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LEITURAS DE UM DOUTOR DE COIMBRA EM LUANDA NO SÉCULO XIX

READINGS BY A DOCTOR FROM COIMBRA IN LUANDA IN THE 19TH CENTURY

RESUMO

As bibliotecas privadas desempenharam, muitas vezes, a função de reserva de liberdade face ao meio social e político, servindo, também, a outras funções, conforme o percurso e posicionamento dos seus proprietários e seu respectivo empenho na cultura escrita. O que fica de um percurso individual, no meio social envolvente, são também leituras que o dono da biblioteca efetuou nos meios por ele frequentados. Quando o percurso biográfico reúne várias paisagens e quadros sociais, ele se torna intermediário entre várias culturas e faz transitar os livros entre semiosferas diversas, principalmente em países inter e multi culturais e linguísticos. O caso de Alfredo Troni é particularmente significativo, não só no que diz respeito às suas palavras, também de quanto as inter-relações nos circuitos do livro animam e atualizam comunidades literárias, criatividade e leituras em países ou colônias.

Palavras-chave:
Literatura angolana - Bibliografia - Século XIX

Abstract

Private libraries have often played the role of reserving freedom towards the social and political environment. They did, however, have other functions, according to the path and positioning of its owners and respective commitment to written culture. What remains from an individual path, in the surrounding social environment, is also the readings that the library owner made and carried out in the social circles by him frequented. When the biographical course gathers several landscapes and social frameworks, it becomes an intermediary between various cultures and shifts the books between diverse semiospheres, mainly in inter- and multi-cultural and linguistic. Alfredo Troni’s case is particularly significative, not only of what he said, but also of how much interrelations in the book’s circles cheer up and update literary communities, creativities and readings in countries and colonies.

Keywords:
Angolan literature - Bibliography - 19th century

1. Nota contextualizante

Situemo-nos na colônia de Angola na segunda metade do século XIX. Até muito tarde, não existiam bibliotecas públicas na colônia. Por iniciativa quase pessoal, se fundou a primeira, a Biblioteca Municipal de Luanda, inaugurada em 1 de dezembro de 1873, cujo nome oficial hoje é Biblioteca do Governo Provincial de Luanda. A pessoa por trás de sua fundação era o jornalista, político, poeta, professor e causídico (provisionário, ou provisionado) António Urbano Monteiro de Castro. Urbano de Castro, que deixou descendência na colônia e em seu país de origem, foi bibliófilo também, de família nobre, nascido e criado em Portugal, onde seus familiares também vingaram no mundo jornalístico. Por sua iniciativa, quando vereador da Câmara Municipal de Luanda, foi aprovada a criação da Biblioteca Municipal em sessão de 12 de novembro de 18733 3 CANDEMBO, Silva. Biblioteca Municipal de Luanda assinala 148 anos com as portas fechadas!… Correio Angolense, Luanda, p. 1, 3 dez. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3CuNbX5. Acesso em: 5 dez. 2022. . Chamou-se, na linha de recente bagagem lexical e partidária, “biblioteca popular”.

Martins dos Santos detalha que a proposta fora feita pelo Presidente da Câmara, ficando o vereador encarregado de redigir o regulamento, mas o que importa agora é que a Biblioteca só abriu nessa data. Importa igualmente que o espólio inicial era composto por “seis boas estantes”4 4 LUANDA. Câmara Municipal. Relatório (da Vereação). Boletim Oficial, Luanda, p. 140, 3 mar. 1874. , bem apetrechadas: “duzentos e sessenta e cinco livros próprios e mais duzentos e cinquenta emprestados por Urbano de Castro”5 5 SANTOS, Martins dos. Cultura, educação e ensino em Angola. 2. ed. Braga: [s. n.], 1998. p. 124. Disponível em: https://bit.ly/42CIsgM. Acesso em: 30 nov. 2022. e “alguns mapas geográficos”6 6 LUANDA, 1874. . Cerca de metade da única biblioteca pública pertencia a uma biblioteca particular e residia nela por empréstimo. Ao todo, os luandenses e residentes passavam a dispor de 515 títulos.

A importância da instituição para o meio pode ser medida pelas reações à tentativa de fechá-la em 1882. Os motivos apresentados foram, entre outros, desempenho irregular e dificuldades de financiamento. Muitos luandenses opuseram-se, apesar das irregularidades, o que pode significar que lá consultavam livros a que não tinham qualquer acesso em outros lugares. Em 1886 “chamava-se a atenção dos responsáveis para o facto de alguns livros marcados com o carimbo da Biblioteca Municipal de Luanda terem sido vendidos em praça, integrados em espólios de munícipes falecidos”7 7 SANTOS, 1998, p. 125. . A prática manteve-se até ao recente encerramento, lesando um acervo precioso para estudar a cultura impressa angolana da segunda metade do século. Sendo reprovável, revelava ainda um mercado sequioso. Repare-se que os exemplares desviados eram vendidos depois de falecerem os leitores, o que também significa que estes os valorizavam ao longo da vida.

Com o passar do tempo e a aceleração dos mercados, em 1927 se dizia que tinha a Biblioteca poucos leitores8 8 Ibidem, loc. cit. . Deve referir-se que, neste ponto, Martins dos Santos não menciona a fonte… Dos seis mil volumes que registava, “o principal recheio” (segundo o próprio município) era constituído pela doação dos herdeiros de Alfredo Troni em 19139 9 Ibidem, loc. cit. . Dela, no entanto, restam muito poucos sinais. Por outro lado, a contribuição maciça dos herdeiros de Troni mantinha a caraterística inicial: acervos privados eram fundamentais para a biblioteca pública.

Sendo essa a única pública, as privadas adquiriam maior importância. Calcula-se que os bibliófilos locais deixassem amigos lerem suas obras, e deviam permitir cópias também, pois ainda era procedimento corrente ler um livro e copiar fragmentos. Há uma passagem muito esclarecedora, na introdução de Cordeiro da Mata ao Ensaio de dicionário kimbundu-português:

Como o «Diccionario da lingua Nbundu ou Ngolense - Tomo I - Nbundu para portuguez - colligido pelo dr. Saturnino de Sousa e Oliveira, - Loanda, Imprensa do Governo, 1864» - é pouco conhecido e d’elle apenas se vê em Loanda algumas folhas (da letra A a Cuban, de Ma a Nden e de Zam a Cuzucu) nas mãos do sr. dr. Alfredo Troni e nós tivemos de transcrever esses fragmentos dos «Apontamentos sobre a língua Kimbundu» que o nosso prestante patricio e amigo Lino de Araújo emprestára ao nosso amigo Héli Chatelain, e este tivera a condescendência de nol-os ceder temporariamente, e visto termos aproveitado d’esses fragmentos o que nos pareceu necessário para o nosso Ensaio […]10 10 MATTA, J. D. Cordeiro da. Ensaio de dicionário kimbúndu-portuguez. Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 1893. p. xi. Disponível em: https://bit.ly/42H8srk. Acesso em: 5 dez. 2022. .

