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As ressonâncias subjetivas da mudança de nome

The subjective echoes of name change

Resumos

A experiência clínica mostra que não se toca de maneira impune no nome pelo qual se presentifica a questão da filiação e do sentimento de identidade. A autora pesquisa o que subjaz às vacilações do sujeito quando ele é forçado a mudar de nome. É geralmente no momento da aquisição de uma nova nacionalidade que surge a exigência da alteração do nome. Essa mudança de status que confronta o sujeito, às vezes de maneira violenta, ao que há de mais íntimo, pode expô-lo ao caos quando ela ocorre como imperativo alienante ou como ideal de integração ou de posse. Com essa mudança, coloca-se também a questão do quadro jurídico dentro do qual se inscreve esse procedimento e o contexto societal, num período em que a paixão das origens ressurge de maneira sintomática.

Mudança de nome; naturalização; subjetividade; elo social; filiação; sentimento de identidade


Clinical experience teaches us that making changes to one's name, which acts as a manifestation of filiation and identity, is always a matter of great significance. This paper examines the reasons behind a subject's hesitation when faced with the prospect of a name change. Generally, a demand for such modification arises at the moment of acquiring a new nationality. This change of status confronts the subject, sometimes indeed violently, with what is most intimate to him, and can threaten him with chaos when it appears as an alienating imperative or as an ideal of integration or possession. The act of name changing also raises larger questions about its legal framework and societal context, in an age where we are seeing a renewed - and symptomatic - interest in the topic of origins.

Name change; naturalization; subjectivity; social bond; filiation; feeling of identity


ARTIGOS

As ressonâncias subjetivas da mudança de nome

The subjective echoes of name change

Rajaa Stitou

Mestre de Conferências, HDR em Psicopatologia Clínica, Universidade de Montpellier 3; psicanalista. rstitou@wanadoo.fr

RESUMO

A experiência clínica mostra que não se toca de maneira impune no nome pelo qual se presentifica a questão da filiação e do sentimento de identidade. A autora pesquisa o que subjaz às vacilações do sujeito quando ele é forçado a mudar de nome. É geralmente no momento da aquisição de uma nova nacionalidade que surge a exigência da alteração do nome. Essa mudança de status que confronta o sujeito, às vezes de maneira violenta, ao que há de mais íntimo, pode expô-lo ao caos quando ela ocorre como imperativo alienante ou como ideal de integração ou de posse. Com essa mudança, coloca-se também a questão do quadro jurídico dentro do qual se inscreve esse procedimento e o contexto societal, num período em que a paixão das origens ressurge de maneira sintomática.

Palavras-chave: Mudança de nome, naturalização, subjetividade, elo social, filiação, sentimento de identidade.

ABSTRACT

Clinical experience teaches us that making changes to one's name, which acts as a manifestation of filiation and identity, is always a matter of great significance. This paper examines the reasons behind a subject's hesitation when faced with the prospect of a name change. Generally, a demand for such modification arises at the moment of acquiring a new nationality. This change of status confronts the subject, sometimes indeed violently, with what is most intimate to him, and can threaten him with chaos when it appears as an alienating imperative or as an ideal of integration or possession. The act of name changing also raises larger questions about its legal framework and societal context, in an age where we are seeing a renewed - and symptomatic - interest in the topic of origins.

Keywords: Name change, naturalization, subjectivity, social bond, filiation, feeling of identity.

A experiência clínica mostra que não se toca impunemente no nome através do qual se presentifica a questão da filiação e do sentimento de identidade. Essa mudança constitui uma prova que pode expor ao caos quando ela ocorre como imperativo alienante ou como ideal de integração ou de posse.

