remodelar os processos de trabalho, fazendo com que estratégias seguras aprimorem a assistência em saúde.

A segurança do paciente pode ser compreendida como a redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado ao cuidado de saúde.5Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 529 de 1º de abril de 2013: institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Brasília (DF): MS; 2013.

Inserida nesse contexto, está a cultura de segurança que é um componente crítico da qualidade nos serviços de saúde. Esta pode ser entendida como: "A cultura de segurança de uma organização é o produto dos valores individuais e do grupo, atitudes, percepções, competências e padrões de comportamento que determinam o compromisso com, e o estilo e proficiência de, gestão da saúde e segurança de uma organização. Organizações com cultura de segurança positiva são aquelas caracterizadas por comunicação baseada na confiança mútua, por percepções compartilhadas da importância da segurança e na confiança na eficácia de medidas preventivas".6:18

Ainda, "a cultura de segurança configura-se a partir de cinco características operacionalizadas pela gestão de segurança da organização: a) cultura na qual todos os trabalhadores, incluindo profissionais envolvidos no cuidado e gestores, assumem responsabilidade pela sua própria segurança, pela segurança de seus colegas, pacientes e familiares; b) cultura que prioriza a segurança acima de metas financeiras e operacionais; c) cultura que encoraja e recompensa a identificação, a notificação e a resolução dos problemas relacionados à segurança; d) cultura que, a partir da ocorrência de incidentes, promove o aprendizado organizacional; e e) cultura que proporciona recursos, estrutura e responsabilização para a manutenção efetiva da segurança".5Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 529 de 1º de abril de 2013: institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Brasília (DF): MS; 2013.

Diante dessas considerações, estudar a cultura de segurança no hospital traz a possibilidade de conhecer os fatores intervenientes no processo de trabalho que impactam na segurança dos pacientes. O desenvolvimento de pesquisas na área permite discutir essa cultura e a apreensão desse conhecimento leva a fortalecer a comunicação efetiva de evidências científicas, experiências e recomendações destinadas a garantir a segurança dos pacientes na atenção à saúde.

Nessa reflexão é que este estudo foi desenvolvido, tendo por objetivos avaliar a percepção de profissionais de enfermagem de um hospital de ensino acerca das dimensões de cultura de segurança do paciente e identificar diferenças de percepção da cultura de segurança do paciente nas diferentes unidades do hospital.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório com abordagem quantitativa. Desenvolvido em um hospital com 900 leitos operacionais, localizado no município de São Paulo, no Estado de São Paulo-Brasil. Caracteriza-se como um hospital de ensino, por ser campo de Residência Médica e de estágios de estudantes de nível médio, de graduação, e de pós-graduação de diversas áreas de saúde.

A população do estudo foi composta pelos enfermeiros assistenciais, técnicos e auxiliares de enfermagem que atuam nas unidades de Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Centro Cirúrgico, Clínica Pediátrica, Pronto-Socorro Adulto e Infantil, Unidade de Terapia Intensiva Adulto e Pediátrica. Foram adotados como critérios de exclusão: profissionais com menos de um ano na instituição; e que estivessem na ocasião da coleta de dados em período de férias, licenças e/ou afastamentos do serviço. Foram distribuídos 435 instrumentos de coleta de dados e obteve-se 305 retornos.

A pesquisa seguiu os preceitos éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n.196/96. Foi aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e no CEP do citado hospital, sob os protocolos: (CEP-EEUSP: n. 1070/2011) e (CEP do hospital: n. 083/11-V). A anuência dos sujeitos foi mediante o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os dados foram coletados no período de fevereiro a junho de 2012, por meio da aplicação de um questionário da Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ), intitulado Hospital Survey on Patient Safety Culture - HSOPSC traduzido para o Português e adaptado da versão original em inglês.

