Acessibilidade / Reportar erro

Os bloqueadores da angiotensina II aumentam a incidência de infarto do miocárdio?

PONTO DE VISTA

Os bloqueadores da angiotensina II aumentam a incidência de infarto do miocárdio?

Jorge Ilha Guimarães

Porto Alegre, RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Jorge Ilha Guimarães Rua Carvalho Monteiro, 446/503 90470-100 - Porto Alegre, RS E-mail: jilha@cardiol.br e guimass@terra.com.br

Em recente editorial do British Medical Journal, de novembro de 2004, (BMJ, Nov 2004;329:1248-49), assinado por Marty Strauss, do North York General Hospital de North York, Ontário, Canadá, foi discutida a maior incidência de infarto do miocárdio em usuários de bloqueadores da angiotensina II.

Primeiro, houve a citação do estudo VALUE1, onde o valsartan produziu um aumento estatisticamente significante de 19% na incidência de infarto do miocárdio (IM) fatal e não fatal. Em verdade, este estudo comparou o Valsartan com Anlodipina e, no surgimento de IM, realmente houve vantagem significativa (p=0,02) para a anlodipina. No entanto, este era um objetivo secundário. Nesse sentido, a primeira observação que devemos fazer é que o estudo não comparou droga x placebo, mas droga x droga. No desfecho primário composto, não houve diferenças entre as duas drogas. No grupo valsartan, houve ganhos em relação ao subgrupo de diabéticos (p<0,0001) e no surgimento de insuficiência cardíaca (IC), nesse caso, sem significância (p=0,12).

Posteriormente, houve a citação do estudo CHARM-alternativo2, com aumento de 36% na incidência de IM, no grupo que usava candesartan. Neste grupo que comparou candesartan x placebo, o objetivo primário foi desfecho composto de óbito por causa cardiovascular ou hospitalização por IC. Neste estudo houve uma redução de risco de 23% para o grupo candesartan (p<0,0004). No CHARM-adicionado, o desfecho primário também foi significativo, com redução de risco de 15% (p=0,011), com NNT de 23. No CHARM-preservado, não houve diferença significativa (p=0,118).

A explicação da maior incidência de IM que poderia estar relacionada aos pacientes de alto risco e de maior pressão arterial só se sustentaria com um novo estudo mais aprofundado neste aspecto.

No estudo LIFE 3, comparando losartan com atenolol, com os mesmos níveis de redução da pressão arterial, não houve diferença entre ambos os grupos no surgimento de IM fatal e não fatal. Por outro lado, houve vantagem com significância, a favor do losartan, no desfecho primário composto (p=0,021), na redução de acidente vascular cerebral (AVC) fatal e não fatal (p=0,001). Houve vantagem não significativa para o atenolol na mortalidade cardiovascular (p=0,21).

Teríamos de considerar como um bom resultado para o losartan, a igualdade de redução no surgimento de IM, uma vez que foi comparado com uma droga que significou um padrão para estes casos.

O estudo RENAAL4, que compara losartan x placebo, em pacientes diabéticos com nefropatia, mostrou uma redução de risco significativa nos desfechos primários de duplicação na creatinina sérica, insuficiência renal terminal e morte. Neste estudo, o losartan exerceu nefroproteção e se mostrou uma droga útil.

No estudo IDNT5, que compara ibesartan x anlodipina, também em pacientes diabéticos com nefropatia, houve uma significativa diminuição de risco no grupo ibesartan, no desfecho primário, além de duplicação da creatinina sérica, insuficiência renal terminal e morte (p=0,001). Houve piora não significativa com o uso de anlodipina.

Dois outros estudos, IRMA II6 e MARVAL7, foram realizados em portadores de diabete com microalbuminúria. No estudo IRMA II, comparou-se ibesartan x placebo, em seguimento de dois anos, com significativa redução para normoalbuminúria, de 33% no grupo ibesartan (p<0,01). No estudo MARVAL, comparou-se valsartan com anlodipina, com redução da albuminúria muito significativa no grupo do valsartan.

No artigo que comentamos é citado que não houve redução na incidência de IM, AVC ou morte cardiovascular, na comparação de ibesartan com anlodipina8,9.

