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Não Trate Crianças com Estatinas

Palavras-chave
Estatinas; Inibidores de Hidroximetilglutaril-CoA Redutases; Hipercolesterolemia II/genética; Crianças; Metanálise

Em sua metanálise, Radaelli et al., conclui que o tratamento com estatinas é eficiente na redução de lipídios em crianças com hipercolesterolemia familiar (HF) e sugere que devem ser realizados estudos clínicos de longo prazo para estabelecer a segurança a longo prazo.11 Radaelli G, Sausen G, Cesa CC, Santos FS, Portal VL Neyeloff JL, Pellanda LC. Statin treatments and dosages in children with familial hypercholesterolemia: Meta-analysis. Arq Bras Cardiol. 2018;111(6):810-21. Nós alertaríamos contra esta recomendação por vários motivos.

Como mostramos em um artigo recente,22 Ravnskov U, de Lorgeril M, Kendrick M, Diamond DM. Inborn coagulation factors are more important cardiovascular risk factors than high LDL-cholesterol in familial hypercholesterolemia. Med Hypotheses. 2018;121:60-3. há várias evidências de que os níveis elevados de LDL-colesterol (LDL-C) não sejam a causa da doença arterial coronariana prematura na HF. É mais provável que sejam fatores anormais de coagulação congênitos, e apenas uma pequena minoria entre aqueles com HF herdam esses fatores. Em média, pessoas com HF vivem tanto quanto qualquer outra pessoa, porque os níveis elevados de LDL-C protegem contra câncer e doenças infecciosas.22 Ravnskov U, de Lorgeril M, Kendrick M, Diamond DM. Inborn coagulation factors are more important cardiovascular risk factors than high LDL-cholesterol in familial hypercholesterolemia. Med Hypotheses. 2018;121:60-3. Além disso, tratar crianças com estatinas pode causar danos, porque o colesterol é necessário para o cérebro em desenvolvimento e é um precursor essencial de co-fatores e hormônios metabólicos, incluindo a vitamina D e todos os esteroides sexuais.

Finalmente, está se tornando bem conhecido, que o número de efeitos adversos do tratamento com estatina é muito maior e muito mais grave do que o relatado nos relatórios de estudo clínico.33 Diamond DM, Ravnskov U. How statistical deception created the appearance that statins are safe and effective in primary and secondary prevention of cardiovascular disease. Expert Rev Clin Pharmacol. 2015;8(2):201-10.,44 Ravnskov U, de Lorgeril M, Diamond DM, Hama R, Hamazaki T, Hammarskjöld B et al. LDL-C does not cause cardiovascular disease: a comprehensive review of current literature. Expert Rev Clin Pharmacol. 2018;11(10):959-70. Portanto, existe uma preocupação justificável, de que o tratamento a longo prazo de crianças com HF cause mais danos do que benefício.

References

  • 1
    Radaelli G, Sausen G, Cesa CC, Santos FS, Portal VL Neyeloff JL, Pellanda LC. Statin treatments and dosages in children with familial hypercholesterolemia: Meta-analysis. Arq Bras Cardiol. 2018;111(6):810-21.
  • 2
    Ravnskov U, de Lorgeril M, Kendrick M, Diamond DM. Inborn coagulation factors are more important cardiovascular risk factors than high LDL-cholesterol in familial hypercholesterolemia. Med Hypotheses. 2018;121:60-3.
  • 3
    Diamond DM, Ravnskov U. How statistical deception created the appearance that statins are safe and effective in primary and secondary prevention of cardiovascular disease. Expert Rev Clin Pharmacol. 2015;8(2):201-10.
  • 4
    Ravnskov U, de Lorgeril M, Diamond DM, Hama R, Hamazaki T, Hammarskjöld B et al. LDL-C does not cause cardiovascular disease: a comprehensive review of current literature. Expert Rev Clin Pharmacol. 2018;11(10):959-70.

Agradecemos Ravnskov et. al.11 Radaelli G, Sausen G, Cesa CC, Santos FS, Portal VL Neyeloff JL, Pellanda LC. Statin treatments and dosages in children with familial hypercholesterolemia: Meta-analysis. Arq Bras Cardiol. 2018;111(6):810-21. pela carta, a qual oferece a oportunidade de discussão sobre uma questão relevante na prática clínica e preocupante para pacientes portadores de dislipidemias na infância e adolescência, especialmente em longo prazo. A motivação para a realização de nossa metanálise partiu da recomendação de uso de estatinas em crianças com dislipidemias secundárias, a qual, em nossa percepção, carece de evidências sólidas. Realizamos, assim, uma revisão sistemática da literatura, com esse foco principal, ou seja, identificar evidências que corroborem essa prática, e não a revisão de estudos com crianças portadoras de hipercolesterolemia familiar.

Buscamos evidências para o uso de estatinas em crianças e adolescentes nas bases de dados PubMed, EMBASE, Bireme, Web of Science, Cochrane Library, SciELO e LILACS desde o início até fevereiro de 2016. Das 16 793 citações potencialmente relevantes recuperadas das bases de dados eletrônicas, nenhum ensaio clínico randomizado atendeu aos critérios de inclusão.11 Radaelli G, Sausen G, Cesa CC, Santos FS, Portal VL Neyeloff JL, Pellanda LC. Statin treatments and dosages in children with familial hypercholesterolemia: Meta-analysis. Arq Bras Cardiol. 2018;111(6):810-21.

Apesar de citarmos alguns estudos sobre hipercolesterolemia familiar na discussão do trabalho, não realizamos a revisão desses estudos, tampouco, elaboramos recomendações clínicas para essa condição. Essa é a única ressalva que teríamos em relação à carta, a de que talvez tenha havido uma interpretação da discussão como se ela embasasse uma recomendação, quando não tivemos essa intenção. Nesse sentido, agradecemos a oportunidade de esclarecimento.22 Ravnskov U, de Lorgeril M, Kendrick M, Diamond DM. Inborn coagulation factors are more important cardiovascular risk factors than high LDL-cholesterol in familial hypercholesterolemia. Med Hypotheses. 2018;121:60-3.

Afirmamos que, em crianças, ainda faltam evidências para o uso de estatinas mesmo na hipercolesterolemia familiar, especialmente no que se refere à segurança em longo prazo. Isso nos causa grande preocupação, já que nenhum dos estudos encontrados teve seguimento de longo prazo, e nenhum descreveu os potenciais efeitos colaterais tardios da terapia precoce para redução de colesterol ou retardo nos desfechos cardiovasculares. Em trecho do artigo, relatamos que “crianças com anormalidades lipídicas graves por distúrbios genéticos podem atender aos critérios para terapia medicamentosa com as estatinas comumente usadas em adultos.” (grifo nosso). Este trecho de forma alguma se constitui em recomendação e nem esgota o assunto.

Reiteramos nossa afirmação de que, antes de difundir o uso de estatinas em crianças com dislipidemia secundária, os estudos devem estabelecer se essas medicações podem reduzir a morbimortalidade total em longo prazo, e esse foi o principal motivador de nosso estudo.

Acreditamos que Ravnskov et al. trazem contribuições à questão ao acrescentar dados recentes sobre mecanismos causais da hipercolesterolemia familiar e preocupações sobre o risco do uso de estatinas a longo prazo. As referências de 2018 citadas pelos autores avançam nesta linha de raciocínio. Assim, juntamo-nos aos autores ao concordar com a recomendação de cautela no uso de medicações no longo prazo em pacientes pediátricos portadores de condições crônicas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2018
  • Revisado
    23 Jan 2019
  • Aceito
    23 Jan 2019
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