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Prevalência da Síndrome de Burnout em Pacientes Hospitalizados com Síndrome Coronariana Aguda

Resumos

Fundamento:

Síndrome de Burnout (SB) é a resposta emocional extrema ao estresse crônico ocupacional, manifestando-se como processo de esgotamento físico e psíquico. Embora associada com maior prevalência de fatores de risco, nenhum estudo avaliou até o momento se a SB poderia ser um fator prevalente em indivíduos não idosos, ativos no mercado de trabalho, admitidos por síndrome coronária aguda (SCA).

Objetivo:

Avaliar a prevalência da SB em pacientes economicamente ativos, não idosos, hospitalizados com diagnóstico de SCA.

Métodos:

Estudo transversal realizado em um centro de cardiologia terciário e privado, com pacientes economicamente ativos, com idade < 65 anos, hospitalizados com diagnóstico de SCA. Para avaliação da SB, aplicou-se o Inventário da Síndrome de Burnout (ISB), que avalia as condições do ambiente de trabalho e as dimensões que caracterizam a SB: exaustão emocional (EE), distanciamento emocional (DEm), desumanização (Des) e realização profissional (RP). Aplicou-se ainda o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) para avaliação de estresse global.

Resultados:

Dos 830 pacientes avaliados com suspeita de SCA, 170 preencheram os critérios do estudo, sendo 90% homens, com idade média de 52 anos, e rendimento médio acima de 11 salários mínimos em 40,5% da amostra. A prevalência da SB foi de 4,1%. Elevada EE esteve presente em 34,7%, elevado DEm em 52,4%, elevada Des em 30,6% e baixa RP em 5,9%. A prevalência de estresse geral foi de 87,5%.

Conclusão:

A SB foi pouco prevalente em pacientes ativos no mercado de trabalho, não idosos, e internados por SCA nesta amostra avaliada em um hospital cardiológico privado e terciário.

Síndrome Coronariana Aguda; Esgotamento Profissional; Pacientes Internados; Estresse Psicológico


Background:

Burnout Syndrome is the extreme emotional response to chronic occupational stress, manifesting as physical and mental exhaustion. Although associated with higher prevalence of cardiovascular risk factors, no study so far has evaluated whether the Burnout Syndrome could be a prevalent factor in non-elderly individuals active in the labor market, admitted for acute coronary syndrome (ACS).

Objective:

To evaluate the prevalence of the Burnout Syndrome in non-elderly, economically active patients, hospitalized with ACS.

Methods:

Cross-sectional study conducted in a tertiary and private cardiology center, with economically active patients aged <65 years, hospitalized with diagnosis of ACS. The Burnout Syndrome was evaluated with the Burnout Syndrome Inventory (BSI), which assesses workplace conditions and four dimensions that characterize the syndrome: emotional exhaustion (EE), emotional distancing (EmD), dehumanization (De) and professional fulfillment (PF). The Lipp’s Stress Symptoms Inventory for Adults (LSSI) was applied to evaluate global stress.

Results:

Of 830 patients evaluated with suspected ACS, 170 met the study criteria, 90% of which were men, overall average age was 52 years, and 40.5% had an average income above 11 minimum wages. The prevalence of the Burnout Syndrome was 4.1%. When we evaluated each dimension individually, we found high EE in 34.7%, high De in 52.4%, high EDi in 30.6%, and low PF in 5.9%. The overall prevalence of stress was 87.5%.

Conclusion:

We found a low prevalence of Burnout Syndrome in an economically active, non-elderly population among patients admitted for ACS in a tertiary and private hospital.

