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Caso 1/ 98 - Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP

Correlação Anatomoclínica

Correlação Anatomoclínica

(Caso 1/ 98 - Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP)

Mulher de 56 anos de idade procurou atendimento médico por dor torácica e abdominal, dispnéia em repouso e vômitos.

Aos 47 anos, após dois episódios de síncope, foi feito o diagnóstico de bloqueio atrioventricular total (BAVT) e implantado marcapasso bicameral "Symbios 7005 B" (30/11/87). Em abril/88 encontrava-se assintomática e foi encaminhada ao INCOR para seguimento. O exame físico foi normal. O eletrocardiograma (ECG) revelou marcapasso operando no modo DDD (fig.1). A radiografia do tórax revelou área cardíaca normal e de eletrodos endocavitários em átrio e ventrículo direitos (VD).


Os níveis plasmáticos do colesterol, triglicérides e ácido úrico foram normais. As reações sorológicas para diagnóstico da doença de Chagas foram negativas.

O ecocardiograma revelou coração normal. As medidas das estruturas cardíacas são apresentadas na tabela I.

O teste de esforço (19/10/88) revelou inibição do marcapasso artificial durante o exercício. A freqüência cardíaca (FC) máxima atingida foi 150bpm, com 5min de exercício, no 2º minuto do 2º estágio do teste, com velocidade de três milhas por hora e 10% de inclinação. A pressão arterial (PA) variou de 120x90mmHg no repouso para 150x100mmHg no esforço máximo.

O ECG de longa duração pelo sistema Holter (21/11/88) revelou ritmo sinusal, períodos de ritmo ectópico atrial ou de marcapasso artificial. Havia freqüentes extra-sístoles atriais (100/h) seguidas por atividade ventricular, tanto por condução pelo nó atrioventricular quanto por desencadearem estímulo ventricular pelo marcapasso. Os sintomas de dor precordial, cansaço e "batedeira no peito" não se associaram às alterações eletrocardiográficas.

Evoluiu assintomática por dois anos quando surgiu cansaço aos grandes esforços progressivo até ser desencadeado por médios esforços.

O ecocardiograma (2/8/90) revelou hipocinesia difusa e discreta de ventrículo esquerdo (VE), derrame pericárdico e espessamento pericárdico (tab. I).

Foram introduzidos 40mg de furosemida e 1g de cloreto de potássio. A paciente permaneceu assintomática e ao cabo de quatro anos reapareceu a dispnéia aos esforços moderados e de decúbito.

O ecocardiograma (27/4/92) revelou hipocinesia difusa moderada de VE e derrame pericárdico discreto (tab. I).

As avaliações do marcapasso nesse período revelaram funcionamento normal.

O ECG de longa duração pelo sistema Holter (11/8/93) registrou 71 extra-sístoles ventriculares isoladas (média de 3/h), freqüentes extra-sístoles atriais (média de 30/h), isoladas e pareadas, além de episódio de taquicardia atrial com duração de 10min, com condução ao ventrículo pelo marcapasso. O marcapasso apresentou inibição dos canais atrial e ventricular relacionada a oscilações da linha de base (miopotenciais). Houve episódio de estimulação ventricular anormal associada a oscilações da linha de base (trigger muscular). O sintoma de cansaço aos esforços acompanhou-se de aumento da FC e de extra-sístoles atriais isoladas.

Em 26/12/94 procurou atendimento médico em razão de piora da dispnéia e tosse com expectoração amarelada, tendo sido hospitalizada.

O exame físico (26/12/94) revelou pulso irregular com FC de 60bpm, PA de 110x60mmHg. O exame dos pulmões revelou diminuição do murmúrio vesicular nos dois terços inferiores do hemitórax direito, atrito pleural em base direita e estertores crepitantes em base esquerda. O exame do coração revelou bulhas arrítmicas e abafadas. Não havia sopros. O exame do abdome foi normal e havia empastamento de panturrilha direita.

O ECG (26/12/4) revelou ritmo de fibrilação atrial e o marcapasso foi reprogramado para o modo VVI. Dois dias depois o ritmo voltou a ser sinusal (fig. 2).


Os exames sangüíneos revelaram hemoglobina 14,4g/dL, hematócrito 45% e 14.500 leucócitos/mm3 (5% bastonetes, 73% segmentados, 19% linfócitos e 3% monócitos). A taxa sérica de creatinina foi 0,8mg/dL, de uréia 49mg/dL, de glicose 118mg/dL, de sódio 135mEq/L e do potássio 3,1mEq/L. O tempo de protrombina foi 12,8s (11,9s), INR 1,15, o tempo de tromboplastina parcial ativada 27s (30s) (tab. II).

