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Distanciamento social pela pandemia de Covid-19: impactos na percepção do zumbido crônico, ansiedade, depressão e suas relações

RESUMO

Objetivo

analisar o impacto do distanciamento social devido à pandemia de COVID-19, sob a percepção e o incômodo com o zumbido crônico e a relação dos achados com a ansiedade e a depressão.

Métodos

a amostra foi composta por conveniência, incluindo sujeitos com idades de 21 a 78 anos. A avaliação foi realizada em dois períodos: pré-distanciamento (final de 2019) e durante o distanciamento (2020). A segunda avaliação foi realizada de forma online, via Google Forms, consistindo nos seguintes procedimentos: questionário semiestruturado, Tinnitus Handicap Inventory (THI), Inventário de Ansiedade de Beck (BAI) e Inventário de Depressão de Beck (BDI).

Resultados

nas comparações dos procedimentos entre os períodos pré e pós-distanciamento social, foi evidenciada diferença estatisticamente significativa para o THI e o BAI, mas não para o BDI. Na correlação da percepção do zumbido crônico com a ansiedade, foi observada diferença estatisticamente significativa, positiva e forte, mas não significativa com a depressão.

Conclusão

o distanciamento social devido à pandemia de COVID-19 piorou a percepção e o incômodo com o zumbido crônico, estando correlacionado com aumento nos sintomas de ansiedade.

Palavras-chave:
Zumbido; Ansiedade; Depressão; Isolamento social; COVID-19

ABSTRACT

Purpose

To analyze the impact of social distancing, due to the COVID-19 pandemic, on the perception and nuisance with chronic tinnitus and the relationship of the findings with anxiety and depression.

Methods

The sample was composed by convenience, including subjects aged 21 to 78 years. The evaluation was conducted in two periods: pre-distancing (late 2019) and during distancing (2020). The second evaluation was conducted online via Google Forms, consisting of the following procedures: Semistructured questionnaire, Tinnitus Handicap Inventory (THI), Beck Anxiety Inventory (BAI), and the Beck Depression Inventory (BDI).

Results

In the comparison of the results of the procedures performed pre-social distancing and during social-distancing, a statistically significant difference was evidenced for the THI and the BAI, but not for the BDI. In the correlation of the perception of chronic tinnitus with anxiety, a statistically significant difference was observed, positive and strong, but not significant with depression.

Conclusion

Social distancing, due to the COVID-19 pandemic, worsened the perception of and annoyance with chronic tinnitus and was correlated with an increase in anxiety symptoms.

Keywords:
Tinnitus; Anxiety; Depression; Social isolation; Covid-19

INTRODUÇÃO

Desde dezembro de 2019, o mundo vive uma situação delicada no que tange à saúde da população. O novo Coronavírus (COVID-19), com os primeiros casos relatados na China, alastrou-se rapidamente por outros países, fazendo milhares de vítimas e levando a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar um quadro pandêmico em março de 2020(11 WHO: World Health Organization. Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 [Internet]. 2020 [citado em 2021 Abr 24]. Disponível em: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---11-march-2020
https://www.who.int/director-general/spe...
).

Sabe-se que a letalidade do novo Coronavírus é inferior ao observado em outros quadros virais, no entanto, a alta taxa de transmissão levou ao crescimento do número de casos em todo o mundo(22 Mahase E. Coronavirus covid-19 has killed more people than SARS and MERS combined, despite lower case fatality rate. BMJ. 2020 Fev 18;368:m641. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m641. PMid:32071063.
http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m641...
). Por esse motivo e também porque, no início da pandemia, não havia vacinação disponível, ou um tratamento medicamentoso efetivo no combate da COVID-19, medidas não farmacológicas, como o distanciamento social, foram implementadas(33 Kupferschmidt K, Cohen J. Can China’s COVID-19 strategy work elsewhere? Science. 2020;367(6482):1061-2. http://dx.doi.org/10.1126/science.367.6482.1061. PMid:32139521.
http://dx.doi.org/10.1126/science.367.64...
).