Atente-se no percurso: um médico, jornalista e político brasileiro, filho de um senador do império, tornou-se cônsul-geral do Brasil em Angola (1858) e precisava aprender a língua da terra, mas não encontrou dicionários ou gramáticas ali, portanto, foi tomando notas. Em 1864, junto com o angolano (educado no Brasil) Manuel Alves de Castro Francina11 11 Originalmente Manuel Alves de Castro. Publicou Declaração no Boletim oficial (n. 93, p. 4, 19 jun. 1847) dizendo que “[…] filho de Manoel do Nascimento e Oliveira […] tendo um Primo com o mesmo nome, passa d’ora em diante a assinar-se Manoel Alves de Castro Francina — Luanda, 17 de Junho de 1847.” Francina foi professor de Latim e colaborou com Saturnino de Sousa e Oliveira na transformação da casa do seu pai em hospital de emergência para combate à varíola. , publicou uma gramática onde propunham “ inicialmente a fazer correções à do capuchinho italiano Bernardo Maria de Cannecattim“ . Uma local no Boletim Oficial, em 1865, assegurava que “o dicionário acha-se no prelo”, ao mesmo tempo que dizia já estar à venda na tipografia a “Gramática da língua nbunda ou ngolense12 12 Anúncio. Boletim oficial. Luanda, n. 11, p. 52, 11 mar. 1865. . Cerca de vinte anos mais tarde (1888-1889), já H. Chatelain duvidava da existência da obra13 13 ROSA, Maria Carlota. Um brasileiro, um angolano e uma gramática do quimbundo: os “Elementos gramaticais da língua nbundu”. edição do exemplar da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Vila Real: UTAD-CEL, 2020. p. 10-11. Disponível em: https://bit.ly/3qMO4b7. Acesso em: 30 nov. 2022. , só conhecida por “algumas folhas”, como diz Cordeiro da Mata. Essas folhas estavam “nas mãos do sr. Dr. Alfredo Troni”14 14 No Jornal de Loanda, de 8 de dezembro de 1880, colocou-se um anúncio, ao fundo da p. 3: “Compram-se nesta redação as folhas do dicionário N’Bundo e Angolense do dr. Saturnino”. Como se nota, já só se pediam “folhas” e o título é diferente, embora com mínima diferença: “N’Bundo e Angolense” em vez do “Nbundu ou Ngolense” indicado por Cordeiro da Mata. Pelo que se vê, o anúncio deu frutos. TORRES, Julião Monteiro. Julião Monteiro Torres, recebeu pelo La Plata e vende. Jornal de Luanda, Luanda, n. 85, p. 3, 8 dez. 1880. Disponível em https://bit.ly/468xMcw. Acesso em: 5 dez. 2022. e Mata leu fragmentos de uns “Apontamentos sobre a língua kimbundu” por empréstimo do próprio Chatelain, que os recebera, por empréstimo também, de Lino de Araújo (destacado jornalista republicano e autonomista angolense). M. C. Rosa apenas refere os Elementos gramaticais da língua nbundu, não mencionando nenhuns “Apontamentos”. Entretanto, as folhas circulavam, como também cópias (ou versões) manuscritas e a obra de Saturnino e Manuel de Castro espargia assim. Quanto aos “Apontamentos”, penso que terão sido coligidos por Lino de Araújo, a partir de rabiscos anteriores.

Repare-se que duas particulares bibliotecas foram necessárias: a de Alfredo Troni e a de Lino Maria de Sousa Araújo, que fundara com F. A. Pinheiro Baião, militar e naturalista português inconformado, O Cruzeiro do Sul (1873-1878), o primeiro periódico local a declarar-se republicano. Em 1878, Troni começaria um novo periódico de referência, o Jornal de Luanda, que veio arejar a literatura em formação, divulgar novas ideias e publicar os autores da geração de Cordeiro da Mata. Em resumo: dois fundadores e diretores dos dois jornais mais importantes da colônia na década de 1870 detinham folhas preciosas de um livro e de manuscritos que se diluíram por Luanda nesses anos. O livro imprimiu-se na imprensa oficial em 1864 (hoje sobrevivem seis exemplares e nenhum em Angola, estando um digitalizado e disponível em rede)15 15 ROSA, 2020, p. 12. .

As bibliotecas privadas eram base de leituras, somadas aos acervos das ordens religiosas e trechos em periódicos. Infelizmente, não há catálogos dessas bibliotecas e não tive acesso aos inventários de órfãos de Luanda, apesar das tentativas. Em compensação, pude, ainda, encontrar, na antiga Biblioteca Municipal, uns poucos livros com autógrafo de Alfredo Troni e de outro bibliófilo da época, também luso de vivência angolana, Joaquim Eugénio de Sales Ferreira16 16 Em certos momentos, ele assina os livros com um nome mais completo: “Joaquim Eugénio da Costa Salles Ferreira”. . Isso nos permite um quadro mínimo de leituras de duas figuras importantes para a formação da nossa literatura, principalmente a primeira, o advogado, jornalista e novelista Alfredo Troni. Por motivos desconhecidos, nunca vi um livro assinado pelo proponente Urbano de Castro.

2. A biografia de Alfredo Troni

Alfredo Troni dispensa apresentações. Para os leitores menos informados, bastam-nos poucas notas.

Além de advogado, foi “Delegado do Procurador da Coroa e Fazenda na comarca de Barlavento”, Cabo Verde, Juiz de Direito em Benguela17 17 TOPA, Francisco. Alfredo Troni, doutor de Coimbra, cidadão de Angola. Revista de estudos literários, Coimbra, v. 5, p. 161-188, 2015. DOI: 10.14195/2183-847X56. Acesso em: 30 nov. 2022. , bem como Encarregado de negócios do Consulado alemão18 18 ANGOLA. Governo-geral da Província. Boletim Oficial, Luanda, n. 13, 1 abr. 1899. . Dirigiu e foi o principal redator do já nomeado Jornal de Loanda (1878-1882), periódico de referência, entre outros motivos, pela publicação dos primeiros poemas bilingues angolanos. Os poucos textos que li dele (incluindo “críticas” a sentenças jurídicas no Jornal de Loanda) mostram um articulista enxuto, arguto, irônico e atualizado. Escreveu, quanto se saiba, apenas uma obra literária, no entanto fundamental para os primórdios da narrativa literária no país: Nga mutúri (“a senhora viúva”)19 19 TRONI, Alfredo. Nga mutúri. Lisboa: Edições 70, 1973. Foi publicada primeiro, em junho e julho de 1882, em folhetins, no Diário da Manhã de Lisboa. que até hoje continua viva na memória angolana e respectivo mercado literário. Troni dirigiu e fundou, também, o Mukuarimi (“linguarudo”), de 1888 e Os Concelhos de Leste (1891). Terá sido o primeiro intelectual em Angola a dar atenção maior aos ditos concelhos, então sofrendo os primórdios da uma dolorosa instalação do corpo administrativo colonial, em que se focaria a ‘trilogia de Camaxilo’ de Castro Soromenho, quase cem anos depois.

Vamos extrair agora, da biografia, os indícios das redes bibliográficas envolvidas.

Os primeiros indícios relacionam-se com Coimbra, onde nasceu, a 4.2.1845, filho natural do catedrático de Direito José Adolfo Troni (1825-1886), que mais tarde se dedicou à advocacia em Lisboa. José Adolfo Troni, maçom, descendia de italianos, mas nascera em Madrid, onde o pai combatia no exército napoleônico. Já por aqui se vê que o progenitor saía de uma família em trânsito, migrante, com leituras arejadas para o meio cultural português.

José Adolfo terá recebido carta de naturalização portuguesa a 23.8.1851. A data, porém, em que se tornou cidadão português, é posterior, segundo Francisco Topa, que aponta 185820 20 TOPA, 2015, p. 162. . Publicou vários opúsculos jurídicos, um deles envolvendo a famosa Fonte dos Amores em Coimbra. Contribuiu para a defesa do comentado guerrilheiro João Brandão, no município de Tábua, sendo adjetivado como o “arguto Dr. José Adolfo Tróni”21 21 NUNES, António José Simões. Grandes tabuenses. Barroseira, Tábua, 21 ago. 2009. Disponível em: https://bit.ly/441xH8J. Acesso em: 12 jan. 2022. . Possuiria dotes oratórios extraordinários e os terá transmitido ao filho.