Acute Coronary Syndrome; Burnout, Professional; Inpatients: Stress, Psychological


Introdução

O estresse é uma reação psicofisiológica complexa que caracteriza a necessidade do organismo fazer frente a algo que ameace sua homeostase interna1Lipp M. Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress: teoria e aplicações clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2003.. Embora a resposta que caracteriza o estresse seja agudamente necessária frente a um estímulo agressor, sua cronicidade é deletéria. Nesta situação, há contínua ativação do sistema nervoso autônomo e do eixo neuroendócrino2Laszlo KD, Ahnve S, Hallqvist J, Ahlbom A, Janszky I. Job strain predicts recurrent events after a first acute myocardial infarction: the Stockholm Heart Epidemiology Program. J Intern Med. 2010;267(6):599-611.,3Thomas KS, Nelesen RA, Ziegler MG, Bardwell WA, Dimsdale JE. Job strain, ethnicity, and sympathetic nervous system activity. Hypertension. 2004;44(6):891-6.. Portanto, o estresse crônico é um reconhecido fator de risco para doença coronária4Rosengren A, Hawken S, Ounpuu S, Sliwa K, Zubaid M, Almahmeed WA, et al. Association of psychosocial risk factors with risk of acute myocardial infarction in 11119 cases and 13648 controls from 52 countries (the INTERHEART study): case-control study. Lancet. 2004;364(9438):953-62., embora também situações de estresse agudo extremo associem-se a um aumento na incidência de eventos cardiovasculares5Nozaki E, Nakamura A, Abe A, Kagawa Y, Kohzu K, Sato K, et al. Occurrence of cardiovascular events after the 2011 Great East Japan Earthquake and tsunami disaster. Int Heart J. 2013;54(5):247-53..

Nas últimas décadas, diversos fatores, como a demanda por aumento da produtividade, geraram maior estresse ocupacional, ou seja, relacionado ao trabalho. Assim como outras formas de estresse, o ocupacional aumenta as chances de adoecimento da população, embora um estilo de vida saudável pareça atenuar este risco6Kivimaki M, Nyberg ST, Fransson EI, Heikkila K, Alfredsson L, Casini A, et al. Associations of job strain and lifestyle risk factors with risk of coronary artery disease: a meta-analysis of individual participant data. CMAJ. 2013;185(9):763-9.. A Síndrome de Burnout (SB) é a resposta emocional extrema ao estresse crônico ocupacional. O termo "Burnout" (do inglês, "queimar até a exaustão"), indica o colapso que sobrevém após a utilização de toda a energia disponível7Benevides-Pereira A. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2002., manifestando-se como um processo de esgotamento físico e psíquico. Sua composição é multifatorial e se expressa em três dimensões: níveis elevados de exaustão emocional (EE) e de despersonalização (composta pelo distanciamento emocional [Dem] e desumanização [Des]) e pela baixa realização profissional (RP). Depende diretamente das condições em que o trabalho é realizado e também das relações interpessoais envolvidas na sua execução8Tamayo M. Estresse e cultura organizacional. São Paulo:Casa do Psicologo; 2008. p.75-105,9Maslach C, Schaufeli WB, Leiter MP. Job burnout. Annu Rev Psychol. 2001;52:397-422.. Sua prevalência tem sido amplamente avaliada em diversos grupos profissionais, em especial, trabalhadores da área da saúde, como médicos e enfermeiros, além das áreas sociais, como advogados e professores1010 Innstrand ST, Langballe EM, Falkum E, Aasland OG. Exploring within- and between-gender differences in burnout: 8 different occupational groups. Int Arch Occup Environ Health. 2011;84(7):813-24..

A exemplo de outras formas de estresse, a SB está associada à presença de diversos fatores de risco cardiovasculares1111 Melamed S, Shirom A, Toker S, Berliner S, Shapira I. Burnout and risk of cardiovascular disease: evidence, possible causal paths, and promising research directions. Psychol Bull. 2006;132(3):327-53.,1212 Kitaoka-Higashiguchi K, Morikawa Y, Miura K, Sakurai M, Ishizaki M, Kido T, et al. Burnout and risk factors for arteriosclerotic disease: follow-up study. J Occup Health. 2009;51(2):123-31.. Entretanto, nenhum aspecto sobre uma possível associação entre a SB e o desencadeamento de eventos cardiovasculares em profissionais economicamente ativos foi explorado até o momento nas publicações nacionais. O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência da SB em indivíduos ativos no mercado de trabalho, admitidos com síndrome coronária aguda (SCA). A prevalência de estresse global, não necessariamente associado ao trabalho, também foi avaliada.

