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VIOLAÇÕES NO USO DE EQUIPAMENTOS POR ENFERMEIROS NA TERAPIA INTENSIVA

RESUMO

Objetivo:

identificar situações de violação no uso de equipamentos por enfermeiros na unidade de terapia intensiva e analisar suas implicações quanto à segurança do paciente.

Método:

pesquisa de campo, descritiva, com abordagem qualitativa, realizada de março a dezembro de 2014, com aplicação do conceito de violação de James Reason. Os participantes foram enfermeiros do período diurno, atuantes na assistência direta na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital federal. A produção dos dados se deu através da observação sistemática e entrevistas, analisados com base na descrição densa das cenas e no conteúdo das respostas.

Resultados:

há violações do planejamento da assistência quanto à verificação do funcionamento do equipamento prévio a sua utilização e quanto aos alarmes, quando as enfermeiras os desligam para atenuar os efeitos da sobrecarga sonora sobre a equipe.

Conclusão:

as situações registradas comprometem a segurança e causam sérios riscos aos pacientes, sendo necessário aplicar estratégias que promovam uma cultura de segurança.

DESCRITORES:
Enfermagem; Segurança do paciente; Tecnologia biomédica; Terapia intensiva; Erros médicos.

ABSTRACT

Objective:

to identify situations of violation in the use of equipment by nurses in the intensive care unit and analyze their implications on patient safety.

Method:

a descriptive field study with qualitative approach was carried out from March to December 2014, with the use of James Reason's violation concept. The participants were nurses from the day shift, working in direct care at an intensive care unit of a federal hospital. Data production was carried out through systematic observation and interviews, and were analyzed based on thick description of scenes and content of responses.

Results:

violations in planning care regarding the checking of the equipment functioning before its use and alarms were found, when nurses disconnect them to reduce the effects caused by the overload of noise on the team.

Conclusion:

the situations reported compromise safety and cause serious risks to patients. Therefore, implementation of strategies to promote a safety culture is required.

DESCRIPTORS:
Nursing; Patient Safety; Biomedical Technology; Critical Care; Medical Errors.

RESUMEN

Objetivo:

identificar situaciones de violación en la utilización de equipos por enfermeros en la unidad de terapia intensiva; y analizar sus implicaciones en la seguridad del paciente.

Método:

investigación de campo, descriptiva, con abordaje cualitativo, realizada de marzo a diciembre de 2014, con aplicación del concepto de violación de James Reason. Los participantes fueron enfermeros del período diurno, actuantes en la atención directa en la Unidad de Terapia Intensiva de un hospital federal. La producción de datos ocurrió a través de la observación sistemática y de entrevistas, analizados con base en la descripción densa de las escenas y en el contenido de las respuestas.

Resultados:

hay violaciones de la planificación de la asistencia cuanto a la verificación del funcionamiento del equipo previo a su utilización; y cuanto a los alarmes, cuando las enfermeras los desligan para atenuar los efectos de la sobrecarga sonora sobre la equipe.

Conclusión:

las situaciones registradas comprometen la seguridad y causan serios riesgos a los pacientes, siendo necesario aplicar estrategias que promuevan la cultura de seguridad.

DESCRIPTORES:
Enfermería; Seguridad del paciente; Tecnología Biomédica; Cuidados intensivos; Errores médicos

INTRODUÇÃO

A segurança do paciente no âmbito do cuidado em saúde constitui-se em uma temática prioritária na agenda mundial atual em face dos custos econômicos e sociais resultantes da ocorrência de eventos adversos, a exemplo dos provenientes erros de medicação, não lavagem das mãos, dentre outros. Tal cuidado seguro é, pois, um desafio, demandando no campo científico de novas investigações que busquem mensurar os erros, compreender as causas dos eventos adversos e propor medidas interventivas que promovam a segurança.11 Reis CT, Martins M, Laguardia J. A segurança do paciente como dimensão da qualidade do cuidado de saúde - um olhar sobre a literatura. Ciênc. saúde coletiva. 2013 Jul; 18(7): 2029-36.

Sobre isso, ressalta-se a Portaria n. 529, de 1º de abril de 2013 que lançou o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP).2 Um dos seus focos é o uso de tecnologias, em vista dos riscos de sua incorporação ao cuidado em saúde. A tecnologia em saúde refere-se a "medicamentos, equipamentos e procedimentos técnicos, sistemas organizacionais, informacionais, educacionais e de suporte e programas e protocolos assistenciais por meio dos quais a atenção e os cuidados com a saúde são prestados à população".3:30

No interesse do artigo, o termo tecnologia é relacionado aos equipamentos utilizados no cuidado intensivo. À luz deste entendimento, há um aumento significativo do número de incidentes associados ao manuseio destes equipamentos. Muitos dos incidentes registrados com desfibriladores, bombas infusoras e ventiladores artificiais têm ligação com o usuário do equipamento.44 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D, et al. Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010 Feb; 112(2): 364 -72.

5 Mattox E. Medical devices and patient safety. Crit Care Nurse. 2012 Aug; 32: 60-8.
-66 Bourgain JL, Coisel Y, Kern D, Nouette-Gaulain K, Panczer M. What are the main "machine dysfunctions" to know? Ann Fr Anesth Reanim. 2014; 33 (7-8):466-71.