Um senão relativo à ascendência de Alfredo Troni reside no apagamento do seu nome. Nos vários sítios de genealogia postos em rede apenas aparece o filho natural e médico Augusto Maria Ribeiro Troni. Foram perfilhados em janeiro de 186922 22 TOPA, 2015, p. 161. . Desconheço a razão por que não se menciona Alfredo nessas genealogias. Pela mesma via soube que houve descendência brasileira da família Troni.

Pelo visto até aqui, Troni não terá tido muito acesso à biblioteca do pai. Bacharelou-se em Direito em 1866, concluindo a formatura no ano seguinte23 23 Ibidem, p. 162-163. . Ali conviveu com realistas e parnasianos, incluindo João Penha. Quando começou a empresa do Jornal de Loanda, como disse, emergia timidamente uma primeira geração de escritores. Essa geração tinha filhos da terra (Cordeiro da Mata, Pedro Félix Machado, João Edmundo da Cruz Toulson) e reinóis (José Bernardo Ferrão, Eduardo Neves). Ela constituiu sério padrão protonacionalista e o primeiro perfil literário, dando início à lírica bilingue (em quimbundo e português), experimentando soluções formais (embora tímidas) além do romantismo e ultrarromantismo, pesquisando e divulgando as tradições urbanas e rurais de Luanda e seus alongados arredores, firmando uma norma gramatical, ortográfica e lexical para o quimbundo (kimbundu). Por coincidência, dessa geração se destaca uma figura singular para o meio, Pedro Félix Machado. Foi, enquanto romancista, o que mais próximo tivemos do realismo (partilhado pelo autor da Nga mutúri) e, enquanto lírico, o mais próximo de João Penha, como de Olavo Bilac (com quem o seu irmão - Julião Machado - fundaria dois periódicos de relevo no Rio de Janeiro). É de supor-se, portanto, que a presença carismática de Alfredo Troni em Luanda propagasse escolas literárias a cujo surgimento assistiu quando estudante universitário.

Viveu Troni, além de Portugal, em São Tomé - para onde foi em 8.3.1869 - e Cabo Verde, para onde o nomearam ainda nesse ano, apesar de ter concorrido a cargo em Benguela24 24 Ibidem, p. 165. . A presença no arquipélago interessa-nos. Ali se tornou amigo de José Lopes25 25 Nascido na Ribeira Brava, São Nicolau, em 15 de janeiro de 1872, falecido no Mindelo em 2 de setembro de 1972. Cursou no seminário-liceu e aprendeu inglês sozinho. Foi, também, professor e desempenhou papel importante na preparação das novas gerações literárias caboverdianas. Uma sobrinha sua se tornou a melhor e mais conhecida escritora de Cabo Verde: Orlanda Amarílis, filha de sua irmã Alice Lopes da Silva. , um dos poetas da geração das Hespérides. Em consequência do seu convívio, que terá sido literário também, quando Alfredo Troni era já abastado proprietário convidou José Lopes da Silva para trabalhar numa fazenda no Hoco, Cazengo26 26 Trabalhou também nas margens do Lucala. , podendo assim melhorar a sua condição financeira (era órfão desde cedo). Lopes migrou para lá em 1891, regressando por doença a Cabo Verde, onde muito mais tarde (1928) publicou o primeiro livro de poemas, o Jardim das Hespérides. Nesse convívio desmultiplicava formação e informação culturais e bibliográficas para as ilhas da morna, de onde receberia influxos também.

Depois da primeira estada africana, em 1872, Alfredo Troni voltou a Portugal por motivos de saúde, conservando-se lá até final desse ano e comprando livros. As biografias apontam 1873 como data de regresso a Angola. No entanto, Francisco Topa só encontrou sinais da sua presença em 1874, como juiz em Benguela. No final desse ano foi autorizada sua transferência para Luanda, que só deve se ter efetivado no começo de 187527 27 TOPA, 2015, p. 166. . O Jornal do Porto, em uma série de notas enviadas de Luanda a 30.4.1875 (publicadas a 11.6.1875), noticia a chegada do “novo juiz nomeado para a 2.ª vara d’esta comarca”. Informa ainda que ele “já tomou conta do seu cargo”28 28 Z***. Angola. Jornal do Porto, Porto, n. 130, p. 1, 11 jun. 1875. Disponível em: https://bit.ly/42KwUb8. Acesso em: 30 nov. 2022. .

Na hierarquia da quezilenta colônia o juiz ocupava lugar de realce e, pouco antes, outro juiz-poeta (serôdio ultrarromântico ligado a A Grinalda) exercera as mesmas funções. Escreveria o primeiro poema (composto em Angola) de elogio à mulher ‘africana’ explicitamente e por causa da cor da pele. Chamava-se João Cândido Furtado de Mendonça d’Antas.

A função de juiz reforçava-o como referência cultural e canônica, ajudando assim na divulgação local de novas escolas literárias. A colocação social ainda melhorou, sendo eleito deputado por Angola em 1878 (ano da fundação do Jornal de Loanda), após o que tentaram afastá-lo para Moçambique, em razão do protagonismo crítico. Percebendo a manobra, resolveu demitir-se da função pública e dedicar-se em exclusivo à atividade privada, abrindo a tempo inteiro banca de advogado. O episódio ficou nebuloso29 29 TOPA, 2015, p. 167, 172. , mas a decisão revela definitiva aposta no futuro país. Empenhou-se no combate à escravatura e já se percebeu que não era politicamente bem visto por Lisboa. Para além de eleito com número expressivo de votos (4928 em 5448), foi Presidente da Câmara Municipal de Luanda (poucos meses, tendo-se dissolvido o executivo “por decreto do comissário régio”)30 30 LOPO, Júlio de Castro. Um doutor de Coimbra em Luanda. Luanda: Museu de Luanda, 1959; TOPA, 2015, p. 174. e da Associação Comercial. Nesses cargos reforçou prestígio e influência. Sua biografia singular terminou em Luanda a 25.7.1904.

Topa detalha a sua biografia, pelo que remeto para ela os interessados. Além do seu estudo, também consultei as Nótulas históricas, de Alberto de Lemos31 31 LEMOS, Alberto de. Nótulas históricas. 2. ed. Luanda: FTP, 1969. e Um doutor de Coimbra em Luanda, de Júlio de Castro Lopo.

Uma das funções consequentes exercidas por Troni prendia-se com o ensino: integrou o Conselho Superior de Instrução Pública (1877) e recebeu “a incumbência de inspecionar as escolas da cidade” (3.7.1876)32 32 SANTOS, 1998, p. 140. . Topa detalha mais a função:

informar depois sobre a aptidão dos professores, método de ensino seguido, grau de instrução dos alunos, capacidade das escolas, estado das alfaias escolares, uso de objetos auxiliares do estudo, como instrumentos, mapas, exemplares, e tudo quanto em tão momentoso assunto possa habilitar o governo a bem providenciar.33 33 TOPA, 2015, p. 167.

É claro que estava envolvida a biblioteca particular e a enciclopédia literária do inspetor. Da eleição para deputado recolhemos a informação de que se manteve leitor e estudioso atento em Luanda, referindo-se-lhe a “variadíssima leitura que possui e aturado estudo que faz”34 34 Ibidem, loc. cit. . Disso mesmo nos apercebemos ainda consultando algumas obras por si compradas e que li na antiga Biblioteca Municipal.

