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Enxerto Profilático de Artéria Mamária Interna Esquerda em Lesões Coronárias Levemente Estenosadas. Ainda uma Discussão Aberta

Palavras-chave
Artéria Torácica Interna/transplante; Estenose Coronária; Doença da Artéria Coronariana

Introdução

As principais vantagens da revascularização do miocárdio com artéria mamária interna esquerda (AMIE) têm sido bem estabelecidas desde os anos 80 e podem ser enumeradas como se segue.11 Evora PR, Ribeiro PJ, Brasil JC. Myocardial revascularization and internal mammary artery. Current status. Arq Bras Cardiol. 1987;49(3):129-31.

  1. Aumento da patência a longo prazo, indubitavelmente demonstrado;

  2. Resistência à aterosclerose baseada na produção endotelial de óxido nítrico e prostaciclina;

  3. Diferente da ponte venosa, tem sido usado não apenas em enxertos de pedículo, mas também em enxertos livres;

  4. Melhores resultados clínicos (vários estudos têm demonstrado a influência do enxerto da AMIE sobre a recorrência de angina, infarto do miocárdio não fatal e sobrevivência favorável, e;

  5. Menor necessidade de reoperações (uma incidência 2 vezes menor de reoperações tem sido demonstrada em pacientes sem enxertos de AMIE em comparação com a artéria descendente anterior (ADA).

Tem sido bem estabelecido que enxertos venosos coronarianos em vasos com lesões ateroscleróticas moderadas (<70%) tiveram oclusão precoce principalmente por competitividade de fluxo com a circulação coronária nativa. Por outro lado, enxertar um vaso coronário moderadamente estenosado utilizando a AMIE permanece discutível, mantendo-se em aberto a pergunta de Hayward e colegas: "Todas as lesões coronárias moderadas devem ser enxertadas durante a cirurgia principal de ponte coronária?".22 Hayward PA, Zhu YY, Nguyen TT, Hare DL, Buxton BF. Should all moderate coronary lesions be grafted during primary coronary bypass surgery? An analysis of progression of native vessel disease during a randomized trial of conduits. J Thorac Cardiovasc Surg. 2013;145(1):140-8. No entanto, existem controvérsias se a AMIE deve ser utilizada no cirurgia de revascularização de artérias coronárias com estenoses não-críticas.33 Sabik JF 3rd, Lytle BW, Blackstone EH, Khan M, Houghtaling PL, Cosgrove DM. Does competitive flow reduce internal thoracic artery graft patency? Ann Thorac Surg. 2003;76(5):1490-6.

Fluxo da artéria mamária interna esquerda

Dúvidas sobre a qualidade do fluxo da AMIE começaram a desaparecer no final dos anos 70. No entanto, na década de 80, vários estudos demonstraram a capacidade da AMIE em dilatar ou diminuir o seu diâmetro de acordo com as necessidades do miocárdio, demonstrando a natureza dinâmica do seu diâmetro luminal.

Excluindo-se problemas cirúrgicos (danos durante a colheita e mobilização, espasmo, inflamação, ou fenômeno de roubo coronário decorrente de grandes ramos proximais indivisos da AMIE), a falência do enxerto da AMIE em cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) é principalmente considerada um resultado da competitividade de fluxo (CF) da artéria coronária nativa, limitando as opções de revascularização posteriores, particularmente em pacientes jovens.

Com o passar do tempo, as controvérsias permanecem "vivas", enfatizando-se que estudos experimentais, a respeito do uso "profilático" de enxertos da AMIE para obstruções coronarianas moderadas, demonstram e mantém os resultados controversos. Os resultados de experiências agudas indicaram que a competitividade de fluxo de uma artéria nativa totalmente patente não aboliu o fluxo do enxerto de AMIE. Os resultados de experimentos crônicos demonstram que, mesmo após dois meses de competitividade de fluxo crônica máxima de uma artéria nativa totalmente patente, o fluxo do enxerto da AMIE foi mantido acima dos níveis in situ, e uma reserva de fluxo recrutável pôde ser demonstrada quando o vaso nativo foi obstruído. Esses dados sugerem que os enxertos da AMIE são dinâmicos e podem permanecer patentes apesar do fluxo residual significativo no vaso nativo.44 Lust RM, Zeri RS, Spence PA, Hopson SB, Sun YS, Otaki M, et al. Effect of chronic native flow competition on internal thoracic artery grafts. Ann Thorac Surg. 1994;57(1):45-50.

A patência do enxerto da AMIE diminui à medida que a competitividade de fluxo da artéria coronária aumenta. No entanto, o efeito da competitividade de fluxo na patência da AMIE enxerto é leve e nenhum grau de estenose coronária proximal levou ao declínio da patência da AMIE. Esse achado sugere que AMIE não deve ser evitada na revascularização de artérias coronárias com graus moderados de estenose.33 Sabik JF 3rd, Lytle BW, Blackstone EH, Khan M, Houghtaling PL, Cosgrove DM. Does competitive flow reduce internal thoracic artery graft patency? Ann Thorac Surg. 2003;76(5):1490-6.