Do ponto de vista psicanalítico, a filiação remete à questão "de onde venho", a qual, por sua vez, remete à indeterminação da origem que situa todo sujeito como o herdeiro de um legado proveniente de outro lugar, que ele recebe e perde ao mesmo tempo. Pagar a dívida de um legado, ser devedor de uma dívida impagável, a menos que a reconheçamos, essa é a situação de todo ser falante. Por sua parte, a identidade remete à questão de "quem sou eu" que evoca o enigma do ser, enigma que requer o uso da ficção que cada sujeito encontra na comunidade a que pertence. A abordagem aqui proposta tenta indagar as vacilações do sujeito quando este é forçado a mudar de grupo ao qual ele pertence por meio da aquisição de uma nova cidadania e da mudança do seu nome. É em geral no momento da aquisição de uma nova nacionalidade que se faz o pedido de alteração do nome. Essa mudança de status que confronta o sujeito, às vezes de maneira violenta, com o que ele possui de mais íntimo, questiona também o quadro jurídico em que tal abordagem está inscrita e o contexto societal, numa época em que a paixão pelas origens ressurge sintomaticamente e na qual se buscam garantias que permitem integrar esse outro à igualdade nacional, sem perder o risco de fragilizar a fronteira entre o dentro e o fora, sem desnaturar o laço patriótico.

A NATURALIZAÇÃO E A IDENTIDADE IMPOSSÍVEL DO SUJEITO

Em primeiro lugar, é útil perguntar o que significa a palavra "naturalização", palavra que, curiosamente, significa adquirir uma nacionalidade. Se, de acordo com o Littré,1 1 O Dicionário da língua francesa, mais conhecido como Littré - do nome de seu autor Emile Littré - é um dicionário normativo da língua francesa. a naturalização concede a uma pessoa estrangeira os mesmos direitos que gozam os nativos de determinado país, o uso deste termo para animais ou plantas, na época na qual o autor escrevia o seu dicionário, marca com ênfase a referência ao natural e à natureza no sentido de pertencer a um lugar, a um solo. Essa referência é reencontrada na "naturalização" de carcaças de animais, cujo objetivo é devolver-lhes a aparência viva, congelá-los em uma postura que representa, tanto quanto possível, o seu estilo de vida, sendo que eles estão mortos, eviscerados para conservar apenas a casca, reduzindo-os a uma forma desencarnada.

Podemos notar também que essa naturalização é mais frequentemente aplicada a animais "selvagens" ou não domesticados. Trata-se basicamente de uma forma de integrar o selvagem no familiar. Naturalizar é também, nesse caso, reduzir o amedrontador a um espetáculo seguro, conferir-lhe um lugar decorativo no contexto cotidiano refletindo o fato de que ele foi domesticado. Quanto aos seres humanos, há uma dupla conotação de naturalização, que se refere tanto ao natural quanto ao nacional e que remete à etimologia comum dessas duas palavras: nascor, em latim, significa 'nascer', verbo na voz passiva em latim, em inglês, e na voz ativa em francês.

O que poderia significar a palavra 'naturalização' hoje? Segundo o micro-Robert, dicionário de língua francesa, a palavra refere-se ao ato de atribuir a uma pessoa de outra nacionalidade aquela do país onde ela reside. Além disso, a nacionalidade pode ser adquirida pela filiação, o sangue "recebido" (pelo nascimento) ou derramado (em guerras). Mas, tal aquisição pressupõe compartilhar a língua e a cultura da nova nação à qual determinado sujeito deseja pertencer. No entanto, embora o uso da palavra "nação" tenha deixado de significar "natural" a partir do século XIX, a palavra "naturalizar" tende a conservar esse significado. Ora, através da subversão dessa força obscura que é a natureza, para dizer o acesso à cultura, não é o enigma da origem e do nascimento que se repete, um enigma que as novas formas institucionais e jurídicas frustram por meio das ficções que as envolvem, prometendo e promovendo uma apropriação aparente. Naturalizar seria então inscrever um sujeito em um novo nascimento, a partir de uma nova entrada no registro civil que atesta a qualidade de nacional.

Isso nos remete à questão da genealogia, do mito subjacente a ela e das construções fictícias que a representam. Não é ao redor disso que se articula o sujeito e o direito, o homem e o cidadão? Em outras palavras, não é a nação que constitui a origem ou a ascendência do homem, mas ao que ela se refere, ou seja, o impossível, o que não pode ser definido por nenhuma nomeação. A questão que se coloca é como inscrever um sujeito numa montagem fictícia ou num sistema de representação que lhe é estrangeiro, no qual ele não reconhece suas referências míticas. Não seria a essência de toda representação a sua mobilidade, isto é, sua capacidade de deslocar-se ou de compor-se com outras representações? Essa mobilidade, essa travessia apenas pode ser efetuada de forma eficiente a partir da presentificação do irrepresentável que contenha toda a representação ficcional ou figurada. Em outras palavras, não se deve perder de vista a diferença entre a identidade impossível do sujeito e a identidade nacional que cada vez mais tende a ser confundida com a identidade religiosa. É quando o sujeito e/ou a sociedade rejeitam essa diferença que remete à alteridade imprevisível que surge o caos. Assim, vemos que, além de remeter aos seus aspectos institucionais, a nacionalidade remete a algo que a transcende. Esse além, que desperta a angústia perante o desconhecido, o qual vem ocupar, de maneira imaginária, a pessoa estrangeira, requer a construção de montagens que devem sempre ser reinventados. O que caracteriza a mudança de nome e seus efeitos sobre o sujeito?