3. Resumo bibliográfico

Gostava de conhecer a enciclopédia interpretativa de Alfredo Troni. Precisava de uma completa listagem das suas leituras e de compará-las com os seus escritos e com números do Jornal de Loanda a que não tive acesso (os digitalizados são poucos). Impossível a missão, resta procurar títulos que seguramente leu e, nos exemplares que vieram até nós, investigar as pistas interpretativas possíveis.

No Jornal de Loanda, anuncia-se a chegada e venda dos seguintes títulos:

“Émile Zola - Naná, 2 vol’s”

“Eça de Queiroz - O Mandarim, 1 vol.”

“Diversos romances de vários autores nacionais e estrangeiros”

“Livros d’estudos”

“Biblioteca para homens: -”

“Grande quantidade de vistas do interior d’Africa (fotografias de Moraes)”35 35 TORRES, 1880. .

Recebiam-se também “assinaturas” de novas publicações, entre elas O Plutarco português, À volta do mundo e o “romance” Lubin & Cia.

O anúncio datava do dia anterior. É um fragmento preciso do mercado livreiro e leitor de Luanda na direção que Troni gostaria que tomasse. Os romances de Eça de Queiroz e de Zola assinalam a penetração do realismo e do naturalismo. A(s) escola(s) literária(s) dos autores acompanhavam-se por divulgadores. A Estética naturalista: estudos críticos sobre arte, do bem-sucedido Júlio Lourenço Pinto (1885)36 36 A data no livro é 1884 (quando o autor se tornou presidente da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto); mas a edição referida na sua biografia é de 1885 e o subtítulo mais extenso — o que citei — não possui menção de editora. , poderá ter sido lida em Luanda na época, existindo um exemplar, ainda no começo dos anos 2000, no Arquivo Histórico Nacional de Angola.

Era conveniente que a listagem incluísse “romances de vários autores nacionais e estrangeiros”, uma vez que o gênero continuava popular. Os “livros d’estudos”, não sabemos o nome deles. Mas consideremos o restante para detalhar o possível influxo no meio.

As “fotografias de Moraes” talvez viessem a ser reunidas depois, no Album photographico-litterario, de J. A. da Cunha Moraes, estabelecido com a Photographia Moraes. Esse livro foi também coescrito por Francisco de Sales Ferreira (fizeram juntos expedições que deram base às fotos). Este segundo coescritor era o irmão mais velho do bibliófilo J. E. de Sales Ferreira. O Álbum contém 53 albuminas37 37 Ou seja, fotos impressas em papel albuminado a partir de negativos. O método foi criado por Louis Désiré Blanquart-Evrard em 1850. e publicou-o em Luanda, cerca de 1894, o próprio Moraes38 38 MORAES, J. A. da Cunha; FERREIRA, Francisco Salles. Album fotográfico-literário. Luanda: Moraes, 1894. . Podem ser também fotos reunidas no anterior Africa Occidental: album photographico e descriptivo39 39 MORAES, J. A. da Cunha. África Ocidental: álbum fotográfico e descritivo. Lisboa: David Corazzi, 1885. . Elas foram primeiro vendidas individualmente e daí o anúncio, anterior a qualquer uma das edições.

As “fotografias” inseriam-se no mesmo âmbito da publicação À volta do mundo, que reuniu relatos de viagem de vários livros. O âmbito era já o da visão civilizadora colonial. A aposta na fotografia, nesse momento, incluía-se num esforço de desenvolvimento e modernização, reclamado por todos.

4. Livros assinados por Alfredo Troni

Dos livros assinados por Troni, listei-os em duas categorias: Política e História, Literatura e Oratória.

Convém lembrar que é uma lista muito curta, por vários motivos. Em primeiro lugar, a referida e constante retirada ilegal de livros. Em segundo lugar, apesar da boa vontade de alguns, não tive acesso a todos os livros e, vários dos que pude ler, estavam truncados, as folhas do começo arrancadas, ou muito estragadas. Em terceiro lugar porque me restringi às Ciências Humanas e Sociais. Em quarto lugar porque há exemplares com assinaturas ilegíveis, outros em que o nome do proprietário não parece autógrafo, outros ainda em que surge só a data, ou local. Excetuando um caso, devidamente justificado, excluí todos os que não continham, seguramente, indícios de posse ou de compra por Alfredo Troni.

4.1. Política, História

1. James Emerson Tennent. Ceylon: an account of the Island, physical, historical, and topographical. 5.ª ed., rev. 2 vol’s. Londres: Longman, Green, Longman & Roberts, 1860. Folha de rosto, canto superior direito: “Alfredo Troni, 7-6-72”. Pela data, comprou em Portugal ainda.

2. Joseph Cooper. Un continent perdu “ou l’esclavage et la traite / en Afrique (1875) /avec quelques observations / sur la manière dont ils se pratiquent en Asie et dans d’autres contrées / sous le nom du système contractuel de la main-d’œuvre”. Trad. e pref. Ed. Laboulaye. 2ª ed. Paris: Hachette, 1876. Na folha de rosto: “Alfredo troni. Loanda 9 de Abril de 1877”.

3. “Notícia dos ministros e secretários d’Estado do regime constitucional nos 41 anos decorridos desde a regência instalada na Ilha Terceira em 15 de Março de 1830 até 15 de Março de 1871”. Lisboa: IN, 1871. Assinatura: “Atroni / Lda 19-[?]-1882”.

4. Paul Leroy-Beaulieu. De la colonization chez les peuples modernes. 2ª ed., rev., corr., aum.. Paris: Guillaumin, 1882. Assinatura (“A. Troni”, na diagonal, sobre o título, caso único). Data: “L.da 21-2º-890”40 40 Deslocara-se a Lisboa. O Correio de Luanda anuncia a chegada, “brevemente”, a “esta cidade”, do dr. “Alfredo Trony” (Correio de Luanda. Luanda, p. 4, 1890). . Este exemplar, ao contrário dos outros, não tem carimbos da Biblioteca.

4.2. Literatura e Oratória

5. Abel-François Villemain. Discours et mélanges littéraires. Nova ed., revª, corr. e aum.. Paris: Didier, 1856VILLEMAIN, Abel-François. Discours et mélanges littéraires. Paris: Didier, 1856.. Folha de rosto, cimo: “Alfredo Troni / 20-4-75”.

6. Almeida Garrett. Dª Branca. 5ª ed. Lisboa: IN, 1874GARRETT, Almeida. Dona Branca. 5. ed. Lisboa: Imprensa Nacional, 1874.. A mesma coleção (Obras do Visconde de Almeida Garrett) tem volumes assinados por A. Troni, por J. E. de Sales Ferreira, e não assinados. Algumas assinaturas sucedem-se a outras, portanto não foram comprados em primeira mão. É o caso deste exemplar: ilegível, uma assinatura, no anterrosto, apresenta em baixo a data de 1876. Na folha de rosto aparece a de “Alfredo Troni / 9 de Junho de 1880”.

7. Almeida Garrett. O vol. I dos Versos, Lírica (t. XVI da mesma coleção das Obras), tem assinatura de Alfredo “Tróni” (Lisboa: IN, 1869). Foi comprado no mesmo dia. Localiza-se em “L.ª” (Luanda).

8. Almeida Garrett. Versos do Visconde de Almeida Garrett. Vol. 2: Fábulas e Folhas Caídas. 4ª ed. Lisboa: IN, 1869. Comprado por Troni no mesmo dia de Dona Branca e também localizando-se em “L.”. Carimbos da “Biblioteca Municipal de Loanda”.

9. Paul Bourget. Cruelle énigme. 20ª ed. Paris: Alfp. Lemerre, 1889BOURGET, Paul. Cruelle énigme. 20. ed. Paris: Lemerre, 1889.. Folha de rosto: “Alfredo troni / L.da / 20/4/90”.

