Resumo
A ventilação natural é uma importante estratégia de resfriamento passivo das edificações em climas tropicais. Entretanto, o aproveitamento desse recurso pode ser prejudicado por anteparos presentes no entorno das edificações, tais como os muros. Contudo, escassos estudos se dedicaram a quantificar a influência desses elementos no comportamento dos ventos. O objetivo dessa pesquisa foi investigar os efeitos da incorporação de muros nas condições de ventilação natural em habitações populares térreas. Com a utilização de simulações CFD (Computational Fluid Dynamics), foram analisados quatro cenários: (1) edificação sem fechamento do lote; (2) com fechamento parcial; (3) com fechamento total e muro frontal sólido; e (4) com fechamento total e muro frontal vazado. Os resultados indicaram que a incorporação dos muros agravou as condições de ventilação existentes na edificação. O pior cenário para o aproveitamento dos ventos foi o fechamento total do lote com muros sólidos. A substituição de muros frontais sólidos por muros com componentes vazados gerou um incremento de 42% nos valores de velocidade do vento dentro da edificação. Assim, destaca-se que a inclusão de elementos vazados pode aliar a necessidade de delimitação do lote com menores impactos nas condições de ventilação natural.
Palavras-chave:
Ventilação natural; Habitações térras; Muro; CFD
Abstract
Natural ventilation is an important passive cooling strategy in regions of tropical climate. However, bulkheads present in the surroundings of buildings, such as boundary walls, can compromise the effectiveness of this resource. Few studies have focused on quantifying the influence of these elements on wind behavior. Thus, this study aimed to assess the impacts of boundary walls on natural ventilation in low-cost single-story residential buildings. Four scenarios were explored employing computational fluid dynamics (CFD): (1) buildings without boundary walls; (2) buildings with partial boundary walls; (3) buildings with total closure and solid front wall; and (4) buildings with total closure and air passages in the front wall. The results showed that the incorporation of boundary walls in the buildings worsened the existing ventilation conditions. The worst scenario for wind exploitation was total closure with solid front walls. The replacement of solid front walls with walls with air passages increased wind speed inside the building by 42%. Thus, the inclusion of air passages can combine the need to delimit the land with a lower impact on natural ventilation conditions.
Keywords:
Natural ventilation; Single-story residential buildings; Boundary wall; Computational fluid dynamics
Introdução
Além da preocupação ambiental e energética, a crise de saúde ocasionada pela pandemia do Coronavírus (Covid-19) tornou preponderante a discussão sobre a qualidade do ar do ambiente interno das edificações. A ventilação natural é um tema recorrente nas pesquisas, visto seu potencial de renovação do ar, essencial para sua qualidade (LIGHT; BAILEY; LUCAS,2020LIGHT, E.; BAILEY, J.; LUCAS, R. Filling the Knowledge Gaps HVAC and COVID-19. Ashrae Journal, v. 62, n. 9, p. 20-28, 2020.). Ademais, a ventilação natural é uma estratégia de resfriamento passivo para obtenção de conforto térmico dos usuários (TRIANA; DE VECCHI; LAMBERTS, 2020TRIANA, M.A.; DE VECCHI, R.; LAMBERTS, R. Building design for hot and humid climate in a changing world. In: ENTERIA, N.; AWBI, H.; SANTAMOURIS, M. (ed.). Building in hot and humid regions. Springer: Singapore, 2020.). Em regiões tropicais, valores mais altos de velocidade do vento geram resfriamento fisiológico dos usuários e minimizam o ganho de calor nas edificações (CÂNDIDO et al., 2010CÂNDIDO, C. et al. Air movement acceptability limits and thermal comfort in Brazil’s hot humid climate zone. Building and Environment, v. 45, p. 222-229, 2010.). Assim, o uso da ventilação também possibilita redução do consumo de eletricidade (TRIANA; DE VECCHI; LAMBERTS, 2020TRIANA, M.A.; DE VECCHI, R.; LAMBERTS, R. Building design for hot and humid climate in a changing world. In: ENTERIA, N.; AWBI, H.; SANTAMOURIS, M. (ed.). Building in hot and humid regions. Springer: Singapore, 2020.).
Em geral, as edificações naturalmente ventiladas são projetadas para funcionar sem um sistema mecânico de resfriamento ou aquecimento. A ventilação pela ação do vento ocorre através das aberturas presentes no edifício, como efeito dos diferenciais de pressão ao longo da envoltória (ETHERIDGE, 2015ETHERIDGE, D. A perspective on fifty years of natural ventilation research. Building and Environment , 91, p. 51-60, 2015.). Para essas edificações, as condições internas, como o conforto do usuário, dependem diretamente do projeto arquitetônico e da relação com o entorno imediato (SAKIYAMA et al., 2020SAKIYAMA, N. R. M. et al. Perspectives of naturally ventilated buildings: a review. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 130, p. 109933, mar. 2020.). Elementos externos, como muros ou cercas utilizadas para delimitar os lotes, reduzem a incidência da ventilação natural (BITTENCOURT; CÂNDIDO, 2015BITTENCOURT, L.; CÂNDIDO, C. Introdução a ventilação natural. 4. ed. rev. Maceió: EDUFAL, 2015.).
Os muros são componentes comuns em edificações residenciais em alguns países, como o Brasil, culturalmente utilizados para atender a necessidade de segurança e privacidade (KOWALTOWSKI et al., 2006KOWALTOWSKI, D. et al. Análise de parâmetros de implantação de conjuntos habitacionais de interesse social: ênfase nos aspectos de sustentabilidade ambiental e da qualidade de vida. In: SATTLER, M. A.; PEREIRA, F. O. R. (org.). Coleção Habitare: construção e Meio Ambiente. Porto Alegre: ANTAC, 2006. v. 7, p. 128-167.). Considerando que a ventilação natural é uma solução de resfriamento passivo adequado para as condições climáticas brasileiras, muros fechados podem se constituir em barreiras ao aproveitamento desse recurso.
Isso se torna mais prejudicial dentro do contexto das habitações de interesse social (HIS), visto que em sua maioria são construções térreas e em lotes pequenos (TRIANA; LAMBERTS; SASSI, 2015TRIANA, M. A.; LAMBERTS, R.; SASSI, P. Characterisation of representative building typologies for social housing projects in Brazil and its energy performance. Energy Policy,v. 87, p. 524-541, dez. 2015.; MARROQUIM, 2017MARROQUIM, F. M. G. Produção habitacional de Maceió-AL: transformações espaciais da Habitação de Interesse Social de 1964 a 2014. Maceió, 2017. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo: Dinâmica do Espaço Habitado) -Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2017.), onde o muro, elemento recorrente (SANTOS; BARROS; AMORIM, 2013SANTOS, D.; BARROS, B.; AMORIM, J. A. Reforma na habitação de interesse social: diagnóstico de um conjunto residencial do semiárido nordestino. In: ENCONTRO LATINOAMERICANO DE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS, 2013. Anais [...] Curitiba: UFPR, 2013.), pode gerar mais interferência nas condições de ventilação (BITTENCOURT; CÂNDIDO, 2015BITTENCOURT, L.; CÂNDIDO, C. Introdução a ventilação natural. 4. ed. rev. Maceió: EDUFAL, 2015.). Além dessas características construtivas, os projetos de HIS são frágeis em conforto ambiental, eficiência energética e satisfação dos usuários, aspectos associados à falta de adequação climática das habitações (BAVARESCO et al., 2021BAVARESCO, M. V. et al. Aspectos impactantes no desempenho energético de habitações de interesse social brasileiras: revisão de literatura. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 263-292, jan./mar. 2021. ).
Na literatura foram identificados trabalhos que estudaram a influência dos muros ou barreiras na ventilação natural. De uma maneira geral, a maioria das pesquisas são anteriores da década de 1990 e, por conta do contexto climático e do escopo de pesquisa, foram mais voltadas ao uso de muros como quebra-ventos e não com ênfase no aproveitamento dos ventos (HEISLER; DEWALLE, 1988HEISLER, G.; DEWALLE, D. Effects of windbreak structure on wind flow. Agriculture, Ecosystems and Environment, v. 22-23, n. C, p. 41-69, 1988. ; OLGYAY, 1998OLGYAY, V. Arquitectura y clima: manual de diseño bioclimático para arquitectos y urbanistas. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1998.; RAINE; STEVENSON, 1977RAINE, J. K.; STEVENSON, D. C. Wind protection by model fences in a simulated atmospheric boundary layer. Journal of Industrial Aerodynamics, v. 2, p. 159-180, 1977.). Esses estudos contribuíram para a análise da influência de aspectos como: porosidade, dimensão, formato e posição da barreira em relação à incidência dos ventos. Apesar disso, seu foco de investigação eram barreiras isoladas em espaços abertos, não sendo considerada a interação entre barreiras e edificações.