Métodos

Recrutamento dos Pacientes

Foram avaliados pacientes com queixa de dor torácica admitidos em um serviço de emergência de um hospital terciário, privado, especializado em cardiologia, na cidade de Curitiba (PR), e que foram hospitalizados para investigação ou tratamento da SCA. Foram incluídos pacientes com diagnóstico confirmado de SCA (evidência angiográfica), com idade ≥ 21 anos e < 65 anos, de ambos os sexos, e economicamente ativos no mercado de trabalho.

O recrutamento foi realizado em duas fases: na 1ª realizou‑se um projeto piloto com duração de 36 semanas, no qual foram incluídos 94 pacientes. Para a 2ª fase e continuidade de coleta, o cálculo do tamanho da amostra foi feito com base no estudo piloto anterior. Considerando-se como estimativa inicial de pacientes que apresentam Burnout o valor de 4%, com uma margem de erro máxima de 3,2% (intervalo de confiança de 95% [IC 95%]: 1,1% a 7,1%), seria necessário um número mínimo de 164 pacientes.

A coleta das duas fases ocorreu no período de 17/05/10 a 01/03/12. O presente estudo teve sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o Nº 1940. Todos os pacientes incluídos foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Protocolo de Avaliação

A avaliação clínica cardiológica dos pacientes seguiu protocolo pré-estabelecido para atendimento de pacientes com dor torácica e suspeita de SCA1313 Bassan R. Chest pain units: a modern way of managing patients with chest pain in the emergency department. Arq Bras Cardiol. 2002;79(2):196-209.. A abordagem ao paciente para a participação na pesquisa foi individual e realizada por um psicólogo no quarto do paciente, entre o 3º e 5º dias da hospitalização. A aplicação foi programada para 20 a 30 minutos para preencher os dois instrumentos de avaliação psicológica da SB (ISB) e do estresse geral (ISSL). Para os pacientes que preferiram preencher os questionários sozinhos foi ofertada esta possibilidade.

Instrumentos Psicológicos

Avaliação da SB

Para avaliação da SB foi utilizado o Inventário da Síndrome de Burnout (ISB) de Benevides-Pereira1414 Benevides-Pereira A. ISB - Inventário da Síndrome de Burnout [Internet]. [Citado em 2013 ago 13]. Disponivel em : http://gepeb.wordpress.com/isb/
http://gepeb.wordpress.com/isb/...
. Ele é composto de duas partes e pontuado em escala do tipo Likert (0 a 4). A Parte I é composta de 16 itens relacionados aos antecedentes do ambiente de trabalho: as condições organizacionais positivas e as negativas, com pontuações de 0 (nunca) a 4 (muito frequentemente). A Parte II é composta de 19 itens que avaliam cada dimensão da SB isoladamente (exaustão emocional, distanciamento emocional, desumanização e baixa realização profissional) com pontuações de 0 (nunca) e 1 (algumas vezes ao ano) a 4 (todos os dias). Os valores de referência, entre as médias mínimas e máximas, para a atribuição de níveis elevados, moderados ou baixos foram: Condições Organizacionais Positivas (COP, 22 – 26); Condições Organizacionais Negativas (CON, 8 – 17); EE (4 – 9) e despersonalização, a qual é indicada pelas dimensões DEm (2 – 6) e Des (4 – 7). A terceira dimensão é a RP (10 – 15), que é inversamente relacionada às citadas. De acordo com este instrumento, as dimensões são avaliadas isoladamente, abrangendo também profissões que não são assistenciais. Como critério diagnóstico da SB, este instrumento segue o critério clássico de Maslach e cols.9Maslach C, Schaufeli WB, Leiter MP. Job burnout. Annu Rev Psychol. 2001;52:397-422., para o qual são necessárias a presença de elevada EE e despersonalização (Des e/ou DEm), concomitantemente com reduzida RP no trabalho.

