Acessibilidade / Reportar erro

VARIAÇÃO DIATÓPICA DOS FRASEOLOGISMOS DO FUTEBOL BRASILEIRO ABRIR O PLACAR E TIME DA CASA

RESUMO

Este artigo tem por objetivo descrever e cartografar a variação diatópica apurada nos pares de fraseologismos do futebol brasileiro abrir o placar e time da casa. Para tanto, o aporte teórico adotado está circunscrito à escola francesa de estudos fraseológicos a partir de Mejri (1997, 2009, 2012), o qual aponta propriedades básicas de reconhecimento dessas estruturas: polilexicalidade, fixidez, congruência, frequência, previsibilidade e idiomaticidade. No que concerne ao fenômeno da variação diatópica, adota-se a concepção de Coseriu (1980), Chambers e Trudgill (1980), assim como Razky e Guedes (2015) no que diz respeito à questão de agrupamento linguístico, além de Corpas Pastor (1996) e Garcia-Page (2008) no tratamento da variação fraseológica. A amostra considerada inclui textos escritos publicados no período de 2008 a 2015, sobre futebol, extraídos da coluna Caderno de Esportes de cinco jornais eletrônicos brasileiros. Os resultados mostram duas variantes para time da casa e seis para abrir o placar. A análise aponta para uma configuração diatópica dos fraseologismos selecionados com uso característico de linguagem figurada.

fraseologismo; futebol; variação; cartografia linguística

ABSTRACT

The present paper aims at describing and mapping the diatopic variation found in the pairs of phraseologisms of Brazilian soccer — abrir o placar (open the score) e time da casa (home team). The theoretical framework adopted is limited to the French school of phraseological studies based on Mejri (1997MEJRI, S. Le figement lexical. Tunis: Publications de la Faculté des Lettres de la Manouba, 1997., 2009MEJRI, S. La traduction des textes spécialisés: le cas des sciences du langage. In: COLLOQUE DU 50E ANNIVERSAIRE DE L’ISTI, 50., Oct 2008, Belgique. Actes [...]. Belgique: Editions du Hazard, 2009. p.117-144., 2012MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156.), who points out basic properties of recognition of these structures: polylexicality, fixity, congruence, frequency, predictability and idiomaticity. Regarding the phenomenon of diatopic variation, we adopt the conception of Coseriu (1980)COSERIU, E. Lições de linguística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980., Chambers and Trudgill (1980)CHAMBERS, J. K.; TRUDGILL, A. Dialectology. Cambridge: Cambridge University Press, 1980., as well as Razky and Guedes (2015)RAZKY, A.; GUEDES, R. Le continuum des regroupements lexicaux dans l’Atlas Geossociolinguístico do Pará (ALiPA). In: CONTINI, M.; LAI, J.-P. La géographie linguistique au Brésil. Geolinguistique. Grenoble: ELLUG, 2015. p. 149–162. regarding the issue of linguistic grouping, in addition to Corpas Pastor (1996)CORPAS PASTOR, G. Manual de fraseología española. Madrid: Gredos, 1996. and Garcia-Page (2008) in the treatment of phraseological variation. The sample considered includes soccer written texts published in the period from 2008 to 2015 and extracted from the column Caderno de Esportes of five Brazilian electronic newspapers. The results show two variants for time de casa and six for abrir o placar. The analysis points to a diatopic configuration of the selected phraseologisms with a characteristic use of figurative language.

phraseologism; soccer; variation; linguistic cartography

Considerações Iniciais

A linguagem do futebol, disseminada pela mídia, assim como a variedade fraseológica brasileira, constituem modalidades que despertam o interesse de pesquisadores em meio acadêmico, e com igual ênfase, em outros segmentos da sociedade. No Brasil, os mais representativos meios de comunicação em massa da mídia impressa dedicam diariamente, páginas e até cadernos inteiros relacionados à temática do futebol, principalmente em dias que antecedem e sucedem aos jogos dos mais variados campeonatos que acontecem no país, propiciando a redatores e jornalistas ampla oportunidade para a criação de expressões relativas ao exercício desse esporte. Por constituir-se como um meio em constante movimento, a linguagem do futebol reflete parte da interação existente em diferentes contextos da sociedade, o que significa dizer que ela é utilizada por homens, mulheres e crianças, apresentando fluxo contínuo, o que justifica investigações constantes deste domínio da linguagem, de forma que seja possível registrar e atualizar essa dinâmica.

Nesse contexto, considerar a relação futebol e povo brasileiro é entendê-la, em algumas instâncias, como parte da identidade dos brasileiros, e como não poderia deixar de ser, essa relação se manifesta também na estrutura do léxico que a representa, aspecto que motivou o interesse pelo tema, uma vez que a produtividade fraseológica oriunda do domínio do futebol também reflete o constante movimento dessa área de atuação e, por consequência, constitui-se como um campo cuja dimensão de riqueza lexical, tanto em nível internacional quanto nacional, impõe que sejam desenvolvidos estudos que possam acompanhar o fluxo da variabilidade fraseológica desse domínio que empresta ao léxico geral expressões tais quais: pisar na bola, bola cheia, bola da vez, bola pra frente, camisa dez, dentre muitas outras.

Apesar de tratar-se de uma temática que já foi estudada em outros campos do conhecimento, História, Antropologia, Sociologia, Desporto etc., pesquisas na área da linguagem, que tratam mais especificamente sobre fraseologia do futebol, ainda são poucas no Brasil. Considerar o alcance do futebol ao redor do planeta e a disseminação de notícias relacionadas a esse esporte permite que a linguagem desse domínio seja utilizada em diferentes espaços geográficos, além de possibilitar investigações no âmbito da Geossociolinguística (Razky, 1998RAZKY, A. O Atlas geo-sociolinguístico do Pará: abordagem metodológica. In: AGUILERA, V. de A. (org.). A geolingüística no Brasil: caminhos e perspectivas. Londrina: UEL, 1998. p.2096-228.).

Em face da proposição do registro da distribuição das unidades fraseológicas analisadas, que se manifestam no âmbito do futebol por meio de recurso cartográfico, tendo por embasamento teórico o conceito de agrupamento lexical apresentado por Razky e Guedes (2015)RAZKY, A.; GUEDES, R. Le continuum des regroupements lexicaux dans l’Atlas Geossociolinguístico do Pará (ALiPA). In: CONTINI, M.; LAI, J.-P. La géographie linguistique au Brésil. Geolinguistique. Grenoble: ELLUG, 2015. p. 149–162., no qual os autores propõem a categorização da variação linguística, inclusive a variação de ordem fraseológica, em escalas que consideram os níveis supra, macro, micro e nano de agrupamentos como uma ampliação do conceito de isoglossa, a partir dos quais é possível mostrar a natureza dos fraseologismos obtidos conforme a especificidade do espaço geográfico. Nesse sentido, os agrupamentos lexicais favorecem a descrição da variação linguística em uma linha horizontal, assim como permite verificar os fatores que influenciam tal variação.

Para efeito de sistematização, este artigo está dividido em seções. A primeira seção é constituída por estas considerações iniciais. Na seção Fraseologia: algumas palavras, efetua-se breve apresentação das discussões que envolvem o campo de estudo da Fraseologia e seu objeto de investigação, os fraseologismos1, assim como são listados alguns dos critérios que permitem sua identificação, delimitação e categorização. Em seguida, na seção Variação fraseológica, volta-se o olhar para o fenômeno da variação, mais especificamente a diatópica, e o recurso de cartas linguísticas como instrumento que possibilita o registro de tais unidades. Na seção Procedimentos Metodológicos são descritos os passos percorridos para a coleta e a sistematização do corpus. Os resultados alcançados e o registro em cartas linguísticas estão dispostos na seção Esboço da variação fraseológica do futebol. Complementa-se a escrita com as Considerações Finais e a disposição das Referências que amparam este estudo.

