ELEMENTOS DA SENSIBILIDADE MORAL PRESENTES NA ATUAÇÃO DE ENFERMEIROS CLÍNICO-HOSPITALARES

RESUMO

Objetivo:

identificar os elementos da sensibilidade moral presentes em enfermeiros atuantes em uma Unidade de Clínica Médica.

Método:

pesquisa qualitativa, do tipo exploratório-descritiva, desenvolvida por meio de entrevistas semiestruturadas analisadas mediante análise textual discursiva, com 18 enfermeiros atuantes na unidade de clínica médica de um hospital universitário do sul do Brasil.

Resultados:

se estruturam em seis categorias: orientação relacional; experimentando o conflito moral; seguir regras; motivação benevolente; estruturação do significado moral e autonomia a qual foi possível identificar importantes elementos da sensibilidade moral como reconhecimento a dimensão ética das atitudes, reconhecer a singularidade dos pacientes, a forma de enfrentamento dos conflitos entre profissional e paciente e/ou acompanhante, adaptação no ambiente de trabalho, empatia, diálogo, tomada de decisão clínica, atendimento as necessidades dos pacientes, compreensão da sua condição de saúde, respeito, acolhimento aos seus desejos e orientação quanto as suas solicitações e recusas.

Conclusão:

os elementos da sensibilidade moral identificados nesse estudo contribuem para habilitar os enfermeiros para a tomada de decisão clínica, principalmente diante de problemas éticos vivenciados no ambiente de clínica médica.

DESCRITORES:
Saúde do adulto; Ética em enfermagem; Ética; Moral; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to identify the elements of moral sensitivity held by nurses working in a medical clinic unit.

Method:

this exploratory-descriptive study with a qualitative approach addressed 18 nurses from a medical clinic of a university hospital located in southern Brazil using semi-structured interviews, which were analyzed using discursive textual analysis.

Results:

data were structured into six categories: relational orientation; experiencing moral dilemmas; following rules; benevolent motivation; structuring moral meaning; and autonomy. These categories enabled the identification of important elements of moral sensitivity, such as acknowledging the ethical dimension of one’s attitudes, acknowledging the uniqueness of each patient, dealing with conflict between workers and patients and/or their companions, adapting to the workplace, empathy, dialogue, clinical decision-making, meeting the needs of patients, understanding patients’ health condition, respect, welcoming patients’ desires and providing guidance that concerns patients’ requests and refusals.

Conclusion:

the elements of moral sensitivity identified in this study contribute to support nurses when making clinical decisions, especially when facing ethical issues arising in a medical clinic setting.

DESCRIPTORS:
Adult health; Ethics, nursing; Ethics; Moral; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

identificar los elementos de sensibilidad moral presentes en las enfermeras que trabajan en una Unidad de Clínica Médica.

Método:

investigación cualitativa, descriptiva exploratoria, desarrollada a través de entrevistas semiestructuradas analizadas mediante análisis discursivo textual, con 18 enfermeras trabajando en la unidad de clínica médica de un hospital universitario en el sur de Brasil.

Resultados:

se estructuran en seis categorías: orientación relacional; experimentando conflicto moral; seguir las reglas; motivación benevolente; Estructuración del significado moral y la autonomía que permitieron identificar elementos importantes de la sensibilidad moral, como el reconocimiento de la dimensión ética de las actitudes, el reconocimiento de la singularidad de los pacientes, la forma de hacer frente a los conflictos entre el profesional y el paciente y / o compañero, la adaptación en el entorno de trabajo. , empatía, diálogo, toma de decisiones clínicas, satisfacción de las necesidades de los pacientes, comprensión de su estado de salud, respeto, bienvenida a sus deseos y orientación con respecto a sus solicitudes y rechazos.

Conclusión:

los elementos de sensibilidad moral identificados en este estudio contribuyen a que las enfermeras puedan tomar decisiones clínicas, especialmente frente a problemas éticos experimentados en el entorno de la clínica médica.