Conforme a AHRQ7 Sorra JS, Nieva VF. Pilot study: reliability and validity of the hospital survey on patient safety [Internet]. In: Technical report prepared by Westat under Contract No 290-96-004. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2004 [acesso 2011 Mai 22] Disponível em: http://www.ahrq.gov/professionals/quality-patient-safety/patientsafetyculture/hospital/userguide/hospcult.pdf.
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as dimensões de cultura de segurança são ao todo dez (Dimensões 1 a 10), ainda o questionário da AHRQ apresenta duas variáveis de resultados, que nesse estudo optou-se por chamá-las de Dimensões 11 e 12. Na sessão resultado estão apresentadas as dimensões e a sua definição.

O instrumento para a coleta de dados constituiu-se de duas partes, a primeira com as variáveis sociodemográficas, e a segunda composta pelos itens que abrangem as dimensões de cultura de segurança do paciente, a frequência de relatórios de eventos adversos, grau de segurança do paciente e número de eventos relatados no último ano. Tal instrumento pode ser respondido pela equipe multiprofissional de saúde, e neste estudo optou-se pela equipe de enfermagem.

O instrumento incorpora uma escala sociopsicológica - técnica de escala de Likert, com uma variação em 5 graus de percepção que vai de "Discordo fortemente" a "Concordo fortemente" e de "Nunca" a "Sempre".

Após receber os questionários respondidos, foram adotados critérios de exclusão para remover os questionários inválidos. Os critérios foram similares aos instituídos pelas pesquisadoras7Sorra JS, Nieva VF. Pilot study: reliability and validity of the hospital survey on patient safety [Internet]. In: Technical report prepared by Westat under Contract No 290-96-004. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2004 [acesso 2011 Mai 22] Disponível em: http://www.ahrq.gov/professionals/quality-patient-safety/patientsafetyculture/hospital/userguide/hospcult.pdf.
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que compuseram o instrumento original: questionários que não tivessem pelo menos uma sessão completa; que tivessem menos que a metade dos itens preenchidos; e que tivessem a mesma resposta em todos os itens. Um total de 301 (n=301) questionários foi eleito como contendo dados válidos para seguir em processo de análise estatística.

Para testar a confiabilidade do questionário quanto à sua consistência interna, foi aplicado o teste estatístico de análise multivariada Alpha de Cronbach. Quanto à análise das variáveis sociodemográficas; das dimensões de cultura de segurança; e do grau de segurança foram realizadas estatísticas descritivas. Adotou-se como avaliações positivas as que fossem assinaladas como concordo/concordo fortemente ou quase sempre/sempre para as assertivas redigidas de forma afirmativa e as que fossem discordo/discordo fortemente ou raramente/nunca para as assertivas que fossem redigidas de forma negativa. Para fins de análise foram adotados escores de 1 a 5, sendo 1 a pior avaliação e 5 a melhor.

Com o intuito de comparar as médias das dimensões de cultura de segurança do paciente entre as unidades, a fim de identificar se havia diferenças estatisticamente relevantes, foi aplicada a análise de variância ANOVA, e em complementaridade à ANOVA, foi aplicado o teste de comparações múltiplas de Tukey para identificar diferenças par a par entre as unidades. O nível de significância adotado foi de 5%. O Programa R foi utilizado para estimativa dessas estatísticas.8R Core Team. R: a language and environment for statistical computing [Internet]. Vienna (AU): R Foundation for Statistical Computing; 2012 [acesso 2012 Jul 18]. Disponível em: http://www.R-project.org/
http://www.R-project.org/...

RESULTADOS

Quanto à caracterização dos participantes da pesquisa, a faixa etária predominante foi de 26 a 35 anos (57,2%), a maioria do sexo feminino (74,5%). O grau de escolaridade majoritário foi do ensino médio completo (37,5%). Quanto à distribuição dos participantes pelas unidades, a maioria pertencia à Unidade de Terapia Intensiva Adulto, (19,3%), e a minoria ao Pronto-Socorro Infantil, (3,3%). A função predominante foi de auxiliares de enfermagem, (54,5%), seguido de técnicos de enfermagem, (26,6%), e enfermeiros, (18,9%). No que tange ao tempo de formado, a maioria dos participantes (55%) tinha de 1 a 10 anos de formação e ao tempo de atuação na instituição a maioria (82,3%) possuía de 1 a 10 anos de trabalho.