10. Prosper Mérimée. Lettres à une inconnue. précédées d’une étude sur Mérimée. 2 vol’s. 2ª ed. Paris: Michel Lèvy frères, 1874. Folha de rosto: “L.da /15/5/78”, repetindo-se a data no vol. II.

11. Tomás Lino da Assunção. Frades e freiras: croniquetas monásticas. Lisboa: 1893. No verso da contracapa o selo da “Livraria Universal / Silva Júnior / Lisboa”. Na folha de rosto: “Alfredo Trony. Loanda / 7.º / 93”. Não sei se a livraria pertencia a Guilherme Venâncio da Silva Júnior, que foi editor (em Lisboa) de Camilo Castelo Branco.

12. Victor Hugo. Les Misérables. Paris: Hetzel e Lacroix, 1866. Manuscrito: “D.or / Alfredo Troni” (parece nome para reserva do exemplar). Ilustrado.

4.3. Casos duvidosos

Alguns exemplares de autores de que Troni comprou livros não tinham assinatura, ou tinham assinatura duvidosa, ou lhes rasgaram as folhas iniciais. Em certos casos eram títulos, não só do mesmo autor, da mesma coleção. Isso aconteceu também com Victor Hugo: o volume 1 das Oeuvres apresenta só carimbos da Biblioteca Municipal de Luanda (numa cor esverdeada, não azul - a habitual).

Nas estantes aparecem ainda as Oeuvres de V. Hugo, T. II41 41 Odes et Balades. Les Orientales. Paris: Furne & Cie, 1841. . Há uma assinatura, mas ilegível, na folha de cortesia. Começa por “A” e a letra seguinte pode ser “l” ou “b” ou “t”. São dois nomes. Uma leitura possível: “Atroni”.

O tomo III (também publicado em Paris, pela mesma editora, mas em 1843), incluindo Les Feuilles d’Automne e Les Chants du crepuscule, só regista carimbo da Biblioteca na folha de rosto.

Uma edição de Les Travailleurs de la mer, ricamente ilustrada, faltam-lhe as folhas iniciais. Lá por dentro e no fim só vemos o carimbo (azul) da Biblioteca.

4.4. Comentários aos livros

Geralmente estas listas de livros entregam-se aos leitores em grelhas básicas. Acho de pequena consequência listar sem comentar. Os conteúdos remetem para interesses do comprador. O levantamento de hipóteses interpretativas implica, pelo menos, comentar alguns aspectos.

4.5. Livros sobre História e Política

4.5.1. Joseph Cooper. Un continent perdu

O interesse pelo livro nota-se na data de compra: abril do ano a seguir ao de publicação. A escolha de tradução francesa indicia preferência por essa língua, ou contato mais oleado com livreiros e editores franceses. No contexto específico, o livro de Cooper significa muito. O autor era quaker42 42 O prefaciador revela a confissão religiosa do autor e que os quakers levam “a sério a moral do Evangelho”. , o que terá contribuído para o rigor abolicionista. Fez, no livro, denúncias objetivas, bem fundadas e sem transigências, incluindo relativas a Macau, Brasil e colônias portuguesas. Foi secretário honorário da Anti-Slavery Society (Society for Effecting the Abolition of the Slave Trade), que publicava a revista Anti-Slavery Reporter e fora fundada em 1787 por abolicionistas ingleses. Assinou, também, o apelo da Associação Abolicionista Internacional de Paris ao imperador D. Pedro II, no sentido da total abolição da escravatura. Manteve correspondência com Joaquim Nabuco43 43 BETHELL, Leslie; Carvalho, José Murilo. Joaquim Nabuco e os abolicionistas britânicos: correspondência, 1880-1905. Estudos Avançados, São Paulo, v. 23 n. 65, p. 207-229, jan.-abr. 2009. Disponível em: https://bit.ly/3XbamiD. Acesso em: 5 dez.2022. , e mostra ter dados sobre a diminuição do número de escravos, mas, também, respeitantes à relativa inutilidade da “lei da abolição de 1871”. Outro aspecto que o preocupou foi o crescimento anormal do número de mortos entre escravos. A tais assuntos dedica ele todo o capítulo IV do livro. Troni encontrava, certamente, paralelos em Angola…

O interesse pela obra insere-se num convicto abolicionismo, confrontado com uma realidade local inaceitável. O debate sobre escravatura estava ainda muito aceso, as práticas escravistas assumiam formas novas: muitos proprietários, rurais sobretudo, defendiam a absoluta conveniência do trabalho quase gratuito, forçado, obrigatório, para substituir escravos. Estas práticas eram denunciadas por Cooper, informado sobre o continente africano. Ele acusa, nomeadamente, os portugueses de permitirem um novo sistema de comercialização de pessoas, tomando destes o eufemismo de libertos. Usava-se tal sistema em São Tomé, onde esteve Troni (São Tomé estava muito ligado comercialmente a Angola).

Quanto a outros “estabelecimentos portugueses”, “o tráfico continua a desenvolver-se […] na costa oriental de África.” Habitualmente pensamos no tráfico atlântico e não olhamos para o Pacífico., mas Cooper tinha uma visão global: “o principal comércio do canal de Moçambique é ainda o tráfico e, sem dúvida, o principal mercado de escravos do outro lado do mar é Madagascar”, sendo “o comércio […] feito em navios árabes”44 44 COOPER, Joseph. Un Continent perdus ou l’esclavage et la traite en Afrique. Trad. de M. E. Laboulaye. Paris: Hachette, 1876. Disponível em: https://bit.ly/3JbPToj. Acesso em: 5 dez. 2022. p. 39. . Recorde-se que as disputas coloniais, apesar da influência crescente francesa reconhecida pela Grã-Bretanha, estavam aumentando nesses anos, embora a ilha só fosse se tornar, oficialmente, colônia francesa (anexada) em 1897. As acusações de Cooper podem ressentir-se das disputas, inserir-se nelas, mas ele fala informado, com dados concretos.

Entretanto, o autor reconhece a importância do decreto português que define o tráfico de escravos como ato de pirataria, assumindo que os portugueses aboliram o tráfico de escravos que se fazia de Macau para o Peru, enquanto os ingleses, simultaneamente, negociavam “com o Vice-rei de Cantão” a reabertura do tráfico para “as Índias ocidentais”45 45 Ibidem, p. 43-44. . Ele comenta, a propósito, que esse tráfico operava, na maioria dos casos, em navios construídos por ingleses e já com cadeias de ferro e outros apetrechos. O tráfico desterritorializava escravos chineses para que fossem trabalhar na extração de guano. Eles seriam, no Peru, “incitados a trabalhar a golpes de chicote, sendo os capatazes negros africanos armados de um chicote com quatro tiras de couro bovino, longas de cinco pés, espessas de uma polegada e meia, terminadas por uma ponta aguçada”46 46 Ibidem, p. 58. . Contrastando, havia chineses prósperos em Lima …

O interesse do livro estaria nas comparações proporcionadas. Uma primeira interrogação, que o prefaciador (E. Laboulaye) colocava sobre África, mantém-se atual e comparativa: “A Europa tem o direito de intervir numa tal questão? Sim, sem dúvida”. Mas não em países soberanos - dá como exemplos a Turquia, o Egito. Porém parece que nesse tempo o Egito não ficava em África, pois aí teriam o “direito de intervir”, uma vez que “a África é um mercado que pertence a todo o mundo.” Claro que pensava na África negra, a caminho da colonização total europeia. Era a esta mentalidade que angolanos como José de Fontes Pereira reagiam, contrapondo que os colonizados tinham de ser ouvidos.