Revisão das notificações compulsórias de incidentes relacionados aos equipamentos médicos na França em 1998 revelou 11% de incidentes severos e 2% de incidentes fatais.44 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D, et al. Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010 Feb; 112(2): 364 -72. Os alarmes figuraram na lista dos dez maiores riscos em 2014 com tecnologias;77 ECRI Institute. Know the health technology hazards that pose possible patient risk. OR Manager. 2014; 30(2): -4. já as bombas infusoras respondem por cerca de 30 a 60 % dos incidentes com medicação intravenosa.55 Mattox E. Medical devices and patient safety. Crit Care Nurse. 2012 Aug; 32: 60-8.

Em termos de consequências aos pacientes, cita-se o caso de um modelo específico de desfibrilador, em que, após cada tentativa sincronizada de cardioversão, ele retorna ao modo padrão de não sincronização. Todavia, após uma tentativa de cardioverter o paciente sem sucesso, o usuário do dispositivo não percebeu que a sincronização desapareceu do monitor e inadvertidamente efetuou uma desfibrilação, precipitando a fibrilação ventricular.88 Fairbanks RJ, Wears RL. Hazards with medical devices: the role of design. Ann Emerg Med. 2008 Nov; 52: 519-21.

A análise dessa situação indica que um dos fatores que incide na ocorrência desses incidentes com os equipamentos é o comportamento de violação dos profissionais. As violações têm sido referenciadas como causa de incidentes em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em uma proporção grande, assumindo relevância semelhante à questão do conhecimento e experiência. É comum a não verificação dos equipamentos antes da anestesia e desligamento dos alarmes.44 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D, et al. Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010 Feb; 112(2): 364 -72.

Os alarmes, inclusive, são um ponto crítico no âmbito das violações, principalmente quando são desligados e uma intercorrência cardíaca não é detectada; ou quando um sistema de monitoramento central não toca o alarme durante o desenvolvimento de parada cardíaca em um paciente e o alarme do leito que foi colocado no volume mínimo não é ouvido.55 Mattox E. Medical devices and patient safety. Crit Care Nurse. 2012 Aug; 32: 60-8.

Além de comprometer a vida do paciente, essa problemática traz também implicações financeiras, já que é grande o número de ações legais movidas por pacientes que sofreram danos em busca de indenizações. Nesta direção, é imprescindível gerenciar os riscos de uso dos equipamentos, focando em fatores que interferem na segurança, como são as violações.

As violações são consideradas desvios deliberados de regras, rotinas, recomendações, procedimentos operacionais seguros. São ações escolhidas que, ao se distanciarem daquilo que está prescrito nas normas, geram riscos. Embora sejam intencionais, não há pretensão de causar danos, apenas "abreviar" o caminho para a realização de uma atividade, o que termina por desviar a ação do curso esperado. Este conceito integra a teoria do erro humano proposta por James Reason em 1990, que objetiva compreender os mecanismos que explicariam o erro para que se possa aplicar medidas para sua prevenção, bem como detecção/correção.99 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995; 4:80-89.-1010 Reason J. Human errors: models and management. BMJ; 2000; 320:768-70.

A distinção do conceito de erro e violação é utilizada nesta teoria para a compreensão dos processos que operam no caso de erros visando orientar a elaboração de medidas defensivas com foco na melhoria da segurança. O erro se assenta na falibilidade humana e as violações na cultura e comportamento, logo, requerem medidas diferentes. A compreensão das violações é importante, pois pode ser o início de um processo que progride até o erro.99 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995; 4:80-89.,1010 Reason J. Human errors: models and management. BMJ; 2000; 320:768-70.

Há uma clínica do cuidado de enfermagem em UTI,11 e nessa clínica as diversas técnicas, tecnologias e saberes especializados modulam a interação e exercem influência na execução das atividades assistenciais pelo enfermeiro ao paciente crítico.1111 Silva RC, Ferreira MA. The practice of intensive care nursing: alliance among technique, technology and humanization. Rev Esc Enferm USP. 2013 Dec; 47(6):1325-32.

Estudos apontam indícios de postura ambivalente da equipe de enfermagem nas UTIs diante dos equipamentos.4,12 Uma destas ambivalências deve-se aos elevados níveis de confiança de operadores experientes na automação, o que pode levar ao acompanhamento inadequado dos equipamentos. Evidências sugerem que as enfermeiras de UTI têm potencial para exibirem atitudes complacentes, com possibilidades reais de danos aos pacientes por causa dessa confiança.1212 Browne M, Cook P. Inappropriate trust in technology: implications for critical care nurses. Nursing in Critical Care. 2011 Mar-Apr; 16(2):92-8.

Assim sendo, objetivou-se identificar situações de violação no uso de equipamentos por enfermeiros na unidade de terapia intensiva e analisar suas implicações quanto à segurança do paciente.

MÉTODO

Pesquisa de campo, descritiva, com abordagem qualitativa, que utilizou como cenário para o estudo a UTI de um hospital federal, universitário, localizado no município do Rio de Janeiro. Após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital, protocolo n. 260.345/13, CAAE 15619913.5.0000.5238, em atendimento à resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, houve a inserção dos pesquisadores em campo para familiarização com a realidade a ser investigada, aproximação dos potenciais participantes para apresentação da proposta da pesquisa e posterior convite de participação. Os que aceitaram assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram identificados conforme a ordem de produção dos dados.