A radiografia do tórax revelou área hipotransparente e espessamento pleural em base direita.

O ecocardiograma (26/12/94) revelou hipocinesia difusa acentuada de VE, aumento de átrio esquerdo e hipertensão moderada em artéria pulmonar. As medidas são apresentadas na tabela I.

A cintilografia pulmonar perfusional e inalatória revelou área de hipoperfusão e hipoventilação em lobo inferior direito, compatível com processo parenquimatoso: (pneumonia ou infarto pulmonar).

Foi feito o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar e iniciada a administração de 24.000 unidades diárias de heparina. Estava em uso de 0,25mg de digoxina e 50mg de hidroclorotiazida.

A paciente foi transferida, ficando internada até o dia 10/1/95. Recebeu alta com prescrição de 0,25mg de digoxina, 37,5mg de captopril e associação de hidroclorotiazida e amilorida 50/5mg diários.

Quatro meses após a alta apresentou piora da dispnéia e dor em membro inferior direito. Foi feito o diagnóstico de tromboembolia arterial e realizada embolectomia da artéria femoral direita. Foram prescritos 2,5mg diários de warfarina.

Cinco meses depois, (18/10/95), apresentou dispnéia, edema de membros inferiores, náuseas e vômitos. A FC era 100bpm, a PA 90x70mmHg. Havia estertores crepitantes nos dois terços inferiores de ambos os hemitórax. O exame do coração foi normal. O fígado foi palpado a 3cm da reborda costal direita e havia edema de membro inferior direito que se estendia até a coxa; os pulsos foram palpados com dificuldade nesse mesmo membro.

A avaliação do cirurgião vascular considerou trombose venosa de veia polplitea direita como causa provável do quadro do membro inferior direito.

O ecocardiograma (18/10/95) revelou hipocinesia difusa e acentuada de VE, insuficiência mitral de grau moderado, insuficiência tricúspide intensa e derrame pericárdico. As medidas são apresentadas na tabela I.

Foram feitos os diagnósticos de insuficiência cardíaca por cardiomiopatia dilatada, trombose venosa profunda e gastrite medicamentosa.

Após a alta evoluiu com dispnéia aos pequenos esforços. No dia 17/4/96 procurou atendimento médico de emergência por dor precordial que se irradiava para o dorso havia dois dias, dispnéia aos mínimos esforços além de dor abdominal e vômitos. A FC era 80bpm, a PA 60x50mmHg. Havia ascite, edema e cianose de extremidades.

Com a administração de dopamina e dobutamina houve elevação da PA para 100x60mmHg.

O ECG revelou ritmo de marcapasso artificial (fig. 2).

O ecocardiograma (24/4/96) revelou acentuadas dilatação e hipocinesia difusa de VE e VD. Havia espessamento e derrame volumoso em pericárdio e derrame pleural esquerdo (tab. I).

Foram realizadas (30/4/96) biópsia e drenagem do pericárdio. Houve retirada de 800mL de líquido seroso, com melhora discreta.

O exame anatomopatológico (2/5/96) dos fragmentos pericárdicos revelou fibrose moderada e reatividade mesotelial.

A partir de 13/5/96 houve reinstalação da hipotensão arterial apesar do uso continuado de drogas vasoativas, e no dia 16/5/96 houve piora da dispnéia.

Novo ecocardiograma (16/5/96) revelou dilatação biventricular de grau acentuado, pericárdio espessado com derrame grande e com sinais de restrição de VD. Não foram detectadas imagens sugestivas de trombos intracavitários. Havia derrame pleural esquerdo.

Foi submetida a nova drenagem cirúrgica do pericárdio. No líquido houve crescimento de Staphylococcus aureus. Seguiu-se melhora da hipotensão arterial e da dispnéia, mas persistia a necessidade de drogas vasoativas. Na evolução, a condição do paciente deteriorou e a doente faleceu (21/5/96).

Discussão

Aspectos clínicos - Paciente atendida no hospital aos 47 anos de idade, portadora de marcapasso dupla câmara por BAVT.

As principais causas de BAVT no adulto são intoxicação por drogas, doença coronária e processos degenerativos. A paciente era previamente hígida, sem relato de uso de medicações. Não há na história referência clínica ou laboratorial que sugira doença coronária. A paciente era assintomática, o exame físico era normal, não havia dislipidemia ou alterações nos exames subsidiários que sugerissem insuficiência coronária.