Fraseologia: algumas palavras

A questão da fraseologia como disciplina linguística é amplamente discutida. O problema começa pelo termo técnico fraseologia, o qual é pelo menos ambíguo e o torna passível de controvérsias e polissemia (Oliveira Silva, 2011OLIVEIRA SILVA, M. E. O. de. Dicionários: armas de dois gumes no estudo da fraseologia. O caso das locuções. In: ORTIZ ALVAREZ, M. L.; UNTERNBÄUMEN, E. H. (org.). Uma (re)visão da teoria e da pesquisa fraseológicas. Campinas: Pontes Editores, 2011. p. 161–182.), pois ao mesmo tempo que se ocupa do estudo do fenômeno, isto é, das associações sintagmáticas recorrentes, os fraseologismos (Mejri, 2012MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156.), refere-se também à disciplina científica que se ocupa do estudo de tais unidades (Ortíz Alvarez, 2000). Assim, compreende-se por fraseologia, grafada com letra inicial minúscula, o conjunto de fraseologismos, expressões fixas de uma língua e Fraseologia, grafada com inicial maiúscula, a disciplina científica que investiga tais unidades. Da gama de investigações fraseológicas emanam as controvérsias relacionadas à sua área de atuação, seu objeto de estudo e sua delimitação, além da abundante diferença terminológica, associada à linha de pensamento de seus autores no que se refere às unidades fixas.

A Fraseologia, no sentido de investigação linguística, constitui-se como uma disciplina relativamente nova. Charles Bally, em 1909, já utilizava o termo Phraséologie. Ele foi um dos primeiros a atentar para a existência de expressões fixas e de combinações estáveis, em que associações e agrupamentos gerados podem ser passageiros ou passam a ter um caráter usual e formar unidades indissolúveis, ajudando, assim, a delimitar o objeto de estudo da Fraseologia, campo definido por ele como uma sub macroárea da Lexicologia, o qual se dividiria em “Fraseologia popular”, que estuda os idiomatismos, os provérbios, as gírias, os ditados, e em “Fraseologia técnico-científica”, que se ocupa do estudo das expressões terminológicas, cujo objetivo é o estudo das leis que condicionam a falta de liberdade das palavras e de seus significados.

Critérios de identificação de fraseologismos

Os fraseologismos são as uniões sintagmáticas relativamente fixas de uma língua, os quais apresentam, de acordo com Mejri (1997MEJRI, S. Le figement lexical. Tunis: Publications de la Faculté des Lettres de la Manouba, 1997., 2012MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156.), em diferentes graus, polilexicalidade, fixidez, congruência, frequência, previsibilidade e idiomaticidade, propriedades que permitem identificá-los como um conjunto coeso semanticamente, tais como ocorre em: pimba na gorduchinha, perna de pau, gol de letra, na referência a um tipo de chute dado no futebol, um jogador com pouca habilidade e um gol marcado em que o cruzamento de perna do jogador gera uma letra “x”, nesta ordem. Além do caráter polilexical e da estabilidade estrutural, os fraseologismos apresentam ainda convencionalidade do agrupamento, marcada pelo cruzamento da fixidez e da congruência, em que a memorização pelo falante é estabelecida a partir da noção de um bloco coeso, elementos que os tornam reconhecíveis como unidades informacionais, e a idiomaticidade, a qual expressa o caráter conotativo da expressão por meio do grau de transparência e de opacidade.

Apesar de a fixidez do fraseologismo e a sua estabilidade constituírem propriedades que o caracterizam, é possível encontrar também variação nesse tipo de unidade, manifestação que reflete os diferentes níveis de fixidez dessas estruturas. Como um fenômeno passível de acontecer em todas as línguas, também na amostra analisada houve o registro de variação nas estruturas abrir o placar, a qual se refere ao primeiro gol marcado em uma partida e time da casa, unidade que indica o clube que joga uma partida de futebol em sua própria sede ou em estádio de igual valor (Salvador, 2017SALVADOR, C. F. N. Estudo de fraseologia do futebol brasileiro das séries B, C e D em jornais digitais populares: construção de um dicionário eletrônico. 2017. 515f. Tese (Doutorado em Letras – Estudos Linguísticos) — Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.).

Para que uma combinação de palavras possa ser considerada um fraseologismo, ela tem de apresentar algumas propriedades, as quais permitem identificá-lo. Nesse processo de identificação, algumas características parecem ser mais recorrentes que outras, como é o caso da polilexicalidade, da relação semântica interna que os componentes da combinatória mantêm entre si e da estabilidade ou fixidez de seus componentes. Elencam-se abaixo, resumidamente, algumas das principais caraterísticas dos critérios utilizados neste estudo, conforme Mejri (2012)MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156..

(a)Polilexicalidade

A polilexicalidade constitui a característica mais saliente dos fraseologismos e diz respeito ao número de elementos que integram a expressão e o sentido que há entre eles, assumindo tanto um padrão qualitativo quanto quantitativo. Em outras palavras, se todo fraseologismo é formado por pelo menos duas unidades lexicais, armazenadas na memória como se fossem uma só, como ocorre em pisar na bola, matar no peito, bola cheia, ficar pra escanteio, bater na trave, pendurar as chuteiras, tirar o time de campo, vestir a camisa etc., é porque, independentemente do número de elementos que os integram, eles representam uma unidade.

Apesar de o caráter polilexical do fraseologismo se mostrar como seu traço mais evidente, pois exerce contraponto com itens monolexicais, sendo possível identificá-lo logo na superfície da combinatória, os elementos que integram a expressão fraseológica devem apresentar fixidez na forma; caso contrário, podem configurar não mais que uma combinação livre. Nesse processo, é preciso atentar-se ao fato de que, se todo fraseologismo é formado por uma união de itens lexicais, nem toda união sintagmática pode ser classificada como um fraseologismo. Existem sequências na língua que podem refletir outros processos, como é o caso, por exemplo, de palavras compostas, tais como girassol ou passatempo, cuja formação obedece a regras produtivas (composição). Já em fraseologismos como bater um bolão, mão furada, gol de bicicleta, tiro de meta, a formação polilexical apresenta algum tipo de desvio do sentido literal em pelo menos um dos constituintes e passa a ser compreendida pelo seu conjunto, em bloco.

(b)Fixidez e congruência

A fixidez, para Mejri (2012)MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156., é o fenômeno fraseológico que descreve o processo de cristalização pelo qual as solidariedades semânticas encontram um congelamento das regras da combinatória sintagmática. Dentre as características fraseológicas, a fixidez é considerada um de seus traços mais relevantes, ao lado da idiomaticidade (Monteiro-Plantin, 2014MONTEIRO-PLANTIN, R. S. Fraseologia: era uma vez um patinho feio no ensino de língua materna. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2014. v.1.). Essa propriedade permite observar o grau de cristalização da unidade polilexical e estabelecer a sua tipologia em: colocação, semicristalizada e cristalizada. Classificar uma sequência em colocação, tal qual se observa em árbitro central, significa considerar a fase inicial de congelamento e o processo de estabilidade dessa unidade, em que se verificam a aproximação, a coocorrência de termos-constituintes mais técnicos e sequências com mais restrição para inserção de elementos; em adição, o caráter semifixo ou semicristalizado, é observado em unidades que permitem algum tipo de alteração na combinatória sintagmática, seja de ordem paradigmática e/ou sintagmática, como, por exemplo, a inserção de um elemento, como ocorre em dar uma caneta > dar uma (bela) caneta. Essas alterações, no entanto, não acarretam a perda do sentido veiculado pelo fraseologismo. Por sua vez, o aspecto totalmente fixo ou cristalizado do fraseologismo, como ocorre em bico na redonda, é aferido, dentre outros fatores, pelas restrições a flexões e comutações que a combinatória apresenta.