Apesar de as medidas de distanciamento social demonstrarem efetividade na contenção da propagação da COVID-19(44 Prem K, Liu Y, Russell TW, Kucharski AJ, Eggo RM, Davies N, et al. The effect of control strategies to reduce social mixing on outcomes of the COVID-19 epidemic in Wuhan, China: a modelling study. Lancet Public Health. 2020;5(5):e261-70. http://dx.doi.org/10.1016/S2468-2667(20)30073-6. PMid:32220655.
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), alguns impactos na saúde mental da população, principalmente envolvendo a ansiedade e a depressão, têm sido relatados na literatura(55 Özdin S, Bayrak Özdin Ş. Levels and predictors of anxiety, depression and health anxiety during COVID-19 pandemic in Turkish society: the importance of gender. Int J Soc Psychiatry. 2020;66(5):504-11. http://dx.doi.org/10.1177/0020764020927051. PMid:32380879.
http://dx.doi.org/10.1177/00207640209270...
,66 Pinheiro GA, Luna GI, Santos RAC, Pimentel SFP, Varão AC. Perceived stress during a period of social distancing: differences between sexes. Braz J Hea Rev. 2020;3:10470-86. http://dx.doi.org/10.34119/bjhrv3n4-264.
http://dx.doi.org/10.34119/bjhrv3n4-264...
). Este fato torna-se importante, tendo em vista que, além dos impactos diretos desses aspectos psicológicos no bem-estar dos indivíduos, eles também podem ser fatores agravantes ou desencadeantes de inúmeros sintomas, sendo um deles o zumbido crônico(77 Rosa MRD, Almeida AAF, Pimenta F, Silva CG, Lima MAR, Diniz MFFM. Tinnitus and anxiety: a literature review. Rev CEFAC. 2012;14:742-54. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462012005000009.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462012...
).

O zumbido é um sintoma subjetivo descrito na literatura como a percepção de um som “fantasma”, que traz consequências negativas na qualidade de vida dos indivíduos(88 Chen YC, Xia W, Chen H, Feng Y, Xu JJ, Gu JP, et al. Tinnitus distress is linked to enhanced restingstate functional connectivity from the limbic system to the auditory cortex. Hum Brain Mapp. 2017;38(5):2384-97. http://dx.doi.org/10.1002/hbm.23525. PMid:28112466.
http://dx.doi.org/10.1002/hbm.23525...
,99 Rocha GSR, Vargas MM, Gomes MZ. Quality of life in individuals with tinnitus with and without hearing loss. Rev CEFAC. 2017;19(6):764-72. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620171965917.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620171...
). Dentre os fatores desencadeantes associados ao sintoma, os aspectos emocionais têm sido investigados, já sendo evidenciada a recorrência maior da ansiedade e da depressão nos sujeitos que sofrem com o zumbido, do que na população de modo geral(1010 Bhatt JM, Bhattacharyya N, Lin HW. Relationships between tinnitus and the prevalence of anxiety and depression. Laryngoscope. 2017;127(2):466-9. http://dx.doi.org/10.1002/lary.26107. PMid:27301552.
http://dx.doi.org/10.1002/lary.26107...
).

Como mencionado, a COVID-19 mudou o cenário mundial de diversas formas, impactando a vida da população. Nesse sentido, compreender as consequências de tais mudanças em sintomas como o zumbido crônico se torna necessário, para que os profissionais da área estejam preparados para atender a demanda pós-pandemia. Diante do exposto, os objetivos do presente estudo foram analisar o impacto do distanciamento social devido à pandemia de COVID-19, sob a percepção e incômodo do zumbido crônico e a relação dos achados com a ansiedade e a depressão.

MÉTODOS

A casuística do presente estudo foi composta por adultos e idosos com queixa de zumbido crônico, unilateral ou bilateral, que haviam sido atendidos em um ambulatório de Audiologia. O cálculo amostral foi realizado levando em consideração um valor de efeito de 0,3, 0,5 de significância e um poder de 0,8. Com base nesses parâmetros, estipulou-se um número de 17 sujeitos.

Os participantes foram captados por meio do banco de dados de uma pesquisa realizada no ano de 2019 e, no final do mesmo ano, pré-período de pandemia por Covid-19, foram contatados para responder aos questionários Tinnitus Handicap Inventory (THI), Inventário de Ansiedade de Beck (BAI) e Inventário de Depressão de Beck (BDI). Então, em junho de 2020, durante o período de distanciamento social, os mesmos indivíduos foram novamente contatados, para que respondessem aos mesmos questionários (THI, BAI e BDI), que foram adaptados para o Google Forms devido à necessidade de isolamento social e, consequentemente, restrição dos atendimentos.

Este estudo cumpriu com todas as diretrizes contidas na Resolução n° 466/12, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, sob o número de projeto 96740718.4.0000.5346. Inicialmente, todos os indivíduos que aceitaram participar do estudo foram informados quanto aos riscos, benefícios e a confidencialidade dos dados, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de forma online.