DESCRIPTORES:
Salud del adulto; Ética de enfermería; Ética; Moral; Enfermería

INTRODUÇÃO

Historicamente, o conceito filosófico de sensibilidade moral vem sendo explorado com a ideia de “senso moral”, envolvendo fatores como o conhecimento moral, o comportamento moral e a motivação benevolente.1 Neste contexto, a sensibilidade moral é a capacidade que o profissional possui de identificar as situações de conflito e compreender as consequências morais da tomada de decisão em prol do paciente, com autoconsciência das suas responsabilidades.2 Logo, a tomada de decisão ética, por sua vez, envolve ser sensível à vulnerabilidade do paciente e expressar essa sensibilidade.3

Na enfermagem, a sensibilidade moral é compreendida como a capacidade que o profissional possui de identificar o componente moral de determinada situação de conflito e realizar a tomada de decisão ética, pautada em valores pessoais como coragem, compaixão, inteligência, benevolência e também em valores contextuais como conhecimento e experiência profissional.2^,4^-5

Os ambientes em saúde, especialmente de atuação clínica, são caracterizados por diversas situações eticamente vulneráveis.6^-7Outrossim, os enfermeiros são constantemente confrontados com situações conflituosas em que seus conhecimentos e habilidades são colocados a prova, acarretando na dificuldade ou ausência de percepção da dimensão ética dos problemas cotidianos.8 Assim, a sensibilidade moral é considerada como uma característica que habilita os enfermeiros a reconhecer plenamente os desafios éticos do ambiente clínico, proporcionando-os uma boa compreensão da sua situação de trabalho.9^-10

No cenário internacional, é possível verificar que existem vários elementos que influenciam a sensibilidade moral dos enfermeiros, sendo eles: a orientação relacional, estruturação do significado moral, experimentando o conflito moral, autonomia, seguir regras, consciência moral, percepção moral e motivação benevolente.2^,11Já no Brasil, foi possível identificar como elementos da sensibilidade moral a dimensão profissional, a relação com o paciente e a educação ética.12 A compreensão dos elementos é fundamental para o estabelecimento de medidas que promovam a prática assistencial pautada na ética e no desenvolvimento da sensibilidade moral nos ambientes de saúde,12 especialmente nas unidades de clínica médica no Brasil, onde os estudos sobre a sensibilidade moral em enfermeiros atuantes no contexto clínico, ainda são incipientes.

Diante dessa lacuna, o presente estudo justificou-se perante a necessidade de conhecer como os enfermeiros vêm demostrando-se moralmente sensíveis para perceber e reconhecer os problemas éticos vivenciados em unidades de clínica médica. Tal necessidade decorre da condição de que os conflitos éticos são constantes na prática da enfermagem, seja ela assistencial, gerencial ou docente.

Desse modo, as tomadas de decisões cotidianas dos profissionais que atuam em um contexto onde os cuidados de enfermagem variam de mínimos à máximos exigem processos decisórios claros e humanizados pautados na sensibilidade, capacidade ética e no julgamento crítico. Diante do exposto o presente estudo teve como objetivo: identificar os elementos da sensibilidade moral presentes em enfermeiros atuantes em uma Unidade de Clínica Médica.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo exploratório descritiva, realizada em uma unidade de clínica médica de um Hospital Universitário do Sul do Brasil, que se caracteriza como um hospital que atende exclusivamente usuários do Sistema Único de Saúde, com um total de 203 leitos. O cenário do estudo, possui em seu total 49 leitos de clínica médica, sendo 14 leitos de isolamento e 8 enfermarias com 4 ou 5 leitos em cada. A equipe de enfermagem é composta por 21 enfermeiros com carga horária semanal de 36h, divididos em 4 turnos: manhã, tarde, noite I e noite II. Todos servidores públicos concursados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética. Os critérios de seleção dos participantes limitaram-se a ter vínculo empregatício com a instituição e não ser substituto de folgas. Os critérios de exclusão limitaram-se a não ser profissional enfermeiro e a ausência do participante por motivo de férias, licença ou benefício. Dos 21 participantes, 18 foram respondentes da pesquisa, 3 foram excluídos por não ter disponibilidade para participar da pesquisa no momento da coleta de dados.

A coleta de dados ocorreu no mês de junho de 2018, realizada no horário e local de trabalho dos participantes em sala específica para tal, garantindo a privacidade. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, gravadas, com duração média de 25 minutos, contendo questões fechadas para a caracterização dos participantes e questões abertas, enfocando aspectos relacionados aos elementos que os profissionais utilizam para a tomada de decisões diante os problemas éticos, com base na sensibilidade moral.

O processo de análise dos dados, obtidos por meio de entrevistas, foi realizada por meio da técnica de análise textual discursiva, a qual compreende uma metodologia de análise de dados qualitativos que tem por finalidade produzir novas compreensões sobre discursos e fenômenos, sendo fundamentada em três etapas: a unitarização; a categorização e a comunicação.13 Os aspectos éticos foram respeitados em sua totalidade, seguindo a resolução 466/2012. Os depoimentos dos enfermeiros participantes foram referenciados pela letra E, seguida de um número sequencial (E1 a E18).