Essa interação começou a ser investigada em trabalhos mais recentes, que evidenciaram os efeitos de diferentes configurações e formas de inserção do muro em edificações no comportamento dos ventos. Li, Wang e Bell (2007LI, W.; WANG, F.; BELL, S. Simulating the sheltering effects of windbreaks in urban outdoor open space. Journal of Wind Engineering and Industrial Aerodynamics, v. 95, n. 7, p. 533-549, 2007.), Chang (2006CHANG, W. R. Effect of porous hedge on cross ventilation of a residential building. Building and Environment , v. 41, n. 5, p. 549-556, 2006.) e Chang e Cheng (2009)CHANG, W. R.; CHENG, C. L. Modulation of cross ventilation in a residential building using a porous hedge. Journal of the Chinese Society of Mechanical Engineers, v. 30, n. 5, p. 409-417, 2009. constataram que a inserção do muro altera os coeficientes de pressão ou a distribuição de pressão nas fachadas. Esse efeito ocasionou a redução da velocidade do vento e da taxa de fluxo de ar e alterou o padrão de escoamento do vento, gerando zonas de estagnação e recirculação. Segundo os autores a intensidade e a ocorrência desses efeitos dependem dos parâmetros de configuração do muro, como: porosidade, altura e localização no lote (recuo frontal). Contudo esses trabalhos estudaram apenas a influência do muro posicionado no recuo frontal, sem avaliar o muro ao redor da edificação, como comumente ocorre em áreas residenciais.
Por outro lado, Hawendi e Gao (2017HAWENDI, S.; GAO, S. Impact of an external boundary wall on indoor flow field and natural cross-ventilation in an isolated family house using numerical simulations. Journal of Building Engineering, v. 10, p. 109-123, 2017.) investigaram uma edificação com base nas residências encontradas no Iraque, com muros isolando o acesso da casa (frontal e laterais). Os autores também identificaram que a inclusão do muro reduziu a incidência de fluxo de ar dentro da edificação, com a diminuição da taxa de ventilação. Contudo, concluíram que esse efeito foi positivo pois promoveu melhor distribuição da velocidade média interna, gerando mais conforto para os usuários. No entanto, os autores não exploraram a porosidade/permeabilidade do muro, um aspecto considerado importante (LI; WANG; BELL, 2007LI, W.; WANG, F.; BELL, S. Simulating the sheltering effects of windbreaks in urban outdoor open space. Journal of Wind Engineering and Industrial Aerodynamics, v. 95, n. 7, p. 533-549, 2007.; CHANG, 2006CHANG, W. R. Effect of porous hedge on cross ventilation of a residential building. Building and Environment , v. 41, n. 5, p. 549-556, 2006.; CHANG; CHENG, 2009CHANG, W. R.; CHENG, C. L. Modulation of cross ventilation in a residential building using a porous hedge. Journal of the Chinese Society of Mechanical Engineers, v. 30, n. 5, p. 409-417, 2009.), limitaram-se à variação da altura do muro.
Xavier e Lukiantchuki (2021XAVIER, A. C. de A.; LUKIANTCHUKI, M. A. Análise da ventilação natural em uma habitação de interesse social, com diferentes configurações de muro, através de simulações CFD. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, v. 19, p. 1-19, 2021.) investigaram também o comportamento da ventilação natural em uma habitação com configurações de muro diferentes, explorando cenários com muros sólidos e permeáveis. As autoras concluíram que a substituição do muro sólido por um permeável ocasionou melhorias significativas nas condições de ventilação, pois possibilitou a incidência de corrente de ar com maiores velocidades na edificação, semelhante ao cenário sem a presença de muro. Contudo, as autoras não consideraram a influência do muro frontal, apenas dos muros laterais e posterior.
Percebe-se que, apesar das contribuições das pesquisas citadas, ainda há muitos aspectos que podem ser explorados para se obter informações mais concretas dos efeitos dos muros nas edificações. Além disso, escassas pesquisas foram realizadas em climas tropicais, nos quais a ventilação natural é recomendada. Assim, o presente artigo teve como objetivo investigar os efeitos da incorporação de muros no fechamento das divisas do lote no comportamento dos ventos em habitações populares térreas.
Método
A pesquisa adotou uma abordagem metodológica exploratória, com a realização de simulações baseadas em dinâmica dos fluidos computacional (Computational Fluid Dynamics- CFD). A simulação por CFD é uma das abordagens mais empregadas em trabalhos correlatos, por conta da sua eficiência na predição da ventilação natural, como também na redução de tempo e custo, em comparação às alternativas que necessitam da produção de protótipos físicos (SAKIYAMA et al., 2020SAKIYAMA, N. R. M. et al. Perspectives of naturally ventilated buildings: a review. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 130, p. 109933, mar. 2020.), tais como ensaios no túnel de vento. Apesar dos desafios envolvendo os diferentes aspectos da modelagem computacional para obter precisão e confiabilidade (BLOCKEN, 2018BLOCKEN, B. LES over RANS in building simulation for outdoor and indoor applications: a foregone conclusion? Building Simulation, v. 11, p. 821-870, 2018.), os modelos CFD representam um importante recurso nos estudos de distribuição dos ventos.
Como ilustrado na Figura 1, a pesquisa foi dividida em três etapas. Os aspectos mais relevantes de cada etapa serão descritos nos próximos tópicos.
Descrição dos casos analisados
Os efeitos da incorporação de muros no comportamento da ventilação natural foram avaliados a partir de quatro cenários distintos (Figura 3):
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cenário 1 (referência) - edificação sem o fechamento das divisas do lote: o cenário representa como as HIS são entregues aos usuários (SANTOS; BARROS; AMORIM, 2013SANTOS, D.; BARROS, B.; AMORIM, J. A. Reforma na habitação de interesse social: diagnóstico de um conjunto residencial do semiárido nordestino. In: ENCONTRO LATINOAMERICANO DE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS, 2013. Anais [...] Curitiba: UFPR, 2013.; LACERDA; MARROQUIM; ANDRADE, 2011LACERDA, A. E.; MARROQUIM, F.; ANDRADE, S. Avaliação pós-ocupação de unidades habitacionais do conjunto Antônio Mariz, João Pessoa-PB. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE QUALIDADE DO PROJETO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO, 2., Rio de Janeiro, 2011. Anais [...] Rio de Janeiro: ANTAC, 2011.). Este caso servirá de referência comparativa para os demais casos;
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cenário 2 - edificação com muros laterais e posterior (fundo): identificação do comportamento dos ventos na edificação sem a influência do muro frontal;
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cenário 3 - edificação com todos os muros sólidos: o cenário mais recorrente nas habitações brasileiras, por questão de privacidade e segurança (SANTOS; BARROS; AMORIM, 2013SANTOS, D.; BARROS, B.; AMORIM, J. A. Reforma na habitação de interesse social: diagnóstico de um conjunto residencial do semiárido nordestino. In: ENCONTRO LATINOAMERICANO DE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS, 2013. Anais [...] Curitiba: UFPR, 2013.; LACERDA; MARROQUIM; ANDRADE, 2011LACERDA, A. E.; MARROQUIM, F.; ANDRADE, S. Avaliação pós-ocupação de unidades habitacionais do conjunto Antônio Mariz, João Pessoa-PB. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE QUALIDADE DO PROJETO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO, 2., Rio de Janeiro, 2011. Anais [...] Rio de Janeiro: ANTAC, 2011.); e
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cenário 4 - edificação com muro frontal com elementos vazados: identificar se existem vantagens na adoção de muros frontais mais permeáveis. Foi escolhido um elemento vazado do tipo quadriculado (25x25x15 cm)1 1 Com base em elementos vazados comercializados (NEOREX, 2021). , que é um padrão popularmente conhecido, de fácil execução e baixo custo (Figura 2).
