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DE ANTAGONISMOS, DESLOCAMENTOS E GRILHÕES

RESUMO:

Partindo das violações praticadas contra as instituições da República brasileira nos eventos do dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, procura-se demonstrar a importância de recolher o que ali emergiu, como expressão de dificuldades intrínsecas (e não apenas conjunturais) da nossa história e formação social. Examinando a relação dos componentes de ódio e agressividade extremos que permearam os ataques, com as linhas de força de nossa origem colonial, destaca-se o problema da divisão de classes, raças, gêneros, linguagens e culturas em que sempre nos mantivemos. Um antagonismo material e simbólico feroz, que é fonte permanente de segregação e violência e nos impede de formarmos uma coletividade que inclua, de fato, a diversidade da população brasileira. Com a introdução de elementos da crítica decolonial retomados a partir da psicanálise e o chamamento ético que a acompanha, afirma-se a necessidade de estabelecermos um novo paradigma que nos permita ressituar as tensões do Brasil atual, e que abra a chance de um comprometimento real de cada um com o laço social, o meio e os outros.

Palavras-chave:
psicanálise; Brasil; responsabilidade social; coletividade

ABSTRACT:

The January 8th attacks in Brasília indicate the importance of collecting what emerged there as an expression of intrinsic (and not conjunctural) difficulties in Brazil. Relating the extreme hatred and destructiveness of the attacks with our colonial origin, the division of classes, races and cultures in which we have always maintained ourselves stands out. A fierce antagonism that leads to segregation and violence and prevents us from forming a collective that truly includes the diversity of the Brazilian population. Decolonial criticism, taken up with psychoanalysis and the ethics that accompanies it, allows us to resituate the tensions of current Brazil and opens the chance for a real commitment to the social bond, the environment, and the others.

Keywords:
psychoanalysis; Brazil; social responsability; collective

Lá vem o Brasil descendo a ladeira

(Moraes Moreira e Pepeu Gomes)

Antagonismos

Nos últimos anos, vivemos diversas formas de incitação ao ódio e à violência. Isso acontece aqui e no mundo em função de elementos tão amplos quanto os rumos do capitalismo atual, que provoca uma exclusão social cada vez mais acirrada, ou as alterações introduzidas no campo do discurso com a ciência, a digitalização e a tomada da vida pela dinâmica das redes sociais, onde o ódio é cultivado e faz laço, entre outros fatores. Estamos todos aí, portanto, e, particularmente no Brasil, ninguém pode dizer que não estava avisado. Mesmo assim, surpreendeu o ímpeto de destruição que vimos eclodir nos ataques acontecidos no último dia 08 de janeiro, em Brasília.

Naquela altura, todos os prazos relevantes para uma contestação das eleições acontecidas meses antes já tinham ficado para trás. E o que se viu não foi da ordem de uma ação política. Pelo contrário, a multidão agia em continuidade com a corrosão de toda dimensão política. Munidos de paus e pedras - e telefones celulares que transmitiam a proeza ao vivo, nas redes sociais - penetraram à luz do dia, à força, sem permissão, sem passar por barreiras de segurança, as sedes dos gabinetes. Violando tudo o que havia pela frente, destruíram documentos, equipamentos, depredaram vidraças, móveis, tapetes, tiraram portas do lugar, roubaram armas, pilharam peças da memória histórica, arruinando a beleza das colunas de Niemeyer, destroçando fontes, esculturas, salas e antessalas, auditórios e salões… Como nenhum posto importante estava ocupado, e quase não houve resistência policial, a onda de destruição tomou de assalto os lugares institucionais, figurados nos palácios-monumentos de Brasília. Um ataque aos fundamentos da República, muito mais visceral e abrangente do que um simples protesto contra um resultado eleitoral.

Ainda que menos espetacular, em meio a toda aquela devastação e contra o fundo das imagens da multidão ocupando as rampas, a investida contra um painel de Di Cavalcanti, que foi retalhado ao longo da tela, chama a atenção. Que, no decorrer daquele tumulto, alguém tenha feito o esforço de atacar um quadro em diversos pontos de sua extensão, marca uma espécie de clímax, um auge de fúria. Foram sete golpes, não um único e nem um rasgão de ponta a ponta. Sete estocadas na obra considerada emblemática e de valor inestimável. Di Cavalcanti, como se sabe, é o pintor das mestiças, dos populares, dos periféricos de toda sorte. Pintava preferencialmente a diversidade da população brasileira, o traço tropical, a sensualidade, os temas sociais. A obra, de 1962, não foi certamente a maior vítima daquele dia, mas o fato de retratar a proposta integrativa de identidade nacional que caracterizou o nosso modernismo, fez de sua ruína um verdadeiro manifesto, em forma de destruição.

Naquele domingo, foi essa força de destruição que tomou a cena, como uma explosão, uma reação em cadeia. Parecia que o ódio acumulado em 500 anos de nossa história emergia naquela depredação, em que fomos os predadores de nós mesmos.

Tendemos a nos contentar rapidamente com a atribuição desses atos a um “eles” bem demarcado: “eles” os bolsonaristas, “eles” a extrema direita, “eles” os “enganados pelas fake news”. É mesmo uma das feições mais prevalentes do ódio que perpassa desde sempre a vida social no Brasil: criar um “nós” e um “eles”, onde a violência do outro é sempre denunciada. Porém, uma vez que testemunhamos o insólito e a força investida naquelas violações, é indispensável fazermos o esforço ético, teórico, político de recolhermos o que emergiu ali, como expressão de dificuldades intrínsecas (e não apenas conjunturais) presentes em nossa história e formação social.

Em circunstâncias extremas como as que estamos experimentando no Brasil, o próprio jogo político nos empurra para essa dinâmica de atribuição do “mal” ao outro, ao oponente, ao estranho que situa, para nós, um exterior hostil (fremde, como o diz Freud [1915/2013FREUD, S. A negação (1925). São Paulo: Cosac & Naify, 2014.]). Frequentemente nos vemos funcionando em um registro onde a diferença é fator de guerra e o outro se tornou o inimigo. Não se trata de “polarização”. Sabemos que essa farsa da “polarização” justamente busca “simetrizar” coisas incompossíveis, como se fossem “diferenças políticas” entre “direita” e “esquerda”, quando, na verdade a destruição que testemunhamos - e que não aconteceu somente no dia 8/1 em Brasília, que muitas vezes atentou contra o Estado e se estendeu a políticas públicas, a órgãos de base do Estado, aos arcabouços legais, à revogação de direitos e a mais uma infinidade de registros da vida pública republicana e dos cidadãos --, não é simétrica nem compatível com o debate verdadeiramente político em nenhum nível.