A UTI possui uma área de pacientes clínicos com nove leitos, que tem equipe de enfermagem por turno composta por dois enfermeiros, e uma área cirúrgica com seis leitos e um enfermeiro por turno. Ambos se revezam em uma escala de 12 horas de trabalho por 60 horas de descanso. Nove enfermeiros trabalham no turno diurno e nove no noturno.

Os critérios de inclusão foram: enfermeiro da UTI envolvido com a assistência direta ao paciente no período diurno; estar em atividade no setor durante o período destinado à pesquisa. A amostra foi de oito enfermeiros, pois um deles não estava atuando no período da pesquisa. A pesquisa foi realizada no turno diurno porque é neste que ocorre a maioria das ações diretas ao paciente e de procedimentos diagnósticos, oferecendo melhores condições para apreender as condutas dos enfermeiros em atendimento aos objetivos desta pesquisa.

A produção dos dados ocorreu no período de março a dezembro de 2014 por meio de técnica de observação sistemática, aplicada para captar como os enfermeiros agiam em relação à utilização de equipamentos no cuidado ao paciente. O roteiro de observação foi organizado em duas partes, a primeira de caracterização da cena de observação contendo dados como: data e hora da observação, tipo de situação observada, informações clínicas do paciente que estava na cena observada e profissional observado. Inicialmente, coletou-se os dados de caracterização do profissional, tais como formação, qualificação e atuação, com vistas a articulá-los à sua prática de cuidar.

A outra parte do instrumento foi construída com base na literatura que indicava os equipamentos envolvidos em incidentes e os fatores relacionados.4-6,13 Com base nisso, optou-se pela observação de situações centradas na atuação do enfermeiro no manejo dos equipamentos voltados à monitorização dos parâmetros hemodinâmicos, infusão de soluções e nutrientes e ventilação. O instrumento abarcou informações sobre: configuração de dados pelo profissional, interpretação dos significados das ações/comandos; capacidade para detectar/resolver problemas; manejo dos alarmes; dificuldades de manejo; e interrupções.

A observação da utilização dos equipamentos foi feita durante as cenas de cuidados diários para o atendimento das necessidades biológicas, admissão e transferência de pacientes no setor, realização de procedimentos e técnicas de alta complexidade, atuação em momentos de intercorrências clínicas e reunião clínica da equipe de enfermagem, com um total de 130 horas de observação.

Os registros das observações foram feitos em um diário de campo com a categorização: notas teóricas, metodológicas e pessoais. As notas das cenas e ações de cuidado foram feitas com aprofundamento pautado nos princípios da descrição densa, que abrange a descrição das cenas e a interpretação do pesquisador e do pesquisado.

Registrou-se os tipos de violações, fatores relacionados, condutas, danos ao paciente e, posteriormente, fez-se questionamentos aos enfermeiros envolvidos nas cenas registradas buscando-se o sentido de suas condutas e suas perspectivas sobre as situações identificadas.

As respostas dos participantes foram gravadas e transcritas no diário de campo e a análise do seu conteúdo foi utilizada no conjunto da análise das cenas como suporte para interpretação dos resultados.

Os resultados foram organizados em duas categorias, que representaram as maiores ocorrências registradas nas cenas observadas: carregamento das baterias dos equipamentos e alarmes clínicos. A análise considerou a seguinte classificação de violação destacada por Reason: violações rotineiras - ocorrem no decurso das atividades diárias e caracterizam-se pelo uso de atalhos na execução destas tarefas; violações necessárias - ocorrem quando a violação da regra é a única forma de realizar a tarefa; e violações para aumentar a eficácia - acontecem com o objetivo de se obter ganhos pessoais.99 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995; 4:80-89.-1010 Reason J. Human errors: models and management. BMJ; 2000; 320:768-70.

RESULTADOS

Violação do carregamento das baterias dos equipamentos

Relaciona-se aos modos de agir adotados pela equipe marcados por desvios da prática recomendada de carregamento das baterias dos equipamentos, os quais produzem repercussões no funcionamento adequado destes aparelhos. Isto, por sua vez, impacta no resultado esperado de sua utilização no paciente, com potenciais efeitos indesejados nestes.

Os momentos que estes desvios vêm à tona são retratados nas falas das enfermeiras: os problemas mais comuns são as baterias que não são carregadas [...] (Enf. 6); olha, o transporte é pior! Outro dia fui transportar um paciente e o monitor desligou por falta de bateria. E era um paciente super descompensado que estava indo para uma tomografia computadorizada. Olha, foi difícil! Essas baterias são um problema, você vai ver quando for o seu plantão, isso sempre acontece, mas não deveria [...] (Enf. 1); com os monitores eu já tive problemas [...] a bateria acabou no meio do transporte. Estávamos voltando de uma tomografia, era um paciente com picos hipertensivos, mas não tão graves, como já estávamos voltando fizemos o mais rápido possível e ao chegar checamos tudo. Ele não teve problemas, mas eu fiquei muito nervosa! (Enf. 8).