O modelo de habitação escolhido para fazer a investigação é uma casa térrea isolada. Trata-se de um modelo representativo desenvolvido por Triana, Lamberts e Sassi (2015TRIANA, M. A.; LAMBERTS, R.; SASSI, P. Characterisation of representative building typologies for social housing projects in Brazil and its energy performance. Energy Policy,v. 87, p. 524-541, dez. 2015.). Para construção desse modelo a autora se baseou em levantamentos de projetos habitacionais executados em diferentes regiões do Brasil. O modelo foi utilizado em outros estudos com foco no desempenho térmico e energético (BRACHT; MELO; LAMBERTS, 2021BRACHT, M. K.; MELO, A. P.; LAMBERTS, R. A metamodel for building information modeling-building energy modeling integration in early design stage. Automation in Construction, v. 121, p. 103422, 2021.; ELI et al., 2021ELI, L. G. et al. Thermal performance of residential building with mixed-mode and passive cooling strategies: the Brazilian context. Energy and Buildings, v. 244, p. 111047, 2021. ) e no comportamento da ventilação natural (NASCIMENTO, 2021NASCIMENTO, M. de A. L. A influência de diferentes configurações do peitoril ventilado na ventilação natural de habitação de interesse social. Maceió, 2021.Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2021.).
O foco do presente trabalho foi a comparação entre os quatro cenários, por isso optou-se por fixar as demais condições de estudo (Quadro 1). Buscou-se definir o valor representativo de velocidade do vento, considerando as regiões brasileiras em que a ventilação natural fosse uma estratégia relevante para obtenção de conforto térmico (ABNT, 2005ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220: desempenho térmico de edificações. Rio de Janeiro, 2005.). Para isso foi realizado um levantamento dos valores médios de velocidades do vento das principais cidades da Zona Bioclimática 82
2
Cidades pesquisadas:Belém (PA); Manaus (AM); Maceió (AL); Natal (RN); Salvador (BA); Fortaleza (CE); Recife (PE); João Pessoa (PB); Aracaju (SE); São Luís (MA); Macapá (AP); Rio Branco (AC); Rio de Janeiro (RJ).
. Utilizou-se tanto dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INSTITUTO..., 2021INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA. Dados históricos anuais (2011 - 2020). Disponível em: https://portal.inmet.gov.br/dadoshistoricos. Acesso em: 10 out. 2021.
https://portal.inmet.gov.br/dadoshistori...
), coletados no período de 2011 a 2020, como também arquivos climáticos TMYx em formato EPW (LABORATÓRIO..., 2018LABORATÓRIO DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA EM EDIFICAÇÕES. Arquivos climáticos INMET 2018. Florianópolis, 2018. Disponível em: Disponível em: https://labeee.ufsc.br/downloads/arquivos-climaticos/inmet2018
. Acesso em: 20 ago. 2021.
https://labeee.ufsc.br/downloads/arquivo...
)3
3
Utilizou-se os valores registrados para as direções predominantes dos ventos em cada cidade.
. Foi fixado o ângulo de incidência dos ventos normal à fachada frontal, um ângulo de incidência recorrente na literatura (CHANG, 2006CHANG, W. R. Effect of porous hedge on cross ventilation of a residential building. Building and Environment , v. 41, n. 5, p. 549-556, 2006.; CHANG; CHENG, 2009CHANG, W. R.; CHENG, C. L. Modulation of cross ventilation in a residential building using a porous hedge. Journal of the Chinese Society of Mechanical Engineers, v. 30, n. 5, p. 409-417, 2009.; HAWENDI; GAO, 2017HAWENDI, S.; GAO, S. Impact of an external boundary wall on indoor flow field and natural cross-ventilation in an isolated family house using numerical simulations. Journal of Building Engineering, v. 10, p. 109-123, 2017.).
Além dos dados de vento, outras características geométricas foram fixadas, como os recuos e a altura do muro (Quadro 1), e foram definidas com base em determinações recorrentes nas legislações municipais4 4 Considerou-se as legislações das principais cidades da Zona Bioclimática 8 (ABNT, 2005). para HIS ou tipologia similar. Os recuos respeitaram as dimensões mínimas encontradas nas legislações. Destaca-se que um recuo frontal grande foi definido com base em trabalhos de avaliação pós-ocupação em HIS (LACERDA; MARROQUIM; ANDRADE, 2011LACERDA, A. E.; MARROQUIM, F.; ANDRADE, S. Avaliação pós-ocupação de unidades habitacionais do conjunto Antônio Mariz, João Pessoa-PB. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE QUALIDADE DO PROJETO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO, 2., Rio de Janeiro, 2011. Anais [...] Rio de Janeiro: ANTAC, 2011.; MARROQUIM, 2017MARROQUIM, F. M. G. Produção habitacional de Maceió-AL: transformações espaciais da Habitação de Interesse Social de 1964 a 2014. Maceió, 2017. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo: Dinâmica do Espaço Habitado) -Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2017.).
Poucas legislações regulamentam a altura do muro, estas determinam valores de altura máxima. Algumas pesquisas de avaliação pós-ocupação ilustram a construção de muros altos em HIS (LOGSDON et al., 2016LOGSDON, L et al. O morador e a moradia: um estudo de caso no PMCMV em Cuiabá-MT. In: ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO, 16., São Paulo, 2016. Anais [...] Porto Alegre: ANTAC , 2016.; SANTOS; BATISTA; SARMENTO, 2022SANTOS, P. O. C.; BATISTA, J. O.; SARMENTO, T. F. C. S. Reformas e percepção do ambiente térmico: estudo de caso em Maceió, AL. In: ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO, Canela, 2022. Anais [...] Porto Alegre: ANTAC , 2022.), assim definiu-se o valor mais predominante de altura máxima contido nas legislações.
No caso do cenário 4, a porosidade do muro frontal foi definida com base em valores recorrentes na literatura correlata (LI; WANG; BELL, 2007LI, W.; WANG, F.; BELL, S. Simulating the sheltering effects of windbreaks in urban outdoor open space. Journal of Wind Engineering and Industrial Aerodynamics, v. 95, n. 7, p. 533-549, 2007.; CHANG, 2006CHANG, W. R. Effect of porous hedge on cross ventilation of a residential building. Building and Environment , v. 41, n. 5, p. 549-556, 2006.; CHANG; CHENG, 2009CHANG, W. R.; CHENG, C. L. Modulation of cross ventilation in a residential building using a porous hedge. Journal of the Chinese Society of Mechanical Engineers, v. 30, n. 5, p. 409-417, 2009.). O cálculo considerou a proporção entre o volume vazado (aberto) em relação ao volume total do muro frontal.
Modelo CFD
Geometria do modelo
A geometria foi modelada no software Rhinoceros 7 (Rhino) (ROBERT..., 2021ROBERT MCNEEL & ASSOCIATES. Rhinoceros 3D 7 for Windows. Seattle, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.rhino3d.com/
. Acesso em: 1º jul. 2021.
https://www.rhino3d.com/...
) e exportada no formato Parasolid, para posterior edição na ferramenta SpaceClaim do software ANSYS (2020)ANSYS. Software ANSYS 2020 R2. 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.ansys.com/
. Acesso em: 30 ago. 2021.
http://www.ansys.com/...
. Para modelagem da geometria, considerou-se o detalhamento dos componentes essenciais para análise, tanto do muro quanto da edificação, visando melhor economia no tempo de simulação.
Como é possível observar na Figura 4a, a edificação foi modelada com as paredes externas e internas de acordo com o modelo de habitação escolhido, apenas com simplificações na espessura do beiral do telhado. As dimensões das janelas foram definidas a partir da área efetiva de ventilação, descontando as partes de perfis e vidros (CENTRO..., 2018CENTRO BRASILEIRO DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA EM EDIFICAÇÕES. Proposta de instrução normativa inmetro para a classe de eficiência energética de edificações residenciais. Florianópolis, 2018. Disponível em: Disponível em: http://cb3e.ufsc.br/sites/default/files/2018-09-25-INI-R%20-%20Vers%C3%A3o02.pdf
. Acesso em: 10 jul. 2021.
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), conforme a tipologia de esquadria dos ambientes5
5
Todas as janelas são do tipo correr com duas folhas, com exceção do banheiro, que possui janela do tipo basculante (TRIANA; LAMBERTS; SASSI,2015).
. Apenas as portas internas referentes aos quartos foram modeladas abertas. A porta do banheiro e as portas externas foram consideradas fechadas por questões de privacidade e segurança, padrão estabelecido na NBR 15575-1 (ABNT, 2021ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575-1: edificações habitacionais: desempenho: parte 1: requisitos gerais. Rio de Janeiro, 2021.).
Domínio
O domínio é o volume no qual o modelo está inserido, representando os limites espaciais da simulação. Foi escolhido um formato retangular para otimizar o processo de simulação (Figura 4b), pois essa configuração necessita de uma quantidade menor de elementos de malha em relação aos formatos circular ou octogonal (LUKIANTCHUKI, 2015LUKIANTCHUKI, M. A. Sheds extratores e captadores de ar para indução da ventilação natural em edificações. São Paulo, 2015. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.). As dimensões escolhidas para o domínio (Tabela 1) seguiram as recomendações do documento COST C14 (FRANKE et al., 2004FRANKE, J. et al. Recommendations on the use of CFD in predicting pedestrian wind environment. Cost Action C, v. 14, 2004.), sendo a porcentagem da área de obstrução da edificação no domínio dentro de 3%. Assim, impede-se que ocorra o efeito de blocagem, no qual as fronteiras do domínio exerceriam efeito no escoamento.