Mas, se ficamos nesse nível, de atribuir o “mal” a um oponente, a um campo que nos seja completamente exterior, desaparece para nós a nossa responsabilidade, a divisão, a incidência da palavra constituindo um sujeito como efeito. O que quer que o outro diga ou faça, não mais me interroga; a questão é simplesmente que ele ‘torce para o outro time’, ele ‘segue os influenciadores do outro lado’, ‘recebe as fake news da outra bolha’. Nessa dinâmica, o outro se torna um inimigo a abater. É mesmo um dos ganhos por onde o ódio produz um gozo tenaz e difícil de ceder. A atribuição do mal ao outro organiza o mundo de modo a prover uma explicação conveniente para nossos males e uma justificativa poderosa para a evitação de qualquer retificação. A identidade se institui em torno do que se rejeita, e se refaz pela reiterada expulsão do outro, em uma espécie de “anti-determinação”. Somos mobilizados pulsionalmente, nos colocamos “em combate”, à salvo da nossa própria divisão, e nos enredamos na repetição.

Podemos agir assim e nos desimplicarmos, ou podemos nos deixar atravessar, sentir o golpe de fato, buscar no gesto incisivo daquela depredação, o real que as imagens não mostram, mas tornam presente (DIDI-HUBERMAN,1990DIDI-HUBERMAN, G. Devant l’image. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990.): as facadas no quadro, o ódio que subsiste à destruição, a invasão que não aconteceu só agora, e não aconteceu apenas nos palácios.

É com esse impasse que teremos que lidar. Até porque ele é real e insiste, vem da nossa formação como nação, e não se anula com a mera restauração dos prédios e a volta das cadeiras a seus lugares. Essa «ponta de real», pode ser a tyché que nos permita tomar algum lugar diante do que encontramos naquele dia. Porém, isso requer um deslocamento que exige mais do que apenas uma mudança de ponto de vista. Um deslocamento que mobiliza nossas forças e põe em questão nosso gozo, nossos modos de sustentação. Mas, se desejamos estar à altura, se desejarmos fazer frente a essa multidão, e à barbárie ainda maior que nos espreita, se apenas deixarmos as coisas seguirem no rumo em que estão, isso demandará de nós um grande esforço, para nos aproximarmos do real em que estamos implicados.

Do ponto onde me encontro - já que não falamos nunca “de ponto algum”; já que o quer que possamos dizer, o dizemos sempre de um “ponto situado” (e esse é mesmo um dos princípios que a perspectiva decolonial tornou indispensável para mim) - um deslocamento se impôs com a visão infernal dos escombros a que ficou reduzido nosso sonho de país, representado por Brasília. Naqueles destroços, expressava-se um ódio dirigido a nós mesmos, a nossa história, a nossa cultura, a alguns dos elementos mais representativos de uma certa cultura. Era um rechaço cortado à faca. Destroçamento dos ideais e do esforço de tantos, grandes e pequenos (os operários homenageados no belíssimo monumento Os candangos, de Bruno Giorgi, igualmente destruído nos ataques), que fizeram, da face monumental de Brasília, o retrato projetado de um Brasil que se sonhou um país inovador e inclusivo.

Foi talvez isso que nos golpeou naquele dia. Aquela destruição levava ao paroxismo a eterna luta do Brasil consigo mesmo, e com as desigualdades que nos acorrentam. Estava ali, de modo bem claro, o limite, agora indisfarçável, do nosso sonho edênico (CALLIGARIS, 1992/2021CALLIGARIS, C. Brasil, país do futuro de quem? (1992) In: CALLIGARIS, C. Hello, Brasil! e Outros Ensaios: Psicanálise da Estranha Civilização Brasileira. São Paulo: Fósforo Editora, 2021.), de nossa pretensão de conviver de modo original com as nossas diferenças (RIBEIRO, 1995/2014RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995). São Paulo: Global, 2014.; FREYRE, 1933FREYRE, G. Casa-grande & senzala (1933). São Paulo: Global Editora, 2019./2019). E o desmentido do sonho coincidiu, naturalmente, com a revelação da gravidade das nossas condições reais.

Em meio ao cataclismo, veio-me à lembrança o que Todorov (1983/2019TODOROV, T. A conquista da América: a questão do outro (1983). São Paulo: Martins Fontes, 2019.) descreve como a América no século XVI: um mundo usurpado e dizimado por um invasor brutal e estrangeiro, do qual não se conhece nem a língua, nem os costumes, nem o poderio e os interesses. No momento em que vivemos, como nos lembram Danowski e Viveiros de Castro (2017DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie - Instituto Socioambiental, 2017.), essa história já aconteceu. Em função dela, nos vemos todos, simbolicamente ligados aos tupis, guaranis, e tupinambás que estiveram diante desse forasteiro desconhecido e hostil. Invadidos por um outro alienígena, emergimos divididos pelo processo colonial: “uma metade alienígena coabitando com uma metade indígena dentro do mesmo corpo” (DANOWSKI; VIVEIROS DE CASTRO, 2017DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie - Instituto Socioambiental, 2017., p. 146).

O resultado é que perdemos o controle mágico do ambiente, a confluência (MOLLICA; GALDINO, 2023MOLLICA, M.; GALDINO, A.P. (2023) O lugar do sonho e da temporalidade para povos indígenas: uma questão preliminar ao tratamento decolonial do inconsciente. Ágora - Estudos em Teoria Psicanalítica, v. XXVI.) de troca e convivência com os outros seres e realidades. E, não bastasse esse exílio em nós mesmos, degredo do que poderíamos ter sido, vivemos o pânico suscitado pela nossa incapacidade atávica de resolver a desigualdade que nos constitui, e não conseguimos estancar seu principal efeito: a iniquidade que reproduzimos continuamente e que infligimos em nossas relações interpessoais e institucionais - ligada às especificidades da nossa origem colonial e nossa formação social.