Encerrando estes comentários, podemos concluir que os antagonistas da angiotensina II têm seu uso bem estabelecido, sendo que, nos pacientes diabéticos com nefropatia ou microalbuminúria, apresentam grandes vantagens10. Também tem sua importância nos pacientes com IC ou fração de ejeção abaixo de 40%11,12. Trata-se de drogas que eram consideradas alternativas aos inibidores da ECA, mas que provaram que podem ser usadas em sua substituição, como primeira escolha.

Quanto aos relatos de maior incidência de IM, em relação ao uso de bloqueadores de angiotensina II, penso que não temos ainda elementos que contra-indiquem o seu uso. Em todos os estudos citados, o aumento da incidência de IM foi um achado ocasional ou de desfecho secundário. Tais indicações servem como um alerta em relação a este fato, para o qual devem ser direcionados desfechos principais de próximos estudos, de forma a esclarecer definitivamente estes achados.

Referências

1. Julius S, Kjeldsen SE,Weber M et al. VALUE Trial Group. Outcomes in hypertensive patients at high cardiovascular risk treated with regimens based on valsartan or amlodipine: the VALUE randomised trial. Lancet 2004; 363: 2022-31.

2. Granger CB, McMurray JJ, Yusuf S et al. CHARM Investigators and Committees. Effects of candesartan in patients with chronic heart failure and reduced left-ventricular systolic function intolerant to angiotensin-converting-enzyme inhibitors: the CHARM-alternative trial. Lancet 2003; 362: 772-6.

3. Dahlof B, Devereux RB, Kjeldsen SE et al. LIFE Study Group. Cardiovascular morbidity and mortality in the losartan intervention for endpoint reduction in hypertension study (LIFE): a randomised trial against atenolol. Lancet 2002; 359: 995-1003.

4. Brenner BM, Cooper ME, de Zeeuw D et al. RENAAL Study Investigators. Effects of losartan on renal and cardiovascular outcomes in patients with type 2 diabetes and nephropathy. N Engl J Med 2001; 345: 861-9.

5. Brenner BM, Cooper ME, de Zeeuw D. Effects of losartan on renal and cardiovascular outcomes in patients with type 2 diabetes and nephropathy. N Engl J Med 2001; 345: 861-9.

6. Lewis EJ, Hunsicker LG, Clarke WR. Renoprotective effect of the angiotensin-receptor antagonist ibesartan in patients with nephropathy due type 2 diabetes. N Engl J Med 2001; 345: 851-60.

7. Viberti G, Whoeldon N. Microalbuminuria Reduction with Valsartan (MARVAL) trial. Circulation 2002; 106: 672-8.

8. Lewis EJ, Hunsicker LG, Clarke WR et al. Renoprotective effect of the angiotensin-receptor antagonist irbesartan in patients with nephropathy due to type 2 diabetes. N Engl J Med 2001; 345: 851-60.

9. Levy BI. Can angiotensin II type 2 receptors have deleterious effects in cardiovascular disease? Implications for therapeutic blockade of the renin-angiotensin system. Circulation 2004; 109: 8-13.

10. Strippoli GF, Craig M, Deeks JJ, Schena FP, Craig JC. Effects of angiotensin converting enzyme inhibitors and angiotensin II receptor antagonists on mortality and renal outcomes in diabetic nephropathy: systematic review. Br Med J 004; 329: 828.

11. Yusuf S, Pfeffer MA, Swedberg K et al. CHARM Investigators and Committees. Effects of candesartan in patients with chronic heart failure and preserved left-ventricular ejection fraction: the CHARM-preserved trial. Lancet 2003; 362: 777-81.

12. Pfeffer MA, McMurray JJ, Velazquez EJ et al. Valsartan, captopril or both in myocardial infarction complicated by heart failure, left ventricular dysfunction or both. N Engl J Med 2003; 349: 1893-906.

Enviado em 13/01/2005

Aceito em 26/01/2005

  • Endereço para correspondência
    Jorge Ilha Guimarães
    Rua Carvalho Monteiro, 446/503
    90470-100 - Porto Alegre, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br