RESULTADOS

Em relação as características dos participantes dos 18 enfermeiros participantes, identificou-se que a idade variou entre 29 e 44 anos; 14 eram mulheres; 09 possuíam curso de especialização como titulação máxima, 5 com apenas o curso de graduação, 03 com residência e 1 o mestrado; o tempo de atuação profissional variou de 4 a 19 anos, sendo o tempo de atuação na unidade de clínica médica situado entre 3 meses e 2 anos.

O processo de categorização foi realizado, segundo os elementos que configuram a sensibilidade moral, baseados nos achados científicos internacionais,14 os que configuram seis elementos denominados como orientação relacional, experienciando o conflito moral, seguir as regras, expressando benevolência, estruturação do significado moral, autonomia. Os seis elementos definiram as categorias do estudo. A Figura 1 apresenta os elementos que definem as categorias do estudo:

Figura 1 -
Elementos que define a categorização do estudo.14

Por fim, seis categorias finais foram construídas, sendo as unidades de sentido selecionadas e atribuídas a cada uma dessas categorias as quais foram denominadas: orientação relacional (envolvendo o reconhecimento da dimensão moral das suas atitudes para com os outros profissionais e Reconhecimento das singularidades para a tomada de decisão); experimentando o conflito moral (conflito entre profissional e o acompanhante); seguir regras (adaptação ao ambiente de trabalho); motivação benevolente (empatia; diálogo; tomada de decisão adequada e atender as necessidades dos paciente); estruturação do significado moral (compreender a condição do paciente e respeito ao paciente); autonomia (acolher os desejos dos pacientes e orientar sobre suas solicitações e/ou recusas). A Figura 2 apresenta o processo de categorização do estudo.

Figura 2 -
Modelo estrutural de construção das categorias. Rio Grande, RS, Brasil, 2018.

Categoria 1: orientação relacional

Foi possível identificar que os enfermeiros buscam desenvolver suas relações profissionais principalmente através do reconhecimento da dimensão moral das suas atitudes para com outros profissionais. O cuidado qualificado está atrelado ao nível de conhecimento técnico, da moralidade e do respeito aos valores, direitos e deveres de cada categoria profissional. Espera-se que os enfermeiros, ao desenvolver suas atividades na unidade de clínica médica, onde o nível de complexidade assistencial dos pacientes varia entre cuidados mínimos e intensivos, tenham a capacidade de perceber os elementos éticos presentes no seu cotidiano através da sensibilidade moral.

A sensibilidade moral engloba a preocupação dos enfermeiros em desenvolver ações que promovam o bem-estar global do paciente, respeitando tanto as necessidades clínicas quanto os aspectos éticos e culturais. Dessa forma, no que diz respeito a orientação relacional, os enfermeiros acreditam que qualificar as relações multiprofissionais é fundamental para a tomada de decisão, para o estabelecimento de condutas como a realização de orientações claras e atenção focada no paciente, buscando minimizar situações de conflito e estabelecer laços de confiança.

Tens que saber como lidar, como explicar a situação e tentar ser o mais certo possível, tentar amenizar aquela situação que o paciente está, porque é difícil (E17).

Eu disse “eu sou enfermeira e se acontecer alguma coisa para ele o senhor sabe o meu nome, sou eu que venho todo dia”. Era eu que estava fazendo, era eu que estava administrando, era eu que pegava a prescrição e mostrava para ele, dizia tudo, tinha que bater de frente (E3).

Outro aspecto relevante observado na orientação relacional foi reconhecer a singularidade dos pacientes e seus familiares. Os enfermeiros parecem demonstrar que para exercer a profissão com honra e dignidade é fundamental respeitar o outro dentro da sua condição humana e ainda, assisti-los de forma integral e humanizada. No ambiente de clínica médica, as relações são extremamente conflitantes, e o enfermeiro moralmente sensível apresenta melhor capacidade de resolver os conflitos éticos e tomar decisões fundamentadas na conduta moralmente adequada.

Você precisa se colocar no lugar do outro, porque é como eu sempre falo para as meninas aqui, querendo ou não são pessoas que estão fora de suas casas, dividindo quarto com mais quatro cinco pessoas, são pessoas que estão aqui com gente desconhecida (E6).