Não há argumento capaz de sintetizar nossas duas metades. Pelo contrário, o que nos assombra e separa sempre é a disparidade entre senhores e escravizados, o abuso, o sequestro, o estupro, e tantas outras expressões do ódio que aqui foi praticado e que emerge hoje, sem mediação possível. Ou, antes, como recusa de toda mediação.

Eros e Thanatos

Muito já se aventou sobre o significado mais imediatamente político daqueles atos, sobre sua ligação direta com o bolsonarismo e, em uma perspectiva aprés-coup, sobre a identificação do que se passou aos movimentos de massa que se formaram na última década (FELTRAN, 2023FELTRAN, G. Sistema Jagunço. Filosofia Pop #178 [podcast]. 24 abr. 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VWqFMWaBfmA . Acesso em: 18 ago. 2023.
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), ou, em sentido mais prospectivo, em tentativas de discernir à quente, em cima do laço, quais poderiam ser as ressonâncias daquilo para o momento político e para o novo governo que recém se instalava. Diversas análises de grande relevância poderão ainda nos ajudar a dar o devido lugar histórico àqueles atos1 1 Entre as inúmeras obras de excepcional qualidade que se produziram recentemente a partir e a respeito do fenômeno bolsonarista, conferir Starling, Lago e Bignotto (2022), Nunes (2022) e Feltran (2021). mas, pela proximidade que temos com o que aconteceu, porque os episódios são recentes demais para permitir qualquer distância, e pelo nível de impacto que o evento nos trouxe, o que se destaca primeiramente, para mim, diz respeito à destrutividade que se exerceu naqueles ataques. Uma destrutividade que eclodiu ali, mas que reconhecemos do nosso laço social. Uma violência que retoma e repete certos traços de nossa formação e, que, por isso, mesmo, implica cada um.

Em uma dimensão fundamental, podemos ressaltar a relação dessa destrutividade ao ódio que constitui a nossa condição de falantes, e tem raízes na dinâmica pulsional que nos esteia. Aprendemos com Freud que esse ódio é primordial, e que, no processo de constituição de um sujeito, “o exterior, o objeto, o ódio são, no princípio, idênticos” (FREUD, 1915/2014FREUD, S. As pulsões e seus destinos (1915). Belo Horizonte: Autêntica Editora , 2013. (Coleção Obras incompletas de Sigmund Freud), p. 55). O que implica dizer que o ódio nos atravessa justo no ponto orientador de nossa relação ao objeto e à alteridade. É o ódio que cria, mesmo, um “exterior” para nós. Instituindo no mesmo golpe uma perda, que é também aquela que nos conduz a tentar construir um laço com o outro, mesmo que seja sempre, em alguma medida, aos trancos e barrancos (FREUD, 1915/2014FREUD, S. As pulsões e seus destinos (1915). Belo Horizonte: Autêntica Editora , 2013. (Coleção Obras incompletas de Sigmund Freud)). Como esse ódio primordial nunca se esvai totalmente, podemos dizer que a nossa história, a história que Lacan (1953[1966]/1989, p. 257 ) definiu como “emergência da nossa verdade no real”, é a história do que se faz com isso.

Nas circunstâncias de dessolidarização radical e de partição social que vivemos no Brasil, um incremento dessa destrutividade que nos acossa está sempre prestes a se condensar em uma moção de ódio, e se desdobrar em violência. Vemos isso acontecer cotidianamente e por todo canto. E, naquele domingo, não foi tão diferente. Era um movimento fractal e até certo ponto imprevisível, incontrolável… Mas era também uma máquina de guerra que foi se formando ao longo dos anos e sob os olhos de todos. Uma moção nascida das nossas entranhas, dos nossos impasses e das nossas escolhas - e impulsionada pelo crescimento do fascismo em grande parte do mundo. Um golpe que nos atingiu em cheio.

Naquele dia, quando a turba aquartelada se moveu, o pior do Brasil tomou a Esplanada. Veio o Brasil “descendo a ladeira”, mas não o Brasil do poeta, que “arrisca um verso” e recebe a resposta do povo, “num samba sem medo” (MOREIRA; GOMES, 1979MOREIRA, M.; GOMES, P. Lá vem o Brasil descendo a ladeira - canção composta por Moraes Moreira e Pepeu Gomes e gravada por Moraes Moreira no LP Lá vem o Brasil descendo a ladeira (Som Livre). 1979.). Era uma invasão; o Brasil que se fez da intrusão original e aquele que repete a usurpação todos os dias. Veio a passagem ao ato, passagem ao limite da destruição, em um curto-circuito bem representativo dos nossos impasses e do nosso tempo. Uma intensidade que não era do campo político; que era do campo do ódio. Uma força que não era coletiva; que era, diretamente, o ímpeto da massa. Da massa que cresce, se espalha e emula, e rouba, e viola o campo do coletivo (FREUD, 1921/2011FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu (1921). São Paulo: Companhia das Letras, 2011. (Sigmund Freud obras completas, 15)), deixando na passagem seu rastro de violência. E excrementos espalhados pelo chão.

Em continuidade com aquele roldão que tomava os palácios, se colocou, para mim, a advertência famosa do abolicionista Joaquim Nabuco, que, já no século XIX, denunciava a “letargia das elites” daqui. Uma resistência que travava a abolição e ameaçava nos deixar de fora do que iria acontecer no mundo. A lembrança oferecia uma outra figura da nossa divisão. Não apenas a atual, nestes tempos de polarização, mas a nossa divisão de sempre: de um lado, a batalha por nossa constituição como povo étnica, nacional e culturalmente diversificado (o povo que acabara de subir a rampa do palácio, na posse de Lula) e, de outro lado, as massas enfurecidas (que também somos, que também existem aqui) quebrando tudo. Mobilizadas por uma minoria em luta pela manutenção de privilégios, ignorando os interesses da população mais ampla.