Como critérios de elegibilidade, os indivíduos deveriam ter respondido o THI, BAI e BDI no final de 2019, ser alfabetizados e ter a possibilidade de acessar o material enviado via Google Forms em junho de 2020. Deveriam, ainda, estar respeitando as regras de distanciamento social, ou seja, saindo de casa somente para buscar serviços essenciais. Neste estudo, entendeu-se por “serviços essenciais” ir ao supermercado e/ou aos serviços de saúde por, no máximo, uma vez na semana. Além disso, eles não poderiam, no período entre as avaliações, ter apresentado sintomas e/ou diagnóstico de comprometimento de orelha média, mudanças na localização e/ou tipo de zumbido, mudanças autorrelatadas na acuidade auditiva, ter iniciado novo tratamento (farmacológico ou terapêutico), bem como não poderiam ter sido diagnosticados com alguma doença de qualquer origem (inclusive COVID-19), para que não houvesse interferência nos achados desta pesquisa, principalmente, na percepção do sintoma.

Inicialmente, os indivíduos foram contatados via e-mail e, em seguida, foi estruturado e aplicado um questionário, a fim de identificar os critérios de elegibilidade. Posteriormente, os participantes incluídos na presente pesquisa deveriam responder aos questionários THI, BAI e BDI com base no que tinham vivenciado nos meses de abril, maio e junho de 2020. Vale salientar que todo o material supracitado foi transcrito para o Google Forms e, antes de ser enviado aos indivíduos, foi revisado por duas juízas especialistas quanto ao seu conteúdo.

As informações referentes à audiometria tonal liminar (ATL) foram coletadas no banco de dados e os indivíduos não puderam ser reavaliados, devido à pandemia. Entretanto, destaca-se que o tempo entre a avaliação audiológica e o contato para participação da pesquisa foi em torno de seis meses, sendo excluídos os sujeitos que tiveram autopercepção na progressão da perda, ou seja, que relataram piora na audição nesse período.

Com o objetivo de responder à pergunta de pesquisa, foram aplicados os seguintes instrumentos:

Questionário semiestruturado: composto por sete questões de múltipla escolha, que os indivíduos deveriam ler e marcar as alternativas com “sim”, “não” ou “às vezes”. Desse modo, o objetivo do questionário foi mensurar a autopercepção auditiva, sintomas otológicos, tratamentos realizados, ou diagnósticos de doenças, bem como sobre o zumbido, principalmente quanto à mudança de seu tipo e/ou localização.

Tinnitus Handicap Inventory (THI): aplicado com o intuito de mensurar o incômodo provocado pelo sintoma antes e durante o período de distanciamento social (DS). Os indivíduos foram instruídos a ler as questões e marcar qual das alternativas – “sim”, “não” ou “às vezes” – correspondia melhor ao que estava sentindo. Cada alternativa possui um valor a ser pontuado, sendo que “não” corresponde a 0 ponto, “às vezes”, a 2 pontos e “sim”, a 4 pontos. O resultado do THI foi calculado por meio da soma das pontuações atribuídas em cada questão, gerando um escore total(1111 Ferreira PEA, Cunha F, Onishi ET, Branco-Barreiro FCA, Ganança FF. Tinnitus handicap inventory: adaptação cultural para o português brasileiro. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2005;17(3):303-10. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872005000300004.
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).

Inventário de Ansiedade de Beck (BAI): foi aplicado objetivando observar a intensidade de sintomas de ansiedade. Os indivíduos foram orientados a ler as 21 questões e indicar a sua resposta dentro de uma escala de 3 pontos: ”absolutamente não” (0 ponto); ”levemente” (1 ponto); ”moderadamente” (2 pontos) e ”gravemente (3 pontos). A soma dos escores individuais de cada item resulta em um escore total, que pode variar de 0 a 63 pontos, de acordo com o valor um determinado nível de ansiedade(1212 Beck AT, Epstein N, Brown G, Steer RA. An inventory for measuring clinical anxiety: psychometric properties. J Consult Clin Psychol. 1988;56(6):893-7. http://dx.doi.org/10.1037/0022-006X.56.6.893. PMid:3204199.
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).