Configurações do Solver
Neste trabalho, o solver utilizado para a solução numérica da análise CFD foi o ANSYS CFX (versão 2020 R2), que tem como base o método dos volumes finitos (ANSYS, 2020ANSYS. Software ANSYS 2020 R2. 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.ansys.com/
. Acesso em: 30 ago. 2021.
http://www.ansys.com/...
). O escoamento do ar que envolve a edificação foi tratado como estático, ideal e turbulento. As equações governantes de massa, momento e energia foram resolvidas através da abordagem Reynolds-averaged Navier-Stokes (RANS), e o modelo k-ε padrão foi adotado para tratamento dos efeitos de turbulência. Esse modelo resolve a energia cinética de turbulência, k, e sua taxa de dissipação, ε. Essa é a abordagem mais recorrente em trabalhos correlatos (SAKIYAMA et al.;2021SAKIYAMA, N. R. M. et al. Using CFD to evaluate natural ventilation through a 3D parametric modeling approach. Energies, v. 14, p. 2197, 2021.; XAVIER; LUKIANTCHUKI, 2021XAVIER, A. C. de A.; LUKIANTCHUKI, M. A. Análise da ventilação natural em uma habitação de interesse social, com diferentes configurações de muro, através de simulações CFD. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, v. 19, p. 1-19, 2021.) por conta do custo-benefício, apresentando resultados suficientemente precisos, com menor complexidade e custo computacional em comparação com outras abordagens, como a Large Eddy Simulation (LES) (BLOCKEN, 2018BLOCKEN, B. LES over RANS in building simulation for outdoor and indoor applications: a foregone conclusion? Building Simulation, v. 11, p. 821-870, 2018.). Segundo Blocken (2018BLOCKEN, B. LES over RANS in building simulation for outdoor and indoor applications: a foregone conclusion? Building Simulation, v. 11, p. 821-870, 2018.), apesar da superioridade de acurácia da abordagem LES, RANS é mais consolidada em áreas como conforto do vento e ventilação natural em edifícios.
Malha e condições de contorno
Em simulações CFD, a qualidade da malha computacional está diretamente relacionada à precisão e convergência das soluções. Os parâmetros de geração da malha definem a quantidade de seus elementos e, consequentemente, a demanda computacional e o tempo de simulação requeridos. As malhas do estudo foram geradas no módulo Ansys Meshing (ANSYS, 2020ANSYS. Software ANSYS 2020 R2. 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.ansys.com/
. Acesso em: 30 ago. 2021.
http://www.ansys.com/...
) e foram constituídas por elementos tetraédricos e prismáticos (Figura 5), levando em consideração a capacidade de processamento computacional.
Foi adotada uma função de malha denominada Proximity, que permite especificar o número mínimo de camadas de elementos criadas em regiões que constituem “gaps” dentro do modelo. Um “gap” é definido de duas maneiras no Ansys Meshing: uma região volumétrica entre duas faces ou uma área entre duas arestas de contorno de uma face dentro do modelo computacional geométrico. Dessa forma, foi possível estabelecer quantas camadas de elementos de malha iriam preencher espaços estreitos dentro do modelo, como na região dos elementos vazados. Também foi utilizada uma ferramenta de malha local denominada Inflation. Através dos parâmetros definidos nessa ferramenta pode-se gerar camadas de elementos prismáticos, que permite melhor captura de efeitos de camada limite em regiões próximas às paredes do modelo. OQuadro 2 descreve os parâmetros globais utilizados para a geração da malha e os parâmetros aplicados na ferramenta Inflation.
Nas áreas de maior importância, foi definido um refinamento local nas malhas dos modelos. Nas superfícies da edificação foi determinado um tamanho de elemento igual a 100 mm, enquanto nas arestas do muro, especialmente no modelo com elementos vazados, foram definidos tamanhos de malha igual a 30 mm (Figura 5).
A malha gerada para os modelos foi estabelecida com base em vários parâmetros, sendo eles a qualidade da malha, critérios de convergência, testes de sensibilidade e os resultados de y+ (Yplus). A qualidade dos elementos da malha foi verificada utilizando métricas presentes no próprio módulo Ansys Meshing (ANSYS, 2020ANSYS. Software ANSYS 2020 R2. 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.ansys.com/
. Acesso em: 30 ago. 2021.
http://www.ansys.com/...
). Essas métricas medem a distorção dos elementos de malha com base em um elemento de referência ideal. Maiores erros são gerados quando existe uma distorção grande dos elementos. Para essa análise foi utilizada a métrica Skewness, que compara a simetria entre os lados e ângulos de cada elemento de malha. A métrica é classificada dentro do intervalo de 0 a 1, sendo os valores próximos de 1 não aceitáveis, pois correspondem a elementos degenerados e distantes das condições ideais. Para todos os casos simulados, a média de Skewness ficou cerca de 0,3, indicando que as malhas apresentaram boas condições (Tabela 2).
O controle da solução matemática foi determinado a partir do critério de convergência RMS (Root Mean Square). O critério de convergência determina quando a solução é alcançada, fazendo o solver parar de realizar iterações. Como critério de convergência utiliza-se principalmente o alcance de resíduos adequados, que é um indicativo de que as equações foram solucionadas corretamente e a malha obteve um refinamento necessário (CÓSTOLA; ALUCCI, 2011CÓSTOLA, D.; ALUCCI, M. P. Aplicação de CFD para o cálculo de coeficientes de pressão externos nas aberturas de um edifício. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 11, n. 1, p. 145-158, jan./mar. 2011.; VERSTEEG; MALALASEKERA, 2007VERSTEEG, H. K.; MALALASEKERA, W. An introduction to computational fluid dynamics: the finite volume method. 2. ed. England: Pearson Education Limited, 2007.).
Com base na COST C14 (FRANKE et al., 2004FRANKE, J. et al. Recommendations on the use of CFD in predicting pedestrian wind environment. Cost Action C, v. 14, 2004.), o critério de convergência adotado foi o RMS com o valor máximo de 10-4. Valores acima dessa marca revelam que os resultados não são precisos o suficiente. Considerando esse critério, foram monitorados os níveis residuais para todas as variáveis resolvidas: conservação de massa (RMS P-Mass), conservação de quantidade de momento (RMS U-Mom, RMS V-Mom e RMS W-Mom), energia cinética turbulenta k e a sua taxa de dissipação ε, (E-Diss.K e K-TurbKE). Foi adotado um número máximo de 100 iterações em todas as simulações, a fim de que todos os casos pudessem atingir a convergência dos resíduos estabelecidos. A Figura 6 apresenta esses resíduos para o exemplo do caso 3, porém todos os casos atingiram a convergência.
O y+ pode ser descrito como um número adimensional associado com o tamanho da primeira célula do domínio fluido próxima à parede. Assim, o valor obtido indica a capacidade da malha em capturar adequadamente o fenômeno do escoamento próximo à parede (camada limite) (LUKIANTCHUKI et al., 2018LUKIANTCHUKI, M. A. et al. Evaluation of CFD simulations with wind tunnel experiments: Pressure coefficients at openings in sawtooth building. Acta Scientiarum. Technology, v. 40, p. 37537, 2018.; CÓSTOLA; ALUCCI, 2011CÓSTOLA, D.; ALUCCI, M. P. Aplicação de CFD para o cálculo de coeficientes de pressão externos nas aberturas de um edifício. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 11, n. 1, p. 145-158, jan./mar. 2011.).Ele pode ser expresso por (Equação 1):
Onde:
𝜌: massa específica (kg/m³);
𝛥𝑦: distância do primeiro ponto da malha até a parada (primeira camada) (m);
𝑢∗: velocidade de fricção na parede(m/s); e
μ: viscosidade dinâmica (N s/m²).