Foi nesse campo de forças que o Brasil se fez e se faz. Apesar de nossa suposta unidade linguística (GALINDO,2023GALINDO, C. W. Latim em pó: um passeio pela formação do nosso português. São Paulo: Companhia das Letras , 2023.) - que repousa sobre o silenciamento das línguas dos povos primitivos e dos escravizados, como veremos - nunca nos experimentamos como uma nação. Não chegamos a ser um povo, no sentido que os povos originários da América do Sul conferem a essa palavra, e que faz dela, a mesma que designa humano, ou pessoa, ou ainda o pronome nós, na maioria das línguas ameríndias (VIVEIROS DE CASTRO, 1996VIVEIROS DE CASTRO, E. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana, v. 2, n. 2, out. 1996. Disponível em:https://doi.org/10.1590/S0104-93131996000200005. Acesso em:19 jul. 2023.
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). Vivemos dissociados em uma “fratura brasileira”, que RIBEIRO /Arantes (20012023ARANTES, P. A fratura brasileira do mundo: visões do laboratório brasileiro da mundialização (2001). São Paulo: Editora 34, 2023.) descreve como o ufanismo de um país novo, singular, cuja grandeza ainda há de se realizar e a revelação dramática, que bate todo dia à nossa porta, da distância que nos separa dos elementos mínimos da cidadania e da conquista de direitos (que aqui sempre estiveram por se efetivar). Insistindo na nossa divisão, fracassamos clamorosamente em instituir ações efetivas de ordenação social e um projeto que possa ser adotado, pelas grandes maiorias, como seu.

Darcy Ribeiro (1995/2014RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995). São Paulo: Global, 2014.) observa que nunca nos faltou discurso e falas hipermodernas, que pretenderam realizar esse “país do futuro” (ZWEIG, 1941/2022ZWEIG, S. Brasil, um País do Futuro (1941). Porto Alegre: L&PM Editora, 2022.), que acreditamos ser. O que faltou sempre, isso sim, foi espaço simbólico e de representação para movimentos sociais vindos de outros topos, fora das “elites”, e “fora do pensamento”2 2 Lacan (1974/2011 p. 14) falava em “pensar com os pés”. . Ações concretas que engajem o “corpo” dos poderosos, como se engaja o Brasil que Moraes Moreira cantou: o Brasil de “quem desce do morro, e não morre no asfalto”; o Brasil que só conta com as próprias pernas; que segue todo dia, “na sola, no salto”, “no equilíbrio da lata [...] descendo a ladeira” (MOREIRA; GOMES, 1979MOREIRA, M.; GOMES, P. Lá vem o Brasil descendo a ladeira - canção composta por Moraes Moreira e Pepeu Gomes e gravada por Moraes Moreira no LP Lá vem o Brasil descendo a ladeira (Som Livre). 1979.).

Com o tempo, o sonho ufanista de fazer parte da prosperidade capitalista se esvaziou para esse Brasil. As restrições materiais e da própria sociabilidade que vem sendo impostas à parcela mais vulnerável da população em nome da austeridade econômica, que corta gastos e reduz as obrigações sociais do Estado, transforma em ruínas os modos de subsistência de populações inteiras (BRUM, 2021BRUM, E. Banzeiro òkòtó: uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.). Cada vez mais gente “não cabe nos cálculos” e, a menos que reinventemos os termos do que pode ser contado e o sistema de valores que praticamos, o que o futuro nos reserva são condições ainda piores de sobrevivência para um número cada vez maior de pessoas (NUNES, 2022NUNES, R. Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu Editora, 2022.). Em contraposição à nossa ‘letargia’ diante disso, à impossibilidade de divisarmos algum outro projeto de vida, a chamada extrema direita tem sido ágil (aqui e alhures), em se apropriar dessa tensão que sobra das nossas relações sociais, para alimentar discursos e ações “populistas” e autoritárias. Municiada pelas teorias de conspiração e, sobretudo, pelas manobras retóricas que confundem conservação de privilégios com direitos, precarização das condições de trabalho com liberdade e empreendedorismo (NUNES, 2022NUNES, R. Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu Editora, 2022.), aparecem aqui (como em outros cantos do mundo) pequenas e grandes insurreições de massas. Eles são muitos e estão dispostos ao sacrifício (VIANA, 2013VIANA, S. Rituais de sofrimento. São Paulo: Boitempo, 2013.), a botar tudo por terra e aniquilar o oponente.

Certamente, uma rede extremamente capilarizada de grupos de WhatsApp, Telegram, igrejas, influencers do YouTube, robôs do X-Twitter e outras redes sociais anima essa turba. Mas o que de fato mobiliza a ação, e a passagem ao ato violenta que vimos acontecer nos ataques do 08/01, talvez tenha menos a ver com fake news e mais com as dificuldades reais que nascem da vivência real das pessoas, de suas dificuldades crescentes em uma conjuntura de periferia do capitalismo, como a nossa, cujo horizonte se torna cada vez mais opressivo (VIANA, 2022VIANA, S. Extrema direita entende política como guerra. Programa Faixa Livre. 15 fev. 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OU7zC7sieAg . Acesso em: 01 set. 2023.
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). São essas dificuldades, provavelmente, o ódio que elas incitam, que tornam tanta gente propensa a acreditar nas fake news.

Nesse sentido, o arranjo de forças que precipitou os ataques não pode ser reduzido somente ao bolsonarismo. Antes, talvez tenhamos o dever de tomar esse novo alinhamento como uma convergência real de diferentes tendências presentes na formação social brasileira. Rodrigo Nunes nos chama a avançar (analiticamente e politicamente) para entender “de que, Bolsonaro é o nome?” (NUNES, 2022NUNES, R. Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu Editora, 2022., p. 17). É um questionamento importante porque, em certo viés, esse nome reúne gente que está por aí. Gente que não venceu na luta de foice, que não coube nos ideais de empreendedorismo e prosperidade contemporâneos (VIANA, 2022VIANA, S. Extrema direita entende política como guerra. Programa Faixa Livre. 15 fev. 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OU7zC7sieAg . Acesso em: 01 set. 2023.
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), gente que, em uma certa conjuntura histórica, política - ou, antes, em uma conjuntura em que, justamente a política não faz mais parte da vida real -, toma lugar à força. E nos informam que já estamos no limite das nossas soluções de compromisso. A mensagem não é agradável, mas precisamos ouvi-la. O que isso diz de nós como nação, do que está posto em nosso laço social, e do que temos a atravessar?