Avaliação do Estresse

Para a verificação da presença de estresse, fase e prevalência de sintomas físicos ou psicológicos, foi utilizado o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) validado no Brasil pelo e comercializado pela Editora Casa do Psicólogo1515 Lipp M. Inventário de sintomas de stress para adultos de Lipp (ISSL). São Paulo: Casa do Psicologo; 2000.. Este questionário é composto por três partes, avaliando sintomas físicos e psicológicos que tenham sido observados nas últimas 24 horas (15 itens) o que define a fase de Alerta, durante a última semana (15 itens) que identifica as fases de Resistência e Quase Exaustão, e durante o último mês (23 itens), que se refere ao período de Exaustão do estresse. O preenchimento se deu pelo assinalamento de sintomas identificados pelo paciente e foi atribuído um ponto para cada item identificado.

Categorização das Profissões da Amostra

A SB está vinculada às atividades laborais. Grande parte das pesquisas estiveram voltadas para categorias de profissionais assistenciais e da saúde, mas nos anos 90 observou-se que também outros profissionais poderiam sofrer de Burnout09Maslach C, Schaufeli WB, Leiter MP. Job burnout. Annu Rev Psychol. 2001;52:397-422.. Portanto, considerando que o objetivo foi a avaliação da prevalência da SB em indivíduos economicamente ativos, todas as categorias profissionais foram incluídas. Para categorização, as profissões referidas foram subdivididas em três grupos de acordo com a necessidade da burocracia envolvida ou pela necessidade de interação interpessoal para realizá-las: 1) área da saúde ou assistencial, 2) administrativa, e 3) operacional. Embora arbitrária, tal divisão baseou-se na classificação utilizada na literatura internacional que define como "white collar" os profissionais com funções burocráticas, gerenciais e de maior poder de decisão, e "blue collar" os trabalhadores com menor poder de decisão, subordinados, operacionais e também mais braçais1616 Vaananen A, Koskinen A, Joensuu M, Kivimaki M, Vahtera J, Kouvonen A, et al. Lack of predictability at work and risk of acute myocardial infarction: an 18-year prospective study of industrial employees. Am J Public Health. 2008;98(12):2264-71.,1717 Toppinen-Tanner S, Kalimo R, Mutanen P. The process of burnout in white-collar and blue-collar jobs: eigth-year prospective study of exhaustion(online). J Organiz Behav.2002;23(5):555-70..

Análise Estatística

Neste estudo, apresentamos uma análise estatística descritiva dos dados obtidos. Os resultados são expressos por frequências e percentuais (variáveis qualitativas) ou por médias e desvios padrões (variáveis quantitativas). Os dados foram analisados com o programa computacional IBM SPSS Statistics v.20.

Resultados

Foram identificados 830 pacientes com SCA. Deste universo, 298 tinham idade ≥ 65 anos e 330 não eram economicamente ativos. Portanto, foram 202 pacientes potencialmente elegíveis. Destes, 13 receberam alta hospitalar antes de terem sido abordados, dois não se dispuseram a colaborar e 10 não foram submetidos à cinecoronariografia. Foram válidos, portanto, os questionários preenchidos por 170 pacientes (Figura 1). Cento e sessenta pacientes preencheram o Inventário de Estresse.

Figura 1
Definição da amostra.

Caracterização da Amostra

A amostra foi composta predominantemente por homens (90,6%), e a idade média foi de 52,1 ± 7,2 anos. Em relação à escolaridade, 43,5% referiram ter 3º grau completo. Quanto à atuação profissional, 46,5% eram trabalhadores da área administrativa, o tempo médio na profissão foi de 20,0 ± 10,9 anos e o ganho salarial médio de 40,5% da amostra estava acima da faixa de 11 salários mínimos. A carga horária semanal foi maior que 40 horas em 54,7% dos pacientes (Tabela 1). Os antecedentes clínicos dos pacientes incluídos estão descritos na Tabela 2. Em relação ao diagnóstico cardiológico, foram identificados com angina instável 46,5% dos pacientes, infarto agudo do miocárdio sem supra de ST (IAMSSST) em 26,5% e infarto agudo do miocárdio com supra de ST (IAMCSST) em 27,1%. Estes pacientes apresentavam doença coronariana mais extensa, além da artéria culpada pelo evento: a média foi de 2,4 ± 1,3 artérias com lesões (> 50%) por paciente. Em média, os pacientes permaneceram internados por 8,3 ± 4,2 dias.