Categoria 2: experimentando o conflito moral

No que se refere a categoria experimentando o conflito moral, os enfermeiros mostraram que os principais problemas vivenciados na unidade de clínica médica estão relacionados aos conflitos existentes entre profissionais e acompanhantes. A falta de conhecimento e paciência por parte dos familiares e/ou acompanhantes é um dos principais causadores de conflito moral. Os enfermeiros apresentam melhor percepção dos conflitos, realizando a tomada de decisões clínicas permeadas por equilíbrio emocional e nas relações mais harmoniosas com pacientes e seus acompanhantes, demonstrando moralmente sensíveis.

Eu tive um caso de um paciente, ele chegou aqui quase morto, desacreditado da UTI, ele era SIDA, a doutora disse a gente vai tratar ele. Ela começou com as medicações. O familiar não entendia porque tinha que passar tudo isso no filho dele, iria encharcar o filho dele, o filho dele iria morrer com tanta coisa. Foi uma das situações mais difíceis que a gente já teve, hoje o paciente está bem (E3).

Às vezes o familiar é grosseiro, chega aqui reclamando, porque quer o melhor para o familiar dele. A gente tem que atender da melhor forma (E4).

Você está fazendo tudo certo, mas uma hora o acompanhante vai reclamar, por exemplo, por causa do dimensionamento não adequado, o que acontece muito... O acompanhante toca a campainha e quer porque quer que troquem a fralda, mas veja bem eu tenho 8 técnicos trabalhando comigo aqui hoje, eu tenho 26 acamados, eu tenho condições de trocar a fralda de todo mundo rápido (E7).

Categoria 3: seguir regras

No que diz respeito a categoria seguir regras, os participantes identificam como elemento da sensibilidade moral a adaptação no ambiente de trabalho, ao agir de forma que inclua os interesses organizacionais, pessoais e profissionais de forma ética e ampliada. Ao desenvolver sensibilidade moral, os enfermeiros estão capacitados a assumir com autodeterminação as suas funções e agir de forma resolutiva e de acordo com os seus princípios, valores, normas institucionais, recursos humanos e materiais. Diante disso, os enfermeiros identificam que adaptar-se no ambiente de trabalho da clínica médica é uma questão percussora da sensibilidade moral, reconhecendo que o uso de protocolos de atendimentos, a escuta qualificada e a visão clínica proporcionam uma assistência de qualidade ao paciente clínico:

Se aqui é um hospital, todo mundo deve estar fazendo do mesmo jeito. Por isso que eu acho que o protocolo é fundamental, tem que ter protocolo e o hospital todo fazer da mesma forma (E4).

Tentar tomar uma decisão para os dois. Tento ouvir as duas partes e tomar uma decisão que seja melhor para a equipe, que seja melhor para o ambiente de trabalho (E6).

A relação profissional se constitui como um importante componente da sensibilidade moral, pois possibilita o profissional reconhecer as situações de conflitos e tomar a decisões que contemplem os valores profissionais, as necessidades organizacionais e as reais necessidades dos pacientes. Além disso, os enfermeiros mostraram-se cientes de que o desenvolvimento da sensibilidade moral apresenta um impacto significativo sobre as relações com outros profissionais e pacientes, consequentemente resultando em maior eficácia na defesa de seus interesses.

Categoria 4: motivação benevolente

Nessa categoria, os enfermeiros percebem que agir da forma como consideram correto, atrelado aos interesses do paciente, fortalece o seu julgamento e motivação moral para fazer o bem, tornando-os mais sensíveis moralmente dentro da clínica médica. Para isso, é imprescindível que a relação com os pacientes e acompanhantes estejam fundamentadas na empatia, diálogo, tomada de decisão clínica adequada e no atendimento às necessidades do paciente.

Humanização... A sensibilidade em si. A gente ver o outro, a gente mesmo se espelhar (E2).

Eu acho que no momento em que tu te colocas no lugar do outro, tu acabas favorecendo o paciente, tu acabas pensando se eu tivesse no lugar dele eu não iria querer que acontecesse tal coisa. Então tu consegues guiar tanto as tuas práticas quanto a da equipe, enfim, os cuidados (E13).

É me colocando no lugar do paciente, do funcionário, tendo empatia, o funcionário tratando bem o paciente (E15).