Se respondemos a isso demarcando esse campo simplesmente como “eles”, “os bolsonaristas”, não conseguimos escapar do juízo de atribuição (FREUD, 1925/2014FREUD, S. As pulsões e seus destinos (1915). Belo Horizonte: Autêntica Editora , 2013. (Coleção Obras incompletas de Sigmund Freud)). E o preço é alto. Sem passar da atribuição ao existencial - ou, digamos com Freud (1925/2014), se não passamos da preponderância dos efeitos do juízo de atribuição (que afirma ou desafirma a posse, em algo, de um atributo particular de valor ou de qualidade - bom/mau, agradável/desagradável) ao juízo de existência (ou seja, ao reconhecimento daquilo que é, que existe na realidade, independentemente de ser agradável ou desagradável, como diz Freud em 1911/1996FREUD, S. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental (1911). Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12)) -, não há abertura ao real. Ficamos à deriva, girando em falso. Não conseguimos construir uma civilização e nem sequer uma coletividade (um encadeamento de pequenas comunidades que incorpore mais nossas diversas humanidades. Todas as raças, todas as culturas, as formas de vida).

Na parte que toca à elite branca e detentora da maior parte dos recursos econômicos no Brasil, o ódio e segregação que cultivamos desde sempre privam todos os brasileiros, do coletivo. Não conseguimos cuidar do país, da Amazônia, do cerrado, da educação, da saúde, não conseguimos cuidar dos desfavorecidos como não conseguimos cuidar das calçadas, do transporte, das crianças, como não conseguimos cuidar do parquinho das crianças, dos monumentos e de tudo o que é nossa obrigação para com as futuras gerações. Não conseguimos dizer nós. Permanecemos divididos como duas metades que se odeiam e que habitam o mesmo corpo, o mesmo território, representadas no mesmo significante, Brasil.

Naquele domingo, justamente, acordamos diante desse ímpeto de destruição que está na nossa origem e que, nos últimos anos, veio à tona, ao que parece, para ficar. Diferente dos nossos ideais, a realidade estava ali, cheia de som e fúria, como dizia Shakespeare, feita de antagonismos, de desigualdades, de Eros e Thanatos.

Os grilhões da nossa história

Se o que está em jogo é nos responsabilizamos pelos desdobramentos que daremos àquele acontecimento, podemos começar admitindo que o ódio que vimos se manifestar nos ataques é o ódio que provém do real da nossa história.

No processo social brasileiro, ele comparece desde a fundação colonial, e se estendeu, fazendo estragos pelo Império, República e centenas de anos de escravidão. Até hoje, esse ódio aparece no racismo que atravessa nossa formação social, na existência das favelas como território do desinvestimento do Estado, nas diversas formas de exploração que continuamos praticando, nas novas guerras civis que engendramos sob os mais variados pretextos, como a guerra às drogas e outros descartes programados da população (MBEMBE, 2003/2018MBEMBE, A. Necropolítica (2003). São Paulo: n-1 Edições , 2018.), que deixamos acontecer à margem da nossa democracia formal.

Em virtude da colonização, nos vimos, desde muito cedo, participando de um laço social consolidado sobre a violência e exploração. Mbembe (2010/2019MBEMBE, A. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada (2010). Petrópolis: Vozes , 2019.), Melman (1989/2000MELMAN, Ch. Casa grande e senzala (1989). In: Association Freudienne Internacionale; Maison de L Amerique Latine. Um inconsciente pós-colonial se é que ele existe. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000.; 1990/2000MELMAN, Ch. O complexo de Colombo (1990). In: Association Freudienne Internacionale; Maison de L Amerique Latine. Um inconsciente pós-colonial se é que ele existe. Porto Alegre: Artes e Ofícios , 2000.) e outros descrevem dificuldades reais, que vivemos ainda na vida social, mesmo quando as formas políticas mais patentes do colonialismo já desapareceram. Segundo Melman (1990/2000MELMAN, Ch. O complexo de Colombo (1990). In: Association Freudienne Internacionale; Maison de L Amerique Latine. Um inconsciente pós-colonial se é que ele existe. Porto Alegre: Artes e Ofícios , 2000.), a heterotopia radical entre colonizador e colonizado que opera no contexto da colonização, determina que a tomada do Real pelo Simbólico se efetue pela força, e a fundação da alteridade se confunda com a violência real, em vez de dar lugar a um pacto simbólico. O outro da relação colonial se coloca como oponente, como o invasor de quem preciso me proteger e me vingar. Ele se encontra permanentemente sob suspeita, na medida em que ele tem o poder e a prerrogativa de capturar, de prender os semelhantes em calabouços reais, com correntes reais, de castigá-los em pelourinhos reais. Neste sentido, a perda de objeto que o laço com ele nos demanda evoca inevitavelmente o roubo, a expropriação violenta e impossível de aceitar. Tendo sido concebida como uma operação extrativista e comercial, nossa colonização nos liga, inevitavelmente, a tentativas de recuperação desse objeto que nos teria sido roubado, (tentativas que podem se mostrar mortíferas e destrutivas) e, por outro, à escravidão, que deixa para todos - embora de modos muito diferentes dependendo dos lugares muito diferentes a partir dos quais se vive a infâmia - a cicatriz de um gozo composto por figuras do ódio exercido como sevícia, como dominação e exploração do outro, ou como uma subjugação compulsória, que dificulta a apropriação da nossa história, das histórias pessoais e a afirmação dos nossos passos.