O conceito de enxerto "profilático"

O conceito de enxerto "profilático" é interessante. Ele é particularmente atraente naqueles pacientes com doenças graves concomitantes, em quem procedimentos de reoperação de revascularização do miocárdio representam um risco considerável. Nesses pacientes, o enxerto em vasos minimamente doentes que têm o potencial para tornar-se hemodinamicamente significantes com o tempo pode ser uma opção razoável, o que pode dar ao paciente um intervalo livre de doença mais longo. Vinte anos atrás Lust e colegas escreveram que, no futuro, com mais dados, o enxerto profilático pode ser considerado, mas que naquele momento, eles não acreditavam em fazer tal afirmação.55 Feld H, Navarro V, Kleeman H, Shani J. Early postoperative occlusion of a left internal mammary artery bypass graft with subsequent restoration of patency. Cathet Cardiovasc Diagn. 1992;27(4):280-3. Hoje em dia, é possível concluir que o assunto continua a ser uma discussão aberta e merece ações para tornar-se o consenso em nossas diretrizes.

A decisão de utilizar um enxerto ou deixar um vaso moderadamente estenosado durante um procedimento cirúrgico cardíaco depende de alguns cálculos do cirurgião. Na prática clínica, o saldo dessas estimativas relativas ao futuro tanto da lesão e de qualquer enxerto colocado nesse território deve ser pesado contra outras considerações cirúrgicas, tais como a disponibilidade de canal, o número de enxertos e outros procedimentos operatórios necessários, tais como reparo aórtico ou valvar. Diante de uma lesão moderada, o cirurgião pode comumente escolher entre deixá-la em paz ou colocar uma ponte de safena.

O maior risco de progressão das lesões moderadas do lado esquerdo e as altas taxas de patência do enxerto quando a cirurgia de revascularização é realizada, sugerem que o equilíbrio do julgamento clínico pende a favor do enxerto em lesões moderadas do lado esquerdo. Dados de angiografia pós-operatória em pacientes predominantemente assintomáticos que receberam terapias de prevenção secundária contemporâneas sugere que a cirurgia de revascularização apresenta melhores resultados em lesões moderadas no sistema de coronária esquerda durante a revascularização multiarterial. No entanto, lesões do lado direito podem razoavelmente serem deixadas em paz, porque têm pouca probabilidade de progressão e de exigir revascularização subsequente. Esses dados podem ajudar os cirurgiões coronários em um dilema clínico conjunto.22 Hayward PA, Zhu YY, Nguyen TT, Hare DL, Buxton BF. Should all moderate coronary lesions be grafted during primary coronary bypass surgery? An analysis of progression of native vessel disease during a randomized trial of conduits. J Thorac Cardiovasc Surg. 2013;145(1):140-8.

O enxerto de artéria mamária interna é um canal fisiologicamente ativo dependente de dinâmica de fluxo. Um caso emblemático relatado mostrou que a competitividade de fluxo através da ADA nativa não-obstruída em combinação com uma impedância de fluxo através da AMIE devido a uma lesão grave na ADA distal à anastomose levou a uma AMIE funcionalmente obstruída. Quando a obstrução na ADA proximal progrediu, e a obstrução distal foi submetida à angioplastia com sucesso, a dinâmica de fluxo da AMIE melhorou, permitindo sua dilatação e restauração da patência. Portanto, um enxerto de artéria mamária interna angiograficamente obstruído pode estar apenas funcionalmente ocluído e ser reversível, mesmo quando a obstrução é demonstrada com vários dias de intervalo.55 Feld H, Navarro V, Kleeman H, Shani J. Early postoperative occlusion of a left internal mammary artery bypass graft with subsequent restoration of patency. Cathet Cardiovasc Diagn. 1992;27(4):280-3.

A associação entre o fluxo competitivo e a hemodinâmica, como uma espécie de consenso, ainda é incerta. Há escassa literatura concentrando-se experimentalmente ou clinicamente nesta área. A respeito do enxerto venoso suplementar para hipoperfusão da AMIE, um estudo experimental em cães comparou o fluxo da AMIE em diferentes contextos. Os resultados mostraram que o enxerto venoso colocado em região distal ou proximal limita o fluxo da AMIE e sua contribuição para perfusão distal tanto no coração em repouso quanto durante o aumento da demanda de oxigênio no miocárdio.66 Otaki M, Inoue T, Oku H. Should the supplemental vein graft be anastomosed upstream or downstream of the internal thoracic artery (ITA) for ITA hypoperfusion? J Cardiovasc Surg (Torino). 2001;42(6):793-7.