MUDAR DE NOME

Lembro-me de um jovem de origem tunisina que, ao se casar com uma francesa, fez o pedido de naturalização e, para evitar que seus filhos e sua esposa sofressem mais tarde com o seu nome estrangeiro, o modificou e adotou um sobrenome francês.

Porém, ao tornar-se pai pela primeira vez, surgiu um quadro depressivo a partir do nascimento do filho, como se a paternidade estivesse despertado um problema até então reprimido, não elaborado. É a partir dessa vacilação que surgiu uma brecha propícia ao surgimento da palavra. Mas, esse paciente, que encontrei de maneira pontual por duas vezes, para, como ele disse, "colocar um pouco de ordem na sua cabeça", antes de ele ser encaminhado para um analista na cidade onde mora, conforme seu pedido, não era, inicialmente, o sujeito do seu próprio discurso. Primeiro, ele apresentou-se durante toda a primeira entrevista por meio de uma queixa anônima e repetitiva, por vezes culpando os outros, às vezes acusando o seu "eu" de ser a causa de sua infelicidade. "Isso vem de mim, não me sinto bem comigo mesmo, não consigo viver normalmente, não consigo ser como todo mundo." Foi preciso dizer a ele: "Seria melhor o senhor contar quem é especificamente e o que sente de fato" para fazer o relacionamento bascular, cortando suas lógicas do sentido, deslocando assim ao longo das suas associações a culpabilidade de ser não-conforme para a culpabilidade de abrir mão do seu desejo e de sua singularidade.

"Eu sou Mehdi Ben... esse é meu verdadeiro nome. A senhora sabe que Ben... é filho de... a maioria dos nomes árabes começa assim. Eu aprendi recentemente que o meu nome está ligado à terra que pertencia ao meu tataravô paterno." Esse nome, que lhe foi legado e que permite, na sua função, que o sujeito seja reconhecido, referido e inserido na geração, herdando uma linhagem e um lugar na estrutura do parentesco, foi vivido por Mehdi, desde pequeno, como uma condenação. Mehdi de fato sofreu com sua diferença cultural, de tal forma que ele se identificou de maneira confusa com a imagem desvalorizada e degradante transmitida pelo seu nome, um nome reduzido a suas características étnicas, separado do enigma do qual é portador e pelo qual é sustentado.

Porém, esse sentimento de condenação foi, segundo ele, reforçado pelos pais, pois eles se preocupavam com a adaptação, rejeitando o que os prende à sua particularidade e exigindo que ele se assemelhasse aos nativos. "Meus pais", disse ele, "viveram o exílio de maneira tão sofrida que não quiseram saber de 'história'. Eles acreditavam que educando os filhos (sua irmã mais velha e ele, ambos nascidos na França) conforme a mentalidade francesa, eles não teriam 'história'." Compreendi esse "sem história" literalmente, pois Mehdi recebeu como referências culturais apenas o silêncio, um silêncio que o exilou de seu desejo, que não permitiu que ele se apropriasse de sua história e a subjetivasse. Como, de fato, ocupar uma posição de sujeito submetido à castração perante um discurso parental que impede passar pelo Outro e quando a falta a ser reatualizada pela prova da expatriação é transformada em falta de ter ou em defeito a ser corrigido? Não teria ele respondido de forma simétrica ao ideal parental e/ou social de conformidade alterando seu nome, pensando livrar-se, assim, da falha que o constitui e que ele se esforça para transformar em culpa?