Tabela 1
Caracterização da amostra
Tabela 2
Antecedentes clínico

Níveis Encontrados das Dimensões da SB

Considerando como critérios diagnósticos a presença de elevadas EE e despersonalização (Des e/ou DEm), concomitantemente com reduzida RP no trabalho, a SB foi identificada em 7 pacientes, com prevalência de 4,1%. Observando as dimensões isoladamente houve elevada EE em 34,7% da amostra, elevado DEm em 52,4%, elevada Des em 30,6%, e baixa RP em 5,9%. Nos fatores antecedentes para a síndrome, houve índices elevados para as condições negativas de trabalho em 52,9% dos participantes, sendo que as positivas foram de 34,1%.

A Figura 2 quantifica as dimensões isoladas da SB.

Figura 2
Níveis encontrados das dimensões isoladas da Síndrome de Burnout.

EE: Exaustão Emocional; Dem: Distanciamento Emocional; Des: Desumanização; RP: Realização Profissional.


Fases do Estresse no Modelo Quadrifásico de Lipp

Em 160 protocolos do ISSL, 87,5% apresentaram estresse. A fase de Alerta foi detectada em 2,6%, a de Resistência em 65,6%, Quase Exaustão em 25,6% e a de Exaustão em 6,2%. Houve prevalência de sintomas psicológicos em 51,3% dos sujeitos da amostra, sendo de 39,4% o de sintomas físicos, enquanto que o aparecimento de ambos se deu em 9,3% dos casos. Segundo Lipp1818 Lipp M. Manual do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL). Brasil; 2002. p. 3., o Modelo Quadrifásico do estresse indica que a fase de Resistência tem dois momentos distintos, caracterizados pelo aumento da sintomatologia. Assim, o início com predomínio de sintomas físicos é tido como fase de Resistência e os finais, acentuadamente psicológicos, são os de Quase Exaustão.

A Figura 3 indica as fases e sintomas do estresse da amostra total.

Figura 3
Fases e tipos de sintomas do estresse.

Discussão

Neste estudo, observamos que a SB, uma forma extrema de estresse ocupacional, esteve presente em 4,1% de uma população não idosa, ainda ativa no mercado de trabalho, internada com diagnóstico confirmado de SCA. Este é o primeiro dado nacional correlacionando a SB com eventos cardiovasculares maiores. O estresse global, não necessariamente relacionado ao trabalho, foi diagnosticado em 87,5% desta mesma população.