Outro aspecto elencado pelos entrevistados para que suas atividades de cuidado ao paciente clínico sejam desempenhadas de forma benevolente, foi a importância do diálogo entre equipe e com o paciente e/ou acompanhante. O diálogo estabelecido entre o enfermeiro clínico e o paciente e/ou acompanhantes é fundamental para o enfrentamento dos conflitos éticos no contexto da clínica médica, onde os enfermeiros convivem com situações complexas que necessitam o diálogo franco que favoreça a tomada de decisões conjunta entre os atores envolvidos. Para tanto, os participantes acreditam que estarão desenvolvendo a sensibilidade moral, através de uma conversa franca, sendo possível reconhecer as situações de conflitos e resolvê-las com maior facilidade.

Eu sempre tento, mesmo sabendo que o erro foi até meu, eu volto atrás e converso com o paciente... Eu não tenho orgulho nenhum, peço desculpa quando vejo que está errado e mesmo quando não tá errado eu converso e vejo uma forma de melhorar a relação (E6).

Se o conflito for com um acompanhante, com um paciente a mesma coisa, a gente se dirige até o paciente tentamos conversar, tentamos de certa forma amenizar o transtorno, dependendo do transtorno também. E aí é mais no diálogo mesmo (E2).

O tempo que estou aqui já consegui ver coisas onde tu percebes que a prescrição está errada, que a dose não está certa daí então tu teres que perguntar e dizer olha acho que tá errado. Então, é preciso saber conversar, dialogar em prol do paciente (E17).

Considerando a sensibilidade moral como um percursor para a tomada de decisão, os enfermeiros demonstram que ela é fundamental no momento avaliar e distinguir os problemas éticos, ou seja, raciocinar clinicamente para a realização de boas condutas frente aos pacientes clínicos. Desse modo, segundo os participantes do estudo, a sensibilidade moral possibilita o enfermeiro reforçar a sua autonomia profissional e agir com benevolência e coragem, proporcionando maior habilidade para a tomada de decisão ética, prudente e justa.

A gente vai muito para o que é justo... Nem sempre tudo é justo, mas a gente tenta agir com benevolência, compaixão, coragem (E3).

Não posso mentir pra ele, é reconhecer que foi erro do hospital e se colocar no lugar do paciente pra tomar a decisão, ter a postura certa (E8).

O enfermeiro de unidade de clínica médica, vivencia diversos problemas, conflitos e dilemas morais e necessitam usar a sensibilidade moral para interceder nas questões relacionadas as necessidades dos pacientes dentro da unidade, mesmo que para isso, acarrete em realizar atividades que não são de sua competência. Segundo ele, o paciente é beneficiado quando o enfermeiro consegue atender as suas necessidades.

Às vezes eu tenho que fazer uma coisa, mas eu estava lá na manutenção resolvendo um chuveiro quebrado que não é atribuição minha, mas quem que escuta do paciente que ele está tomando banho gelado todo o santo dia sou eu (E9).

A paciente estava fazendo heparina. Liguei para o residente e disse: “Fulano” está fazendo heparina. E ele: Ah mas eu não sabia disso! E eu: Pois é, nem eu sabia que ela iria para o bloco, talvez se tu tivesse falado comigo saberia e a gente suspenderia. E ele: Ah, mas é só um curativo. Eu respondi,é um curativo, mas vai sangrar, quer que eu mande mesmo assim? Daí eu faço o registro no prontuário sobre isso daí ele não, então não, pode suspender. Daí lá fui eu falar com a paciente que a cirurgia tinha sido suspendida (E7).

Categoria 5: estruturação do conflito moral

Os entrevistados declararam que ao compreender a condição do paciente e respeitar o paciente, estarão desenvolvendo ações que não prejudicam seu o paciente, ou seja, dando sentido a sua autonomia, o que os auxiliam a lidar melhor diante as situações de conflito e agir moralmente. O paciente clínico, muitas vezes, encontra-se fragilizado quanto ao seu estado emocional, o que os torna mais ansiosos e estressados:

A ansiedade do paciente em relação ao tratamento, ao estado dele mesmo... A gente tem que saber lidar com essa situação, tem que saber se colocar no lugar da pessoa também que até então muitos pacientes eram pacientes ativos que estavam trabalhando e de repente se vê numa cama... a gente tem que saber lidar com isso aí para poder contornar algumas situações... (E1).

A gente tem que levar em consideração, que às vezes até aquele momento em que o conflito parte deles é justamente por causa da situação dele. Então até isso a gente tem que entender para tomar decisão (E2).

Temos muitos pacientes graves, então, às vezes eles ficam um pouco estressados, rebeldes, agressivos, então tu tens que saber lidar com eles (E17).