Dentre as outras causas de BAVT no adulto, podemos ressaltar: estenose aórtica calcificada - o exame físico e o ecocardiograma eram normais; intervenção cirúrgica, que não houve nesta paciente; distúrbios hidroeletrolíticos, mas não há relato de insuficiência renal ou de outra doença que pudesse levar a este distúrbio; endocardite infecciosa, mas não há quadro clínico compatível; tumores - os exames por imagem não consubstanciaram esta hipótese; mixedema - não houve sinais clínicos ou menção de alterações laboratoriais compatíveis com hipotireoidismo; doença de Chagas, a sorologia foi negativa; doenças auto-imunes 1, nas quais o quadro clínico é geralmente sistêmico, tendo como agravante o acometimento cardíaco, fato que não ocorreu no caso da paciente; processos infiltrativos - a hemocromatose e a sarcoidose podem acometer o sistema de condução, ambas pouco prováveis no caso atual.

As arritmias, tanto atriais como ventriculares, na presença de sistema de condução doente, mesmo extra-sístoles atriais podem determinar BAVT paroxístico.

Os processos inflamatórios como as miocardites podem acometer o pericárdio, o miocárdio e o sistema de condução. No caso atual, é possível a inflamação como processo fisiopatológico 2.

Após o implante do marcapasso, a paciente evoluiu assintomática por dois anos, quando passou a apresentar dispnéia progressiva aos esforços e alterações ao ecocardiograma. Os sintomas foram controlados com medicamentos, porém, na evolução houve piora da disfunção e dilatação ventriculares e manutenção do derrame pericárdico, com surgimento de arritmia supraventricular freqüente e extra-sístoles ventriculares.

A Organização Mundial da Saúde classifica as cardiopatias que cursam com dilatação e disfunção contrátil do VE ou de ambos os ventrículos em dois grupos, com respeito à etiologia: cardiomiopatia dilatada de etiologia desconhecida, e doença específica do músculo cardíaco quando sua etiologia é conhecida ou quando faz parte de doença sistêmica, sendo que nessas temos aquelas de origem inflamatória, infecciosa ou por auto-imunidade, tóxica, infiltrativa, metabólica e por agentes físicos 3. O quadro clínico da cardiomiopatia dilatada caracteriza-se por insuficiência cardíaca, geralmente progressiva, arritmias, tromboembolismo e morte súbita, a qual pode ocorrer em qualquer momento da evolução.

A causa mais comum de insuficiência cardíaca é a cardiopatia com dilatação, que chega a 25% dos casos 2 . O diagnóstico final mais comum é de cardiomiopatia dilatada idiopática, presente em até 47% da população estudada em hospital terciário 4, a miocardite idiopática em 12%, e a cardiopatia isquêmica em 11%. Os dados apresentados neste relato não sugerem história familiar, etiologia tóxica ou isquêmica, como as causas para a cardiopatia com dilatação. Para esta paciente, as etiologias inflamatórias e infecciosas parecem as mais prováveis, já que o processo de deterioração foi progressivo e contínuo ao longo do tempo.

As doenças auto-imunes, como artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia, espondilite anquilosante, podem cursar com miocardite e disfunção ventricular, com comprometimento do pericárdio e até do sistema de condução, como ocorreu nesta paciente, porém se apresentam, freqüentemente, associadas ao comprometimento de outros órgãos. A pericardite é achado relativamente comum nessas doenças, já a miocardite é rara e ocorre nos casos onde o acometimento sistêmico é intenso. É, portanto, pouco provável que essa seja a causa da disfunção progressiva neste caso.

A miocardite por células gigantes é doença rara e de etiologia desconhecida. Pode estar associada a doenças auto-imunes, com comprometimento de outros órgãos, além do coração (timoma, lúpus, tirotoxicose) 5. Geralmente apresentam evolução rápida e progressiva da insuficiência cardíaca e óbito. Alguns relatos mostraram pacientes com curso lento de evolução (mais de 10 anos), com associação de distúrbios de condução (bloqueio atrioventricular (BAV)) e disfunção ventricular 6. Dois relatos de caso apresentaram história semelhante à da paciente em questão, com insuficiência cardíaca e tromboembolismo durante a evolução. Portanto, apesar de ser causa rara, não podemos afastar a miocardite por células gigantes como etiologia da disfunção cardíaca apresentada por esta paciente.