A escravidão no Brasil se deu como se fosse uma “operação comercial” a mais, no âmbito de um projeto que era, ele mesmo, francamente extrativista. E, no entanto, se tratava de uma empresa de “caça” e de sequestro de negros, no solo de suas terras. Mesmo antes de serem capturados, os negros já eram tratados como “mercadoria” por aqui. E uma vez cativos, tinham seus laços familiares, culturais e religiosos anulados, eram privados de seus nomes (especialmente dos seus nomes de família), de sua língua e de toda sua singularidade, chegando até a apropriação total de seus corpos para a exploração econômica, o suplício ou qualquer outro fim. Aproveitando o que Todorov (1983/2019TODOROV, T. A conquista da América: a questão do outro (1983). São Paulo: Martins Fontes, 2019.) sublinha, a propósito da colonização espanhola, podemos dizer que, aqui, também havia algo na ‘empreitada’, que excedia as razões mercantis. Nas conquistas espanholas, isso teve que se desdobrar pela via da guerra entre Estados, mas, na colonização portuguesa, se efetivou de modo muito mais sutil - e no entanto inclemente -, pela via da captura e da supressão de qualquer traço de “humanidade” dos cativos. Uma supressão que acrescentou às razões materiais, físicas, econômicas da dominação, uma razão de gozo, de submetimento do escravo à ordem do senhor.

Para além dos expedientes de força, largamente utilizados, Melman (1989/2000MBEMBE, A. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada (2010). Petrópolis: Vozes , 2019.) mostra que a dinâmica da dominação sempre se deu como um discurso, uma linguagem, um laço específico. A crítica decolonial de nossa perspectiva tradicional e eurocentrada veio sublinhar como a colonialidade se deu como imposição de uma cosmovisão, e a dominação de uma epistemologia (DUSSEL,1993DUSSEL, E. 1492, O encobrimento do Outro: a origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.). Uma epistemologia no sentido em que essa noção, reformulada, possa designar não apenas nossos modos de produção de saber e conhecimento, mas igualmente uma prática, em sentido lato. Um modo pessoal, teórico e político de atuar no mundo, que implica, ao mesmo tempo, toda uma economia pulsional (MBEMBE, 2013/2018MBEMBE, A. Crítica da razão negra (2013). São Paulo: n-1 Edições, 2018.; SANTOS-SOUZA, 1983/2021SANTOS-SOUZA, N. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social (1983). Rio de Janeiro: Zahar , 2021.), produzida pelos opressores e inevitavelmente reproduzida pelos oprimidos - justamente na medida em que o poder colonial nos privou de todos os elementos simbólicos e meios reais que permitissem a imaginação e constituição de qualquer existência alternativa (GONZALES, 1984GONZALES, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, p. 223-244, 1984.).

Os portugueses foram diligentes, como se sabe. Houve um grande esforço para desfazer os laços, misturar as etnias nas propriedades e nos navios negreiros, de modo a forçar os negros a deixarem seus idiomas originais e aceitarem o português. Lutou-se de todas as formas contra a manutenção de qualquer identidade cultural que oferecesse uma ameaça à ordem cultural e religiosa da colônia, que exigia negros e nativos submetidos e sem condições de reagir. Nessas lutas, os povos originários foram dizimados ou absorvidos, aculturados. E os negros, segregados. Ambos sem deixarem de ser postos a servir, de diversas formas, ao gozo do senhor.

Foi esse processo de colonização que criou o brasileiro3 3 Angela Jesuino observa que o próprio significante que designa nossa nacionalidade remete a uma atividade econômica e extrativista, sendo “brasileiro”o nome que era dado a quem explorava e comercializava o pau-brasil (JESUINO, 2020). , no seu movimento (FERNANDES, 2023FERNANDES, F. L. Comunicação oral no âmbito da Oficina de Psicanálise em Extensão do Tempo Freudiano Associação Psicanalítica. 2023.)4 4 Aproveito para agradecer a todos os colegas participantes da Oficina de Psicanálise em Extensão do Tempo Freudiano Associação Psicanalítica, que trabalharam comigo o tema do ódio a partir de um convite da Association Lacanienne Internationale, e em especial a Anna Carolina Lo Bianco e Francisco Leonel Fernandes, que contribuíram de diversas formas para a elaboração desse texto. . Não estávamos aqui desde sempre. A escravatura e o extermínio dos povos originários são constitutivos para nós. Foi passando por isso como sua rotina de vida, através de séculos, que o povo brasileiro se formou. E, como não poderia deixar de ser, isso trouxe uma marca de gozo e jugo.

Com Lacan, podemos reconhecer nisso, um sintoma, o nosso sintoma - vivido e atualizado de diferentes maneiras pelos diferentes sujeitos que emergem e têm que lidar com essa matriz, a partir de seus recursos singulares. Mas um sintoma é justamente aquele ponto mais resiliente e difícil de deslocar, porque nos constitui, independente da crítica que tenhamos disso. O sintoma realiza as “soluções de compromisso” que sustentam nossa neurose, e organizam todo o nosso regime de gozo. E justamente porque não é possível superar inteiramente o sintoma, ele nos acompanha. O que quer que façamos, fazemos com ele, passando por ele. Então, que podemos saber-fazer com o nosso sintoma?

Lacan nos deixou uma pista quanto ao que, do nosso sintoma, se particulariza e pode ser singularizado, quando introduziu o significante “ocidentado” no escrito Lituraterra (LACAN, 1971/2003LACAN, J. Lituraterra (1971). In: LACAN, J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 15-25., p. 21). Esta me parece uma indicação importante, que precisamos ainda processar (eticamente e teoricamente), e hoje, mais do que nunca. A partir desse significante, talvez se destaque para nós, essa espécie de giro que nos deu lugar. Foi o modo colonial que nos ocidentou. Diferente do que costumamos fantasiar sobre nosso suposto pertencimento “natural” a uma “comunidade ocidental” idealizada, a colonialidade atravessa o que pudemos construir até aqui e, principalmente, todas as destruições que não cessamos de gerar. É a partir desse lugar que é o nosso, de ocidentado à moda (de gozo) colonial, que podemos chegar a nos singularizar e a tomar em mãos o nosso destino. E é precisamente por isso que o “giro decolonial” das nossas epistemologias, como coloca Ballestrin (2013BALESTRIN, A. América latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 11, p. 89-117, maio/ago. 2013.), é indispensável. Para dar o passo que nos oriente “pela constelação do Cruzeiro do Sul” (GIL, 1972GIL, G. Oriente - canção composta e gravada por Gilberto Gil no LP Expresso 222 (Polygram/Philips), 1972.); para nos despir das ilusões universalistas que aprisionam nossos modos de gozo na repetição dos padrões ditos “ocidentais”, que nunca chegamos a atingir, e que nos impedem de desejarmos outro destino; para nos lançar na invenção de um de um modo de vida nosso, que precisamos realizar.