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil e no mundo, e as SCAs respondem por uma parcela significativa destas mortes1919 Baena CP, Chowdhury R, Schio NA, Sabbag AE Jr, Guarita-Souza LC, Olandoski M, et al. Ischaemic heart disease deaths in Brazil: current trends, regional disparities and future projections. Heart. 2013;99(18):1359-64.. O impacto socioeconômico das SCAs é maior quando atinge uma parcela mais jovem e produtiva da população2020 Teich V, Araujo DV.. Estimativa de custo da síndrome coronariana no Brasil. Rev Bras Cardiol. 2011;24(2):85-94.. Portanto, reconhecer todos os fatores que possam estar associados ao seu desencadeamento é fundamental para reduzir seus danos. O papel do estresse crônico como fator de risco coronariano é bem conhecido4Rosengren A, Hawken S, Ounpuu S, Sliwa K, Zubaid M, Almahmeed WA, et al. Association of psychosocial risk factors with risk of acute myocardial infarction in 11119 cases and 13648 controls from 52 countries (the INTERHEART study): case-control study. Lancet. 2004;364(9438):953-62.. Por estar associado à contínua ativação do eixo neuroendócrino-hipofisário, aumenta significativamente não só a prevalência dos fatores de risco, mas também expõe ao risco de eventos cardiovasculares maiores2Laszlo KD, Ahnve S, Hallqvist J, Ahlbom A, Janszky I. Job strain predicts recurrent events after a first acute myocardial infarction: the Stockholm Heart Epidemiology Program. J Intern Med. 2010;267(6):599-611.,1111 Melamed S, Shirom A, Toker S, Berliner S, Shapira I. Burnout and risk of cardiovascular disease: evidence, possible causal paths, and promising research directions. Psychol Bull. 2006;132(3):327-53.,2121 Loures DL, Sant Anna I, Baldotto CS, Sousa EB, Nobrega AC. [Mental stress and cardiovascular system]. Arq Bras Cardiol. 2002;78(5):525-30.. O estresse ocupacional não é diferente, também aumentando a incidência de eventos coronarianos6Kivimaki M, Nyberg ST, Fransson EI, Heikkila K, Alfredsson L, Casini A, et al. Associations of job strain and lifestyle risk factors with risk of coronary artery disease: a meta-analysis of individual participant data. CMAJ. 2013;185(9):763-9.,1616 Vaananen A, Koskinen A, Joensuu M, Kivimaki M, Vahtera J, Kouvonen A, et al. Lack of predictability at work and risk of acute myocardial infarction: an 18-year prospective study of industrial employees. Am J Public Health. 2008;98(12):2264-71.,2222 Kivimaki M, Nyberg ST, Batty GD, Fransson EL, Heikkila K, Alfredsson J, et al. Job strain as a risk factor for coronary heart disease: a collaborative meta‑analysis of individual participant data. Lancet. 2012;380(9852):1491-7.,2323 Aboa-Eboule C, Brisson C, Maunsell E, Masse B, Bourbonnais R, Vezina M, et al. Job strain and risk of acute recurrent coronary heart disease events. JAMA. 2007;298(14):1652-60.. Esta forma de estresse é melhor explicada pelo modelo de Karasek1616 Vaananen A, Koskinen A, Joensuu M, Kivimaki M, Vahtera J, Kouvonen A, et al. Lack of predictability at work and risk of acute myocardial infarction: an 18-year prospective study of industrial employees. Am J Public Health. 2008;98(12):2264-71.,2424 Lourel M, Abdellaoui S, Chevaleyre S, Paltrier M, Gana K. Relationships between psychological job demands, job control and burnout among firefighters. N Am J Psychol. 2008;10(3):489-96., ou modelo Demanda‑Controle, onde o poder de decisão sobre a atividade exercida é mais importante do que a carga de trabalho. As categorias profissionais envolvidas também interferem na percepção da presença do estresse ocupacional. Funcionários com cargos administrativos, conhecidos como "white collars", costumam ter maior poder de decisão em relação aos operacionais, os chamados "blue collars". O baixo controle decisório e a alta demanda de trabalho, prevalentes em trabalhadores "blue colar", foram descritos como determinantes de uma maior elevação da pressão arterial diastólica após estímulo com um α-agonista (fenilefrina), em especial em trabalhadores da raça negrao03Thomas KS, Nelesen RA, Ziegler MG, Bardwell WA, Dimsdale JE. Job strain, ethnicity, and sympathetic nervous system activity. Hypertension. 2004;44(6):891-6.. Entretanto, em um estudo prospectivo com 18 anos de seguimento, a categoria de trabalho ("white" ou "blue") não foi determinante de um maior risco de infarto do miocárdio. Neste mesmo estudo, a única característica ocupacional associada com maior risco foi a ausência de perspectivas futuras no trabalho1616 Vaananen A, Koskinen A, Joensuu M, Kivimaki M, Vahtera J, Kouvonen A, et al. Lack of predictability at work and risk of acute myocardial infarction: an 18-year prospective study of industrial employees. Am J Public Health. 2008;98(12):2264-71..