4.5.2. Paul Leroy-Beaulieu. De la colonization chez les peuples modernes

Os comentários que faço referem-se às partes do texto assinaladas por riscos, em geral verticais. Assinalo apenas, fora disso, para resumir a posição do autor, a epígrafe de Stuart Mill em que o autor defende ser o melhor investimento, para um velho país, o da colonização.

No índice, na parte respeitante ao capítulo 2 do livro 2 (“De la colonization portugaise)”, traçou-se um risco lateral (esquerda), em toda a altura da seção. Com a mesma tinta da assinatura de Troni, vê-se uma anotação ilegível que parece uma data, na página 47 e, no final do capítulo (p. 62), há um traço azul (claro e grosso).

No capítulo se fala:

  • - no presente, nos exploradores;

  • - nos problemas com a Grã-Bretanha;

  • - em continuar as viagens de exploração, cimentar “influência no interior, fazendo - tratados com os indígenas”, garantindo “aos Europeus a segurança” para atrair “capitais” de “países ricos”, nomeadamente a França.

Algumas destas propostas, sobretudo as respeitantes a “tratados com os indígenas”, garantias de segurança e saúde ambiental aos europeus de “países ricos”, estavam muito próximas das de J. A. de Carvalho e Menezes, publicadas em 1834MENEZES, Joaquim António de Carvalho e. Memoria geografica, e politica das possessões portuguezas n’Affrica occidental, que diz respeito aos reinos de Angola, Benguela, e suas dependências. Lisboa: [s. n.], 1834. Disponível em: https://bit.ly/3Pgdubc. Acesso em:5 dez. 2022., na Memória geográfica, e política47 47 MENEZES, Joaquim António de Carvalho e. Memoria geografica, e politica das possessões portuguezas n’Affrica occidental, que diz respeito aos reinos de Angola, Benguela, e suas dependências. Lisboa: [s. n.], 1834. Disponível em: https://bit.ly/3Pgdubc. Acesso em: 5 dez. 2022. , e em 1848, na Demonstração geográfica e política48 48 MENEZES, Joaquim António de Carvalho e. Demonstração geográfica e política do território português na Guiné inferior, que abrange o Reino de Angola, Benguela, e suas dependências. Rio de Janeiro: [s. n.], 1848. . Há propostas políticas de Alfredo Troni que visam, justamente, facilitar e acelerar as condições de comércio e transporte de mercadorias, não só em Luanda, mas também na faixa Benguela-Catumbela.

Na página 314 (cap. ”De la colonisation au XIX.e siècle - L’Algèrie - Le régime des terres et la colonisation”) assinala-se com traço vertical (esquerda), a azul (diferente dos anteriores: fino e carregado), a crítica à burocracia, às concessões provisórias, à falta de autonomia: que não haja “livre disposição dos seus atos [a colônia] e de seu bem, nem a certeza do seu futuro. Pode-se dizer que isso é matar no seu germe o grande móbil do melhoramento e do progresso.” Diz-se ainda, na parte assinalada, que os colonos são “rebeldes às convenções artificiais” e aos vícios das sociedades avançadas, como “a dependência administrativa, o favoritismo e a obrigação de solicitar tudo.” O recorte colonial coincide com afirmações de Bernardin de Saint-Pierre em Paul et Virginie (onde se constrói - e destrói - uma utopia colonial)49 49 SAINT-PIERRE, Bernardin de. Paul et Virginie. Paris: Didot et Mequignon, 1788. Disponível em: https://bit.ly/3Px3UB5. Acesso em: 30 nov. 2022. e ganha em ser confrontado com as denúncias de Paul Gauguin em Avant et après (1918)50 50 GAUGUIN, Paul. Antes e depois (ideias e memórias). Porto Alegre: L&PM, 1997. .

Na página 315 surge outro destes traços de segundo tipo, onde novamente se critica a política dos títulos provisórios, com suspensivas condições, que impedem hipotecas sobre terrenos, alienação do todo ou parte, o que leva à contração de empréstimos ruinosos (essa estratégia de empréstimos em Angola foi estudada por Adelino Torres)51 51 TORRES, Adelino. O Império Português entre o real e o imaginário. Lisboa: Escher, 1991. . No índice, menciona-se a “Importance du crédit” (secção do cap. 2 do livro 2) com sublinhado carregado, que se combina com estes traços da página 315.

Sobretudo nas páginas 460-461, assinalam-se, com traços verticais deste segundo tipo (fino, de cor carregada), passagens respeitantes à Austrália. Em particular, na página 461, um traço vertical ladeia a parte que diz respeito aos colonos condenados por opções religiosas. O traço repete-se na página 463, onde se faz a tipologia dos condenados por estatuto e funções que desempenham na colônia. Repete-se, ainda, na página 464, realçando o aumento de imigrantes livres ao longo do século XIX (ainda na Austrália).

Também na página 468, assinala-se uma passagem onde se diz que, desde 1840, a Inglaterra considerou inapropriado enviar colonos condenados. Ali se fala no movimento dos “Emancipistas”, e o movimento recusava a colonização por degredo.

Na página 469 há traços deste mesmo segundo tipo assinalando a crítica à dispersão dos colonos, assalariados e capitalistas, a par do sistema de concessões associado. Na página 470 se repete ainda o mesmo tipo de traço e tinta para assinalar as propostas de Wakefield52 52 Edward Gibbon Wakefield, economista, político e promotor colonial, conhecido pelo seu modelo de colonização sistemática. MARTINS, Roberto Borges. Se Deus quiser, semana que vem… ou na outra…: terra, trabalho e liberdade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA ECONÔMICA, 11., 2015, Vitória; CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DE EMPRESAS, 12., 2015, Vitória. Anais […]. Vitória: [s. n.], 2015. Disponível em: https://bit.ly/3oXgoqM. Acesso em: 30 dez. 2022. no sentido da prosperidade das novas colônias.

Os traços desse tipo repetem-se com mais frequência daí para diante. Será talvez de realçar aquele que assinala passagem relativa à migração de capitais…

A compra e leitura deste livro nos mostra, como no caso anterior, a consciência da circulação global de problemáticas e propostas em que se enquadrava a situação de Angola.

4.5.2. James Emerson Tennent. Ceylon: an account of the Island, physical, historical, and topographical

Note-se que a assinatura de posse é anterior, em seis anos, à publicação do Jornal de Luanda. Não descortino o tipo de interesse que terá motivado a compra do livro. Comparação de situações? De colonizações? Ou será que Troni pensou migrar para Ceilão? Não parece plausível. A parte VI (“Modern History”) compara o histórico das colonizações portuguesa, holandesa e inglesa. Isto articula-se com os interesses manifestados pelos traços verticais e laterais na obra de Paul Leroy-Beaulieu (cp’s 1-3). Há uma seção dedicada à escravatura no Ceilão, que talvez importasse ao nosso abolicionista.

Um último ponto de interesse seria relativo à literatura e cultura, o livro inclui referências à escritura sagrada, crónicas, arquitetura, pintura, música.

Quanto à Notícia dos ministros e secretários de estado […], parece-me de evidente motivação.