Atrelada à fixidez, Mejri (2009MEJRI, S. La traduction des textes spécialisés: le cas des sciences du langage. In: COLLOQUE DU 50E ANNIVERSAIRE DE L’ISTI, 50., Oct 2008, Belgique. Actes [...]. Belgique: Editions du Hazard, 2009. p.117-144., p. 79) apresenta e define a congruência como “[...] um processo de adaptação das unidades lexicais pelo qual elas se integram naturalmente na combinatória”. Esse critério é tido, nesse âmbito, como uma definição de palavra. Para o autor, a congruência intervém tanto no plano morfológico quanto nos planos sintático, semântico e pragmático. É incongruente toda sequência que contraria as regras da combinatória, como, por exemplo: Dentro das quatro linhas / *Dentro das (cinco, três,) linhas, em referência ao formato retangular do espaço de um campo de futebol.

Tendo em vista o interesse pela noção de (in)congruência, percebe-se que essa propriedade é relevante, pois é diferente da noção de gramaticalidade, a qual focaliza somente a boa formação gramatical, não se confunde com a aceitabilidade, que aponta certa normatividade, e cobre todos os aspectos: sintaxe, semântica e pragmática (Mejri, 2012MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156.). Em síntese, o que se enquadra nas regras é congruente, o que não se enquadra é incongruente; decorre desta noção o fator previsibilidade: é previsível o que se pode prever em função dos possíveis inscritos na aplicação das regras. Assim, o cruzamento da fixidez e da congruência possibilita eleger o caráter cristalizado do fraseologismo e eleger a tipologia das unidades catalogadas.

(c)Idiomaticidade

O critério da idiomaticidade está intimamente ligado aos aspectos pragmáticos, uma vez que essa propriedade se materializa nas diversas situações discursivas. Entende-se que, quando nenhum de seus componentes contém um significado que possa indicar o sentido de um fraseologismo, sua especificação semântica alcançou o grau mais alto.

A manifestação da idiomaticidade evidencia a discordância entre os significados interno e externo do fraseologismo, em que há uma relação irregular entre as estruturas do conteúdo e o plano da expressão, não sendo representados os elementos irregulares por meio de certos componentes ou características formais, mas sim pelo seu conjunto. Observe-se o caso do fraseologismo arrombar a porteira, no exemplo: O Leão <<arrombou a porteira>> do time paulista logo aos 5 minutos de jogo. Geovanni deu bola açucarada para Marcel, que apresentou o cartão de boas-vindas ao goleiro Gilvan. {SBNEOM2011}2. Neste caso, nem o verbo arrombar nem o substantivo porteira estão empregados com seus sentidos denotativos, porém da união desses dois elementos têm-se um terceiro sentido, ou seja, arrombar a porteira indica a marcação do primeiro gol de uma partida de futebol. Com isso, os fraseologismos se acometem de um significado particular, restrito, diferente da acepção literal de cada item lexical que o integra.

(d)Frequência e previsibilidade

Os critérios da frequência e da previsibilidade estão um para o outro, a tal ponto que se pode dizer que a relação entre eles seja tautológica, ou seja, estão intimamente ligados, de modo que um fraseologismo como time da casa: E sabe quem fez o quarto gol do Vitória? Ele mesmo. Marquinhos chutou forte em jogada ensaiada com Fernandinho, aos 16min do segundo tempo, abrindo o placar para o <<time da casa>> {SBNEOM2011} pode se tornar frequente por sua previsibilidade e pode também se tornar previsível pela sua frequência.

Nessa relação de atração, de um lado a frequência atua como elemento sistêmico de repetição, muitas vezes automática, dessas estruturas pré-fabricadas, registrando a circulação da combinatória no sistema da língua e facilitando o seu reconhecimento. Por outro lado, o critério da previsibilidade diz respeito à seleção de determinadas estruturas em detrimento de outras, para atender a propósitos discursivos precisos, além de indicar a possibilidade de um elemento ocupar determinado lugar na combinatória, podendo ser notado, inclusive, pela sua ausência. Assim, em time da casa, por exemplo, a probabilidade de o lugar omitido em time da _______ ser preenchido por casa é muito maior do que por residência ou lar, pois, mesmo que esses itens lexicais pertençam ao mesmo campo semântico, eles não são capazes de cumprir com os mesmos sentidos veiculados pela composição análoga.

No entanto se percebe que, assim como acontece com os elementos monolexicais, as estruturas fraseológicas, mesmo que cristalizadas na forma e no sentido, estão suscetíveis às pressões do sistema e, eventualmente, podem apresentar também diferentes configurações para aludir a um mesmo referente, sem que o sentido original da unidade seja desfeito. Em abrir o placar, por exemplo, as opções disponíveis ampliam o fator de previsibilidade de ocupação de outro termo na combinatória abrir/o (a) placar/ marcador/ contagem, podendo o mesmo ocorrer com o primeiro constituinte do sintagma em inaugurar/ o marcador/placar. Porém, em arrombar a porteira, verifica-se o alto grau de idiomaticidade presente no fraseologismo, diretamente ligado ao nível de opacidade, em que nem o constituinte arrombar nem o constituinte porteira assumem o seu sentido individual, confirmando assim a perspectiva de Mejri (2012)MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156., que explica que quanto maior a opacidade, maior a idiomaticidade da unidade.

Em síntese, a partir dos critérios supramencionados, foi possível identificar no corpus coletado por Salvador (2017)SALVADOR, C. F. N. Estudo de fraseologia do futebol brasileiro das séries B, C e D em jornais digitais populares: construção de um dicionário eletrônico. 2017. 515f. Tese (Doutorado em Letras – Estudos Linguísticos) — Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. uma variedade de fraseologismos do futebol, dentre os quais se elegeu o par abrir o placar e time da casa de modo que se pudesse exemplificar, além da tipologia, o registro da variação diatópica fraseológica dessas duas unidades em cartas linguísticas, uma vez que os dados sob análise foram extraídos de jornais localizados em cada uma das regiões do Brasil.

Variação fraseológica

O interesse em registrar casos de fraseologismos do futebol em cartas linguísticas motivou também a necessidade de tratamento de aspectos teóricos voltados para o estudo da variação. Para tanto, foi considerada a noção de língua histórica apresentada por Coseriu (1980)COSERIU, E. Lições de linguística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980., a qual aponta para realizações variáveis dentro de uma determinada língua. A variação a que se refere o autor diz respeito aos níveis diatópico, diastrático e diafásico. Em decorrência da delimitação deste trabalho, abordou-se, aqui, apenas a variação diatópica, aquela que ocorre em razão da distribuição no espaço geográfico.