A miocardite viral parece estar associada à cardiomiopatia dilatada, o enterovírus Cocksakie B é o principal agente envolvido. A necrose tecidual resulta de diferentes mecanismos: lesão celular direta, lesão mediada através de imunidade celular ou humoral, lesão por toxinas e espasmo microvascular por invasão endotelial. A prevalência de infecção por Cocksakie B nos portadores de cardiomiopatia dilatada é maior do que a da população geral, porém, a incidência de infecções virais por agentes cardiotrópicos é muito elevada; deve haver predisposição genética para o desenvolvimento de cardiomiopatia dilatada 2.

Alguns casos de miocardite viral são pouco sintomáticos e evoluem para resolução sem apresentar seqüelas, outros desenvolvem insuficiência cardíaca na fase aguda e evoluem também para resolução sem seqüelas, enquanto que outros vêm a sofrer cardiomiopatia dilatada e insuficiência cardíaca grave. Nos adultos, a pericardite, alterações eletrocardiográficas e arritmias são mais freqüentes do que a dilatação cardíaca na fase aguda 7. Os distúrbios de condução são freqüentes, podendo ser transitórios ou permanentes. Acredita-se que os BAV estejam associados à necrose subendocárdica extensa a qual levaria a alterações da contratilidade e disfunção miocárdica 8. A miopericardite pode recorrer, o que sugere a participação do sistema imune na patogênese do processo inflamatório 8.

A miocardite viral deve ser considerada neste caso, já que na evolução da paciente encontramos distúrbio de condução, desenvolvimento progressivo de disfunção miocárdica e agressão pericárdica.

A miocardite por agentes bacterianos está geralmente associada à septicemia, não havendo subsídio clínico para este diagnóstico. O acometimento por espiroquetas também pode levar a lesão cardiovascular. Na sífilis geralmente temos aortite, que não aparece nesta paciente, e nas infecções por Borrelia sp, o acometimento mais freqüente é do sistema de condução, com pouca repercussão miocárdica. Quando esta ocorre é por quadros de infecção recorrente; freqüentemente, há outros sinais clínicos, como o acometimento neurológico, músculo esquelético e dermatológico para fundamentar o diagnóstico 9.

A sarcoidose pode ser cogitada como etiologia de BAV e disfunção miocárdica, porém, aqui também, o acometimento de outros órgãos é freqüente, tornando este diagnóstico pouco provável nesta paciente 10.

A evolução clínica da paciente foi com piora progressiva de classe funcional, e o surgimento de complicações freqüentemente encontradas em pacientes com cardiomiopatia dilatada. Em pacientes com insuficiência cardíaca, a piora significativa dos sintomas está geralmente associada a fatores desencadeantes. Podemos citar, como mais freqüentes: a interrupção do uso de medicamentos; as taquiarritmias, dentre elas a fibrilação atrial, e a presença do quadro infeccioso, sugerido pela expectoração amarelada e a leucocitose, que podem ter sido fatores predisponentes para o desenvolvimento de fibrilação atrial nesta paciente; tromboembolismo pulmonar, pacientes com insuficiência cardíaca têm maior risco de sofrer tromboembolismo pulmonar quando acamados. A paciente mostrou empastamento de panturrilha direita, sugerindo trombose venosa profunda, concomitante ao quadro de descompensação. Esta foi, provavelmente, a fonte para a embolia pulmonar documentada, a qual elevou as pressões tanto em artéria pulmonar como nas câmaras direitas.

O exame físico realizado durante a internação da 1ª descompensação também evidenciou bulhas abafadas, sugerindo grande derrame pericárdico e ausculta pulmonar compatível com derrame pleural. O derrame pericárdico aparece em até 15% dos casos de insuficiência cardíaca, devido ao aumento de pressão venosa central, atrial direita e comprometimento dos sistemas de drenagem linfática e venosa, e pela retenção hidrossalina 1. O derrame pleural poderia ser conseqüência de tromboembolismo pulmonar, ou da insuficiência cardíaca, pelo aumento da pressão venosa.

Apesar do diagnóstico de tromboembolismo pulmonar, e do episódio de fibrilação atrial, a paciente recebeu alta sem orientação para uso de medicamentos anticoagulantes. Evoluiu com embolia em artéria femoral direita. Esta embolia pode ter sido secundária à liberação de trombos que se formam quando a contração miocárdica não é adequada, ou quando ocorrem episódios de fibrilação atrial.