Porém, a partir do momento em que Mehdi torna-se pai, presentifica-se o que ele ignorava de si mesmo, o que resulta num apelo para o Nome-do-Pai que possa libertar sua fala sofrida por falta de destinatário e conter a ansiedade gerada por essa paternidade. O desmoronamento da Unidade ilusória na qual ele abrigava a sua nova identidade nacional confronta-o com o abismo que ele havia ocultado até então. Esse confronto com a dimensão da transmissão torna a ativar nele, de maneira dramática, a questão da filiação e de suas incertezas. Ele tem, então, a sensação de ter traído o que possui de mais íntimo. Torna-se intolerável, para ele, imaginar que o nome que lhe foi legado não será transferido para nenhum descendente. Isso é vivenciado como um ataque à memória. Conforme suas palavras, nenhuma referência genealógica sustenta seu sobrenome afrancesado e, por meio deste, dissolve-se o sonho de uma refundação devido à impossibilidade de pagar o seu preço simbólico.

Seu desejo de ser idêntico ao outro por meio do seu pedido de um novo nome revela-se obsoleto perante a demanda do ser e da falta manifestada por ela. A denominação requer a passagem pelo Outro. Não posso me fazer nascer, nem nomear-me. O sobrenome, que o próprio M.A. situa do lado da escrita na referência à sua carta, é transmitido por um processo simbólico, mas que não basta para garantir a filiação, a qual sempre remete à falta, à falta de ser e não à falta de ter, porque o nome não é um bem que se possui. Nenhum atestado de propriedade pode revelar o segredo que ele contém. Aliás, durante as nossas reuniões, M.A. repetia constantemente o nome que o liga às suas origens. A insistência com que ele de alguma forma presentificava a estranheza do lugar de onde veio, eu entendi como um apelo a uma palavra que possa reconhecer a marca indestrutível, intraduzível que ele carrega, apesar da mudança de nome. É através da convocação de sua história singular, remetendo-o ao que ainda existe da sua genealogia, de suas identificações, envolvendo a sua subjetividade, que ele conseguiu perceber o peso imaginário do qual ele investiu o seu nome, esfolado repetidamente pelos outros, o que ele vivia como um insulto, uma lesão permanente.

Esses momentos de encontro com Mehdi através do qual eu ocupava o lugar de um endereço consistiu em acolher "o que está errado", no que se apoia o pedido do sujeito a partir de uma escuta individualizada, deixando o lugar à falta inscrita no próprio âmago de qualquer denominação para que sua queixa pudesse evoluir para um questionamento que, além de toda explicação causal, o confrontasse com o que o cinde e é enigma para ele.

Lembramos também o Sr. Jean-Pierre Guerin, "chamado de Mohamed Guerroumi", que se tornou famoso por ter manifestado publicamente sua dor ao ser destituído de seu nome. É como se ele quisesse sair do seu sofrimento particular, compartilhando-o com toda a França em seu nome, não aquele que consta no seu registro de estado civil, mas aquele que sobrevive em sua memória ferida.

"No dia 12 de maio de 1953, às quatro horas da manhã, nasceu Souaghi, Guerroumi Mohamed, filho de Hamma Ben Larbi e de Belkhous Khira. Vocês veem, está escrito. Mohamed Guerroumi, sou eu, sou eu mesmo, olhem, está escrito (...) Por que esse Mohamed incomoda? No entanto, é o primeiro nome mais bonito do mundo muçulmano. Por que ele é recusado? (...) Há 24 anos que não sou mais eu."

Essas são as palavras de M.G., entrevistado por Marie-Dominique Arrighi (1994, p.111) e transmitidas pela primeira vez em 1991 na rádio France Culture. Esse filho de harki2 2 A palavra harki designa os soldados recrutados entre 1957 e 1962 para lutar ao lado da França durante a guerra da Argélia. Por extensão, são chamados harkis os argelinos a favor da permanência francesa na Argélia, bem como a sua comunidade instalada na França a partir de 1962. veio para a França aos 13 anos para reencontrar-se com o pai. Mas, como se considerava que o pai não tinha mais condições de criar seus filhos, M.G. e dois de seus irmãos são internados num orfanato como filhos da nação. Ele recebe um tutor que, ignorando o conselho do diretor do orfanato, dá entrada em um requerimento de mudança de nome e sobrenome.