Para capturar corretamente o fenômeno é preciso gerar camadas de prismas adjacentes às condições de contorno da parede. A recomendação é gerar uma camada prismática com valores de y+ dentro do intervalo entre 20 (mínimo) e 300 (máximo), sendo aceitáveis valores até 1.000 (LUKIANTCHUKI et al., 2018LUKIANTCHUKI, M. A. et al. Evaluation of CFD simulations with wind tunnel experiments: Pressure coefficients at openings in sawtooth building. Acta Scientiarum. Technology, v. 40, p. 37537, 2018.; CÓSTOLA; ALUCCI, 2011CÓSTOLA, D.; ALUCCI, M. P. Aplicação de CFD para o cálculo de coeficientes de pressão externos nas aberturas de um edifício. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 11, n. 1, p. 145-158, jan./mar. 2011.). Ressalta-se que o y+ não pode ser fixado no início da simulação, visto que é um dado de saída (CÓSTOLA; ALUCCI, 2011LUKIANTCHUKI, M. A. et al. Evaluation of CFD simulations with wind tunnel experiments: Pressure coefficients at openings in sawtooth building. Acta Scientiarum. Technology, v. 40, p. 37537, 2018.). Assim, no final de cada simulação foram avaliados os valores na superfície da parede (região WALL).
A Figura 7 ilustra o comportamento do y+ em um dos casos analisados (caso 4), os demais casos obtiveram resultados semelhantes. Observa-se valores de y+ acima de 300 somente em regiões fora da área de interesse no modelo. Algumas regiões dentro do modelo apresentaram valores de y+ menores do que 20, sendo áreas internas da edificação e o componente vazado do muro.
Os valores encontrados nas áreas internas da edificação podem ser associados aos valores baixos de velocidade do vento calculados nessas áreas do modelo, como será observado nos resultados das simulações.
Em relação ao componente vazado, vincula-se a dificuldade com o conflito entre aumentar a espessura da primeira camada prismática para o alcance de melhores valores de y+, e a tendência de reduzir os elementos de malha para representar adequadamente as pequenas dimensões da geometria do componente. Constatações semelhantes também foram identificadas em outras pesquisas como a de Leite e Frota (2013LEITE, R. C. V.; FROTA, A. B. Procedimentos para determinação de coeficientes de pressão em diferentes condições de adensamento urbano. In: ENCONTRO NACIONAL DE CONFORTO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO, 12.; ENCONTRO LATINO-AMERICANO DE CONFORTO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO, 8., Brasília, 2013. Anais [...] Brasília: ANTAC, 2013.) e Lukiantchuki (2015)LUKIANTCHUKI, M. A. Sheds extratores e captadores de ar para indução da ventilação natural em edificações. São Paulo, 2015. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015..
Outros fatores que influenciam na precisão dos resultados da simulação são as condições iniciais e de contorno, as quais foram definidas no estudo com base em pesquisas CFD (BLOCKEN, 2018BLOCKEN, B. LES over RANS in building simulation for outdoor and indoor applications: a foregone conclusion? Building Simulation, v. 11, p. 821-870, 2018.; LUKIANTCHUKI et al., 2018LUKIANTCHUKI, M. A. et al. Evaluation of CFD simulations with wind tunnel experiments: Pressure coefficients at openings in sawtooth building. Acta Scientiarum. Technology, v. 40, p. 37537, 2018.). Destaca-se que as superfícies do edifício e do piso do domínio foram modeladas como no slip wall (com atrito), em contraste com as superfícies laterais e do teto do domínio, que foram definidas como free slip wall (sem atrito), reduzindo a influência dessas superfícies no escoamento do fluido. Foi inserido um perfil de camada limite atmosférica (Figura 8) considerando o coeficiente de rugosidade do terreno para a área urbana (suburbana), de acordo com a Equação 2:
Onde:
V: velocidade do vento para a altura da abertura (m/s);
Z: altura da abertura (m);
k, a: coeficientes de rugosidade do terreno, sendo k = 0,35; e
a = 0,25 para área urbana (suburbana) (BITTENCOURT; CÂNDIDO, 2015BITTENCOURT, L.; CÂNDIDO, C. Introdução a ventilação natural. 4. ed. rev. Maceió: EDUFAL, 2015.).
Para garantir que a malha analisada estivesse adequada para uma boa representação do modelo e gerasse resultados confiáveis foram realizadas análises de sensibilidade, com um estudo de refinamento da malha. Este estudo consistiu em simular as condições de contorno apresentadas anteriormente para 3 níveis de malha (grossa, média, fina), para cada caso estudado. Posteriormente foi feita uma comparação do perfil de velocidade ao longo do comprimento da residência, com a aplicação do método de convergência de malha Grid Convergência Index - GCI (CELIK et al., 2008CELIK, I. B. et al. Procedure for estimation and reporting of uncertainty due to discretization in CFD applications. Journal of Fluids Engineering, v. 130, p. 1-4, 2008. ). A Figura 9 apresenta os resultados das 3 malhas, além da curva com os valores extrapolados de velocidade, para o caso 4. Essa curva consiste em uma estimativa do perfil real de velocidade (tamanho de malha representativo h = 0) com base na ordem de convergência. A Tabela 3 apresenta os dados das malhas e a incerteza numérica, dada pelo índice de convergência de malha GCI. Através desses dados verificou-se que a análise apresentou bons resultados, com a incerteza numérica decrescendo conforme o refinamento da malha.
Comparação do perfil de velocidade das malhas geradas para o caso 4 e o valor extrapolado (método GCI)
Validação do modelo CFD
A validação da simulação CFD é uma etapa imprescindível para garantir a coerência dos resultados (BLOCKEN, 2018BLOCKEN, B. LES over RANS in building simulation for outdoor and indoor applications: a foregone conclusion? Building Simulation, v. 11, p. 821-870, 2018.). Na presente pesquisa, a validação consistiu na verificação do procedimento numérico do modelo CFD, utilizando como base resultados experimentais da literatura. Para realização dessa validação, foi aplicado o procedimento semelhante ao de Sakiyama et al. (2021SAKIYAMA, N. R. M. et al. Using CFD to evaluate natural ventilation through a 3D parametric modeling approach. Energies, v. 14, p. 2197, 2021.) e Ramponi e Blocken (2012RAMPONI, R.; BLOCKEN, B. CFD simulation of cross-ventilation for a generic isolated building: Impact of computational parameters. Building and Environment , v. 53, p. 34-48, 2012.), que compararam os componentes de velocidade do modelo CFD com resultados experimentais do trabalho de Karava, Stathopoulos e Athienitis (2011KARAVA, P.; STATHOPOULOS, T.; ATHIENITIS, A. K. Airflow assessment in cross-ventilated buildings with operable façade elements. Building and Environment , v. 46, n. 1, p. 266-279, 2011.).
Karava, Stathopoulos e Athienitis (2011KARAVA, P.; STATHOPOULOS, T.; ATHIENITIS, A. K. Airflow assessment in cross-ventilated buildings with operable façade elements. Building and Environment , v. 46, n. 1, p. 266-279, 2011.) realizaram ensaios em túnel de vento utilizando a técnica de velocimetria por imagem de partículas (PIV); o objetivo era medir o campo da velocidade do vento dentro de um edifício sob condição de ventilação cruzada. O PIV é um recurso adequado para esse objetivo, pois permite a medição simultânea do fluxo de ar externo e interno, semelhante a uma simulação CFD acoplada (RAMPONI; BLOCKEN, 2012RAMPONI, R.; BLOCKEN, B. CFD simulation of cross-ventilation for a generic isolated building: Impact of computational parameters. Building and Environment , v. 53, p. 34-48, 2012.). Uma das finalidades do trabalho de Karava, Stathopoulos e Athienitis et al. (2011)KARAVA, P.; STATHOPOULOS, T.; ATHIENITIS, A. K. Airflow assessment in cross-ventilated buildings with operable façade elements. Building and Environment , v. 46, n. 1, p. 266-279, 2011. era fornecer dados experimentais para validar modelos CFD.
O processo de validação utilizou como base as dimensões do modelo “Configuração E1” e as condições do fluxo de ar de Karava, Stathopoulos e Athienitis (2011)KARAVA, P.; STATHOPOULOS, T.; ATHIENITIS, A. K. Airflow assessment in cross-ventilated buildings with operable façade elements. Building and Environment , v. 46, n. 1, p. 266-279, 2011., mantendo as outras condições do escoamento e de contorno de acordo a descrito anteriormente. Além do trabalho de Karava,Stathopoulos e Athienitis (2011KARAVA, P.; STATHOPOULOS, T.; ATHIENITIS, A. K. Airflow assessment in cross-ventilated buildings with operable façade elements. Building and Environment , v. 46, n. 1, p. 266-279, 2011.), o perfil do componente de velocidade do modelo de simulação foi comparado com os resultados de Sakiyama et al. (2021SAKIYAMA, N. R. M. et al. Using CFD to evaluate natural ventilation through a 3D parametric modeling approach. Energies, v. 14, p. 2197, 2021.) e Ramponi e Blocken (2012RAMPONI, R.; BLOCKEN, B. CFD simulation of cross-ventilation for a generic isolated building: Impact of computational parameters. Building and Environment , v. 53, p. 34-48, 2012.).O modelo de turbulência adotado no trabalho de Sakiyama et al. (2021)SAKIYAMA, N. R. M. et al. Using CFD to evaluate natural ventilation through a 3D parametric modeling approach. Energies, v. 14, p. 2197, 2021. foi o modelo k-ε padrão, enquanto em Ramponi e Blocken (2012) foi empregado o modelo k-ω SST (Shear-Stress Transport).