Em cinco meses evoluiu com novo episódio de descompensação, acompanhado por trombose venosa profunda. O exame físico demonstrava falência ventricular esquerda e direita, e o ecocardiograma evidenciou derrame pericárdico. Os derrames pericárdicos crônicos também podem estar relacionados a antecedente de pericardite viral, uremia (que em nosso caso não se aplica pela função renal preservada) e a neoplasias. As neoplasias também cursam com síndrome de hipercoagulabilidade, porém não há indícios de doença neoplásica nesta paciente 1.

Quando procurou atendimento pela última vez com dor precordial que se irradiava para o dorso havia dois dias, dispnéia, dor abdominal com vômitos, sinais de baixo débito, cianose, ascite e edemas, foi feito o diagnóstico de disfunção miocárdica acentuada e derrame pericárdico volumoso. Não há descrição de sinais de tamponamento cardíaco, porém foram retirados 800mL de líquido seroso. O quadro clínico acima pode ser atribuído à descompensação de insuficiência cardíaca congestiva e ao derrame pericárdico.

O diagnóstico diferencial de dor torácica como a apresentada pela paciente inclui novo episódio de tromboembolismo pulmonar, levando à descompensação cardíaca.

A refratariedade ao tratamento clínico pode ser atribuída ao quadro infeccioso, com crescimento de S. aureus na cultura do líquido pericárdico, em paciente com disfunção miocárdica acentuada, associada a insuficiência renal, por provável hipoperfusão tecidual.

(Dra. Ana Maria Betim Paes Leme)

Hipóteses diagnósticas - Choque misto cardiogênico e séptico em portadora de cardiomiopatia dilatada idiopática ou viral.

Necropsia

O coração pesou 540g. Havia extensa pericardite fibrino-purulenta (fig. 3), com numerosas colônias de cocos Gram positivos no exame histológico (fig. 4). Os cortes transversais do coração evidenciaram dilatação do VE e cicatriz de infarto transmural septal, com afilamento dessa parede, estendendo-se do ápice à base ventricular (fig. 5). Encontrou-se marcapasso de dupla câmara, corretamente implantado. Os cortes histológicos do sistema de condução demonstraram integridade do nó atrioventricular e do feixe de His. Havia, entretanto, densa fibrose do topo do septo ventricular. A análise histológica do miocárdio do VE revelou múltiplos focos microscópicos de fibrose (miocardioesclerose), hipertrofia de cardiomiócitos e espessamentos excêntricos multifocais de arteríolas (fig. 6). As coronárias epicárdicas mostraram-se normais pela análise macro e microscópica.





Outros achados da necropsia foram: sinais morfológicos de congestão passiva crônica hepática e pulmonar, múltiplas cicatrizes de infartos esplênicos, ascite de coloração amarelo-citrina (600mL) e derrame hemorrágico na cavidade pleural esquerda (860mL).

(Dr. Luiz Alberto Benvenuti)

Diagnósticos antomopatológicos - 1) Cardiopatia isquêmica com coronárias epicárdicas normais, caracterizada por infarto transmural cicatrizado do septo ventricular e miocardioesclerose; 2) pericardite aguda fibrino-purulenta por cocos Gram positivos.

Comentários

Trata-se de caso de cardiopatia isquêmica com coronárias epicárdicas normais. O BAVT apresentado pela paciente deve ser entendido como conseqüente à interrupção anatômica dos ramos principais do feixe de His, secundária à densa fibrose do topo do septo ventricular. Cardiopatia isquêmica associada a coronárias epicárdicas normais sugere a presença de espasmo e/ou trombose coronária 10. No presente caso, encontramos evidências de trombos organizados na microcirculação coronária. Sabe-se que o espasmo coronário pode estar associado a trombose, mesmo em coronárias normais 11. A cardiopatia isquêmica originou insuficiência cardíaca congestiva e na necropsia foram observados congestão passiva crônica hepática e pulmonar, infartos esplênicos cicatrizados e derrames cavitários. Provavelmente, após drenagem pericárdica, a paciente desenvolveu pericardite infecciosa bacteriana, que constituiu a causa terminal do óbito.

(Dr. Luiz Alberto Benvenuti)

Editor da Seção: Alfredo José Mansur

Editores Associados: Desidério Favarato

Vera Demarchi Aiello

Correspondência: Alfredo José Mansur - Incor - Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44 - 05403-000 - São Paulo, SP

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2002
  • Data do Fascículo
    Fev 1998
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