Seria para apagar o rastro culpabilizante de um pai que "ficou louco" após a guerra da Argélia, onde ele lutou ao lado dos franceses? Foi para definitivamente afrancesar essa criança, desejando facilitar a sua integração que seu tutor tomou essa iniciativa? De qualquer modo, ele achava que estava fazendo o melhor. Porém, M.G. é logo rejeitado, não apenas pela comunidade francesa, mas também pela sua própria comunidade, a tal ponto que ele não ousa nem voltar para a Argélia para visitar a mãe. Ele se sente preso num nome emprestado no qual não encontra apoio identificatório, que é mais um fardo do que uma ajuda. Essa mudança de nome, que corta todos os laços sociais, é vivida como uma "de-nominação" que prejudica não apenas sua identidade, mas também seu corpo. É, diz ele, "um pedaço do meu corpo que foi tirado".

Tido por ele como fraude, percebido como "nome falso" pelos outros, o sobrenome afrancesado não o distingue pela sua singularidade, mas por uma distinção devastadora, que o relega à comunidade dos seres à parte, aqueles que são chamados por todo tipo de nomes: "imigrantes naturalizados", "cidadãos de papel", "franceses não nativos", "desnaturados"... Instaura-se aqui uma confusão entre o nome próprio e o nome comum, entre a identidade civil e a identidade através da qual se reconhece o sujeito. O desejo de readquirir seu nome esbarra numa falha na legislação que não prevê as modalidades de incorporação desse procedimento numa ordem jurídica. Sua esposa, que prefere ser chamada de Guérin, não entende esse procedimento e pede o divórcio. A única opção que lhe resta é incluir seu nome original em sua carteira de identidade como cognome, ao lado de seu nome oficial. Isso lhe parece tão irrisório que ele decide não mudar seus documentos de identidade.

Esses diferentes fragmentos ilustram as derivas imaginárias que podem ocorrer quando o nome é reduzido a um sinal de atribuição com o qual o sujeito pode confundir-se. O nome é uma doação do Outro. Ele está escrito, antes de qualquer entrada no registro de estado civil. É aquele que é transmitido com a vida, na interpelação através da qual se reconhece o sujeito, e sobrevive, depois da morte, como suporte à memória. Ele escapa ao conhecimento e ao significado e não pode ser traduzido para nenhum outro idioma. A sua característica intraduzível migra de idioma para idioma. Todo mundo conhece a história daquele famoso descendente dos hebreus chamado de Katzman que, querendo afrancesar seu nome, pede uma tradução literal e é registrado com o sobrenome de "Chat-l'homme", o que naturalmente soa como "shalom", o voto de paz utilizado como saudação habitual na terra de Israel. O que é rejeitado retorna assim no real do nome.

Algo persiste e insiste para além da mudança de nome. O intraduzível nos remete para o que há de mais íntimo no sujeito, e é o que o torna fundamentalmente imprevisível e, portanto, inintegrável. Se o primeiro nome através do qual se inscreve a diferença sexual carrega os desejos e ideais dos pais, como o mostra de maneira pertinente Beddock (1991), o nome atrela o sujeito a uma linhagem, mesmo se essa linhagem seja fantasiosa. Todo mundo sabe, por exemplo, de que mãe nasceu, mas essa certeza é bem menor quando se trata do pai. Em outras palavras, o nome próprio pode veicular o fantasma da continuidade, da unidade na história do sujeito, mas o que ele designa acima de tudo é a falta, a qual lembra a sucessão das gerações, ou seja, a separação.

Negar essa anterioridade não seria insistir no desejo mortífero de ser o autor de seu próprio nome e assim, de sua filiação? Não é essa ilusão que leva determinados sujeitos a escolher um novo nome para acabar com essa falta que os origina, para "re-originar-se"? Se determinados sujeitos mudam de nome, às vezes com certa resistência interna, para provar a sua vontade de integrar-se no país de imigração, para que esse espaço torne-se finalmente habitável para eles, outros o fazem porque se sentem "mal chamados", por desorientação, ou porque esperam superar os traumas da infância. Outros ainda tentam escapar das proibições e restrições da família ou do grupo ao qual pertencem. Lembro-me de alguns adolescentes que, em sua busca de identidade, em busca de uma filiação ideal, rejeitam seu nome da mesma forma que rejeitam as figuras parentais, tentando assim encontrar uma resposta ao que os divide.