Inventário de Depressão de Beck (BDI): ferramenta utilizada para identificar os casos prováveis de depressão em populações não clínicas. Da mesma forma que nos instrumentos anteriores, os indivíduos precisaram ler as 21 questões e assinalar as suas respostas. Os itens somados resultam em escore total, que pode variar de 0 a 63, gerando diferentes níveis de depressão(1313 Beck AT, Ward CH, Mendelson M, Mock J, Erbaugh J. An inventory for measuring depression. Arch Gen Psychiatry. 1961;4(6):561-71. http://dx.doi.org/10.1001/archpsyc.1961.01710120031004. PMid:13688369.
http://dx.doi.org/10.1001/archpsyc.1961....
).

Salienta-se que, apesar da existência de uma classificação qualitativa para os resultados dos instrumentos aplicados na presente pesquisa, foram utilizados somente os escores brutos, ou seja, os dados numéricos finais para a realização das análises de comparação e correlação. Além disso, todos os indivíduos eram alfabetizados e, dessa forma, assim como na primeira avaliação, foram instruídos a ler as questões dos questionários e assinalar a alternativa correspondente. Em caso de dúvidas, o avaliador estava à disposição, via e-mail.

Após a aplicação dos instrumentos, os dados obtidos foram alocados em uma planilha do Excel®. Inicialmente, foi utilizado o teste Shapiro-Wilk para determinar a distribuição da amostra (normal, ou não). Em seguida, foram analisados quanto a sua normalidade, utilizando o software SPSS 20®. A partir desta análise, utilizando o mesmo software, realizou-se a análise de comparação com o teste não paramétrico de Wilcoxon, para o THI, BAI e BDI, antes e durante o período de distanciamento social.

Por fim, para a análise de correlação, o cálculo da diferença do escore do THI, BAI e BDI antes e durante o período de DS foi realizado individualmente para cada questionário. Assim, a diferença relativa ao THI foi correlacionada com a diferença observada no BAI e BDI, utilizando o teste não paramétrico de Spearman. O nível de significância admitido foi de 5%, ou seja, p<0,05. A correlação foi analisada por meio do valor de r, considerando: r= 0 a 0,19 (muito fraca); r= 0,20 a 0,39 (fraca); r= 0,40 a 0,69 (moderada); r= 0,70 a 0,89 (forte); r= 0,90 a 1 (muito forte).

RESULTADOS

No total, foram contatados 42 indivíduos via Google Forms, porém, apenas 19 responderam aos instrumentos e outros 3 não puderam compor a amostra devido aos critérios de elegibilidade. Desse modo, a casuística total do estudo contou com 16 indivíduos, 6 do gênero masculino e 10 do gênero feminino, com idades de 21 a 78 anos (média de 51,75).

No que diz respeito às características auditivas dos indivíduos, 37,5% (8 indivíduos) apresentaram limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade e 62,5% (8 indivíduos) apresentaram perda auditiva do tipo sensorioneural nas frequências agudas.

Para a percepção do zumbido, todos os participantes (100%) relataram perceber o sintoma de forma contínua, 5 (31,25%) apenas na orelha esquerda, 2 (12,5%) na orelha direita e 9 (56,25%) bilateralmente. Em relação ao tipo, 4 indivíduos (25%) associaram o zumbido a um apito, 9 (56,25%) a uma cigarra e 3 (18,75%) a um chiado.

Nas comparações entre os períodos, para o THI, foi evidenciada diferença estatisticamente significativa (p=0,04) (Figura 1).

Figura 1
Tinnitus Handicap Inventory pré e durante o período de distanciamento social (Teste de Wilcoxon)

Para o BAI, também foi observada diferença estatisticamente significativa (p=0,03) (Figura 2).

Figura 2
Inventário de Ansiedade de Beck pré e durante o período de distanciamento social (Teste de Wilcoxon)

Quanto ao BDI, não foi observada diferença estatisticamente significativa (p=0,07) (Figura 3).

Figura 3
Inventário de Depressão de Beck pré e durante o período de distanciamento social (Teste de Wilcoxon)

Na correlação da percepção do zumbido e a ansiedade, ficou evidenciado que foi significativa (p=0,02), positiva e forte (r=0,89) (Figura 4).

Figura 4
Correlação da diferença do Tinnitus Handicap Inventory pré e durante o período de distanciamento social com a diferença do Inventário de Ansiedade de Beck pré e durante o período de distanciamento social (Teste de Spearman)

Quanto à correlação da percepção do sintoma e a depressão, não foi significativa (p = 0,28) (r= 0,17) (Figura 5).