Desse modo, as depoentes sinalizam a violação do planejamento para a utilização do equipamento, mormente no que tange aos efeitos da falta de força das baterias durante o transporte do paciente crítico. Na prática, durante a observação de situações em que se fazia necessário o transporte do paciente, esta violação da preparação do equipamento é ratificada.

É o que acontece quando a Enf. 1 prepara o paciente do leito 14 para sua transferência ao setor de clínica no período da manhã. Ela se dirige ao estoque em busca de uma bomba infusora. Ao iniciar seu funcionamento percebe que a mesma encontra-se sem bateria. Retorna ao estoque e capta outra bomba cujo problema se repete. Apenas na terceira tentativa obtém um aparelho que funcione, o que a leva a comentar esta situação com o Enf. 3.

O pessoal precisa colocar as bombas para carregar, eu peguei duas lá, mas não foram ligadas na tomada. O Enf. 3 completa: vamos comunicar isso na passagem de plantão, não tem jeito! (trecho de diário de campo, Enf. 1 e 3, 7h30 min-12h10min).

As consequências do não carregamento das baterias foram vistas no dia em que as Enf. 1 e 4 avaliavam no posto de enfermagem duas pacientes que demandavam o transporte para realização de exames, sendo uma para endoscopia e outra para tomografia abdominal. Ambas estavam agendadas para o mesmo horário, entretanto, próximo ao horário previsto, só havia um monitor de transporte carregado no setor. Na tentativa de resolver tal problema, o Enf. 1 foi à enfermaria clínica para buscar outro monitor que havia sido utilizado durante transferência prévia do paciente da UTI para esta enfermaria (trecho de diário de campo, Enf. 1e 4, 13h-17h).

Violação dos alarmes clínicos

Uma das violações que ocorre com frequência no cotidiano de cuidar na UTI refere-se às condutas dos enfermeiros perante os alarmes clínicos. Nesta medida, a análise de tais condutas possibilita apreender as seguintes características das violações: desligamento, diminuição do volume, resposta atrasada e ausência de resposta.

O comentário da Enf. 5, a partir da observação pela pesquisadora de uma cena de higiene no leito em que houve o desligamento do alarme, explica esta conduta: os alarmes são importantíssimos, mas às vezes são muito chatos. Eles disparam sem motivo quando os aparelhos começam a quebrar, e aí temos que desligar o alarme ou diminuir o volume. Mas é impressionante o quanto precisamos deles para trabalhar (Enf. 5); elas ficam alarmando por tudo [as bombas], às vezes não tem nada errado e elas alarmam. Mas é importante porque às vezes realmente alguma coisa está acontecendo [...] ou a medicação está acabando, mas há algo errado com o circuito e nós precisamos dos alarmes. Não pode é desligar ou não programar as coisas direitinho como hoje (Enf. 6).

Por outro lado, os registros de campo indicam que nem sempre o desligamento ocorre pelo mau funcionamento do equipamento, mas por desvio deliberado do profissional, sobretudo quando ele está próximo ao paciente, avaliando-o ou prestando determinado cuidado, como o banho. Observa-se, contudo, que isto resulta em esquecimentos e quando o enfermeiro assume uma distância para a execução de outras atividades dificulta a detecção de eventos clínicos e atrasa a aplicação das medidas interventivas.

As descrições das cenas de higienização ilustram essa afirmativa. É o caso das duas apresentadas em seguida. A primeira envolve uma paciente de 58 anos, internada no leito 6 com diagnóstico médico de anemia falciforme e insuficiência renal crônica, sob uso de macronebulização contínua em virtude do quadro de dispneia. No início do procedimento, o equipamento de monitorização foi desligado e, após sua finalização, foi novamente conectado ao paciente, evidenciando aumento da frequência respiratória, pressão arterial (170 x 100 mmHg) e queda na saturação do oxigênio no sangue arterial (SaO2 - 85%).

O aparelho começa a alarmar e a Enf. 8 procede com o desligamento do alarme, que perdurou por um período de aproximadamente 30 minutos, durante o qual realizou os curativos. Quando a Enf. 6 está deixando o leito é relembrada sobre o alarme pela pesquisadora, ela responde: que bom que você lembrou, esses alarmes são demais. Eu às vezes desligo quando estou no leito, pois estou atenta ao paciente, mas depois esqueço de ativar (trecho de diário de campo, Enf. 1 e 3, 7h30min -11h20min).

Questionada sobre o desligamento, ela continua: não foi comigo, mas eu estava passando lá no CTI cirúrgico e um paciente estava com frequência cardíaca baixíssima, muito hipotenso e ninguém viu, pois o alarme estava desligado [...] eu liguei o alarme, chamamos a equipe médica e começamos com Noradrenalina. De repente, se eu não tivesse visto o paciente poderia parar e não veríamos. Depois ele até teve uma parada cardiorespiratória, mas estávamos atentos pelos sinais e alarmes e conseguimos reverter.