AFigura 10 apresenta a comparação entre o campo de velocidade vetorial da malha mais fina testada na validação com a do experimento de Karava, Stathopoulos e Athienitis (2011KARAVA, P.; STATHOPOULOS, T.; ATHIENITIS, A. K. Airflow assessment in cross-ventilated buildings with operable façade elements. Building and Environment , v. 46, n. 1, p. 266-279, 2011.). Enquanto a Figura 11 ilustra o perfil do componente x da velocidade, normalizada pela velocidade na altura do edifício (Ux/Uref) ao longo de uma linha de medição horizontal (L). Através dessas figuras é possível verificar que, apesar de algumas diferenças, a modelagem matemática da simulação CFD demonstrou concordância satisfatória com as medições experimentais de Karava, Stathopoulos e Athienitis (2011)KARAVA, P.; STATHOPOULOS, T.; ATHIENITIS, A. K. Airflow assessment in cross-ventilated buildings with operable façade elements. Building and Environment , v. 46, n. 1, p. 266-279, 2011.. A comparação com os estudos de Sakiyama et al. (2021SAKIYAMA, N. R. M. et al. Using CFD to evaluate natural ventilation through a 3D parametric modeling approach. Energies, v. 14, p. 2197, 2021.) e Ramponi e Blocken (2012RAMPONI, R.; BLOCKEN, B. CFD simulation of cross-ventilation for a generic isolated building: Impact of computational parameters. Building and Environment , v. 53, p. 34-48, 2012.) confirmou que o modelo CFD do presente estudo tem o potencial de reproduzir a tendência da velocidade.
A Tabela 4 apresenta as médias do erro da norma L2 em 100 pontos igualmente espaçados ao longo do eixo x das curvas do perfil de velocidade (Figura 10) das malhas testadas em relação à curva dos trabalhos referência. Destaca-se que as malhas testadas apresentaram um bom índice de convergência GCI (CELIK et al., 2008CELIK, I. B. et al. Procedure for estimation and reporting of uncertainty due to discretization in CFD applications. Journal of Fluids Engineering, v. 130, p. 1-4, 2008. ), comprovado pela redução da porcentagem de incerteza entre a malha mais refinada e a malha média (Tabela 5). Além disso, as malhas obtiveram valores satisfatórios para o y+, a exemplo dos resultados ilustrados na Figura 12 para a malha 2.
Comparação do perfil do componente de velocidade com medições experimentais e outros modelos CFD
Erro da norma L2 entre os resultados do perfil de velocidade das malhas testadas com estudos de referência
Pós-processamento
O comportamento da ventilação natural foi analisado qualitativamente e quantitativamente. A análise qualitativa foi composta da visualização do fluxo de ar nos cenários analisados. Para a análise quantitativa as variáveis adotadas foram a velocidade do vento e os coeficientes de pressão. Cada aspecto será explicado nos tópicos a seguir.
Visualização do padrão de fluxo de ar
Para visualização do escoamento, foram definidos três planos de corte, um horizontal e dois verticais (no sentido do fluxo). O plano horizontal foi posicionado a 0,85 m do solo, seguindo as definições do regulamento ISO 7726 (INTERNATIONAL..., 1998INTERNATIONAL ORGANIZATION STANDARDIZATION. ISO 7726: ergonomics of the thermal environment instruments for measuring physical quantities. Genève, 1998.)6 6 A ISO 7726 (INTERNATIONAL..., 1998) define as áreas sensitivas do corpo humano. . Esses planos verticais foram posicionados de forma que seccionassem as aberturas a barlavento da edificação (Figura 13). Nos planos foram plotados contornos por gradação de cores, para as velocidades do vento e streamlines com a direção do fluxo.
Velocidade do vento
Além dos contornos plotados nos planos de corte, foram distribuídas linhas transversais com pontos de medição ao longo das diferentes regiões do modelo (externas ao lote, recuos e dentro da edificação) para o monitoramento da velocidade do vento (Figura 14). Cada linha possui aproximadamente 100 pontos de medição. O intuito foi possibilitar a construção de um perfil do comportamento da velocidade média do vento ao longo do modelo, através do cálculo do valor médio dos pontos de medição de cada linha. Estabeleceu-se a distância de 0,85 m entre os pontos e o solo, com base nas definições do regulamento ISO 7726 (INTERNATIONAL..., 1998INTERNATIONAL ORGANIZATION STANDARDIZATION. ISO 7726: ergonomics of the thermal environment instruments for measuring physical quantities. Genève, 1998.).
Também foi realizada a análise relacionando os valores de velocidade do vento com as condições de ventilação natural e seu rebatimento no conforto térmico. Para esta análise considerou-se a “escala cromática” desenvolvida por Morais (2013MORAIS, J. Ventilação natural em edifícios multifamiliares do “Programa Minha Casa Minha Vida”. Campinas, 2013. Tese (Doutorado em Arquitetura Tecnologia e Cidade) - Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.)7 7 Morais (2013) desenvolveu a escala cromática com base nos estudos de Bedford (1948* apud MORAIS, 2013), Allard (1998** apud MORAIS, 2013) e Cândido et al. (2010). . A escala é composta de quatro níveis de velocidades médias, sendo observado uma redução da carga térmica no intervalo de 0,41 a 0,80 m/s (Figura 15).
Coeficientes de pressão (Cps)
Para análise da distribuição dos Cps foram plotados contornos por gradação de cores nos modelos 3D. O intuito foi verificar o comportamento dos Cps nas fachadas da edificação. Além disso, foram extraídos os valores do Cp médio de cada janela (Figura 16) com base na Equação 3:
Onde:
Cp = Coeficiente de pressão (adimensional);
Px= Pressão média na janela (Pa). Calculada pela integral dos valores de pressão na superfície da janela;
Pe =Pressão estática de referência, do fluxo de ar não perturbado (Pa). Nas condições da simulação computacional, a pressão estática de referência é adotada como sendo nula;
ρ = Massa específica do ar (kg/m³). Nas condições de temperatura de 25 °C e pressão de 1atm, têm-se que ρ = 1,184 kg/m³; e
Vref = Velocidade do fluxo (m/s) medida em um ponto antes da alteração sofrida pelos obstáculos, geralmente na cota da cobertura do edifício. Sendo a altura do edifício igual a 4,60 m, considerou-se Vref = 1,53 m/s.
Resultados
A análise dos resultados para os quatro cenários descritos anteriormente foi dividida com base nas variáveis analisadas:
-
visualização do padrão do fluxo de ar e velocidade do vento; e
-
coeficientes de pressão.
Plano de corte horizontal (0,85 m) com a distribuição do escoamento e os contornos de velocidade
Visualização do padrão do fluxo de ar e velocidade do vento
No caso base (caso 1), conforme esperado, percebe-se que o fluxo de ar ao encontrar a edificação reduz a velocidade e se separa em direção as laterais e para o telhado (Figuras 17a e 18a). Uma parte desse fluxo incide na edificação através das janelas presentes na fachada frontal (sala e quarto) e outra parte retorna para o recuo, gerando uma área de turbulência. Nas áreas laterais e posterior da edificação forma-se uma zona de esteira, com baixas velocidades, o que reduz a incidência de vento pelas janelas laterais da edificação. A região da sala/cozinha possui maiores velocidades devido à ventilação cruzada entre as duas aberturas presentes no ambiente, contudo esse padrão não é uniforme. Nos outros ambientes a velocidade do vento assume valores menores, devido à ventilação unilateral.
Através dos dados quantitativos (Figura 19), verifica-se que a média da velocidade do vento se reduz ao longo do modelo. Na região de recuo frontal, a redução da velocidade média foi de aproximadamente 37% em comparação com a velocidade do fluxo livre (velocidade sem a interferência de qualquer obstáculo), com valores acima de 0,74 m/s. Nas áreas internas, os valores variaram conforme o ambiente, na sala/cozinha houve regiões em que os valores ficaram acima de 0,40 m/s, o que pode ser considerado uma ventilação natural satisfatória para o conforto térmico. Contudo, o mesmo não ocorreu nos demais ambientes, sendo a média geral da velocidade do vento aproximadamente 0,28 m/s, uma redução de cerca de 76% em relação ao fluxo livre, o que classificaria a ventilação natural apenas como existente, não satisfatória.