Para o tratamento e a descrição da variação diatópica dos fraseologismos do futebol encontrados no corpus de estudo, baseamo-nos também na definição de Chambers e Trudgill (1980)CHAMBERS, J. K.; TRUDGILL, A. Dialectology. Cambridge: Cambridge University Press, 1980., quando explicam que “Todos os dialetos são ao mesmo tempo regional e social, uma vez que todos os falantes têm uma experiência social bem como uma localização regional” (Chambers; Trudgill, 1980CHAMBERS, J. K.; TRUDGILL, A. Dialectology. Cambridge: Cambridge University Press, 1980., p. 54). Neste sentido, para os autores, além do acervo cultural e social há também que se considerar a localização geográfica, as manifestações linguísticas que permitem identificar traços regionais dos falantes, fator que instigou, em face das ocorrências aferidas no corpus da pesquisa-base de Salvador (2017)SALVADOR, C. F. N. Estudo de fraseologia do futebol brasileiro das séries B, C e D em jornais digitais populares: construção de um dicionário eletrônico. 2017. 515f. Tese (Doutorado em Letras – Estudos Linguísticos) — Universidade Federal do Pará, Belém, 2017., verificar a distribuição das variantes do par de fraseologismos listados.

Em adição aos fatores que possibilitam aferir a variação linguística de ordem diatópica, Razky e Guedes (2015)RAZKY, A.; GUEDES, R. Le continuum des regroupements lexicaux dans l’Atlas Geossociolinguístico do Pará (ALiPA). In: CONTINI, M.; LAI, J.-P. La géographie linguistique au Brésil. Geolinguistique. Grenoble: ELLUG, 2015. p. 149–162. propõem o reagrupamento das variantes, em especial aquelas de caráter lexical, em razão de escalas que consideram desde os fenômenos vistos em manifestação macro, micro e nano distribuíveis, e o registro dessa variação em cartas linguísticas, que possibilita verificar o movimento da variação em curso.

Do ponto de vista dos estudos fraseológicos, Corpas Pastor (1996)CORPAS PASTOR, G. Manual de fraseología española. Madrid: Gredos, 1996. chama a atenção para o caráter variacionista dos fraseologismos:

La variación fraseológica constituye un universal linguístico (Dobrovol’skil, 1988:159), a partir del cual se puede medir el grado de regularidad de un sistema fraseológico dado: cuantas más variaciones, transformaciones y modificaciones presenten los fraseologismos de una lengua, más regular es su sistema fraseológico3 (Corpas Pastor, 1996CORPAS PASTOR, G. Manual de fraseología española. Madrid: Gredos, 1996., p. 28).

No excerto, a autora salienta o fato de que a regularidade fraseológica também é mensurada pela variabilidade das unidades que a língua apresenta, pois à medida que essas sequências são postas à prova mais elas conseguem mostrar como o seu sentido está cristalizado dentro do sistema. Nesse sentido, a variação fraseológica acontece de forma natural, assim como acontece com os itens monolexicais, com a ressalva de que, nas unidades polilexicais, a estrutura reorganizada não pode apresentar sentido divergente da unidade original.

Nestas condições, a cristalização das unidades fraseológicas apresenta estabilidade relativa no que tange aos elementos estruturais e semânticos da combinatória, o que permite apontar casos de variação nessas unidades. Contudo algumas condições são consideradas para que haja caso de variação fraseológica, tais como o fato de que as unidades analisadas sejam exemplares da mesma língua, similares na disposição de seus constituintes, com certo grau de estabilidade e, principalmente, veiculem o mesmo significado.

Por seu turno, Garcia-Page (2008, p.34) apresenta a distinção entre

[...] termos “variante” de um fraseologismo considerado original, onde essa unidade lexical complexa tem apenas uma mudança formal e é empregada automaticamente, e “variação”, quando a expressão se refere a uma criação individual, mas que nunca será empregada como substituta da formulação canônica.

A perspectiva assumida por Garcia-Page (2008) revela a variação no sentido de que ela evidencia mudanças em razão da localização em que os fraseologismos foram produzidos, por exemplo, inaugurar o placar encontrado no Jornal Amazônia, região Norte, e abrir a contagem, encontrado apenas nos jornais Meia Hora de Notícias, na região Sudeste, e O Massa!, da região Nordeste, em que os dois fraseologismos referem-se ao ‘primeiro gol marcado em uma partida’ Salvador (2017)SALVADOR, C. F. N. Estudo de fraseologia do futebol brasileiro das séries B, C e D em jornais digitais populares: construção de um dicionário eletrônico. 2017. 515f. Tese (Doutorado em Letras – Estudos Linguísticos) — Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.. O par fraseológico em voga apresenta alternância lexical que distingue a constituição externa da combinatória, apesar de compartilharem o mesmo significado. As unidades passam então a figurar como variantes, já que veiculam o mesmo sentido, porém são diferentes em relação à forma.

Outrossim, para a realização do registro cartográfico da variação existente nas unidades fraseológicas aqui analisadas, recorreu-se também ao método geolinguístico, no sentido de que esse parâmetro possibilita o “[...] o estudo das variações linguísticas na utilização da língua por indivíduos ou grupos sociais de origens geográficas diferentes” (Dubois et al. 1978, p. 307). Na próxima seção estão descritos os passos empreendidos na realização desta tarefa.

Procedimentos metodológicos

Nesta seção, referente à metodologia empregada, destacam-se as etapas de constituição da amostra-base de Salvador (2017)SALVADOR, C. F. N. Estudo de fraseologia do futebol brasileiro das séries B, C e D em jornais digitais populares: construção de um dicionário eletrônico. 2017. 515f. Tese (Doutorado em Letras – Estudos Linguísticos) — Universidade Federal do Pará, Belém, 2017., em que a autora optou por uma pesquisa de natureza exploratório-descritiva e método quali-quantitativo (Lakatos; Marconi, 2010LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Fundamentos da metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.) e a escolha dos pares fraseológicos tratados no artigo.

Para a composição da amostra-base o primeiro passo tomado foi a etapa de seleção e coleta de dados. Em razão da adequação do trabalho de Salvador (2017)SALVADOR, C. F. N. Estudo de fraseologia do futebol brasileiro das séries B, C e D em jornais digitais populares: construção de um dicionário eletrônico. 2017. 515f. Tese (Doutorado em Letras – Estudos Linguísticos) — Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. ao eixo dos estudos fraseológicos do Projeto Geografia Linguística e Socioterminologia — GeoLinTerm (Razky; Oliveira; Lima, 2020), e da regional Norte do Atlas Linguístico do Brasil — ALiB (Cardoso, 2010CARDOSO, S. Geolinguística: tradição e modernidade. São Paulo: Parábola, 2010.), optou-se por verificar as fraseologias presentes em jornais populares de cinco capitais brasileiras.

A recolha dos textos foi feita por meio de levantamento sistemático na mídia on-line em cinco jornais populares veiculados em cinco capitais brasileiras — Belém, Goiânia, Porto Alegre, Salvador e Rio de Janeiro —, publicados regularmente no recorte temporal compreendido entre os anos de 2008 e 2015, cujos conteúdos estavam relacionados às Séries B, C e D do Campeonato Brasileiro. Os dados coletados serviram de base tanto para a extração das candidatas a fraseologias, em que se seguiu a orientação da Linguística de Corpus, conforme Sardinha (2004)SARDINHA, T. B. Linguística de corpus. Barueri: Manole, 2004. e Tagnin (2011)TAGNIN, S. E. O. Linguística de corpus e fraseologia: uma feita para a outra. In: ORTIZ ALVAREZ, M. L.; UNTERNBÄUMEN, E. H. (org.). Uma (re)visão da teoria e da pesquisa fraseológicas. Campinas: Pontes Editores, 2011. p. 277-302., quanto para a análise dos fraseologismos, seguindo os princípios e os critérios sugeridos por Mejri (2012)MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156..