Figura 5
Correlação da diferença do Tinnitus Handicap Inventory pré e durante o período de distanciamento social com a diferença do Inventário de Depressão de Beck pré e durante o período de distanciamento social (Teste de Spearman)

DISCUSSÃO

O tema da presente pesquisa está em total acordo com a atualidade, visto que, no contexto da pandemia e do distanciamento social, é fundamental que os profissionais da saúde entendam os impactos de tais aspectos na população, com o intuito de elaborar estratégias efetivas de enfrentamento. No que tange aos conhecimentos da Otorrinolaringologia e de Audiologia, estudar os impactos do distanciamento social sob a percepção do zumbido crônico torna-se importante, tendo em vista que o sintoma tem aumentado a procura por serviços de saúde especializados.

Em relação ao THI, verificou-se aumento do incômodo com o sintoma durante o período de distanciamento social. Tal achado concorda com um estudo recente, que também evidenciou piora no zumbido após esse período(1414 Anzivino R, Sciancalepore PI, Petrone P, D’Elia A, Petrone P, Quaranta N. Tinnitus revival during COVID-19 lockdown: how to deal with it? Eur Arch Otorhinolaryngol. 2021 Jan;278(1):295-6. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-020-06147-9. PMid:32572563.
http://dx.doi.org/10.1007/s00405-020-061...
). Desse modo, percebe-se a influência negativa do distanciamento social no cotidiano desses indivíduos que já apresentavam o sintoma.

Outro estudo, com o objetivo de analisar a percepção do zumbido frente aos estressores ambientais ocasionados pela pandemia, constatou aumento da percepção do sintoma, justificando que esteve relacionado aos sentimentos de estresse, luto, frustração e de nervosismo percebidos durante o período de DS(1515 Schlee W, Holleland S, Bulla A, Simoes J, Neff P, Schoisswohl S, et al. The effect of environmental stressors on tinnitus: a prospective longitudinal study on the impact of the COVID-19 pandemic. J Clin Med. 2020;9(9):2756. http://dx.doi.org/10.3390/jcm9092756. PMid:32858835.
http://dx.doi.org/10.3390/jcm9092756...
). Nesse sentido, acredita-se, da mesma forma, que a piora constatada no presente estudo possa estar relacionada às preocupações e incertezas relativas à pandemia, considerando que a literatura especializada já relaciona os aspectos emocionais como amplificadores do zumbido crônico(1616 Hou SJ, Yang AC, Tsai S, Shen C, Lan T. Tinnitus among patients with anxiety disorder: a nationwide longitudinal study. Front Psychiatry. 2020;11:606. http://dx.doi.org/10.3389/fpsyt.2020.00606. PMid:32670119.
http://dx.doi.org/10.3389/fpsyt.2020.006...
).

Ao comparar a ansiedade pré e pós o período de distanciamento social, foi possível observar aumento nos sintomas de ansiedade. Tal achado está em consonância com outro estudo, que também observou essas mudanças(1717 Ribeiro EG, Souza EL, Nogueira JO, Eler R. Mental health from the perspective of coping with COVID -19: handling consequences related tosocial isolation. Rev Enfermagem e Saúde Coletiva. 2020;5:47-57.). Nesse sentido, esses resultados se justificam devido às circunstâncias diárias da rotina em tempos de pandemia, que foram gatilhos potencializadores para as alterações emocionais(1818 Moura IM, Rocha VHC, Bergamini GB, Samuelsson E, Joner C, Schneider LF, et al. Cognitive-behavioral therapy in the treatment of generalized anxiety disorder. Rev Cient da Fac Educ e Meio Ambiente. 2018;9:423-41. http://dx.doi.org/10.31072/rcf.v9i1.557.
http://dx.doi.org/10.31072/rcf.v9i1.557...
). Entretanto, não foram observadas diferenças significativas nos sintomas depressivos entre os períodos, mas isso se justifica pela breve fase de DS, sendo possível essa inferência devido ao p-valor estar próximo da significância.

Na presente pesquisa, foi possível observar que o aumento dos sintomas de ansiedade piorou a percepção do zumbido crônico. Este achado confirma o de uma recente revisão sistemática, que objetivou observar os impactos da COVID-19 e do DS no zumbido, concluindo que estão correlacionados. Além disso, outros estudos também observaram tais aspectos(1919 Beukes EW, Baguley DM, Jacquemin L, Lourenco MP, Allen PM, Onozuka J, et al. Changes in tinnitus experiences during the COVID-19 pandemic. Front Public Health. 2020;8:592878. http://dx.doi.org/10.3389/fpubh.2020.592878. PMid:33251179.
http://dx.doi.org/10.3389/fpubh.2020.592...
,2020 Xia L, He G, Feng Y, Yu X, Zhao X, Chen Z, et al. Impact of anxiety associated with COVID-19 on tinnitus. PLoS One. 2021;16(2):e0246328. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0246328. PMid:33544744.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
). Desse modo, cabe enfatizar os achados descritos no presente estudo, a fim de que possibilitem aos profissionais a observação das demandas pós-DS e o gerenciamento mais assertivo na busca pela remissão do sintoma.