O quadro 1 apresenta as dimensões do questionário; sua definição; e o α de Cronbach encontrado em cada uma das dimensões.

Quadro 1.
Distribuição das dimensões, sua definição e os resultados obtidos na aplicação do teste Alpha de Cronbach. São Paulo-SP, 2012

A figura 1 demonstra as distribuições dos escores dados pelos participantes às dimensões de cultura de segurança do paciente.

Figura 1.
A) Box Plot e (B) estatística descritiva representando a distribuição dos escores das dimensões e geral do questionário. Dimensões conforme explicitadas no quadro 1. São Paulo-SP, 2012

A figura 2 apresenta o escore geral do agrupamento das dimensões por unidades do hospital e a figura 3 evidencia as comparações múltiplas entre as unidades pesquisadas com correção de Turkey.

Figura 2.
(A) Box plot e (B) estatística descritiva representando a distribuição dos escores das dimensões de cultura de segurança do paciente pelas unidades pesquisadas. Centro Cirúrgico (CC); Clínica Cirúrgica Geral (CG); Clínica Médica (CM); Clínica Pediátrica e Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (CP+UTIP); Pronto-Socorro Adulto (PSA); Pronto Socorro Infantil (PSI) e Unidade de Terapia Intensiva Adulto (UTIA). São Paulo-SP, 2012

Figura 3.
Distribuição do Grau de Segurança do Paciente (GSP) por unidade pesquisada. Centro Cirúrgico (CC); Clínica Cirúrgica Geral (CG); Clínica Médica (CM); Clínica Pediátrica e Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (CP+UTIP); Pronto-Socorro Adulto (PSA); Pronto Socorro Infantil (PSI) e Unidade de Terapia Intensiva Adulto (UTIA). São Paulo-SP, 2012

A figura 4 descreve a distribuição da frequência do grau de segurança do paciente (GSP) por unidade do hospital.

DISCUSSÃO

Fidedignidade do instrumento

Neste estudo o Alpha de Cronbach (α) total foi de 0,90, o que confere ao questionário uma alta confiabilidade. E o α variou de 0,40 a 0,87 pelas dimensões. O questionário empregado vem sendo amplamente utilizado em estudos em diferentes países,7Sorra JS, Nieva VF. Pilot study: reliability and validity of the hospital survey on patient safety [Internet]. In: Technical report prepared by Westat under Contract No 290-96-004. Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality; 2004 [acesso 2011 Mai 22] Disponível em: http://www.ahrq.gov/professionals/quality-patient-safety/patientsafetyculture/hospital/userguide/hospcult.pdf.
http://www.ahrq.gov/professionals/qualit...
, 99. Massoco. ECP. Percepção da equipe de enfermagem de um hospital de ensino acerca da segurança do paciente [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Gerenciamento em Enfermagem; 2012. - 1010 Ito S, Kanato S, Kigawa M, Fujita S, Hasegawa T, Hasegawa T. Development and applicability of Hospital Survey on Patient Safety Culture (HSOPS) in Japan. BMC Health Serv Res [online]. 2011 Feb 7 [acesso 2012 Jul 20]; 11:28 Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/11/28 .
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nestes estudos o α das dimensões variou de 0,32 a 0,88.

Análise das distribuições dos resultados pelas dimensões de cultura de segurança do paciente e geral

A partir da figura 1, observou-se que as dimensões com melhores distribuições foram a (2) Expectativas e ações de promoção da segurança dos supervisores e gerentes, seguida do (3) Aprendizado organizacional - melhoria contínua e da (6) Abertura para as comunicações. Tais dados apontaram que a maioria dos participantes acreditava que o supervisor/gerente considerava as sugestões da equipe para melhoria da qualidade e não negligenciava os problemas relacionados à segurança dos pacientes. Ainda, revelaram que existia uma cultura de aprendizado relacionada aos eventos adversos e que os trabalhadores podiam discutir se observam algo que pode afetar negativamente o paciente.