Na segunda cena, após a chegada da pesquisadora ao cenário do estudo, esta identificou que o monitor do leito 12 emite um sinal luminoso para alertar alteração nos valores da pressão arterial (210 x 110 mmHg). O volume do alarme encontrava-se muito baixo cujo som era ainda prejudicado pelo ruído dos ventiladores mecânicos da unidade. A pesquisadora, após detecção, comunica o fato à Enf. 6, que se dirige até este leito, reconfigura os alarmes e, em seguida, procura pela equipe médica para relatar o episódio e discutir sobre a conduta terapêutica a ser aplicada. Ao retornar, a Enf. 6 direciona-se à pesquisadora: esquecemos de aumentar o volume dos alarmes após o banho, que bom que avisou!(trecho de diário de campo, Enf. 6, 13h - 17h30min).

Considerando que o episódio foi identificado às 13 horas e o banho ocorre de 9-11 horas não é possível precisar o tempo em que o paciente permaneceu com o parâmetro alterado. Verifica-se, neste exemplo, a não detecção de um incidente cardíaco com o paciente em razão da violação através da redução do volume do alarme. Este atraso na identificação pode produzir desdobramentos que comprometem a vida do paciente, como se vê a seguir.

Às 10h e 30 min estão no posto de enfermagem a Enf. 6 e uma técnica de enfermagem. Neste momento outra técnica de enfermagem da equipe passa correndo pela unidade e informa que o circuito da ventilação artificial do paciente do Box 10 estava desconectado da traqueostomia. Todos saem rapidamente em direção a este leito e quando chegam percebem a paciente com sinais de cianose pela coloração das extremidades e face. A paciente evoluiu com pressão arterial de 180 x 110 mmHg e SaO2-79%. A Enf. 6 fez a reprogramação do alarme e, após o ocorrido, fala sobre o episódio:

[...] aqui é rotina de quem recebeu o paciente programar os aparelhos e os alarmes de acordo com a necessidade. Eu nunca tive problema com alarme do ventilador, são os mais escandalosos. Esse não estava programado corretamente, assim como outros que acabei de atualizar, o pessoal da noite gosta de diminuir os alarmes ou alguém recebeu e não checou (trecho de diário de campo, Enf. 6, 7h30min - 12h).

DISCUSSÃO

O uso de equipamentos no cuidado do paciente crítico pelos enfermeiros e o seu adequado manejo mostra-se preocupante em situações de transporte, pois as cenas e depoimentos retratados apontam a existência de violações do planejamento quanto à checagem e verificação do funcionamento destes aparelhos previamente a sua utilização.

Como resultados, registram-se situações de mau funcionamento de aparelhos que comprometem a segurança do paciente e podem lhe causar danos que abarcam: a não infusão de medicamento por meio da bomba infusora; a oxigenação inadequada através dos dispositivos de ventilação; e a não identificação de uma alteração clínica com posterior atraso das intervenções, conforme alertam para esta ocorrência nos seus depoimentos as Enf. 1 e 8.

Esta problemática dos incidentes com equipamentos também é destacada em outras pesquisas,6,14-15 como na que discutiu os tipos de problemas com máquinas que se deve conhecer. Nesta, aponta-se que o uso inapropriado é a principal causa dos incidentes relacionados aos equipamentos na UTI, mas, ressalva-se, que a natureza de tais incidentes é multifatorial. As falhas que acontecem com os equipamentos são um exemplo disso, que tanto têm a ver com a obsolescência e manutenção inadequada quanto com a falta de controle antes do seu uso. Nesta medida, considera-se que a verificação prévia do funcionamento adequado do equipamento é uma estratégia de promoção da segurança do paciente e, ao contrário, a sua violação aumenta o risco dos incidentes.66 Bourgain JL, Coisel Y, Kern D, Nouette-Gaulain K, Panczer M. What are the main "machine dysfunctions" to know? Ann Fr Anesth Reanim. 2014; 33 (7-8):466-71.

Esses incidentes podem ser observados em revisão de literatura que rastreou as complicações apresentadas pelos pacientes críticos durante o transporte intra-hospitalar. Nos eventos adversos encontrados, salienta-se: o problema da equipe multidisciplinar cuja causa foi a falta de conhecimento e comunicação inadequada. Erros com base no conhecimento equivaleram a 54% dos incidentes e dentre eles está o erro de preparação do equipamento; as falhas nos equipamentos, as quais foram categorizadas conforme a modalidade de aparelho, quais sejam: de ventilação (desconexão, cilindros vazios, bolsas com selamento inadequado); de infusão (término na bateria; do medicamento); de monitorização (mau funcionamento, término na bateria, interferência, mau funcionamento da linha arterial). Conclui-se, assim, que esses erros elencados foram cometidos pela equipe, situações que poderiam ser evitadas.1414 Almeida ACG, Neves ALD, Souza CLB, Garcia JH, Lopes JL, Barros ALBL. Intra-hospital transport of critically ill adult patients: complications related to staff, equipment and physiological factors. Acta Paul Enferm. 2012 May-Jun; 25(3): 471-6.

Tal tipo de violação evidenciado nos dados e corroborado pela literatura de suporte é denominado por Reason de violações rotineiras, que geralmente ocorrem na tentativa de ganhar tempo ou na intenção de estar disponível mais rápido para executar uma atividade mais urgente. Perpassa procedimentos simples e aqueles mais complexos.99 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995; 4:80-89.