O processo, estamos vendo (e os 500 anos da nossa história comprovam), não é simples. À violência colonial, outras violências vêm responder, inevitavelmente. Mas, se há algo que os ataques do 8/1 demonstraram é que estamos todos concernidos nesse movimento. Uma vez que o embate com os interesses dos poderosos da Terra não se dará sem conjurar algum nível de violência (FANON, 1961/2022FANON, F. Os condenados da Terra (1961). Rio de Janeiro: Zahar, 2022.), a questão que se coloca hoje para nós é com que violência vamos nos comprometer. Porque a luta que nos espreita é muito diferente se escolhemos nos responsabilizar pela violência necessária à restrição dos privilégios exorbitantes dos senhores e ao enfrentamento dos grilhões coloniais; ou se escolhemos exercer a violência para perpetuação das estruturas de poder e opressão que permeiam nossa ordem social. A escolha é nossa, como nação e de cada um, em todos os níveis. Hoje, somos nós, brasileiros, descendentes de escravos e de senhores de escravos, que levamos adiante a empresa colonial sob outras máscaras, mais contemporâneas. Somos nós, a elite detentora dos recursos econômicos, que criamos, no Brasil, um laço social, uma economia, uma justiça que permite o tipo de exploração que aqui se pratica até hoje, e condena os mais frágeis ao abandono e à humilhação cotidiana (SOUZA, 2019SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão a Bolsonaro. São Paulo: Estação Brasil, 2019.). A concentração de índios, negros e mestiços nas camadas mais pobres da população são traços relacionados a essa longa história de escravidão. Somos todos marcados pela música, pela dança, pela fala dos pretos, pelos folguedos, pela cultura trazida da África, desenvolvida aqui em uma impressionante capacidade de sobrevivência. Não obstante, nós também discriminamos os pretos, os perseguimos, e não nos damos conta do nosso racismo persistente. Em nossa alienação colonizada, nos imaginamos como o senhor proprietário, assegurado de si pela tradição e pela nobreza, e nos desconectamos do fato de que somos inextricavelmente ligados à carne de todos os pretos castigados e dos indígenas exterminados. E ocultamos de nós mesmos que somos, também, o feitor, ele mesmo assujeitado, que conduz os seus semelhantes para o calabouço. O resultado desse recalque é o que se vê: demos de perseguir, discriminar, assassinar, chacinar - e, de vez em quando, quebramos tudo.

O alargamento do mundo

Se entendemos a colonialidade como a persistência de operadores sociais, políticos e discursivos do sistema colonial na organização do mundo, sabemos que ela não acaba com a independência das colônias (MBEMBE, 2010/2019). Ainda estamos na mesma luta. Pode-se ver a linha de continuidade que liga as formas contemporâneas de apropriação e extração de recursos, e o sistema econômico predatório colonial.

O projeto colonial se constituiu em torno das possibilidades de apropriação das riquezas da Terra e de sua realocação, sua transposição aos polos dominantes. E o capitalismo continua, em novas bases, esse projeto, sendo colonial e racista em sua forma de dominação e, sobretudo, imperial (modernamente dizemos, “global”) - ou seja, arruinando e substituindo as culturas locais por uma mesma “cultura” do colonizador. Mesmo em tempos nos quais a escalada tecnológica produziu um “capitalismo computacional”, que não se apoia mais na máquina e no poder muscular (que são limitados) e sim no algoritmo (que é formal e pode sempre ser reformulado), constatamos que a operação colonial continua (MBEMBE, 2020MBEMBE, A. Outras fitas: descolonização, necropolítica e o futuro do mundo com Achille Mbembe. A Fita (06 jan. 2020). Disponível em: Disponível em: https://pt.scribd.com/document/443213922/Outras-fitas-Descolonizacao-necropolitica-e-o-futuro-do-mundo-com-Achille-M . Acesso em:10 ago. 2023.
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). A dominação e exploração continuam incidindo sobre os corpos e as matérias da terra, e igualmente no campo do discurso, onde o sujeito se constitui. Os grilhões se tornaram fractais, reticulares, mas nós ainda nos deixamos capturar, como os primeiros habitantes das nossas praias, fascinados com os espelhinhos das nossas telas e a penca de bugigangas - agora em versão metropolitana.

Enquanto isso, o capitalismo segue seu curso, sempre visando a dominação e a posse da Terra, sua privatização por quem tem maior poderio militar e vantagens tecnológicas. Porém, a quem pertence a Terra? O contato com outros pensadores, outras epistemologias, geradas em diferentes culturas, nos ajuda a entender que a suposição de que nossa humanidade nos daria algum direito sobre as demais criaturas do planeta atuou para ocultar e nos alienar cada vez mais de nossa dependência à Terra como organismo ao qual pertencemos - e não, do qual somos donos (KOPENAWA; ALBERT, 2010/2015KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami (2010). São Paulo: Companhia das Letras , 2015.; KRENAK, 2019KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras , 2019.). Hoje, o problema se coloca justamente em reafirmar que ninguém pode ser dono da Terra; que não se trata mais de invadir e ocupar terras povoadas, que não é possível explorar os recursos das terras e as gentes que as habitam, indefinidamente.