Vários cenários podem surgir, como evidenciado por Lapierre (1995) em seu livro notável. Mas, qualquer que seja o cenário, a mudança de nome nunca deixa de ter um efeito sobre o sujeito e ela pode perturbá-lo quando isso ocorre como ideal de integração.

A MUDANÇA DE NOME COMO IDEAL DE INTEGRAÇÃO

Esse ideal é, por vezes, alimentado pelo discurso social, que, em seu objetivo de integrar o diferente, tem como base a ideologia do ser coletivo perfeitamente homogêneo, totalmente idêntico. As próprias palavras "integração" e "assimilação" merecem ser questionadas em relação ao que eles transmitem. As sociedades modernas preocupam-se cada vez mais com a diferença. Mas, no lugar de questionar o enigma que elas carregam, o situam apenas em valores objetiváveis, transformando assim a falta de ser em falta de ter, saber, poder. Dependendo dos tipos de discurso, essa diferença deve ser rejeitada, destacada, ou até fetichizada ou domesticada, integrada. Porém, a integração continua sendo o mais frequentemente invocado pelos discursos normativos contemporâneos.

É assim que a problemática do estrangeiro que retorna pela diferença cultural surge como sintoma e ponto de cristalização na realidade dos laços sociais e torna-se um problema político delicado. No entanto, o que significa integrar?

Essa palavra, que na linguagem matemática designa a determinação do valor de uma incógnita numa equação diferencial, deslocou-se para outra direção no restante do campo semântico, ou seja, a assimilação de parte pelo todo, o que remete ao seu primeiro sentido, derivado do latim, integratio: restaurar na sua integridade. No campo sociopolítico, podemos interpretar o termo "integração" como a assimilação do dessemelhante.

Assim, a integração baseia-se no modo de uma totalização imaginária, de uma harmonia ilusória, sugerindo que é possível ser idêntico a si e aos outros. Surge, pois, a questão sobre o que acontece com o sujeito quando o discurso social exige que ele se restrinja à unicidade e abandone o que ele possui de irredutível. Ao alimentar esse fantasma de completude, esse discurso não corre o risco de inibir a alteridade e de desestabilizar a identidade que pode apenas ser construída a partir da diferença?

O ser humano está dividido em si mesmo. Sua relação com o outro, que ele esteja próximo ou não pela cultura e/ou o pelo parentesco, implica sempre uma dissimetria. Como, então, viver junto e separado ao mesmo tempo? O que sustenta um todo? O mito freudiano, em Totem e tabu, mostra que o "Um" não se sustenta. Uma comunidade é apenas "viável" e constitui-se somente a partir da separação, da não-confusão dos sexos e das gerações. É a partir desse corte que cada um pode articular-se com o coletivo no qual está inscrito, sem ser totalmente incluído nele, devido à sua divisão.

O que torna o vínculo social possível é a linguagem. Porém, a linguagem falha ao dizer o ser e não consegue responder à pergunta "Quem sou eu?" no nível da identidade. Essa questão a respeito do que liga o sujeito ao coletivo também remete à relação de identificação que, de um ponto de vista simbólico, significa identificar-se consigo como se fosse outro (eu não é o ego) e não de identificação consigo mesmo, o que seria uma forma de idolatrar sua própria imagem, a qual reflete apenas o mesmo. Podemos imaginar a existência ou a constatação de uma sociedade sem a diferença?

Na primeira metade do século passado, a aspiração para o Um desencarnado vetorizava uma visão idílica da sociedade por meio do paraíso perdido que não se encontrava mais num lugar e tempo mítico, mas que podia ser concretizado, recuperado através do trabalho.

No entanto, essa identificação idealizante com uma coletividade pode tornar-se mortífera, como, por exemplo, nas ideologias totalitárias que cultivam um ódio feroz contra tudo o que for estrangeiro.

O ESTRANGEIRO, A FILIAÇÃO SIMBÓLICA E O LAÇO SOCIAL

Pode-se opor a essa dimensão utópica do ser coletivo idealmente unido e homogêneo, a comunidade no sentido descrito por Georges Bataille (1967), ou seja, aquela que, em vez de dar o mesmo, compartilha a diferença.