Analisando o caso 2, percebe-se que o fechamento parcial do lote ocasionou mudanças no fluxo de vento, sobretudo reduzindo a sua circulação e intensidade (Figuras 17b e 18b). No recuo frontal percebe-se uma suavização das áreas de turbulência e os contornos assumem menores valores de velocidade. Nos recuos laterais a extensão da zona de esteira se reduz, diminuindo os vórtices. Em contrapartida, no recuo posterior, a presença do muro gera mais zonas de turbulência próximas da edificação. Nos ambientes internos, observa-se uma suavização dos contornos de velocidade, reduzindo também a intensidade dos vórtices.
Na Figura 19, é possível verificar que no caso 2 ocorreram reduções nos valores de velocidade média do vento. Na frente do lote (L9) o valor médio foi de aproximadamente 0,89 m/s, o que indica uma pequena redução de 5% em relação ao caso 1, ou seja, comportamentos similares entre os casos (Figura 20). Contudo, a redução no recuo frontal (L6, L7 e L8) foi maior, em comparação com o caso 1 foi de 18%, sendo o valor médio de aproximadamente 0,60 m/s. Já no interior da edificação os valores de velocidade média do vento foram mais semelhantes ao caso 1, ocorrendo apenas uma redução de cerca de 3%. As velocidades médias internas foram de aproximadamente 0,27 m/s, o que classifica a ventilação natural como existente e não satisfatória para fins de conforto térmico, situação já observada no caso base.
No caso 3 (Figuras 17c e 18c), observa-se que o fechamento total do lote gerou mudanças mais acentuadas no comportamento da ventilação natural em relação ao caso base, do que o caso 2 (Figuras 17b e 18b). O escoamento que ultrapassa o muro tende a se deslocar em maior intensidade para cima do telhado. Este redireciona parte do fluxo para o recuo frontal, criando uma área de turbulência. Os contornos de velocidade nessa região suavizaram, com a formação de uma área de estagnação. Esse comportamento prejudicou a incidência da ventilação dentro da edificação, onde percebe-se a ocorrência de um fluxo reverso (Figura 18c), em que as aberturas a barlavento funcionam também como saída de vento. Em todos os ambientes internos, nota-se um padrão uniforme, com baixa circulação e velocidades do vento.
Os dados quantitativos para o caso 3 (Figura 19) confirmaram o padrão de fluxo de vento identificado nos planos de corte, visto que se percebe uma redução drástica dos valores de velocidade do vento a partir do momento em que o fluxo se aproxima do modelo. A média dos valores na região a barlavento do muro decaem cerca de 74% em relação ao fluxo livre. Já na região de recuo frontal, essa redução chega a 77%, sendo a média da velocidade do vento por volta de 0,27 m/s. Se comparado com o caso base (caso 1), esse valor médio diminuiu 63% (Figura 20), o que sugere uma condição não satisfatória de ventilação natural. Como reflexo os valores de velocidade do vento internamente são ainda mais baixos, sendo a média em torno de 0,14 m/s, uma redução de 49% em relação ao caso 1, o que caracterizaria a ventilação natural para fins de conforto térmico como imperceptível.
No caso 4 percebe-se um comportamento semelhante ao caso 2, porém um pouco mais suave em termos de circulação e intensidade do fluxo (Figuras 17d e 18d). Diferente do caso 3, o desvio ascendente do fluxo em direção ao telhado é menor, na medida em que parte do escoamento incide através dos elementos vazados, o que possibilita maior abrangência do fluxo dentro do lote. Contudo, em comparação com os casos 1 e 2, percebe-se a formação de maiores zonas de turbulência e contornos de velocidade mais suaves no recuo frontal. Dentro da edificação, observa-se a incidência de vento através das aberturas a barlavento, a formação de algumas áreas de recirculação na sala/cozinha e nos quartos.
Comportamento da velocidade média do vento ao longo do modelo e o rebatimento nos níveis de ventilação natural para o conforto térmico
Porcentagens de redução da velocidade média do vento dos casos 2, 3 e 4 em relação ao caso de referência (caso 1) nas diferentes regiões do modelo
Em geral, é possível perceber que os valores médios de velocidade do vento para o caso 4 possuem uma tendência intermediária (Figura 19). Na região de recuo frontal, a média registrada é de 0,43 m/s, um valor considerado ainda satisfatório em termos de conforto térmico. Esse valor indica uma redução de 42% em comparação ao caso base (Figura 20). Nos ambientes internos, os valores médios ficam por volta de 0,20 m/s, representando uma redução de 27% em relação ao caso base. Em contrapartida, há um acréscimo de 42% em comparação ao caso 3. A ventilação natural dentro da edificação pode ser classificada como existente, porém muito próxima do limiar mínimo.
Coeficientes de pressão (Cps)
A distribuição dos coeficientes de pressão (Cps) no modelo se comportou de diferentes formas em cada caso. No caso 1, percebe-se que os Cps assumem valores positivos e mais altos na fachada a barlavento e se reduzem ao longo das fachadas laterais e posterior (sotavento), assumindo valores predominantemente negativos (Figura 21). Assim, as aberturas dos ambientes situados na fachada a barlavento (J1 e J2) possuem valores positivos, funcionando como entrada de ar (Figura 22). Em contrapartida, as aberturas situadas nas fachadas laterais (J3, J4 e J5), que estão localizadas em regiões de zona de esteira, apresentaram valores negativos, o que sugere saída de ar. Destaca-se que as aberturas J1 e J3, situadas em um ambiente integrado (sala/cozinha), apresentaram maior diferença nos valores de Cp (∆Cp = 0,62), favorecendo a movimentação de ar no espaço, como visto na Figura 17a.
No geral, os casos 2 e 4 apresentaram padrões semelhantes ao caso 1, com a fachada a barlavento com pressões positivas e as demais tendendo a valores negativos (Figura 21). Contudo, os contornos ficaram mais suaves, indicando menores diferenciais de Cps ao longo do modelo. Ao observar a Figura 22, percebe-se que no caso 2 os valores de Cps nas aberturas a barlavento (J1 e J2) são levemente mais altos do que o caso 1, porém houve uma redução nos valores negativos das aberturas localizadas a sotavento (J3 e J4), reduzindo o ∆Cp. A redução dos diferenciais foi mais evidente no caso 4, em que tanto houve diminuição dos valores positivos de Cps das aberturas a barlavento (J1 e J2), como nos valores negativos das aberturas localizadas a sotavento (J3 e J4). O ∆Cp entre J1 (sala) e J3 (cozinha) ficou por volta de 0,43, uma diminuição de 31% em relação ao caso 1, o que influenciou na intensidade da velocidade do vento (Figura 17d).
A distribuição dos Cps no caso 3 foi o que mais destoou do caso 1, apresentando contornos de Cps predominantemente negativos e uniformes, não favorecendo a circulação do fluxo de vento (Figura 21). Na Figura 22, é possível identificar que as janelas a barlavento (J1 e J2) apresentaram valores mais baixos do que as janelas a sotavento (J3 e J4). Esse comportamento gerou o fluxo reverso, em que as aberturas destinadas à entrada de ar tornam-se aberturas de saída (Figura 18c).
Discussão
Este artigo demonstrou que a forma de delimitação do lote de casas populares, sem ou com fechamento, influenciou no comportamento da ventilação natural, sobretudo na distribuição dos Cps na envoltória da edificação, na circulação do fluxo e nos valores de velocidade do vento. Em geral, quanto mais fechado o lote, mais interferência houve nas condições do fluxo livre, visto que ocorreu uma redução dos diferenciais de Cp (ΔCp=0), gerando um escoamento com mais áreas de recirculação, velocidades mais baixas e uniformes ao longo do modelo.