Ressalta-se que este emprego de regras, normas e diretrizes no campo da segurança visa prevenir danos aos pacientes, todavia, na área da saúde, há alto índice de violação de normas importantes, como é o caso da higienização das mãos. A baixa adesão à higienização das mãos é um fenômeno que representa o exemplo mais comum de violação às normas prescritas. Na terapia intensiva esta baixa adesão também tem sido demonstrada pelos estudos.1616 Souza LM, Ramos MF, Becker ESS, Meirelles LCS, Monteiro SAO. Adherence to the five moments for hand hygiene among intensive care professionals. Rev Gaúcha Enferm. 2015 Dec; 36(4): 21-8.-1717 Bathke J, Cunico PA, Maziero ECS, Cauduro FLF, Sarquis LMM, Cruz EDA. Infrastructure and adherence to hand hygiene: challenges to patient safety. Rev Gaúcha Enferm. 2013 Jun; 34(2):78-85. Ao identificarem a adesão dos profissionais de saúde de uma UTI aos cincos momentos da higienização das mãos, pesquisadores verificaram que a taxa de adesão ficou em 43,7%, com ausência de higienização das mãos em 446 observações (56,2%), e sendo a classe dos técnicos de enfermagem a que teve menor adesão.1616 Souza LM, Ramos MF, Becker ESS, Meirelles LCS, Monteiro SAO. Adherence to the five moments for hand hygiene among intensive care professionals. Rev Gaúcha Enferm. 2015 Dec; 36(4): 21-8.

Na particularidade do uso de equipamentos na UTI, para que este se dê de maneira segura demanda uma fase de planejamento, a qual envolve a preparação do equipamento quanto à autonomia das baterias, bem como a verificação acerca do mau funcionamento. Os dados mostram, porém, a violação deste planejamento, com potencial para danos ao paciente.

Esta atitude da equipe pode ser explicada pela característica do ambiente de trabalho, marcado pela premência das situações. Isto porque a assistência na UTI é voltada a um perfil de paciente com instabilidade das funções dos sistemas orgânicos, o que resulta em situações iminentes de emergência, alerta constante e múltiplos procedimentos invasivos.

Em razão disso, tal violação rotineira torna-se tolerável pela supervisão. A influência da supervisão da prática dos demais membros da equipe é um fator observado nos dados, especialmente quando a Enf.1 diz: isso sempre ocorre, mas não deveria. As habilidades de comunicação e coordenação são aspectos que estão relacionados com a supervisão e que podem concorrer para os atos inseguros.1818 Correa CRP, Cardoso Júnior MM. Análise de classificação dos fatores humanos nos acidentes industriais. Produção. 2007 Jan-Abr; 17(1):186-98.

Sobre a comunicação, sua importância como parte da supervisão dos membros da equipe acerca do planejamento para utilização dos equipamentos na UTI é ressaltada nos dados empíricos pela Enf. 3, que verbaliza sua preocupação com o não carregamento das baterias das bombas infusoras e a necessidade de diálogo com os outros colegas para sensibilizá-los sobre a relevância desta atividade. Esta cena ilustra os efeitos do processo de comunicação entre todos os atores constituintes do cenário da UTI no bom andamento do trabalho, na troca de saberes e, consequentemente, na recuperação do paciente.

Por outro lado, as falhas de comunicação da supervisão com a equipe sobre a situação dos equipamentos durante a troca de turnos e sobre a revisão do funcionamento dos aparelhos durante o processo de trabalho pode ter gerado a situação envolvendo as Enfermeiras 1 e 4, na qual não havia um aparelho disponível para a realização do transporte do paciente crítico.

Esse resultado pode ser contrastado com outros problemas de comunicação na UTI discutidos nos estudos, como é o caso do handover. O handover diz respeito à transmissão de informações relevantes à continuidade do tratamento do paciente para outra equipe profissional no decorrer da assistência, durante admissão e alta hospitalar. Estudos apontam que em torno de 70% dos erros e eventos adversos ocorrem devido à falha na comunicação. Dentre estes, quase metade ocorreram durante o handover entre os profissionais de saúde, causados por omissões de informações críticas sobre o paciente e seu plano de cuidados.1919 Abraham J, Kannampallil T, Patel B, Almoosa K, Patel VL. Ensuring patient safety in care transitions: an empirical evaluation of a Handoff Intervention Tool. AMMIA Annu Symp Proc. 2012 Nov; 2012:17-26.-2020 Blouin AS. Improving hand-off communications. Journal of Nursing Care Quality. 2011 Apr-Jun; 26(2):97-100.

Nesse sentido, é importante que a equipe esteja atenta ao trabalho interativo, colaborando para o saber interdisciplinar e facilitando o processo de comunicação na prevenção dos incidentes. Para tanto, o requisito da competência comunicacional na UTI é necessário, possibilitando organizar, estabelecer metas, identificar e solucionar problemas a fim de incrementar a eficiência desta unidade de trabalho e da organização como um todo.2121 Camelo SHH. Professional competences of nurse to work in Intensive Care Units: an integrative review. Rev. Latino-Am. Enfermagem; 2012 Jan-Fev; 20(1):192-200.