As piores distribuições foram nas dimensões (4) Apoio da gestão hospitalar para a segurança do paciente; (8) Pessoal e (10) Respostas não punitivas aos erros. Tais achados demonstraram que a maioria dos trabalhadores percebia que a gestão hospitalar não oferecia um clima de trabalho que promovesse a segurança do paciente. Como também revelavam deficiências no dimensionamento de pessoal e que os trabalhadores sentiam que seus erros e os eventos reportados poderiam ser utilizados contra eles.

Quanto ao escore geral, a média foi de 3,00; o desvio padrão de 0,54; a mediana foi de 3,02, sendo que o 3º quartil se apresenta em 3,36. Esses dados revelam uma avaliação razoável da cultura de segurança do paciente quando se analisa o questionário como um todo, revelando o panorama geral da cultura de segurança de paciente nas unidades do hospital.

Escore geral do agrupamento das dimensões por unidades do hospital

A figura 2 representa a distribuição dos escores das dimensões de segurança do paciente nas diferentes unidades do hospital, a partir da qual evidenciou-se que a melhor avaliação era na CP+UTIP seguido pelo PSI. A UTIA apresentou uma distribuição ligeiramente melhor que a CM e o PSA. Além disso, a CM, o PSA, o CC e CG possuíram distribuição semelhantes.

Para aprofundar o entendimento na distribuição dos dados foi aplicado o teste de análise de variância ANOVA. A partir do qual foi possível identificar a existência de diferenças entre as médias das unidades. Após evidenciar essas diferenças, foi aplicado a correção de Tukey, que implementou comparações múltiplas entre médias das unidades.

A partir do Teste de Tukey (figura 3), pôde-se observar que a UTIA apresentou escores melhores que os do PSA e CM. E, também, que a CP+UTIP obtiveram melhores avaliações que a UTIA, o PSA, a CM, a CG e o CC. O teste apontou que as unidades que trabalhavam com os pacientes pediátricos no hospital possuíam as melhores avaliações quanto à segurança do paciente.

As diferenças evidenciadas possivelmente são multicausais. Uma das inferências para explicá-las pode estar no processo de trabalho desenvolvido em cada cenário pesquisado. Pois cada unidade tem a sua especificidade em relação à dinâmica de serviço e apresentam a necessidade de tomadas de decisões distintas. Além de outros fatores que compõem o processo de trabalho, como o quantitativo/qualitativo dos profissionais e dos pacientes, a carga de trabalho, a educação permanente, e o perfil da chefia e liderança de cada unidade.

O processo de trabalho em saúde é constituído pelos objetos de trabalho, que resultam de recortes técnico-sociais na leitura das necessidades de saúde, sobre os quais incidem as ações dos diferentes profissionais, mediadas por instrumentos materiais e não materiais. O mesmo integra os processos específicos de cada área que compõe o campo da saúde, pois cada uma constitui, histórica e socialmente, objetos de intervenção, instrumentos, em particular os saberes, agentes e finalidades próprias.1111 Peduzzi M, Carvalho BG, Mandú ENT, Souza GC, Silva JAM. Trabalho em equipe na perspectiva da gerência de serviços de saúde: instrumentos para a construção da prática interprofissional. Physis. 2011; 21(2):629-46.

A avaliação nas diversas unidades permitiu evidenciar que dentro de um contexto macro, como na instituição de grande porte cenário deste estudo, os diversos processos de trabalho são delineados, e cada serviço oferecido pode ser diferente, tomando como base os constructos de avaliação da qualidade do Modelo Donabediano, no qual as unidades têm estruturas diferentes, processos específicos e, portanto, resultados também diferenciados.

Esses dados permitem ressaltar que programas e estratégias que visem à melhoria da qualidade nas instituições de saúde podem ter propostas gerais, porém precisam adequar-se a cada contexto de trabalho e efetuar mudanças em loco, com vista a atender às especificidades de cada setor.