Desse modo, os enfermeiros identificam o respeito ao paciente como percursor para a tomada de decisão moralmente sensível, visto que, muitas vezes, o diagnóstico encontrado pode mudar completamente a sua condição de vida. Ao respeitar o paciente, tanto no que tange a doença e seu tratamento, quanto nos aspectos emocionais, sociais e religiosos, os enfermeiros acreditam que estão dando significado moral ao paciente e assim, exercendo a tomada de decisão ética com sensibilidade moral.

Eu costumo analisar primeiro... pensando que naquele dia a pessoa pode não estar bem... Penso, ah isso passa; não vai acontecer depois (E1).

A tomada de decisão ser a melhor possível para não prejudicar ninguém (E2).

Agora teve um caso de um paciente que era evangélico, e aí a equipe estava incomodada que tinha um paciente orando, algo assim... Aí pediram para parar de orar, aí o paciente ficou meio chateado e tal, triste, mas até agora não afetou ninguém não (E10).

Categoria 6: autonomia

No que tange a autonomia, os enfermeiros identificam que os elementos da sensibilidade moral que dão sentido a autonomia nas relações com o paciente clínico são o acolhimento aos desejos do paciente e a orientação sobre suas solicitações ou recusas. Ao referir sobre acolher os desejos do paciente, os entrevistados acreditam que os escutando, permitindo-os desabafar suas angústias, crenças e necessidades, eles estarão utilizando-se da sensibilidade moral.

Ao permitir o exercício da autonomia pelo paciente na clínica médica, onde as relações são desenvolvidas de forma intensa, o enfermeiro além de agir com responsabilidade ética, mostra uma compreensão contextual, cognitiva e intuitiva da situação, tornando possível auxiliar o paciente na garantia do cuidado qualificado.

A tomada de decisão ser a melhor possível para não prejudicar ninguém, saber entender, saber se posicionar mesmo (E2).

Tem a questão religiosa, eu já vi aqui o pessoal ter preconceitos com algumas religiões... Ter que ponderar. Porque umas religiões deixam e outras não podem? Então assim, eu tento não reprimir nada (E10).

Deixa ele falar o que quer, desabafar, depois a gente explica... (E8).

DISCUSSÃO

Foi possível perceber que os enfermeiros participantes identificam que os elementos da sensibilidade moral abrangem tanto as relações profissionais quanto as relações com o paciente sob cuidados clínicos, conseguindo permear as interlocuções presentes que nem sempre são perceptíveis em sua dimensão ética. Tais achados corroboram com resultado semelhante já evidenciado em estudo sobre a percepção dos enfermeiros acerca da sensibilidade moral e os fatores relacionados, em que os elementos essenciais da sensibilidade moral puderam ser identificados tanto nas dimensões profissionais, quanto nos aspectos da relação com o paciente e a educação ética.15Os elementos da sensibilidade moral permitem identificar a dimensão moralmente inadequada que nem sempre é percebida pelos profissionais, proporcionando aos enfermeiros realizar a tomada de decisão clínica de forma justa e prudente.

Neste sentido, este estudo identificou elementos da sensibilidade moral referentes as relações profissionais, principalmente no que tange aos aspectos de orientações relacionais estabelecidos entre profissionais, organização, pacientes e familiares, repercutindo na forma como os enfermeiros administram os conflitos ocorridos entre profissionais e acompanhantes e na adaptação ao ambiente de trabalho. Estudo realizado com enfermeiros no Irã, mostrou que o conflito moral provoca consequências adversas tanto para os enfermeiros quanto para os pacientes,16 o que pode refletir diretamente na tomada de decisão ética e na qualidade da assistência prestada ao paciente.

Através deste estudo, foi possível evidenciar que os enfermeiros buscam reconhecer a dimensão moral das suas atitudes para a tomada de decisão clínica, o que também pode ser identificado em estudo com enfermeiros atuantes em unidade de terapia intensiva, o qual destacou que os profissionais se tornam mais sensíveis ao reconhecer a dimensão moral das suas atitudes, possibilitando-os refletir de forma crítica e ética sobre como estão desempenhando suas atividades.17 Dessa forma, infere-se que uma orientação relacional baseada no reconhecimento da dimensão moral se constitui como importante componente da prática clínica, possibilitando melhor identificar as necessidades individuais dos pacientes e tomada de decisão clínica. 2^,5^,18^-19