O processo seletivo das fontes de informação foi determinado fundamentalmente pela atualidade e abrangência dos jornais da mídia. Os chamados jornais populares, também denominados tabloides, dedicam inúmeras páginas, cadernos ou suplementos ao noticiário esportivo, gerando, assim, o material linguístico foco desta investigação, uma fonte abundante de dados, fato constatado no decorrer da pesquisa. O Caderno de Esportes é uma das diversas seções em que está dividido um jornal, trazendo informações sobre as mais variadas modalidades esportivas praticadas no Brasil e no mundo, no entanto, para os propósitos do trabalho desenvolvido, a autora coletou apenas notícias referentes ao futebol de campo masculino.

A escolha dos jornais que contribuíram para o levantamento do corpus, objeto de investigação, não foi aleatória, mas decorrente da grande circulação em nível local desses jornais, fato que lhes assegura uma posição de destaque em relação aos seus similares. Do mesmo modo, foi considerado o fato de cada um dos periódicos apresentar duas versões de circulação, uma impressa e outra digital. O caráter quantitativo da consulta a cada jornal obedeceu aos seguintes critérios: a) o conteúdo de informações a respeito do futebol; b) o público-alvo; c) a especificidade; e d) a localização geográfica, conforme a orientação metodológica do projeto GeoLinTerm (Razky; Oliveira; Lima, 2020). Por esse viés, as publicações relacionadas ao futebol de campo masculino estão representadas no corpus pelo material coletado nos jornais Amazônia, de Belém, Pará (Região Norte); Daqui, de Goiânia, Goiás (Região Centro-Oeste); Diário Gaúcho, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (Região Sul); O Massa! de Salvador, Bahia (Região Nordeste); e Meia Hora de Notícias, do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (Região Sudeste).

Após o processo de coleta, limpeza e tratamento dos textos recolhidos dos sítios eletrônicos em que os jornais estão ancorados, o corpus, composto por 2674 textos, foi submetido a tratamento automático por meio das ferramentas disponíveis no software WordSmith Tools, em sua versão 5.0 (Scott, 2008SCOTT, M. WordSmith tools. versão 5.0. Liverpool: Lexical Analysis Software, 2008.). Após a garimpagem automatizada das candidatas a fraseologias, iniciou-se o processo de aplicação dos critérios estabelecidos por Mejri (2012)MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156. para a delimitação e a categorização dos fraseologismos encontrados.

A tarefa de verificação das propriedades fraseológicas envolveu em primeiro plano a certificação do aspecto polilexical das unidades sob análise, como no caso de abrir o placar, em que se observa o agrupamento de três unidades (abrir/o/placar). Essa etapa se faz necessária para que se perceba como itens monolexicais, autônomos, sofrem o processo de congelamento dentro do sintagma e assumem uma nova configuração, agora polilexical, a qual deve ser entendida pelo seu conjunto. Isso significa dizer que, apesar dos significados individuais dos itens lexicais em questão, não será o sentido de abrir ou de placar que será considerado para expressar o primeiro gol marcado em uma partida de futebol, mas, sim, a união desses elementos para aferir um sentido único.

Em seguida, foram cruzados os critérios da fixidez e da congruência (Mejri, 2012MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156.) a fim de verificar o grau de estabilidade sintática, semântica e pragmática e o grau de aceitabilidade dos fraseologismos. O fator fixidez constitui para Mejri (2012)MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156. uma das propriedades mais importantes na identificação de fraseologismos, pois é ele que permite aferir o grau de congelamento dessas estruturas polilexicais. Abrir o placar tem o mesmo valor de abrir a contagem, porém no segundo caso a produtividade é menor que no primeiro, o que pode ser justificado pela escolha lexical de placar, em relação a contagem, sendo placar elemento monolexical muito utilizado por falantes em todos os níveis da produção futebolística. No exemplo, a comutação de um item pelo outro, no entanto, não desfaz o sentido do fraseologismo. Assim, fixidez e congruência possibilitam ao falante, ao mesmo tempo, recuperar tanto o valor da unidade polilexical quanto atualizar o sintagma sem que haja prejuízo do entendimento total da unidade fraseológica.

Seguindo a etapa de testes, foram verificadas a frequência e a previsibilidade em relação aos pares sob análise. No caso de time da casa, a unidade apresentou frequência de 608 ocorrências, sendo mais produtiva no corpus do que a sua similar equipe da casa, para a qual houve registro de 119 ocorrências. A frequência conduz, nesses casos, à previsibilidade, uma vez que, por conta da fixidez do agrupamento, a forma do fraseologismo passa a ser recorrente. Assim, em time da casa haveria restrição para comutação do item casa, por exemplo, com o item residência, pois este último não cumpriria o mesmo valor do primeiro, apesar de pertencerem ao mesmo campo semântico.

Para finalizar a fase de testes, foi verificado o traço conotativo presente nas unidades polilexicais. Em abrir o placar, por exemplo, entende-se que o verbo abrir não está empregado em sua primeira acepção, isto é, com o sentido de franquear abertura ou passagem, e, sim, em caráter conotativo, com o valor de dar início à contagem dos gols feitos na partida, portanto não é uma referência ao ato de abrir, literalmente, o placar. O caráter conotativo dos exemplos em questão permitiu eleger o grau de idiomaticidade de cada unidade.

Convém salientar que Salvador (2017)SALVADOR, C. F. N. Estudo de fraseologia do futebol brasileiro das séries B, C e D em jornais digitais populares: construção de um dicionário eletrônico. 2017. 515f. Tese (Doutorado em Letras – Estudos Linguísticos) — Universidade Federal do Pará, Belém, 2017. teve por objetivo coletar e categorizar os fraseologismos do futebol de acordo com os critérios estabelecidos por Mejri (2012)MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156.. Apesar de o corpus geral ser extenso, para este artigo, especificamente, optou-se em verificar se havia variação diatópica dessas combinações sintagmáticas, tendo sido escolhidos, dentre outras ocorrências presentes no corpus, dois exemplares — abrir o placar e time da casa — para análise e registro dessa variação em carta linguística. A escolha desses exemplares foi condicionada em razão da variação apresentada por eles, uma vez que são amostras de cada uma das regiões do Brasil. Após a certificação da variedade fraseológica, passou-se à etapa de registro nas cartas linguísticas. Na seção seguinte, registra-se o esboço dessa variação.

Resultados: o esboço da variação fraseológica

Tendo em vista a perspectiva de que uma variante fraseológica se manifesta por meio de diferentes estruturas sintagmáticas que ocorrem na língua para dizer a mesma coisa, unidades que, mantendo conteúdo semântico semelhante, apresentam alguma modificação em sua estrutura, enumeramos na Tabela 1 as unidades fraseológicas analisadas em nossa amostra, acompanhadas da quantidade de vezes encontrada em cada jornal observado.

Tabela 1
– Exemplos da amostra

As unidades fraseológicas apontadas na Tabela 1 refletem a primeira condição dessas sequências, a polilexicalidade (Mejri, 2012MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156.). A alternância entre esses fraseologismos mostra que a relação de equivalência existente entre eles tem o mesmo valor de significação, uma vez que a comutação de termos não implica a perda da congruência, a aceitabilidade, embora haja quebra parcial da fixidez.