Outrossim, os trabalhadores devem apoderar-se desse conhecimento para reivindicar melhorias específicas para sua unidade; aperfeiçoar as suas práticas; e buscar superar as suas fragilidades. Os profissionais podem reproduzir e modificar os processos de trabalho nos quais estão inseridos através de questionamento da realidade vivenciada e da realização de ações transformadoras do cuidado prestado.1212 Oliveira EM, Spiri WC. O significado do processo de trabalho cuidar para o enfermeiro da UTI. Cienc Cuid Saúde. 2011; 10(3):482-89.

Quanto às unidades pediátricas que apresentaram os melhores resultados e se mostraram mais seguras, reflete-se que a assistência nesse setor sofre influência do processo de trabalho diferenciado e do grande impulso às mudanças no cuidado à criança hospitalizada. Dessa forma, o paciente pediátrico é visto além de um Ser biológico. O cuidado pediátrico leva ao entendimento do impacto do processo de internação para criança/adolescente e sua família, e a equipe empenha-se em um cuidado mais humanizado e seguro.

Em um estudo sobre segurança do paciente pediátrico, as autoras encontraram recomendações que abordam aspectos técnico-científico como: realizar procedimentos com precisão, responsabilidade e conhecimento científico; atenção para com administração de medicamentos; o uso de protocolos sistematizados; e a notificação dos eventos adversos; mas também aspectos que ressaltam comunicação interpessoal entre o profissional, paciente e família; revelavam sobre a importância de atividades lúdicas e uso de brinquedos durante a assistência.1313 Santos JV, Santos KPB, Cardoso SC, Primo RNG, Barros LFNM. Segurança do paciente infantil no centro cirúrgico. Rev SOBECC. 2013 Jan-Mar; 18(1):44-53.

Os dados revelaram uma melhor avaliação de cultura de segurança na assistência pediátrica. Diante desse resultado, reitera-se que essa assistência deva ser discutida amplamente a fim de consolidar ainda mais avanços, pois o paciente pediátrico constitui em uma população de alto risco, com características físicas e morfológicas específicas diferenciadas dos adultos e com desenvolvimento cognitivo, emocional e social complexo que podem aumentar as chances de sofrerem algum evento adverso no processo de internação.1414 Porto TP, Rocha PK, Lessmann JC, Souza S, Kretzer L, Anders JC. Identificação do paciente em unidade pediátrica: uma questão de segurança. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2011 Dez; 11(2):67-74.

A UTIA se mostrou ligeiramente melhor que alguns setores. Quanto a esse setor compreende-se que é uma unidade complexa, de intenso dinamismo. A gravidade e as constantes oscilações do estado de saúde nesses pacientes reforçam a importância da existência de estruturas de apoio à tomada de decisão direcionadas para se promover o cuidado seguro.1515 Sousa PAF, Dal Sasso GTM, DCC Barra. Contribuições dos registros eletrônicos para a segurança do paciente em terapia intensiva: uma revisão integrativa. Texto Contexto Enferm. 2012 Out-Dez; 21(4):971-9. O que leva a uma intensa mobilização para a maximização da segurança dos pacientes críticos, diversas iniciativas norteiam a melhoria, estudo revela, inclusive, recomendações da enfermagem para melhorar a cultura de segurança em terapia intensiva adulto.1616 Mello JF, Barbosa SFF. Cultura de segurança do paciente em terapia intensiva: recomendações da enfermagem. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 Out-Dez [acesso 2014 Ago 26]; 22(4):1124-33 Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000400031.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...