Clinicamente, Kawamura et al.77 Kawamura M, Nakajima H, Kobayashi J, Funatsu T, Otsuka Y, Yagihara T, et al. Patency rate of the internal thoracic artery to the left anterior descending artery bypass is reduced by competitive flow from the concomitant saphenous vein graft in the left coronary artery. Eur J Cardiothorac Surg. 2008;34(4):833-8. estudaram o efeito da competitividade de fluxo na taxa de patência da artéria torácica interna para a revascularização da artéria descendente anterior esquerda a partir do enxerto concomitante de veia safena (VS) na artéria coronária esquerda, com base em 313 pacientes que tinham duas pontes para a artéria coronária esquerda, incluindo o enxerto AMIE-ADA in situ. Concluiu-se também que a competitividade de fluxo do enxerto da VS poderia desempenhar um papel importante na obstrução do enxerto arterial in situ.

Embora a taxa de patência global dos enxertos da AMIE seja elevada, os dados presentes indicam que a taxa de patência a longo prazo dos enxertos da AMIE é baixa, quando a estenose na artéria do receptor for apenas moderada. Basicamente, esses resultados sugerem que a decisão de usar a AMIE deve ser cuidadosamente considerada, à luz da gravidade hemodinâmica da estenose na artéria do receptor. Isso pode evitar o uso indevido de uma AMIE como enxerto em uma artéria receptora que não precisa ser revascularizada.88 Berger A, MacCarthy PA, Vanermen H, De Bruyne B. Occlusion of internal mammary grafts: a review of the potential causative factors. Acta Chir Belg. 2004;104(6):630-4.

Conclusão

Em conclusão, a AMIE tem a capacidade de adaptação do fluxo de acordo com as necessidades metabólicas do miocárdio. Além disso, tem a capacidade de "hibernação", protegendo contra a doença arterial coronariana. Portanto, todas as lesões coronárias moderadas deveriam receber o enxerto da AMIE durante a cirurgia de revascularização coronária principal99 Berger A, MacCarthy PA, Siebert U, Carlier S, Wijns W, Heyndrickx G, et al. Long-term patency of internal mammary artery bypass grafts: relationship with preoperative severity of the native coronary artery stenosis. Circulation. 2004;110(11 Suppl 1):II36-40.. Por outro lado, a obstrução do enxerto da AMIE por competitividade de fluxo impede a possibilidade de uso futuro em uma eventual reoperação de CRM. Hoje em dia, a ideia de um enxerto profilático da AMIE na ADA em vasos levemente estenosados ainda não foi confirmada por evidências clínicas.

  • Errata
    No editorial “Enxerto Profilático de Artéria Mamária Interna Esquerda em Lesões Coronárias Levemente Estenosadas. Ainda uma Discussão Aberta”, corrigir o nome do autor André Schmidit para André Schmidt.

References

  • 1
    Evora PR, Ribeiro PJ, Brasil JC. Myocardial revascularization and internal mammary artery. Current status. Arq Bras Cardiol. 1987;49(3):129-31.
  • 2
    Hayward PA, Zhu YY, Nguyen TT, Hare DL, Buxton BF. Should all moderate coronary lesions be grafted during primary coronary bypass surgery? An analysis of progression of native vessel disease during a randomized trial of conduits. J Thorac Cardiovasc Surg. 2013;145(1):140-8.
  • 3
    Sabik JF 3rd, Lytle BW, Blackstone EH, Khan M, Houghtaling PL, Cosgrove DM. Does competitive flow reduce internal thoracic artery graft patency? Ann Thorac Surg. 2003;76(5):1490-6.
  • 4
    Lust RM, Zeri RS, Spence PA, Hopson SB, Sun YS, Otaki M, et al. Effect of chronic native flow competition on internal thoracic artery grafts. Ann Thorac Surg. 1994;57(1):45-50.
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  • 6
    Otaki M, Inoue T, Oku H. Should the supplemental vein graft be anastomosed upstream or downstream of the internal thoracic artery (ITA) for ITA hypoperfusion? J Cardiovasc Surg (Torino). 2001;42(6):793-7.
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    Kawamura M, Nakajima H, Kobayashi J, Funatsu T, Otsuka Y, Yagihara T, et al. Patency rate of the internal thoracic artery to the left anterior descending artery bypass is reduced by competitive flow from the concomitant saphenous vein graft in the left coronary artery. Eur J Cardiothorac Surg. 2008;34(4):833-8.
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    Berger A, MacCarthy PA, Vanermen H, De Bruyne B. Occlusion of internal mammary grafts: a review of the potential causative factors. Acta Chir Belg. 2004;104(6):630-4.
  • 9
    Berger A, MacCarthy PA, Siebert U, Carlier S, Wijns W, Heyndrickx G, et al. Long-term patency of internal mammary artery bypass grafts: relationship with preoperative severity of the native coronary artery stenosis. Circulation. 2004;110(11 Suppl 1):II36-40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2016
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