Não foram encontradas relações entre a depressão e percepção do zumbido, achado que não concorda com a literatura especializada(2121 Temugan E, Yildirım RB, Onat H, Susuz M, Elden C, Unsal S, et al. Does tinnitus lead to depression? Clin. Clin Invest Med. 2016;39(6):27505. PMid:27917796.). No entanto, acredita-se que o tempo entre as avaliações possa não ter sido relevante para o estabelecimento de um quadro depressivo e, consequentemente, influenciar de forma importante a percepção do zumbido, visto que as mudanças neuroquímicas cerebrais e de funcionamento dos circuitos neuronais em áreas do humor tendem a necessitar de maior tempo para a manifestação comportamental.

Entretanto, o achado supracitado não exclui a possibilidade da influência da depressão na percepção do zumbido, durante o distanciamento social. Isso porque, devido ao caráter inédito e da simultaneidade do distanciamento e isolamento social em milhões de pessoas, alguns autores têm apontado que as consequências desse período devem ser ainda maiores, podendo, também, permanecer em um período mais longo de tempo(2222 Ornell F, Schuch JB, Sordi AO, Kessler FHP. “Pandemic fear” and COVID-19: mental health burden and strategies. Braz J Psychiatry. 2020;42(3):232-5. http://dx.doi.org/10.1590/1516-4446-2020-0008. PMid:32267343.
http://dx.doi.org/10.1590/1516-4446-2020...
,2323 Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet. 2020;395(10227):912-20. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8. PMid:32112714.
http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)...
). A relação entre a ansiedade, a depressão e o zumbido deve-se às conexões associativas cerebrais relacionadas, principalmente, ao sistema límbico, que, no zumbido, por meio de uma via não auditiva, é ativado, causando reações emocionais negativas e fisiológicas frente ao sintoma(2424 Jastreboff PJ, Hazell JW. Tinnitus retraining therapy. New York: Cambridge University Press; 2004. http://dx.doi.org/10.1017/CBO9780511544989.
http://dx.doi.org/10.1017/CBO97805115449...
).

Por fim, os presentes achados devem ser cuidadosamente considerados pelos profissionais na clínica de avaliação e tratamento do zumbido, levando em consideração que o sintoma, clinicamente, é uma queixa recorrente, não só naqueles infectados por COVID-19(1919 Beukes EW, Baguley DM, Jacquemin L, Lourenco MP, Allen PM, Onozuka J, et al. Changes in tinnitus experiences during the COVID-19 pandemic. Front Public Health. 2020;8:592878. http://dx.doi.org/10.3389/fpubh.2020.592878. PMid:33251179.
http://dx.doi.org/10.3389/fpubh.2020.592...
), mas também pela população, de modo geral, devido às consequências psicossociais do período de distanciamento social. Ademais, sugere-se que outros estudos sejam realizados, utilizando um número amostral maior e analisando os impactos em um delineamento longitudinal, possibilitando um número maior de constatações.

Limitação do estudo

Apesar da importância e ineditismo do estudo - analisar os impactos do distanciamento e não da COVID-19 sobre o zumbido - o cálculo amostral não foi cumprido. Dessa forma, os resultados obtidos foram reportados à amostra, sendo sugerido o desenvolvimento de outros estudos com delineamento metodológico semelhante.

CONCLUSÃO

O distanciamento social devido à pandemia de COVID-19 piorou a percepção e o incômodo com o zumbido crônico, estando correlacionado com aumento no sintoma de ansiedade.

  • Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM – Santa Maria (RS), Brasil.
  • Financiamento: Nada a declarar.

REFERÊNCIAS

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    WHO: World Health Organization. Director-General’s opening remarks at the media briefing on COVID-19 [Internet]. 2020 [citado em 2021 Abr 24]. Disponível em: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19---11-march-2020
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    Mahase E. Coronavirus covid-19 has killed more people than SARS and MERS combined, despite lower case fatality rate. BMJ. 2020 Fev 18;368:m641. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.m641 PMid:32071063.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2022
  • Aceito
    01 Dez 2022
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