Na referida pesquisa16 16 Mello JF, Barbosa SFF. Cultura de segurança do paciente em terapia intensiva: recomendações da enfermagem. Texto Contexto Enferm [online]. 2013 Out-Dez [acesso 2014 Ago 26]; 22(4):1124-33 Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000400031.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
as recomendações se baseiam nas dimensões de cultura de segurança. Foram elencadas sugestões para melhoria dos procedimentos e processos de trabalho, tais como: definição de protocolos, barreiras de risco, identificação do paciente, dose unitária e dupla checagem. Destacaram também recomendações que envolvem a conduta profissional, como dedicação, comprometimento e consciência no trabalho, respeito e carinho. Ainda, emergiram sugestões como a criação de comissões de segurança do paciente e o incentivo ao relato de erros e eventos adversos.

As unidades PSA, CM, CC e CG, obtiveram escores avaliativos mais baixos, e não apresentaram diferenças significativas entre eles. O aprimoramento da qualidade da assistência desenvolvida nessas unidades é fundamental para os pacientes e para a manutenção do funcionamento adequado da instituição destaca-se, portanto, a necessidade de suscitar a mobilização com propostas que visem modificar esses escores e atacar os fatores intervenientes que diminuem a segurança nesses setores.

Ainda, a comunicação sobre aspectos de cultura de segurança do paciente que foram melhor avaliados nas outras unidades, em especial as pediátricas, devem ser compartilhados de forma intersetorial no hospital. Entendendo que a segurança dos pacientes é um aspecto que deve permear as ações dos profissionais em todos os cenários da instituição desde a admissão até a alta, transferência ou óbito, não se deve perder de vista que as experiências exitosas devem ser disseminadas, revelando exemplos a serem seguidos. As recomendações elucidadas em unidades pediátricas e de terapia intensiva podem ser adaptadas para os outros cenários da instituição, respeitando às suas especificidades e socializando as práticas seguras.

Grau de segurança do paciente por unidade do hospital

A Figura 4 evidencia que a maior frequência da classificação do GSP em excelente foi na CP+UTIP (14,3%) e o menor foi na CM (2,4%). A classificação em muito bom, também, foi maior na CP+UTIP (47,6%), e foi menor no PSA (10%). Na maioria das unidades, o GSP foi classificado como Aceitável, o que revela um GSP satisfatório, todavia com potencial para melhorar. Quanto ao GSP classificado como Fraco, as unidades com maiores porcentagens foram o PSA (28%), a CM (22%) e a CG (19,5%), demonstrando que medidas para fortalecer a segurança do paciente devem ser implementadas, principalmente, nessas áreas. A CM, a CG e o CC foram unidades com as maiores porcentagens na classificação de GSP como Falho, com 22%, 19,5% e 17% respectivamente, demonstrando que, nesses setores, as medidas que visam à segurança do paciente não estavam sendo eficazes.

CONCLUSÕES

Os resultados nas dimensões e no grau de cultura de segurança do paciente evidenciaram que havia diferenças nas avaliações das unidades da instituição. Destacando-se, principalmente, as unidades que atendem aos pacientes pediátricos, as quais apresentaram melhores escores. A importância desses achados é a possibilidade de traçar modelos de melhoria da qualidade mais específicos e profícuos. A avaliação dos contextos permite arquitetar boas práticas em saúde direcionadas para cada processo de trabalho desempenhado na instituição.

Reiteiramos ainda que a enfermagem como prática de trabalho, consolidada como ciência aplicada, deve estimular a troca de informação intersetorial e a conversação sobre as estratégias que deram certo nos setores para tornar a experiência acessível às outras unidades.

Por fim, tomando como base os pressupostos do Modelo Donabediano, os aspectos evidenciados permitem o aprimoramento do processo de trabalho e a melhoria da segurança dos cuidados prestados, na medida em que aspectos relacionados à estrutura, ao processo e, consequentemente, ao resultado possam ser remodelados.

Para que a cultura de segurança do paciente se efetive de maneira positiva é necessário um engajamento em níveis político; estratégico; e operacional do hospital, em uma mobilização integrada, que envolva a gestão hospitalar e os demais trabalhadores.

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    Artigo extraído da dissertação - A cultura de segurança do paciente na percepção de profissionais de enfermagem de um hospital de ensino, apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), em 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2014
  • Aceito
    16 Jun 2014
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