Destaca-se que a interação é a base para que a clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva se efetive como tal e o cuidado de enfermagem se processe; logo, há de existir comunicação.11 Quando os problemas de comunicação acontecem implicam diretamente nesta clínica, pois refletem-se nas ações de cuidar da enfermagem. Portanto, a comunicação adequada entre a equipe de enfermagem importa à segurança do paciente, sendo primordial para a efetividade do planejamento para uso dos equipamentos.

A violação também acontece no que se refere aos alarmes, quando as enfermeiras promovem o seu desligamento no decorrer da assistência na intenção de atenuar os efeitos da sobrecarga sonora sobre a equipe, como relatam as enfas 5 e 6 acerca das situações de disparo inadequado dos alarmes. Essas violações trazem riscos, ilustrados nesta pesquisa no registro do diário de campo em que uma alteração significativa dos índices pressóricos não é identificada pela equipe em virtude da diminuição deliberada do volume do alarme, com posterior esquecimento de restabelecimento do volume inicial.

Esse resultado é ratificado pelos dados de incidentes relacionados à segurança do paciente registrados em uma base de notificação francesa. Na revisão dos registros relativos à anestesiologia e cuidados críticos dos anos de 2005-2006, tal problemática é uma das causas de incidentes envolvendo os equipamentos classificados como severos. Durante um período de dois anos foram identificadas 197 vítimas de incidentes severos, nos quais os erros humanos foram a principal causa. O desligamento ou resposta atrasada a alarmes por conta da falta de compreensão da sua função foi uma situação comum.44 Beydon L, Ledenmat PY, Soltner C, Lebreton F, Hardin V, Benhamou D, et al. Adverse events with medical devices in anesthesia and intensive care unit patients recorded in the French safety database in 2005-2006. Anesthesiology. 2010 Feb; 112(2): 364 -72.

Revisão sistemática da literatura que levantou evidências acerca do comportamento dos enfermeiros perante os alarmes clínicos mostrou que este comportamento não é linear, perpassando desde alterar os parâmetros no início do plantão até ignorá-los.2222 Galo ARL, Diogo CAS, Cipriano DN, Araújo I, Martins JMB, Cunha LDM. Comportamentos dos enfermeiros perante os alarmes clínicos em unidades de cuidados intensivos: uma revisão integrativa. Rev Enf Ref. 2013 Dez; 3(11):105-12.

A preocupação com a conduta diante dos alarmes clínicos está presente em publicação de organização internacional no campo da segurança que apresenta os maiores perigos potenciais ligados ao uso das tecnologias. Os alarmes foram considerados de grande relevância no ano de 2013, pois responderam por 80 mortes e 13 danos permanentes relatados em um determinado período deste ano, em uma base de registro. A fadiga de alarmes é um fator citado, em que profissionais tornam-se dessensibilizados ou distraídos aos alarmes.77 ECRI Institute. Know the health technology hazards that pose possible patient risk. OR Manager. 2014; 30(2): -4.

Este fenômeno da fadiga de alarmes acontece na vigência de um grande número de alarmes, os quais produzem sobrecarga sensorial e dessensibilização da equipe para sua urgência, culminando por encobrir os alarmes clinicamente relevantes a partir de condutas como ignorar, silenciar, desabilitar.23 Isto ficou claro quando pesquisadores mensuraram o tempo estímulo-resposta da equipe de uma unidade coronariana aos alarmes de monitores multiparâmetros. Mais de 60 % dos alarmes foram considerados fatigados (com resposta superior a 10 minutos) e menos de 20% foram atendidos em até 5 minutos.2323 Bridi AC, Silva RCL, Farias CCP, Franco AS, Santos VLQ. Tempo estímulo-resposta da equipe de saúde aos alarmes de monitorização na terapia intensiva: implicações para a segurança do paciente grave. Rev Bras Ter Intensiva. 2014 Jan-Mar; 26(1):28-35.

Em segunda investigação sobre o tempo de estímulo-reposta da equipe aos alarmes disparados pelo monitor durante a monitorização da pressão arterial invasiva, realizou-se 60 horas de observação durante o turno diurno dos comportamentos de 37 profissionais atuantes na UTI diante dos alarmes de pressão arterial invasiva. Houve o registro de 76 alarmes, dos quais 21 foram atendidos com tempo médio de resposta de 2min e 45seg. Os 55 alarmes restantes foram definidos como fatigados pelos autores, pois soaram por mais de 10min sem resposta dos profissionais.2424 Perghera AK, Silva RCL. Stimulus-response time to invasive blood pressure alarms: implications for the safety of critical-care patients. Rev Gaúcha Enferm. 2014 Jun; 35(2):135-41.

Assim, quando se trata de violações, compreender o contexto social é importante para o entendimento das motivações que originaram o comportamento de violação. Isto suscita atenção à cultura organizacional e à atitude dos envolvidos.99 Reason J. Understanding adverse events: human factors. Qual Health Care. 1995; 4:80-89. Nesta pesquisa, esta atitude é revelada quando as enfermeiras qualificam a ocorrência dos alarmes, por exemplo: "são muito chatos"; "são demais". Estas adjetivações indicam que o disparo inadvertido de alarmes sem significância clínica afeta os profissionais e conduz ao comportamento de violação.