A variação aferida no corpus ocorre por meio da alternância de um dos elementos na base da combinatória, observe-se o caso de abrir o placar/marcador, movimento de natureza paradigmática, que, apesar da distinção no padrão lexical, não altera o significado da expressão na qual ocorre a comutação, configurando o estado semifixo de alguns fraseologismos e sua atividade de circulação no sistema, assim como por meio de um novo exemplar, como acontece em arrombar a porteira. A despeito de termos encontrados várias ocorrências, além, inclusive, daquelas citadas na Tabela 1, optamos, neste artigo, por tratar apenas do par abrir o placar e time da casa, pois esses exemplos permitem apresentar a variação aferida nos cincos jornais estudados, servindo, portanto, aos propósitos diatópicos desta investigação.

Com o intuito de realizar a descrição das variantes relacionadas ao fraseologismo time da casa, isolamos na Tabela 2 as duas ocorrências encontradas na amostra que se referem ao clube que joga a partida em seu estádio, na sua cidade, no país onde está localizada a sua sede ou estádio de igual valor (Salvador, 2017SALVADOR, C. F. N. Estudo de fraseologia do futebol brasileiro das séries B, C e D em jornais digitais populares: construção de um dicionário eletrônico. 2017. 515f. Tese (Doutorado em Letras – Estudos Linguísticos) — Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.) em virtude da localização por região de cada um dos jornais:

Tabela 2
– Fraseologismos por região x jornal

Observa-se no Tabela 2 que tanto o fraseologismo time da casa quanto sua variante equipe da casa ocorrem em todos os jornais, portanto em todas as regiões. Frente às duas possibilidades, os colunistas esportivos do Amazônia Jornal são aqueles que mais recorrem ao primeiro caso em suas produções escritas, com 1505registros, seguidos pelos colunistas do jornal Diário Gaúcho (121), do Sul do país, e Meia Hora de Notícias (119), localizado na região Sudeste. Os jornalistas de O Massa! do Nordeste (112), e Daqui, do Centro Oeste (106), apesar de apresentarem frequência menor, também recorrem a essa mesma estrutura para se referir ao clube que joga a partida em seu estádio, na sua cidade, ou no país onde está localizada a sua sede. Observe-se o exemplo: O Ipatinga construiu o resultado ainda no primeiro tempo. O <<time da casa>> abriu o placar aos 14min com o atacante Amilton. O Campinense empatou dois minutos depois com Edmundo {SBSEMH2009}. No que tange à equipe da casa, o jornal que mais apresentou essa ocorrência foi o Meia Hora de Notícias (105) e os demais jornais, com baixa frequência desse mesmo exemplar, não ultrapassam cinco ocorrências.

Em termos percentuais, a alternância geral entre os fraseologismos time/equipe da casa pode ser verificada também no Gráfico 1.

Gráfico 1
– Variação time/equipe da casa

O Gráfico 1 ilustra a alternância existente entre os fraseologismos time da casa (83,6%) e equipe da casa (16,4%). A alta produtividade de time da casa, neste caso, pode indicar a maior recursividade do item time como elemento agregador de coletividade, visto que os itens lexicais time e equipe pertencem à mesma categoria gramatical, ambos são substantivos e veiculam o mesmo sentido de conjunto, o que nos leva a considerar que, neste caso, a escolha lexical e as idiossincrasias estilísticas possibilitam maior aproximação entre os articulistas e os seus leitores/torcedores.

Para além do fator geográfico, outro fator que pode ter favorecido a maior produtividade de time e não equipe da casa pode estar atrelado à questão de atualização da língua em que certas estruturas caem em desuso ou são, aos poucos, substituídas por outras que passam a ser mais frequentemente utilizadas pelos falantes, mas para a confirmação dessa hipótese seria necessária uma pesquisa comparativa em que se efetuasse o levantamento desses fraseologismos em um recorte temporal que permitisse a observação desse fator, o que não é o foco de nossa investigação.

O Gráfico 2 ilustra a variação do par fraseológico em questão em razão da distribuição conforme os jornais aos quais se atrelam.

Gráfico 2
– Variação conforme jornal

No Gráfico 2, mostra-se a variação dos fraseologismos conforme cada jornal pesquisado e, por consequência, tem-se a representação dessa variação em cada região do país. Observa-se que nos dados do Amazônia Jornal, localizado na Região Norte do país, há o maior número de ocorrências para time da casa em oposição ao Jornal Daqui, localizado na Região Centro-Oeste, o qual apresenta os menores índices de ocorrências para este fraseologismo. Em contrapartida, o fraseologismo equipe da casa é mais utilizado pelos redatores do Meia Hora de Notícias, jornal da Região Sudeste, e menos citado no Jornal Daqui, da Região Centro-Oeste. No jornal Meia Hora de Notícias, verificam-se formas variantes em situação de coocorrência, conforme salienta Garcia-Page (2008), configurando variação estável, o que reforça a noção de fixidez social dos fraseologismos.

A leitura dos dados apresentados no Gráfico 2 mostra ainda a preferência pelo fraseologismo time da casa em relação ao seu análogo equipe da casa, quando comparados os dados em relação a todos os jornais. Há duas hipóteses para essa preferência. A primeira estaria ligada ao fator geográfico e às questões de reprodução das variantes mais produtivas no contexto futebolístico e a segunda, a mudanças que a língua sofre. A condição de produção desses pares se mostra mais polarizada no Amazônia Jornal 150/046, no Daqui 106/02, no Diário Gaúcho 121/03 e no O Massa! 112/05 e menos díspar no Jornal Meia Hora de Notícias 119/109. Este último jornal, pelas suas características editoriais e proposta de difusão de informações, é mais conhecido em rede nacional, o que pode reforçar a hipótese de que há a tentativa de uniformização desse discurso com o intuito de operar maior aproximação com os leitores de outras regiões.

O registro cartográfico da variação diatópica para os fraseologismos time da casa e equipe da casa é apontado na Figura 1.

Figura 1
7 – Time da casa/ Equipe da casa

A Figura 1 aponta que, do ponto de vista geográfico-territorial, os autores dos cinco jornais recorrem à mesma estrutura quando se trata de time da casa, essa acepção parece corresponder a um fato linguístico macrorregional. Dessa forma, os fraseologismos do futebol sob análise podem indicar que algumas variantes caracterizam o que Razky e Guedes (2015)RAZKY, A.; GUEDES, R. Le continuum des regroupements lexicaux dans l’Atlas Geossociolinguístico do Pará (ALiPA). In: CONTINI, M.; LAI, J.-P. La géographie linguistique au Brésil. Geolinguistique. Grenoble: ELLUG, 2015. p. 149–162. denominam de macroagrupamento lexical, neste caso macroagrupamento fraseológico, pois a ocorrência está presente em todos os tabloides consultados, por consequência em todas as regiões do país, o que parece evidenciar o caráter globalizado da disseminação da notícia amparada pelo suporte da Web, em que há uma tentativa de uniformização do discurso. O mesmo fenômeno ocorre com equipe da casa, sendo a sua produtividade, entretanto, tímida em relação ao par evidenciado.

Enquanto o fraseologismo time da casa apresenta apenas uma variante, qual seja, equipe da casa, o mesmo não acontece com abrir o placar, para o qual foram encontradas seis variantes, como se vê na Tabela 3.