A evolução do estresse ocupacional para a SB é um fenômeno contínuo de alteração das dimensões isoladas do Burnout. A escolha do ISB (Inventário da Síndrome de Burnout) como ferramenta diagnóstica foi motivada pelo processo de padronização na população brasileira, como também por contemplar todas as áreas de atividade profissional. Para a verificação da síndrome são consideradas quatros dimensões, sendo duas delas (o DEm e a Des) o equivalente da despersonalização no Maslach Burnout Inventory (MBI)1414 Benevides-Pereira A. ISB - Inventário da Síndrome de Burnout [Internet]. [Citado em 2013 ago 13]. Disponivel em : http://gepeb.wordpress.com/isb/
http://gepeb.wordpress.com/isb/...
,2525 Maslach C, Jackson SE, Leiter MP, Schaufeli WB, Schwab RL. Maslach Burnout Inventory Manual(MBI). 3rd ed. Palo Alto, CA.: Consulting Psychologists Press; 1996.. O ISB já foi aplicado em uma amostra brasileira de médicos e apresentou, como no nosso estudo, alterações além da média nas condições negativas de trabalho, na EE e na Des2626 Ferreira Bortoletti F, Teresa Benevides-Pereira AM, Vasconcellos EG, Siqueira JO, Araujo Júnior E, Nardozza LM, et al. Triggering risk factors of the Burnout syndrome in OB/GYN physicians from a reference public university of Brazil. ISRN Obstet Gynecol. 2012;2012:593876.. No presente estudo, as condições negativas de trabalho também prevaleceram sobre as positivas, indicando que os participantes percebem mais demandas que recursos na execução de suas atividades profissionais. Quanto às dimensões da síndrome, observa-se que utilizam predominantemente o DEm como forma de enfrentamento ao sentimento de exaustão. Chama a atenção nesta amostra a alta prevalência de RP. Considerando que o Burnout é entendido como uma forma de defesa - mesmo que inadequada - contra o estresse ocupacional, os dados são coerentes com os pressupostos teóricos. Foram encontrados mais profissionais em estresse do que em Burnout nesta amostra. Uma hipótese para isto é que o ISSL não faz distinção entre os tipos de estresse, medindo o estresse geral. Por outro lado, o Burnout sobrevém quando o trabalhador, não encontrando meios de lidar com os estímulos estressores provenientes do ambiente laboral, permanece na exaustão que então se cronifica. A maioria dos participantes encontrava-se na fase de Resistência pelo ISSL, o que condiz com a condição teórica de Burnout como enfrentamento e defesa ao estresse percebido. Os pacientes podem estar resistindo ao estresse através de dimensões elevadas da SB.

Este estudo apresenta uma limitação quanto à possibilidade de extrapolação de seus resultados (validação externa). Os pacientes foram recrutados a partir de um centro de cardiologia único, terciário e privado. Isto justifica alguns achados, como a alta prevalência de indivíduos com escolaridade superior e ganho acima de 11 salários mínimo. A possibilidade de estimarmos corretamente a prevalência da SB em pacientes admitidos por SCA em nosso meio seria possível somente a partir de um registro com amostragem representativa de toda a população nacional. Outra limitação, determinada pelo desenho transversal do estudo, é a impossibilidade da avaliação da SB como fator desencadeador das SCAs. Acreditamos que mesmo estudos prospectivos terão limitações neste sentido, uma vez que a longo prazo os profissionais estão sujeitos a alterações de funções e mesmo de seus postos de trabalho. Entretanto, acreditamos que, ao realizarmos a primeira avaliação da frequência da SB em pacientes com SCA, saindo do tradicional modelo de avaliação de prevalência em uma específica categoria profissional, estamos possibilitando uma nova área de investigação, onde a SB deixa de ser vista apenas como um problema laboral, alertando para a possibilidade da mesma estar associada a um maior impacto na saúde global do trabalhador.

Conclusão

Em conclusão, este estudo demonstrou que a SB é pouco prevalente em pacientes não idosos, economicamente ativos, internados por SCA. Análises futuras, em populações com realidade econômica distinta desta amostra poderão ampliar a compreensão da associação de estresse ocupacional e doenças cardiovasculares.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação acadêmica
    Este artigo é parte da dissertação de Mestrado de Ana Claudia Merchan Giaxa Prosdóscimo pela Pontífica Universidade Católica do Paraná - PUC-PR.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2014
  • Data do Fascículo
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2014
  • Revisado
    23 Set 2014
  • Aceito
    13 Out 2014
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