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TRHM e proliferação do tecido mamário normal: o debate continua

EDITORIAL

TRHM e proliferação do tecido mamário normal: o debate continua

Poli Mara Spritzer

Coordenadora da Unidade de Endocrinologia Ginecológica, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Professora Titular do Departamento de Fisiologia, ICBS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

A TERAPIA DA REPOSIÇÃO HORMONAL na menopausa (TRHM) com estrogênios isolados ou associados à progesterona/progestogênios promove alívio dos sintomas climatéricos e reduz o risco de osteoporose e possivelmente da doença de Alzheimer. Entretanto, a TRHM pode aumentar o risco de câncer de mama (1-3). Considerando o grande número de mulheres que fazem uso da TRHM (4), é fundamental aprofundar o conhecimento sobre os efeitos dos esteróides sexuais e suas interações sobre a mama na pós-menopausa e seu papel na promoção da carcinogênese mamária e progressão tumoral.

A questão sobre se estrogênios, progestogênios ou ambos aumentam a proliferação do tecido epitelial mamário normal é controversa. Os progestogênios diminuem a proliferação celular endometrial no útero, mas seu efeito sobre a mama é menos evidente. Dependendo do modelo experimental utilizado (humano ou animal, in vivo ou in vitro), doses e os métodos de medida da proliferação utilizados, foram descritos resultados que demonstram que a progesterona estimula (5-7), inibe (8-11) ou não tem efeitos sobre a proliferação e atividade mitótica das células epiteliais mamárias (2,12).

Neste número dos "Arquivos", Marinheiro e cols (13) abordam em parte esta questão, apresentando os resultados da avaliação da proliferação celular em tecido mamário normal de mulheres pós-menopáusicas antes e durante TRHM com estrogênio isolado ou associado a progestogênio. Um dos méritos do estudo é ter obtido, através de um protocolo que seguiu critérios internacionais de ética em pesquisa, amostras de tecido mamário normal, oriundo de mulheres pós-menopáusicas sem doença mamária estabelecida, antes e durante a TRHM. Ao contrário do endométrio, cuja obtenção de fragmentos é mais simplificada a partir da biópsia endometrial, o acesso à glandula mamária é mais complexo por inúmeras razões, incluindo aspectos psicológicos e cosméticos. Por isso, a maior parte dos estudos com tecido mamário normal utiliza, na realidade, tecido circunjacente a lesões palpáveis ou regiões com densidade mamográfica suspeita (14).

No corpo dos resultados do estudo de Marinheiro e cols, dois aspectos se sobressaem: primeiro, a ausência de modificações no padrão de proliferação da mama (avaliado pela presença imunoreativa de PCNA e KI67, marcadores de proliferação celular) antes e após 6 meses de TRHM, seja ela com estrogênios conjugados isolados ou associados ao acetato de medroxiprogesterona (MPA). Embora pudesse se esperar um estímulo à proliferação com o uso de estrogênios conjugados nos 2 esquemas de TRHM utilizados, como já descrito na literatura, é possível que o tempo de 6 meses não tenha sido suficiente ou, como os autores comentam, a coleta do material, realizada na primeira semana do sexto ciclo de TRHM cíclica tenha permitido uma janela prévia de 7 dias sem estrogênios, o que pode ter reduzido o impacto do tratamento sobre a proliferação celular.

Um segundo aspecto a ser comentado é o que diz respeito à comparação entre os dois esquemas de tratamento. Embora não tenham sido detectadas diferenças estatisticamente significativas na imunorreatividade dos marcadores de proliferação celular, PCNA e KI67 com a presença ou ausência da progesterona, os autores interpretaram como uma tendência a um status mais proliferativo no grupo que usou estrogênio isolado. Vários fatores podem ter interferido sobre os efeitos da adição do MPA ao tratamento com estrogênios conjugados. É preciso lembrar, novamente, que o momento da coleta de fragmento de tecido mamário ao final do estudo permitiu uma janela de 2 semanas sem MPA no grupo A, o que pode ter influído no resultado final. Por outro lado, o poder do teste estatístico pode ter sido reduzido pelo tamanho relativamente pequeno da amostra (o aumento no número de amostras incluídas no estudo poderia tanto permitir a obtenção da significância estatística quanto o inverso). Além disso, cabe salientar que, provavelmente por questões éticas, o estudo não foi randomizado, ou seja, apenas as pacientes histerectomizadas foram incluídas no grupo B, que recebeu estrogênios conjugados isoladamente. É possível cogitar que estas pacientes tivessem uma maior sensibilidade aos estrogênios, que possa ter desencadeado patologias uterinas prévias estrogênio-dependentes e, portanto, também mais predispostas à ação estrogênica sobre a mama do que aquelas incluídas no grupo A. Finalmente, não se pode excluir um efeito cumulativo da associação estrogênio e progestogênio sobre marcadores de proliferação celular na mama, cujos resultados só se tornem evidentes depois de alguns anos, como sugerido na literatura (14).