4.6. Livros sobre Literatura e Oratória

Almeida Garrett foi, naquela pequena e dispersa comunidade literária, muito lido. Isso já se nota no livro inaugural da poesia angolana, Espontaneidades da minha alma, de José da Silva Maia Ferreira (1849)53 53 FERREIRA, José da Silva Maia. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Porto: Sombra pela Cintura, 2018. . As Memórias biográficas de Garrett54 54 AMORIM, Francisco Gomes de. Garrett: memórias biographicas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1881-1884. Disponível em: https://purl.pt/6841. Acesso em 5 dez. 2022. , por Francisco Gomes de Amorim (cujo vol. II pude ler na própria Biblioteca Municipal), confirmam o interesse por quem terá inspirado a Organização e Regimento da Administração da Justiça nas Províncias de Angola, São Tomé e Príncipe e suas Dependências, para a qual redigiu também relatório55 55 ALGE, Carlos d’. As relações brasileiras de Almeida Garrett. Scripta v 3 n. 5, Belo Horizonte, p.34-45, 2º sem. de 1999. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/10294. Acesso em: 5 dez. 2022. . O prestígio do político (ainda vinculado ao começo do partido Regenerador) marca-se pela presença, na Biblioteca, de Discursos parlamentares e memorias biográficas56 56 GARRETT, Almeida. Discursos parlamentares e memórias biográficas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1871. . Acompanhávamos, assim, outras comunidades lusógrafas, no último terço do século XIX, que viu nascer o neogarrettismo com todo o seu lastro de nacionalismo popular, político e literário. Também ele inspirava alguns angolanos (nomeadamente Cordeiro da Mata) a fazer o mesmo com o seu povo (que falava quimbundo ou kimbundu).

Os livros de Garrett pertencentes ao novelista autor de Nga mutúri, foram, seguramente, as Fábulas e Folhas caídas (vol. II de Versos), a Dª Branca e a Lírica, vol. I de Versos - todos da mesma coleção. A Lírica e Dª Branca foram compradas em 9.6.1880, no meio do período de publicação do Jornal de Luanda. A Lírica leva-nos às primeiras publicações do poeta, onde se destacam a de João Mínimo e seu prefácio, de um humor fino, subtil e certeiro, que permitiu a Garrett distanciar-se da própria juvenília. Idêntico humor vemos nas Folhas caídas, onde, na p.119 desta edição (de 1874), o autor fala do seu «Ignoto Deo”:

Não imaginem alguma divindade meia-velada [sic] com cendal transparente, que o devoto está morrendo que lhe caia para que todos a vejam bem clara57 57 GARRETT, Almeida. Versos: lírica: fábulas e folhas caídas. 2. ed. Lisboa: Imprensa Nacional, 1869. .

Alfredo Troni me parece bem mais próximo desse tipo de humor do que das líricas sentimentais de Garrett. Tê-lo-ia atraído o prosador e orador ao mesmo tempo hábil, irônico no momento-chave, liberal, antiescravista. No hilariante prefácio à lírica de João Mínimo, Troni se terá maravilhado com a autocrítica.

Ainda nesse volume, certas Fábulas e Contos reforçariam a veia distópica, humorística e narrativa do novelista luso-angolense. Leia-se, por exemplo, a II, «Pelo Zurro e pelo Burro / conto académico»58 58 Ibidem, p. 42-47. . Em outro cenário, muitos anos depois, outro nome de quem talvez não esperássemos tais leituras, da fase quase neoclássica de Garrett, assinava no mesmo volume e no seguinte, em edição posterior: “F. Nogueira Pessoa”. Tendo organizado essa edição o “Dr. Teophilo Braga”, abre-se uma ponte sintomática entre os quatro: Almeida Garrett, Alfredo Troni, Teófilo Braga e Fernando Pessoa.

De maior estranheza me parece a comparência de Dª Branca. Houve, por esse tempo, uma revisitação do período imediatamente anterior ao romântico e do começo deste, e isso não foi alheio à expansão do parnasianismo, precedido por Gautier (1811-1872), também folhetinista e que nesse formato publicou Jean et Jeannette, histoire rococó, saído com Les Roues innocents em 186359 59 GAUTIER, Pierre Jules Théophile. Jean et Jeannette et Les Roues innocents. Paris: Hachette, 1863. . Mas essa edição de Dª Branca inclui o “Prólogo da 2.ª edição”, onde Garrett revela que, “no campo”, alterou profundamente o escrito (“era preciso revolvê-la de alto a baixo”). Alterou “incorreções de estilo e as criancices do conceito”: isso “é o que hoje se publica”60 60 GARRETT, Almeida. Dona Branca. Lisboa: Imprensa Nacional, 1874. p. ix-x. . A revisão passou o número de Cantos de sete para dez, mas “o enredo ficou mais claro, e os seus episódios mais ligados. Do estilo tirei muitas voltas do arcaísmo forçado que sabiam à reação filintista61 61 Refere-se a Filinto Elísio (Francisco Manuel do Nascimento). em que estava a língua quando primeiro o compus.” O Prólogo vem datado de “Cruz-Quebrada, Agosto, 1848”. Lições para escritores ingênuos… e que identificam os avisados.

Não é de estranhar o autógrafo de Troni em Les Misérables de Hugo. Já marcante na linguagem e ritmos (bipartidos e mais longos) de J. S. Maia Ferreira, o poeta continuou a ser lido em Angola até ao fim do século, como em Portugal, onde integrava a biblioteca de Antero de Quental62 62 MACHADO, Álvaro Manuel. O romantismo na poesia portuguesa. Lisboa: ICALP, 1986. . Pedro Félix Machado refere leituras de Hugo em Scenas d’África63 63 MACHADO, Pedro Félix. Scenas d’África ?: romance íntimo. Lisboa: IN-CM, 2001. , sobretudo a do Bug Jargal64 64 PESTANA, Nelson. Literatura angolana do século XIX: Pedro Félix Machado. Luanda: CEIC-UCA, 2012. . A estrutura das Scenas d’África partilha com novelas e folhetins um tipo usado em Han de Islândia e que atinge o máximo alcance, precisamente, em Les Misérables: a estrutura narrativa contrasta perspectivas e visões diferentes das mesmas personagens em situações e tempos diferentes, ou em situações idênticas e vistas por outras personagens, conduzindo a narração, a partir de cenários divergentes, para uma incidência final. É um traço que vamos encontrar em A filha do capitão de Pushkin (levemente), em variados folhetinistas ao longo do século XIX, atingindo o ponto culminante, possivelmente, em Absalão, Absalão! de Faulkner. O romancista luandense integrava a tertúlia do Jornal de Luanda e frequentava, portanto, Alfredo Troni, que o deve ter ajudado a exercer sua carreira como advogado provisionário. O consagrado escritor francês seria comentado no círculo de amizades de Troni. Quanto a este, embora a um nível mínimo, também ele nos mostra a personagem principal nos confrontando com a mudança de perfil ao longo da vida e com a mudança de opiniões sobre ela nas diversas fases da vida. Não é o tipo de enredo de que falo, a propósito de Hugo, Pedro Félix Machado ou Faulkner, mas aparenta-se.

Les Misérables é a obra com que Hugo acompanhou a virada do Romantismo para o Realismo, fazendo face à concorrência de escritores como Eugène Sue, com cerca de vinte anos de atraso relativamente a Les Mystères de Paris (1842-1843). Em Portugal houve uma evolução semelhante - menos marcada - por parte de Camilo Castelo Branco e, portanto, a compra de Les Misérables trazia a Troni o Realismo dos românticos através do melhor título possível. Esta fronteira transitiva, aproximando Realismo e Romantismo, é o ponto, ou a ponte, que situa melhor a narrativa e a lírica da chamada geração de 1880, ou do Jornal de Luanda.