Assim, no âmbito deste estudo, verifica-se que a sobrecarga sensorial causada pelo acúmulo de alarmes pode ser um dos fatores que incide na ocorrência da violação rotineira e implica em eventos adversos. Outro possível fator conforme alertam as pesquisas é a dificuldade de interpretação do alarme pela não compreensão da linguagem tecnológica, o que causa o desligamento pela falta de entendimento.

Em face desses resultados cabe destacar que a abordagem da segurança na contemporaneidade substitui a perspectiva de culpabilização pelo pensamento sistêmico, no qual se reconhece que humanos são suscetíveis ao erro e para preveni-los há necessidade de criar sistemas seguros que identifiquem suas falhas antes que causem danos.1010 Reason J. Human errors: models and management. BMJ; 2000; 320:768-70.

O modelo que tem sido amplamente empregado nesta lógica sistêmica é o do Queijo Suíço, de James Reason, que enfatiza que o foco da análise do erro no cuidado em saúde não é apenas o do erro na ponta, mas deve levar em conta as condições subjacentes que o tornaram possível. A partir disso, deve-se pensar nas barreiras defensivas do sistema para evitar que os buracos do queijo (chamadas de condições latentes) se alinhem e deixe o erro passar.1010 Reason J. Human errors: models and management. BMJ; 2000; 320:768-70.

Sob esta ótica, o entendimento das motivações das violações a partir da análise das condutas dos enfermeiros, interesse desta investigação, subsidia a implementação destas barreiras de prevenção com foco na mudança de comportamento e do desenho do sistema. Isto implica a criação de uma cultura de segurança, com estratégias que levem os indivíduos a se preocuparem com os riscos potenciais e falhas reais oriundas do uso dos equipamentos.

Criar um clima de segurança significa um forte e proativo comprometimento organizacional com a segurança, em vista da melhoria na qualidade do atendimento e manutenção de um ambiente seguro de cuidados ao paciente, com redução dos erros evitáveis.2525 Rossi PJ, Edmiston Jr CE. Patient safety in the critical care environment. Surg Clin North Am. 2012; 92(6):1369-86. Sobre isso, recomendações têm sido veiculadas na tentativa de contribuir na reflexão acerca destas estratégias de promoção da cultura de segurança.2626 Tomazoni A, Rocha PK, Kusahara DM, Souza AIJ, MacedoTR. Evaluation of the patient safety culture in neonatal intensive care. Texto Contexto Enferm. 2015 Jan-Mar; 24(1): 161-9.-2727 Mello JF, Barbosa SFF. Patient safety culture in intensive care: nursing contributions. Text Context Nursing. 2013 Out-Dez; 22(4):1124-33.

Uma ilustração foi dada por pesquisadores ao sistematizarem recomendações dadas por 91 profissionais de enfermagem acerca da segurança do paciente na UTI. As recomendações foram categorizadas: no âmbito específico da unidade, destacando-se as recomendações para o aprendizado organizacional e melhoria contínua, dentre as quais houve ênfase na realização de treinamentos/capacitação, sendo um dos temas de interesse o manuseio de equipamentos; e para a melhoria da comunicação entre a equipe, chefia e entre os turnos de trabalho. Em nível hospitalar, cujas recomendações relacionaram-se ao apoio da gestão hospitalar, melhorando a quantidade, qualidade e manutenção dos equipamentos.2727 Mello JF, Barbosa SFF. Patient safety culture in intensive care: nursing contributions. Text Context Nursing. 2013 Out-Dez; 22(4):1124-33.

CONCLUSÃO

Tomando como referência a problemática dos incidentes com equipamentos que comprometem a segurança do paciente na UTI, os resultados alcançados ressaltam o papel das violações na ocorrência desses incidentes e as suas implicações nos eventos adversos.

Na especificidade da atuação do enfermeiro, a pesquisa evidenciou violações rotineiras que perpassam o carregamento das baterias dos equipamentos e a checagem do seu funcionamento antes do uso, bem como o desligamento e redução do volume dos alarmes clínicos. Estas violações produzem situações de ausência de equipamento que funcione na unidade, não identificação de intercorrências clínicas e atraso das condutas terapêuticas.

Uma das estratégias que se recomenda a partir de tais resultados é a adoção de um checklist para a verificação do funcionamento dos aparelhos antes de utilizá-los, especialmente no transporte intra-hospitalar, para melhorar a comunicação entre a equipe.

A outra é a verificação diária dos alarmes de acordo com a condição individualizada de cada paciente, na tentativa de reduzir o número de alarmes falsos e das situações de redução do volume e desligamento do alarme. Ademais, destaca-se a importância de utilização dos princípios da engenharia de fatores humanos na seleção dos equipamentos, objetivando diminuir o número de aparelhos com problemas e a consequente fadiga de alarmes, além da educação permanente para melhor compreensão do significado dos alarmes.

Por fim, salienta-se que fatores profissionais, organizacionais e culturais influenciam o comportamento da equipe de enfermagem. Logo, é primordial integrar os profissionais no gerenciamento de sua comunicação, proficiência técnica, tomada de decisão, relacionamento interpessoal, consciência situacional, visando minimizar os eventos adversos que envolvem os equipamentos. Há limitações no estudo, pois a observação foi restrita ao turno diurno, o que reduziu o número de participantes e a abrangência dos resultados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2015
  • Aceito
    12 Jul 2016
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