Tabela 3
– Variantes para abrir o placar

Os dados dispostos na Tabela 3 mostram que apenas a variante abrir o placar (1.016) ocorre em todos os jornais, sendo também a mais produtiva dentre as opções. Abrir o marcador (414) só não aparece no jornal localizado na região Nordeste do Brasil. Os casos de abrir a contagem (202) e inaugurar o marcador (203) só aparecem em dois jornais, o primeiro em jornais das regiões Sudeste e Nordeste e o segundo apenas nos das regiões Centro-Oeste e Sul. Por sua vez, inaugurar o placar (103) e arrombar a porteira (111) só ocorreram em uma região cada, Norte e Centro-Oeste, nesta ordem. O Gráfico 3 ilustra as variantes encontradas na amostra.

Gráfico 3
– Fazer o primeiro gol de uma partida

O Gráfico 3 mostra a quantidade de variantes (6) para o fraseologismo cuja definição indica fazer o primeiro gol de uma partida (Salvador, 2017SALVADOR, C. F. N. Estudo de fraseologia do futebol brasileiro das séries B, C e D em jornais digitais populares: construção de um dicionário eletrônico. 2017. 515f. Tese (Doutorado em Letras – Estudos Linguísticos) — Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.). A mais produtiva delas e que ocorreu em todos os jornais foi abrir o placar, com 49% das ocorrências. Em seguida, abrir o marcador, com 20%. Abrir a contagem e inaugurar o marcador apresentaram ambas 10% da produção estudada, seguidas por inaugurar o placar, com 5%. Dentre as alternâncias registradas, porém, arrombar a porteira, com 6% das ocorrências, chamou a atenção por aparecer apenas no Jornal Daqui, localizado na Região Centro-Oeste, região do país conhecida por sua significativa produção pecuária, em que o item lexical porteira talvez sinalize essa relação cultural. Arrombar a porteira traz consigo ainda a noção de que o resultado do jogo foi marcado por uma grande quantidade de gols, iniciada pela relação de arrombar, verbo que carrega a informação de violência e abundância ao mesmo tempo.

O Gráfico 4 ajuda a visualizar o comportamento das variantes em relação ao jornal e à região em que cada um deles está localizado.

Gráfico 4
– Distribuição da variação de acordo com o jornal por região

A observação do Gráfico 4 sinaliza a diversidade fraseológica encontrada para a unidade mais produtiva da amostra: abrir o placar. Em face da distribuição geográfica de cada jornal, a região Centro-Oeste apresenta o maior número de variantes, quatro dentre as seis listadas: abrir o placar, abrir o marcador, inaugurar o marcador e arrombar a porteira. Nos noticiários com sede nas regiões Norte, Sul e Sudeste foram registradas três das seis variantes: abrir o placar, abrir o marcador e inaugurar o placar. O periódico da região Nordeste apresenta duas das variantes: abrir o placar e abrir a contagem. Esse resultado permite observar tanto o comportamento variável da unidade fraseológica na perspectiva formal apontada por Garcia-Page (2008), como ocorre em abrir o / placar / marcador e inaugurar o marcador / placar, em que há a substituição automática de elementos lexicais dentro da sequência sintagmática, quanto a manifestação de unidade variante, quando se observa abrir o placar e arrombar a porteira, unidades que não conservam a mesma forma, mas veiculam o mesmo sentido.

O registro cartográfico realizado para time da casa também foi realizado para as variantes de abrir o placar, como mostra a Figura 2.

Figura 2
Abrir o placar

A Figura 2 ilustra a distribuição das variantes de abrir o placar conforme a distribuição geográfica de cada jornal. Neste sentido, nota-se que abrir o placar ocorreu em todos os jornais estudados e que abrir o marcador, a segunda em número de ocorrência, apareceu nos dados de quatro jornais, com exceção de O Massa! localizado em Salvador, região Nordeste brasileira. Inaugurar o placar apareceu apenas nos dados do Jornal Amazônia, região Norte. Por sua vez, abrir a contagem aconteceu nos dados dos jornais O Massa! região Nordeste e Meia Hora, região Sudeste, não ocorrendo nas demais localidades. Em termos de quantidade, o Jornal Daqui, da região Centro Oeste, apresentou quatro das seis variantes encontradas. Nota-se ainda que a variante abrir o placar sofre uma polarização, pois é mais recorrente no Amazônia Jornal, localizado na região Norte, e menos produtiva no jornal Diário Gaúcho, da região Sul brasileira.

A distribuição fraseológica ilustrada na Figura 2 evidencia ainda a existência de três tipos de agrupamentos em razão da distribuição diatópica, tal qual relatam Razky e Guedes (2015)RAZKY, A.; GUEDES, R. Le continuum des regroupements lexicaux dans l’Atlas Geossociolinguístico do Pará (ALiPA). In: CONTINI, M.; LAI, J.-P. La géographie linguistique au Brésil. Geolinguistique. Grenoble: ELLUG, 2015. p. 149–162., a saber: dois macroagrupamentos, em face da realização em nível territorial-nacional, abrir o placar e abrir o marcador; dois microagrupamentos, tendo em vista o nível regional, abrir a contagem nas regiões Nordeste e Sul, além de inaugurar o placar, em textos do Centro-Oeste e do Sul; e dois nanoagrupamentos, em razão da realização em nível estadual, arrombar a porteira, encontrado no jornal Daqui, de Goiânia-Goiás, e abrir o placar, no Amazônia Jornal, tablóide com sede em Belém-Pará.

Do ponto de vista fraseológico, considerar a fixidez do agrupamento possibilita eleger a tipologia das unidades catalogadas. Porém, como elas são passíveis de variação, é relevante observar a propriedade relacionada à previsibilidade, ou seja, no caso de abrir o placar, as opções disponíveis ampliam o fator de previsibilidade de ocupação de outro termo na combinatória abrir/o (a) placar/ marcador/ contagem, podendo o mesmo ocorrer com o primeiro constituinte do sintagma em inaugurar/ o marcador/placar, porém em arrombar a porteira verifica-se o alto grau de idiomaticidade presente no fraseologismo, diretamente ligado ao nível de opacidade, em que nem o constituinte arrombar nem o constituinte porteira assumem o seu sentido individual, confirmando assim a perspectiva de Mejri (2012)MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156., que explica que quanto maior a opacidade, maior a idiomaticidade da unidade.

Os critérios apontados por Mejri (2012)MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156. permitiram identificar, além do aspecto estritamente polilexical, a validade da fixidez e as condições de aceitabilidade, as quais possibilitam ao falante fazer uso dessas estruturas em situações específicas. Ao mesmo tempo, a dinâmica de atualização da língua permite ao falante apresentar em sua produção linguística variedade de expressões. Tais expressões, como assegura Corpas Pastor (1996)CORPAS PASTOR, G. Manual de fraseología española. Madrid: Gredos, 1996., são marcas da criatividade do usuário e os falantes as adequam ao contexto e ao movimento histórico em que são produzidos, porém não ao ponto de terem seu sentido desfeito. Essa mesma variação (Coseriu, 1980COSERIU, E. Lições de linguística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980.) reflete as particularidades da distribuição espacial dos falantes. Para tanto, eles atribuem valor conotativo, como verificado em arrombar a porteira, que possibilita a aproximação entre os interlocutores tanto do ponto de vista diatópico quanto da união circunscrita pelo futebol. Neste caso, a idiomaticidade torna-se elemento agregador, pois, no jogo das escolhas, umas unidades fraseológicas são mais oportunas que outras.