O autor enfatiza, de fato, que o que caracteriza cada um é a sua incompletude, a qual se deve ao fato de que cada um não busca apenas ser reconhecido, mas também ser contestado pelo outro, numa dialética que é a matriz da troca.

Aqui, podemos notar a diferença entre o utilitarismo na coletividade que tem como objetivo dissolver a particularidade, juntando sujeitos abstratos num funcionamento conforme um modelo único, e a comunidade na qual a dialética do reconhecimento opera pela e na oposição: o que acreditamos ser uma forma de presentificar a divisão inerente a cada um.

No entanto, M. Blanchot (1983), retomando G. Bataille, avança ao afirmar que a comunidade é compartilhamento dos primeiros e últimos eventos de nossa existência. Somos todos confrontados com o real do nascimento e da morte. É nesse reconhecimento do real que se baseia o vínculo social. O vínculo então não seria mais o intento de uma comunidade baseada unicamente num fantasma de unificação, no complemento do outro, mas no encontro da falta, do silêncio que é o ponto de revelação da condição humana.

Diante da dificuldade de conceber o Outro, M. Blanchot elabora a concepção do múltiplo como figura da alteridade "que falta ser escrita, aquilo que falta à alteridade", um conceito que não se aloja em nenhuma identidade e que tampouco remete ao ser como horizonte. É por isso que ele qualifica essa comunidade baseada no múltiplo de "inconfessável" no sentido de que ele não é um exemplo de sua existência, ela existe apenas por "falta" (BLANCHOT, 1983).

O inconfessável, o irredutível, o inassimilável, o estrangeiro, não é isso que causa o mal-estar de toda civilização, que os homens tentam celebrar ou dominar, às vezes, correndo riscos e perigos? Nenhuma sociedade pode viver sem ideais, tampouco sem o abrigo do narcisismo das pequenas diferenças. A sociedade idealmente justa e homogênea não existe devido a essa parte maldita desconhecida, inapreensível, que deveria mantê-la alerta.

Talvez seja nessa alerta, através da abertura a todo Outro, que reside a dimensão ética do político que, para além de qualquer dispositivo de decisão, incita a responsabilidade de cada um perante si mesmo e os outros?

Não é nessa condição que se pode mobilizar a dialética construtiva do vínculo social, ajudando a manter a pulsão de morte afastada?

Da mesma maneira, a integração, quaisquer que sejam as boas intenções que a alimentam, pode soar como um imperativo do superego que remete a identificações alienantes. Levado ao extremo, essa rejeição da alteridade, essa negação da diferença como simbólica, pode ressurgir no real da segregação real, na exclusão do outro através do fanatismo e da barbárie.

Esse desvio nos permite entender que o que faz a riqueza e a dinâmica do vínculo social é a articulação do singular e do múltiplo, e não a integração em si. O que impulsiona os seres humanos a se reunirem, independentemente de sua cultura, é esse vazio, esse radicalmente estrangeiro fora deles e dentro deles, que garante toda vida em grupo, que se encontra nas substituições perpétuas de todos os fantasmas e de todos os objetos.

Isso também nos ajuda a entender que a mudança de nome e da nacionalidade implica a questão da filiação e da genealogia, cujas origens permanecem enigmáticas. O pertencimento à comunidade humana pressupõe o reconhecimento dessa parte que escapa ao âmago do "eu mesmo" e da transcendência. Isso implica dizer que o próprio quadro jurídico no qual o sujeito se inscreve se refere ao Outro e a qualquer Outro. É a negação do Outro que prejudica o sujeito e o vínculo social.

Recebido em 11/3/2013.

Aprovado em 15/5/2013.

Tradução: Christian Greis. chgreis@gmail.com; Yvone Soares dos Santos Greis. cible.francais@gmail.com

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  • 2
    A palavra
    harki designa os soldados recrutados entre 1957 e 1962 para lutar ao lado da França durante a guerra da Argélia. Por extensão, são chamados harkis os argelinos a favor da permanência francesa na Argélia, bem como a sua comunidade instalada na França a partir de 1962.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      11 Mar 2013
    • Aceito
      15 Maio 2013
    Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Psicologia UFRJ, Campus Praia Vermelha, Av. Pasteur, 250 - Pavilhão Nilton Campos - Urca, 22290-240 Rio de Janeiro RJ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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