Neste enfoque, para tomada de decisões clínicas moralmente adequadas, o enfermeiro precisa utilizar não apenas o raciocínio clínico, mas também reconhecer a singularidade do paciente e mostrar-se receptivo a possíveis situações de vulnerabilidade do paciente.12^,20Tal assertiva vai ao encontro deste estudo, quando os participantes identificam em suas falas que, para desenvolver uma assistência integral, humana e sensível, é preciso primeiramente reconhecer a singularidade do paciente. Neste contexto, a sensibilidade moral não só sensibiliza os enfermeiros para lidar com as questões morais, como também eleva a capacidade do enfermeiro em reconhecer os problemas e tomar decisões éticas com maior ciência das suas responsabilidades.21^-22

Durante atuação profissional nos ambientes clínicos, os enfermeiros podem enfrentar muitos desafios éticos. Em relação a esses conflitos, destaca-se a dificuldade de compreensão e paciência do acompanhante para com a equipe de enfermagem, o que acaba dificultando a tomada de decisão, como já constado em estudo com profissionais de enfermagem sobre conflitos ocupacionais.12^,23Em tal situação, identificam-se os valores pessoais permeados no equilíbrio emocional, harmonia, diálogo, respeito e amizade como elementos da sensibilidade moral, a qual faz com que o profissional tenha maior consciência de suas ações ou omissões.17

Cabe ressaltar que, cada vez mais, os ambientes clínicos de saúde apresentam-se insalubres e desgastantes, o que oportuniza aos enfermeiros vivenciarem sobrecarga de problemas em seu cotidiano de trabalho, que por suas características de repetição e aparente normalidade, obstruem o reconhecimento da dimensão ética e as melhores práticas clínicas.8 Diante disso, os enfermeiros entrevistados neste estudo, identificam a adaptação no ambiente de trabalho e a busca pela construção de ambientes éticos como elementos potencializadores da sensibilidade moral. O clima ético no contexto de trabalho, proporciona aos enfermeiros melhor adaptar-se ao seu ambiente laboral, o que influencia diretamente na forma como estes profissionais irão constituir-se como seres de ação.16^,24Assim, a sensibilidade moral proporciona ao enfermeiro a capacidade de reconhecer e resolver os problemas éticos em seu cotidiano de trabalho e adaptar-se ao seu ambiente de trabalho.5

Identificou-se também que a empatia, o diálogo, a tomada de decisão clínica pautada nos interesses do paciente, o atendimento as necessidades dos pacientes a partir da compreensão de suas reais condições de saúde, respeitando-os, acolhendo os seus desejos e orientando-os quanto as suas solicitações e recusas constituem importantes elementos da sensibilidade moral. Neste sentido, cabe destacar que as relações com o paciente clínico e, consequentemente, a assistência de enfermagem deve estar pautada no paciente como um ser único e complexo,25 exigindo sensibilidade moral ao passo que permita realizar o suporte adequado ao paciente com empatia, compreensão, respeito e afeto.

Pode-se observar que os enfermeiros entrevistados referem tomar suas decisões pautadas na empatia e diálogo franco. Estudo brasileiro sobre as dimensões éticas do cuidado afirma que, ao interagir com a equipe multiprofissional e pacientes através de diálogo claro e conciso, de atitudes empáticas, os enfermeiros estarão se comprometendo eticamente com quem recebe o cuidado, e serão capazes de melhor identificar as situações vulneráveis e melhor desenvolver processos éticos de tomada de decisão.19 Neste sentido, a sensibilidade moral proporciona aos enfermeiros maior compromisso com o cuidado e consequentemente, maior responsabilidade de como as suas ações afetarão a vida das outras pessoas, seja ela, paciente, equipe e/ou acompanhantes.6

Os enfermeiros participantes referem que a tomada de decisão clínica adequada e o atendimento das necessidades dos pacientes são elementos da sensibilidade moral, as quais os impulsionam agir de forma benevolente. Semelhante a isto, estudo com enfermeiros da Turquia evidenciou que os mesmos se consideravam os maiores responsáveis pelo cuidado de seus pacientes, conferindo-lhes a responsabilidade de promover o bem estar, a manutenção da autonomia e das boas práticas clínicas.26

Pesquisa com estudantes de enfermagem iranianos sobre os fatores da sensibilidade moral identificou que, ao compreender a condição do paciente, os estudantes e enfermeiros estarão agindo com sensibilidade moral, sendo possível estruturar o significado moral e intervir de forma a garantir melhor eficiência e eficácia das suas ações, baseadas principalmente no pensamento crítico e reflexivo, a fim de minimizar os riscos à saúde mental dos pacientes.27 Neste sentido, a sensibilidade moral é fundamental para que a tomada de decisão seja realizada de forma ética, empática e benevolente, tendo em vista o reconhecimento de possíveis vulnerabilidades dos pacientes,22 situações que aproximam-se dos dados apresentados neste estudo.