Deste modo, a linguagem fraseológica do futebol, registrada neste estudo por meio dos pares estudados, demonstra que a distribuição geográfica de suas ocorrências evidencia o caráter dinâmico dessas expressões, que servem aos propósitos de redatores nas diferentes regiões do país.

Considerações finais

A proposição deste artigo apresentou como foco a descrição dos pares de fraseologismos time da casa e abrir o placar com o intuito de ilustrar, por meio de cartografia, a variação diatópica existente na linguagem utilizada pelos articulistas de jornais digitais populares, em suas edições diárias. A partir dos resultados obtidos, percebe-se que, consoante o domínio fraseológico de seus leitores, o caráter sensacionalista desses jornais faz com que os redatores direcionem o noticiário de forma tal que a linguagem esteja basicamente constituída por expressões facilmente reconhecidas por seus leitores.

No que tange ao aspecto fraseológico, vimos que a frequência com que os fraseologismos ocorrem, aspecto aferido pelo número de vezes em que cada uma das unidades foi produzida, reflete o seu grau de institucionalização, a escalaridade de sua fixidez, idiomaticidade, convencionalidade e consequente aceitabilidade, propriedades que os distinguem de unidades lexicais livres.

Do ponto de vista estritamente diatópico, percebemos que alguns fraseologismos se comportam de forma mais especializada, como é o caso de time/equipe da casa, em que os articulistas parecem tentar escapar, até certo grau, da variação em virtude da localização territorial. Já no caso de abrir o placar, há evidência de diatopia, a qual está expressa pelas seis variantes apresentadas.

Em síntese, a variação fraseológica aferida nos pares aqui apresentados reflete, mesmo em textos escritos, nos quais há maior monitoramento em relação a traços da diversidade de cada região do país, variantes polilexicais nos falares brasileiros. A análise da variação fraseológica, presente nesses jornais eletrônicos, mostra a necessidade de aprofundamento nas pesquisas geossociolinguísticas sobre a fraseologia, uma vez que ainda são poucas as investigações fraseológicas dessa natureza. Além disso, pesquisas no âmbito da linguagem trazem contribuições para usuários nos mais variados domínios, especialmente quando facilitam a compreensão dos sentidos de termos e expressões que se desenvolvem e circulam em cada área do conhecimento. Assim, o futebol, como os demais domínios discursivos, necessita também de estudos de base linguística de modo que se possa acompanhar a dinâmica desse esporte e o entendimento dos sentidos que as expressões ligadas à sua prática veiculam.

REFERÊNCIAS

  • CARDOSO, S. Geolinguística: tradição e modernidade. São Paulo: Parábola, 2010.
  • CHAMBERS, J. K.; TRUDGILL, A. Dialectology Cambridge: Cambridge University Press, 1980.
  • CORPAS PASTOR, G. Manual de fraseología española. Madrid: Gredos, 1996.
  • COSERIU, E. Lições de linguística geral Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980.
  • DUBOIS, J. et al. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 1978.
  • GARCÍA PAGE, M. Introducción a la fraseología española: estudio de las locuciones. Madri: Anthropos, 2008.
  • LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Fundamentos da metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
  • MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156.
  • MEJRI, S. La traduction des textes spécialisés: le cas des sciences du langage. In: COLLOQUE DU 50E ANNIVERSAIRE DE L’ISTI, 50., Oct 2008, Belgique. Actes [...]. Belgique: Editions du Hazard, 2009. p.117-144.
  • MEJRI, S. Le figement lexical Tunis: Publications de la Faculté des Lettres de la Manouba, 1997.
  • MONTEIRO-PLANTIN, R. S. Fraseologia: era uma vez um patinho feio no ensino de língua materna. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2014. v.1.
  • OLIVEIRA SILVA, M. E. O. de. Dicionários: armas de dois gumes no estudo da fraseologia. O caso das locuções. In: ORTIZ ALVAREZ, M. L.; UNTERNBÄUMEN, E. H. (org.). Uma (re)visão da teoria e da pesquisa fraseológicas. Campinas: Pontes Editores, 2011. p. 161–182.
  • ORTIZ ALVAREZ, M. L. Expressões idiomáticas do português do Brasil e do espanhol de Cuba: estudo contrastivo e implicações para o ensino de português como língua estrangeira. 2000. 334f. Tese (Doutorado em Linguistica Aplicada) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 2000.
  • RAZKY, A. O Atlas geo-sociolinguístico do Pará: abordagem metodológica. In: AGUILERA, V. de A. (org.). A geolingüística no Brasil: caminhos e perspectivas. Londrina: UEL, 1998. p.2096-228.
  • RAZKY, A.; GUEDES, R. Le continuum des regroupements lexicaux dans l’Atlas Geossociolinguístico do Pará (ALiPA). In: CONTINI, M.; LAI, J.-P. La géographie linguistique au Brésil. Geolinguistique. Grenoble: ELLUG, 2015. p. 149–162.
  • RAZKY, A.; OLIVEIRA, M. B. de; LIMA. A, F. de. (org.). Estudos Geossociolinguísticos do Português Brasileiro. Campinas: Pontes Editores, 2020. v.2.
  • SALVADOR, C. F. N. Estudo de fraseologia do futebol brasileiro das séries B, C e D em jornais digitais populares: construção de um dicionário eletrônico. 2017. 515f. Tese (Doutorado em Letras – Estudos Linguísticos) — Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.
  • SARDINHA, T. B. Linguística de corpus Barueri: Manole, 2004.
  • SCOTT, M. WordSmith tools. versão 5.0. Liverpool: Lexical Analysis Software, 2008.
  • TAGNIN, S. E. O. Linguística de corpus e fraseologia: uma feita para a outra. In: ORTIZ ALVAREZ, M. L.; UNTERNBÄUMEN, E. H. (org.). Uma (re)visão da teoria e da pesquisa fraseológicas. Campinas: Pontes Editores, 2011. p. 277-302.
  • 1
    Em face da diversidade terminológica para nomear o fenômeno, optou-se pelo uso de fraseologismo ou unidade fraseológica (Mejri, 2012MEJRI, S. Délimitation des unités phraséologiques. In: ALVAREZ, M. L. O. (org.). Tendências atuais na pesquisa descritiva e aplicada em fraseologia e paremiologia. Campinas: Pontes, 2012. p. 139–156.).
  • 2
    Codificação do corpus: SB=Série do Campeonato Brasileiro, NE= Região Nordeste, OM= O Massa Jornal, 2011= ano da publicação.
  • 3
    A variação fraseológica constitui um universal linguístico (Dobrovol’skil, 1988, p. 159), a partir do qual o grau de regularidade de um determinado sistema fraseológico pode ser medido: quanto mais variações, transformações e modificações apresentam os fraseologismos de uma língua, mais regular é seu sistema fraseológico (Corpas Pastor, 1996CORPAS PASTOR, G. Manual de fraseología española. Madrid: Gredos, 1996., p. 28).
  • 4
    N=Norte/AJ=Amazônia Jornal CO= Centro Oeste/DA=Daqui S= Sudeste/DG=Diário Gaúcho SE= Sudeste/MH=Meia Hora de Notícias NE=Nordeste/OM=O Massa!
  • 5
    A quantidade de vezes em que apareceu no corpus.
  • 6
    A quantidade de ocorrência de cada variante.
  • 7
    Carta-base do ALiB.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    9 Maio 2021
  • Aceito
    13 Maio 2022
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Rua Quirino de Andrade, 215, 01049-010 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 5627-0233 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: alfa@unesp.br