A questão do papel da progesterona e progestogênios na regulação da proliferação e diferenciação do tecido mamário em geral e durante a TRHM em particular, vem sendo debatida intensamente na atualidade. A discussão tornou-se mais acirrada recentemente, com a divulgação de estudos clínicos que associam o uso da TRHM combinada (estrogênios+ progestogênios) com maior risco de câncer de mama, como no estudo WHI (3) (38 casos versus 30 em 10.000 usuárias/ano, para TRHM e placebo, respectivamente). O braço paralelo utilizando apenas estrogênios conjugados segue em andamento. Entretanto, como já referido, existe grande disparidade nos relatos publicados e dados efetivamente conclusivos ainda não podem ser proclamados (15). Neste sentido, são desejáveis estudos cujo delineamento experimental permita avaliar diretamente ações promotoras de esteróides sexuais sobre a proliferação celular da mama antes de sua transformação tumoral, como é o caso do estudo de Marinheiro e cols (13).

Em termos de perspectivas futuras, é necessário que se aprofunde neste problema, a partir de estudos clínicos randomizados que avaliem diferentes moléculas disponíveis para TRHM, em especial os hormônios naturais (estradiol-17b e progesterona) bem como a utilização de doses e vias de administração alternativas à via oral (16). Da mesma forma, será fundamental que se avance numa busca mais operativa de pacientes suscetíveis ao câncer de mama, a partir do rastreamento genético e da farmacogenética.

REFERÊNCIAS

1.Beral V, Bull D, Doll R, Key T, Peto R, Reeves G, and the Collaborative Group on Hormonal Factors in Breast Cancer. Breast cancer and hormone replacement therapy: collaborative reanalysis of data from 51 epidemiological studies of 52,705 women with breast cancer and 108,411 women without breast cancer from 54 epidemiological studies. Lancet 1997;350:1047-59.

2.Colditz GA, Hankinson SE, Hunter DJ, et al. The use of estrogens and progestins and the risk of breast cancer in postmenopausal women. N Engl J Med 1995;332:1589-93.

3.Writing Group for the Women's Health Initiative Investigators. Risks and benefits of estrogen plus progestin in healthy postmenopausal women. JAMA 2002;288:321-33.

4.Paoletti R, Wenger N. Review of the international position paper on women's health and menopause. Circulation 2003;107:1336-9.

5.Wang S, Counterman LJ, Haslam SZ. Progesterone action in normal mouse mammary gland. Endocrinology 1990;127:2183-9.

6.Cline JM, Soderqvist G, von Schoultz E, Skoog L, vonSchoultz B. Effects of hormone replacement therapy on the mammary gland of surgically postmenopausal cynomolgus macaques. Am J Obstet Gynecol 1996;174:93-100.

7.Pike MC. Experiments on proliferation of normal human breast tissue in nude mice do not show that progesterone does not stimulate breast cells. Endocrinology 1996;137:1505.

8.Stanford J, Weiss WS, Voigt LF, Daling JR, Habel LA, Rossing MA. Combined estrogen and progestin hormone replacement therapy in relation to risk of breast cancer in middle-aged women. JAMA 1995;274:137-42.

9.Malet C, Spritzer PM, Guillaumin D, Kuttenn F. Progesterone effect on cell growth, ultrastructural aspect and estradiol receptors of normal human breast epithelial (HBE) cells in culture. J Ster Biochem Mol Biol 2000;73:171-81.

10.Chang KJ, Lee TT, Linares-Cruz G, Fournier S, de Lignieres B. Influences of percutaneous administration of estradiol and progesterone on human breast epithelial cell cycle in vivo. Fertil Steril 1995;63:785-91.

11.Foidart JM, Colin C, Denoo X, Desreux J, Beliard A, Fournier S, et al. Estradiol and progesterone regulate the proliferation of human breast epithelial cells. Fertil Steril 1998;69:963-9.

12.Laidlaw IJ, Clarke RB, Howell A, Owen AWMC, Potten CS, Anderson E. The proliferation of normal human breast tissue implanted into athymic nude mice is stimulated by estrogen but not progesterone. Endocrinology 1995;136:164-71.

13.Marinheiro LPF, Graudenz M, Recktenvald M, Meirelles RMR, Caleffi M. Expressão dos fatores de proliferação celular PCNA e KI-67 e receptores de estrogênio e progesterona em tecido mamário normal de mulheres na pós-menopausa submetidas a dois esquemas de terapia de reposição hormonal. Arq Bras Endocrinol Metab 2003;47/1: 28-39.

14.Hofseth LJ, Raafat AM, Osuch JR, Pathak DR, Slomski CA, Haslam SA. Hormone replacement therapy with estrogen or estrogen plus medroxyprogesterone acetate is associated with increased epithelial proliferation in the normal postmenopausal breast. J Clin Endocrinol Metab 1999;84:4559-65.

15.Schairer C. Progesterone receptors - animal models and cell signaling in breast cancer: Implications for breast cancer of inclusion of progestins in hormone replacement therapies. Breast Cancer Res 2002;4:244-8.

16.Spritzer PM, Vitola D, Vilodre LCF, Wender MCO, Reis FM, Ruschel S, et al. One-year follow-up of hormone replacement therapy with percutaneous estradiol and low-dose vaginal natural progesterone in women with mild to moderate hypertension. Exp Clin Endocrinol Diab 2003 (in press).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2003
  • Data do Fascículo
    Fev 2003
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