Neste sentido, a objeção que se trata de fazer, a oposição que é preciso sustentar enquanto resistência à auto-destruição praticada pelo capitalismo, não pode ficar restrita às fronteiras de um país. Nem a um tirano. O combate não pode ser apenas aos tiranos nomeados, aos que se valem do capitalismo para erigir sistemas de poder locais e discricionários, quando sabemos que são os oligopólios e o capital financeiro que tomaram a Terra e promovem aceleradamente a virtual extinção de seus recursos, e da humanidade, com eles. Isso é o mais complicado. A oposição que temos que exercer hoje tem que nos incluir. Incidir para nós mesmos, para cada um de nós. Precisamos nos reconectar com o que Mbembe (2020MBEMBE, A. Outras fitas: descolonização, necropolítica e o futuro do mundo com Achille Mbembe. A Fita (06 jan. 2020). Disponível em: Disponível em: https://pt.scribd.com/document/443213922/Outras-fitas-Descolonizacao-necropolitica-e-o-futuro-do-mundo-com-Achille-M . Acesso em:10 ago. 2023.
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) chama a nossa dependência da biosfera, com as obrigações de cuidado e responsabilidade que devemos ao planeta e uns aos outros. Por isso, a tarefa dos novos tempos seria redesenhar as instituições herdadas de um passado de exploração desenfreada, e colocar em questão a lógica, as premissas, as estruturas e o conhecimento produzidos através delas (MBEMBE, 2020MBEMBE, A. Outras fitas: descolonização, necropolítica e o futuro do mundo com Achille Mbembe. A Fita (06 jan. 2020). Disponível em: Disponível em: https://pt.scribd.com/document/443213922/Outras-fitas-Descolonizacao-necropolitica-e-o-futuro-do-mundo-com-Achille-M . Acesso em:10 ago. 2023.
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).

É esse, precisamente, o «projeto decolonial», um projeto global, que concerne a todos, os que foram colonizados e os colonizadores, projeto conjunto de reconstrução do mundo, de nossas práticas discursivas, de epistemologias e de nossas prioridades. Não se trata de um purismo ou da autenticidade de certos povos. Para que o projeto decolonial se torne uma força política e estética em escala global, é preciso que, através dele, se promova uma abertura radical de nossos modos de desejar e pensar o laço social. Precisamos promover um alargamento do mundo, em oposição ao isolamento ou à rivalidade entre nações. Porém, como dissemos no início, isso implica um deslocamento considerável. A prática do capitalismo é real, e se baseia na captura dos meios de vida para uma promessa de gozo infinito, por meio do consumo, que, no limite, arrisca abolir o sujeito e as injunções que lhe dão lugar. Aceder ao que nos cabe, diante disso, vai nos exigir novas forças para colocar em jogo os modos de produção da nossa satisfação, os nossos gozos. Cada um de seu lugar, com recursos e com responsabilidades diferentes.

Embora necessária para o trabalho, não deteremos o desconhecimento que está em jogo e nos põe em perigo de extinção, apenas com a sofisticação conceitual. Tampouco nos basta uma discussão política, nos termos usuais em que concebemos um fato como político; pois a reivindicação e a luta de classes não se mostraram capazes, por si só, de limitar o gozo desenfreado que o capitalismo disponibiliza, e que nós, por nossa estrutura, alimentamos. É antes no nível do que nos sustenta e nos prende a essa estrutura, na dimensão local dos nossos sintomas e de seus dramas concretos, que o deslocamento que nos importa poderá se dar.

Em uma perspectiva decolonial, diremos que o esforço implica suspender o céu para ampliar nosso horizonte. Incluir novas vozes, que possam contar mais uma história para adiar o fim do mundo (KRENAK, 2019KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras , 2019.). Quebrar, desfolhar, atravessar nossa própria história e epistemologia, em direção à pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos (KOPENAWA; ALBERT, 2010/2015KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami (2010). São Paulo: Companhia das Letras , 2015.) - em lugar de oferecermos sempre o mesmo entendimento, os mesmos valores, a mesma língua, as mesmas formas de vida, a imposição de um mesmo suposto bem-estar, impossível de atingir, para todo mundo (VIVEIROS DE CASTRO, 2004VIVEIROS DE CASTRO, E. Perspectivismo Ameríndio e multinaturalismo na América indígena. O que nos faz pensar, n. 18, set. 2004.).

Conseguiremos em tempo, encontrar o Brasil descendo a ladeira? Conseguiremos dizer nós? Afirmar a diversidade, a “paradoxalidade cultural” (DUNKER, 2022DUNKER, C. I. L. Uma psicanálise de orientação crítica para os movimentos de liberação - Prefácio à edição brasileira (2005). In: PARKER, I.; PAVÓN-CUÉLLAR, D. Psicanálise e Revolução: psicologia crítica para movimentos de liberação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2022., p. 13) da nação brasileira é o ato indispensável para construirmos uma nação onde as diferenças não se anulem nem se polarizem e, ao contrário, possam se afirmar e se multiplicar. Esse é o deslocamento decisivo. Ele revela o impasse crucial a que chegamos com o projeto violento de nação periférica a que, ciclicamente, reduzimos o Brasil. E é também o que abre uma linha de fuga possível do nosso destino de caos. Sem retomarmos nossa ligação inexorável com a Terra e com o outro, não podemos nos desacorrentar do gozo que é o nosso, de segregação e devastação e expropriações excruciantes. E o que está posto diante de nós é a escolha por comprometer nossa ação, nossos corpos, nosso juízo, com o que nos cabe - antes da queda do céu (KOPENAWA; ALBERT, 2010/2015KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami (2010). São Paulo: Companhia das Letras , 2015.).

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  • 1
    Entre as inúmeras obras de excepcional qualidade que se produziram recentemente a partir e a respeito do fenômeno bolsonarista, conferir Starling, Lago e Bignotto (2022), Nunes (2022) e Feltran (2021).
  • 2
    Lacan (1974/2011 p. 14) falava em “pensar com os pés”.
  • 3
    Angela Jesuino observa que o próprio significante que designa nossa nacionalidade remete a uma atividade econômica e extrativista, sendo “brasileiro”o nome que era dado a quem explorava e comercializava o pau-brasil (JESUINO, 2020).
  • 4
    Aproveito para agradecer a todos os colegas participantes da Oficina de Psicanálise em Extensão do Tempo Freudiano Associação Psicanalítica, que trabalharam comigo o tema do ódio a partir de um convite da Association Lacanienne Internationale, e em especial a Anna Carolina Lo Bianco e Francisco Leonel Fernandes, que contribuíram de diversas formas para a elaboração desse texto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2023
  • Aceito
    17 Set 2023
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