Em sua maioria, os resultados encontrados estão em convergência com estudos correlatos. No caso base (caso 1), em que não há presença de muros, observaram-se valores mais altos de velocidade do vento e a ocorrência de ventilação cruzada mais acentuada do que nos outros casos, como já verificado em outros trabalhos (CHANG, 2006CHANG, W. R. Effect of porous hedge on cross ventilation of a residential building. Building and Environment , v. 41, n. 5, p. 549-556, 2006.; CHANG; CHENG, 2009CHANG, W. R.; CHENG, C. L. Modulation of cross ventilation in a residential building using a porous hedge. Journal of the Chinese Society of Mechanical Engineers, v. 30, n. 5, p. 409-417, 2009.; HAWENDI; GAO, 2017HAWENDI, S.; GAO, S. Impact of an external boundary wall on indoor flow field and natural cross-ventilation in an isolated family house using numerical simulations. Journal of Building Engineering, v. 10, p. 109-123, 2017.; XAVIER; LUKIANTCHUKI, 2021XAVIER, A. C. de A.; LUKIANTCHUKI, M. A. Análise da ventilação natural em uma habitação de interesse social, com diferentes configurações de muro, através de simulações CFD. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, v. 19, p. 1-19, 2021.). Hawendi e Gao (2017HAWENDI, S.; GAO, S. Impact of an external boundary wall on indoor flow field and natural cross-ventilation in an isolated family house using numerical simulations. Journal of Building Engineering, v. 10, p. 109-123, 2017.) argumentaram que altos valores de velocidade podem ter impacto no desconforto interno, devido à distribuição desigual do fluxo. Contudo, apesar de verificar esse fluxo desigual no modelo analisado, observou-se que velocidades maiores permitiram condições de ventilação natural mais próximas dos níveis satisfatórios para o conforto térmico, levando em consideração o contexto climático estudado (CÂNDIDO et al., 2010CÂNDIDO, C. et al. Air movement acceptability limits and thermal comfort in Brazil’s hot humid climate zone. Building and Environment, v. 45, p. 222-229, 2010.).
No entanto, verifica-se que o modelo de edificação utilizado, já apresentava uma configuração desfavorável a ocorrência de ventilação cruzada. Com exceção do ambiente integrado, sala e cozinha, os outros cômodos possuem ventilação unilateral simples, e não há presença de aberturas na fachada posterior. Como consequência a circulação de ar não é abrangente em todos os ambientes internos e, diferente do observado no recuo frontal, os valores de velocidade do vento classificaram a ventilação natural como abaixo do nível satisfatório para o conforto térmico, segundo a escala de Morais (2013MORAIS, J. Ventilação natural em edifícios multifamiliares do “Programa Minha Casa Minha Vida”. Campinas, 2013. Tese (Doutorado em Arquitetura Tecnologia e Cidade) - Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.).
Observa-se que a intensidade dos efeitos promovidos pela incorporação dos muros nas condições de ventilação foi diretamente relacionada com nível de permeabilidade do muro frontal. Quanto mais fechado o muro frontal, mais distante ficaram os resultados em relação aos obtidos para o caso base. Considerando apenas o nível de permeabilidade do muro frontal, o caso 2, com 100% de porosidade, e o caso 4, com porosidade alta (> 50%), apresentaram comportamentos com tendência similar ao caso base, apesar dos valores mais baixos de velocidade e de ΔCp.
Em contraste, o muro sólido do caso 3 (0% de permeabilidade) apresentou um comportamento diferente do caso base. Isso ocorreu em todos os aspectos analisados, sobretudo na uniformidade e inversão dos valores de Cps, que geraram o fluxo reverso nas aberturas a barlavento da edificação. Assim, é possível afirmar que o muro frontal totalmente fechado (caso 3) cria uma grande zona de esteira dentro do lote. Em climas frios, essa condição pode ser benéfica para proteção contra os efeitos do vento, contudo, em climas quentes, limita o potencial da ventilação natural em amenizar o desconforto térmico.
Em geral, esses padrões de comportamento também foram identificados nos estudos citados anteriormente, como os de Chang (2006CHANG, W. R. Effect of porous hedge on cross ventilation of a residential building. Building and Environment , v. 41, n. 5, p. 549-556, 2006.), Chang e Cheng (2009)CHANG, W. R.; CHENG, C. L. Modulation of cross ventilation in a residential building using a porous hedge. Journal of the Chinese Society of Mechanical Engineers, v. 30, n. 5, p. 409-417, 2009. Hawendi e Gao (2017HAWENDI, S.; GAO, S. Impact of an external boundary wall on indoor flow field and natural cross-ventilation in an isolated family house using numerical simulations. Journal of Building Engineering, v. 10, p. 109-123, 2017.). Contudo, os resultados para o caso 2 divergiram dos dados obtidos no trabalho de Xavier e Lukiantchuki (2021XAVIER, A. C. de A.; LUKIANTCHUKI, M. A. Análise da ventilação natural em uma habitação de interesse social, com diferentes configurações de muro, através de simulações CFD. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, v. 19, p. 1-19, 2021.). As autoras analisaram um cenário semelhante, ou seja, um modelo com muros sólidos nas laterais e na parte posterior, porém esse modelo apresentou um comportamento mais similar ao caso 3 (fechamento total do lote), com baixas velocidades e Cps uniformes. Acredita-se que a diferença entre os resultados decorra das condições de vento e do modelo de edificação analisados em cada trabalho. Xavier e Lukiantchuki (2021)XAVIER, A. C. de A.; LUKIANTCHUKI, M. A. Análise da ventilação natural em uma habitação de interesse social, com diferentes configurações de muro, através de simulações CFD. Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, v. 19, p. 1-19, 2021. simularam considerando a direção predominante dos ventos, sendo o ângulo de incidência oblíquo à fachada frontal do modelo, o que difere da condição determinada no presente estudo, em que a incidência foi fixada normal (0º) a essa superfície. Ressalta-se que a influência do ângulo de incidência dos ventos é um fator pouco investigado na literatura.
Conclusões
Este artigo avaliou o comportamento da ventilação natural em um modelo de habitação térrea com diferentes cenários de fechamento das divisas do lote, com destaque para divisa frontal. Pode-se concluir que as condições de ventilação natural são influenciadas pelo tipo de delimitação do lote, pois cada configuração exerceu efeito sobre a distribuição dos Cps na envoltória da edificação, alterando o padrão de circulação e os valores de velocidade do vento em relação ao fluxo livre.
Os resultados para o caso 1, em que a edificação foi analisada sem a interferência de muros, demonstraram que o modelo representativo de habitação de interesse social já apresentava limitações de projeto para o aproveitamento da ventilação natural, confirmando as fragilidades projetuais desse segmento habitacional em termos de conforto térmico. Contudo, é evidente que a incorporação de muros (casos 2, 3 e 4) prejudicou ainda mais as condições existentes.
A intensidade dos efeitos dos muros no comportamento dos ventos nas condições simuladas foi diretamente relacionada ao nível de permeabilidade do muro frontal. O fechamento total do lote (caso 3) ocasionou maior impacto nos diferenciais de Cps e na redução dos valores de velocidade do vento, consequentemente foi o cenário que mais limitou o uso da ventilação natural.
Ressalta-se que os resultados do presente estudo se limitaram na comparação dos quatro cenários. Esse recorte evidenciou a influência da permeabilidade do lote, porém outros parâmetros foram fixados. Nesse sentido, para entender melhor o efeito dos muros em edifícios naturalmente ventilados, são sugeridas análises paramétricas com a variação de recuo, porosidade e altura do muro, bem como a análise de diferentes condições de vento.
Ao considerar a realidade das habitações brasileiras, onde é comum a utilização de muros fechados, a utilização de elementos vazados no muro frontal pode ser vantajosa. A incorporação desses elementos pode aliar a necessidade de delimitação do lote com menores impactos nas condições de ventilação natural.
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-
1
Com base em elementos vazados comercializados (NEOREX, 2021).
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2
Cidades pesquisadas:Belém (PA); Manaus (AM); Maceió (AL); Natal (RN); Salvador (BA); Fortaleza (CE); Recife (PE); João Pessoa (PB); Aracaju (SE); São Luís (MA); Macapá (AP); Rio Branco (AC); Rio de Janeiro (RJ).
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3
Utilizou-se os valores registrados para as direções predominantes dos ventos em cada cidade.
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4
Considerou-se as legislações das principais cidades da Zona Bioclimática 8 (ABNT, 2005).
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5
Todas as janelas são do tipo correr com duas folhas, com exceção do banheiro, que possui janela do tipo basculante (TRIANA; LAMBERTS; SASSI,2015).
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6
A ISO 7726 (INTERNATIONAL..., 1998) define as áreas sensitivas do corpo humano.
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7
Morais (2013) desenvolveu a escala cromática com base nos estudos de Bedford (1948* apud MORAIS, 2013), Allard (1998** apud MORAIS, 2013) e Cândido et al. (2010).
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8
*BEDFORD, T. Basic principlesofventilation and heating. London: H.K. Lewis, 1948.
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9
**ALLARD, F. Natural ventilation in buildings: a design handbook. London: James e James, 1998.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Set 2023 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2023
Histórico
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Recebido
15 Set 2022 -
Aceito
13 Dez 2022