Quando nem mesmo as ações moralmente embasadas possibilitam desenvolver as ações clínicas esperadas, os participantes referem orientar os pacientes diante da recusa terapêutica, porém, sempre considerando e respeitando as suas decisões de escolha. Resultados semelhantes demonstram que a prática moral da enfermagem está atrelada a necessidade de tomar decisões que envolvam o respeito e a garantia da autonomia do paciente, de modo que o faça deliberar sobre suas escolhas.28 Dessa forma, este estudo possibilitou inferir que o desenvolvimento da sensibilidade moral nos ambientes de clínica médica permite ao profissional reconhecer e compreender as situações de forma a realmente priorizar e defender os direitos dos pacientes.

A sensibilidade moral, por sua vez, deve estar vinculada aos fatores cognitivos e emocionais para que o enfermeiro reconheça o outro como ser apto e capaz de fazer as próprias escolhas.29 Nesse sentido, unicamente a capacidade de percepção dos dilemas éticos desenvolvido pela sensibilidade moral não garante a tomada de decisão justa e prudente. Esta deverá estar ligada a outros elementos, como por exemplo o pensamento crítico e clínico, respeito as diferenças culturais, educacionais, de crenças pessoais, do respeito a autonomia e ao acolhimento dos desejos dos pacientes.30 Corroborando com isso, neste estudo, os enfermeiros manifestam que, ao acolher os desejos do paciente e orientá-los quanto as suas solicitações e recusas, estarão desenvolvendo suas ações clínicas com sensibilidade moral.

Entende-se como limitação do estudo o fato de ter sido realizado a partir de uma abordagem qualitativa em uma amostra específica de enfermeiros que trabalham na unidade de clínica médica de uma instituição hospitalar do sul do Brasil, o que não permite a generalização dos seus resultados. Outro aspecto limitante, se dá pela escassez de estudos sobre sensibilidade moral no Brasil, o que dificulta o estabelecimento de maiores comparações entre os achados da pesquisa e a realidade vivenciada pelos demais enfermeiros dos diferentes contextos nacionais.

CONCLUSÃO

Os enfermeiros mostraram que os elementos da sensibilidade moral estão ancorados em seis categorias que abrangem tanto as relações profissionais, quanto as relações com paciente, demonstrando-se moralmente sensíveis ao reconhecer da dimensão ética das suas atitudes, reconhecer as singularidades para a tomada de decisão, a forma como os enfermeiros enfrentam os conflitos ocorridos entre profissionais e acompanhantes e na adaptação ao ambiente de trabalho. Além disso, identificou-se também que a empatia, o diálogo, a tomada de decisão clínica, o atendimento as necessidades dos pacientes, a compreensão da sua condição de saúde, o respeito, o acolhimento aos seus desejos e a orientação quanto as suas solicitações e recusas constituem os elementos que influenciam na sensibilidade moral dos enfermeiros. Tais elementos, auxiliam na instrumentalização destes profissionais para a tomada de decisão ética diante os conflitos vivenciados no ambiente clínico.

Contudo, os resultados contribuiem para que os enfermeiros sejam provocados a desenvolver uma consciência ética profissional pautada tanto nos valores éticos e morais, quanto nos valores pessoais, tornando-os capaz de discutir e defender seus ideais, preocupações e conflitos. A sensibilidade moral potencializa os enfermeiros a identificar e diferenciar os problemas éticos dos problemas cotidianos, fazendo com que estes profissionais se mostrem capacitados para identificar a dimensão ética do problema e realizar a tomada de decisão adequada em prol do paciente.

Por fim, considerando a dimensão ética da temática, sugere-se a inserção da sensibilidade moral como tema nas capacitações e educação permanente nas instituições hospitalares e também a necessidade de prosseguir realizando estudos acerca da sensibilidade moral em outros contextos brasileiros, uma vez que, possibilitará maiores comparações entre outras instituições hospitalares e conhecer como enfermeiros em outros contextos, veem a sensibilidade moral.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da dissertação - Sensibilidade moral de enfermeiros de unidade de internação clínica do adulto. Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande, em 2018.

• FINANCIAMENTO

  Auxilio Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), Processo número: 401582/2016-7.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Rio Grande, Parecer nº88/2018, CAAEE 88866518.4.0000.5324.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  07 Mar 2019
• Aceito
  26 Jul 2019