O exemplar usado por Troni foi ricamente ilustrado. No meio, revela pouco manuseamento, pelo que é provável que o leitor-proprietário não consultasse muito o miolo da obra…

As Lettres a une inconnue, de Mérimée, viriam pelo interesse na psicologia das personagens e nos quadros sociais. Prosper Mérimée fez, com essas cartas, uma espécie de diário, que foi de 1840 (ou 1842) até poucas (duas?) horas antes de morrer, em 1870. Por elas conta à sua amiga (e a nós), não somente novidades, mas as impressões, pensamentos, sentimentos provocados nele e nas pessoas envolvidas. Revelou perspicácia na análise e caracterização das personagens, que faziam parte das elites francesa e, um pouco, inglesa. Resumia, sutilmente, quadros sociais, episódios prévios, cenários, em traços rápidos, elegantes na linguagem e elucidativos de um hábito, episódio, maneira de falar ou reagir. Assim levava-nos a ver a personagem no ambiente, de maneira que o folhetinista luso-angolano tivesse um modelo de incisiva e sucinta observação comportamental, expressa sem falsos pudores, ao mesmo tempo que notícias argutamente narradas do ‘mundo civilizado’ e uma autobiografia intelectual. A julgar pelas despretensiosas mas certeiras páginas da Nga mutúri, Troni possuía também tais caraterísticas.

Outra virtude partilhada é a da linguagem que, elegante (de um homem de corte, embora de origens medianas) e enxuta, narrando curtos episódios ilustrativos objetivamente, num nível de fácil comunicação, com uma ponta leve de ironia de quando em quando, marcando ritmo. A coloquialidade sem perder elegância e ritmada por uma ironia ligeira, bem-disposta, parece-me presente em Nga mutúri.

Mérimée constava ainda nas estantes da antiga Biblioteca Municipal de Luanda com o volume Carmen, que inspiraria a famosa ópera de Bizet (1875). A edição, com tradução de Mariano Level, era de cariz popular, fazendo parte da “coleção A. M. Pereira” (é o n. 3). O exemplar não vem datado, pelo que sei, se se trata da edição de 1895. Esta inclui um posfácio não assinado (penso que seja de Mérimée) sobre os ciganos, e o volume ainda integra A Senhora de Chaverny, do próprio Mérimée. Os dados coincidem com a edição de 1895 e, para a primeira, não vi nenhuma referência nas fontes consultadas. Entretanto, a segunda edição vem datada, pelo que pode tratar-se da primeira tradução de Mariano Level. A coleção, da qual a Carmen é o n. 3, estreou em 1866 com um romance de Pinheiro Chagas. De qualquer modo, este exemplar luandense não vem com autógrafo, portanto, não se sabe se pertenceu a Troni.

Uma nota complementar, que talvez interesse a alguns leitores, é a de que também houve, no século XIX e princípio do seguinte, migrações de famílias ciganas para Angola.

A presença de Cruelle énigme e de Paul Bourget pode ilustrar a relativa atualidade do autor (o livro é de 1885, a edição, 20ª, de 1889 e o exemplar assinado em abril de 1890). Confirma também seu interesse pela psicologia das personagens. É que Bourget (1852-1935), além de romancista e crítico literário, se interessou muito pela psicologia em qualquer das duas atividades.

A “Dédicace” de Cruelle énigme, não paginada, é para Henry James. Diz que os dois tinham concordado nisto: “as leis impostas ao romancista pelas diversas estéticas” se reconduzem a “dar uma impressão pessoal da Vida.” A “arte do romance” seria “a mais moderna de todas […], a mais capaz de se acomodar às necessidades variadas de cada temperamento.” Seu psicologismo envolve personagens e teses nas mesmas hipóteses e sua crítica - atenta à separação entre o gosto público e o verdadeiro artista - procura também tipos de imaginação para cada escritor. Nos posteriores Ensaios de psicologia contemporânea e Novos ensaios de psicologia contemporânea, dedica estudos a Baudelaire, Renan, Taine, Flaubert, Stendhal, Dumas (filho), Leconte de Lisle, Goucourt, Turguêniev, Amiel.

Cruel enigma faz uma “análise psicológica”65 65 ROMÃO, Mariane Aparecida. Sobre a influência de Paul Bourget no pensamento tardio de Friedrich Nietzche. Filogênese, Assis, 4, n. 2, p. 73-89, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3Xbm2lz. Acesso em: 30 nov. 2022. desde as primeiras páginas. A abertura retrata um tipo de melancolia, com a filha vendo na mãe a própria velhice, desfila, depois, considerações teóricas que somam psicologia com biologia, “história das circunstâncias morais” com “alma da raça de que estes dois seres marcam duas etapas”66 66 Ibidem, cp. I. . Portanto, para além de psicológica, sua ficção estampava as etapas da sociedade, ou da ‘raça’, a que pertenciam as personagens. Esta perspectiva não estava longe da leitura de Taine por Teófilo Braga em Portugal.

Em um livro polêmico (não por este motivo), constante nas prateleiras da Biblioteca Municipal, Sampaio Bruno adjetiva Bourget de “maneirento”67 67 BRUNO, José Pereira de Sampaio. O Brasil mental. Porto: Chardron, 1898. . Por acaso Bruno, nesse livro (o último da primeira fase do seu pensamento, no qual a virada pós-positivista se começa a operar), estuda A pátria, de Guerra Junqueiro, como “instante fundamental na evolução morfológica do intelecto português”68 68 Ibidem, p. 65. . Portanto, partilhava com o escritor francês uma semelhante matriz de análise, de pretensão psicossocial e coletiva. Pelo que li de Bourget, fiquei em dúvida sobre a pertinência da classificação bruniana, mas, em qualquer um dos casos, não me parece que seu maneirismo eventual afetasse a escrita límpida de Troni, de resto já concluída a Nga mutúri quando saiu Cruelle énigme.

Dado curioso é que uma das personagens, “general conde Alexandre Scilly”, adoeceu na África, onde foi ferido cinco vezes e realizou quinze campanhas69 69 Ibidem, p. 3. : um herói colonial.

A presença de Villemain nesta lista suscita comentários desde a data de sua assinatura, anterior em três anos ao começo da publicação do Jornal de Loanda.

Ele servia tanto ao advogado quanto ao escritor e jornalista. Observem-se alguns dos títulos incluídos: Éloges de Montaigne (1812) e Montesquieu (1816), Discours sur les avantages et les inconvénients de la critique (1811), Études sobre Fénelon e Pascal, Discours de réception et réponses à l’Académie, Discursos de abertura dos Cursos de Eloquência (1816-1826) e Rapports sur les concours annuels (1836-1869).

Nestes relatórios destaco - em razão da atividade política de Troni, como da sua atenção ao estilo - o segundo, no qual faz observações estilísticas pertinentes sobre a Democracia na América, de Tocqueville, “formado na escola de Montesquieu, de quem ele imita ou reproduz muitos caracteres”70 70 VILLEMAIN, Abel-François. Discours et mélanges littéraires. Paris: Didier, 1856. p. 282. .

Apreciador do teatro, Troni deve ter lido ainda com particular atenção o relatório sobre o ano de 1842, onde Villemain fala do “ousado e brilhante Schlegel” e do Curso de Poesia dramática. Para o retórico francês, o Curso constituía um “modelo de crítica a seguir”71 71 Ibidem, p. 331. , a par de Sismondi72 72 Autor igualmente lido em Angola e Recife-Olinda. na História da literatura da Europa meridional, e de Lord Holland nos ensaios sobre os dramaturgos Guillen de Castro e Lope de Vega73 73 VILLEMAIN, 1856, p. 332. . Por óbvios motivos Alfredo Troni se terá interessado, no relatório sobre os concursos de 1845, pelas considerações acerca da tragédia D. Sebastião de Portugal, de Paul Foucher74 74 Representado pela primeira vez em 9 de novembro de 1838, em Paris. . O crítico francês a considera “menos uma obra completa que uma esperança”. Ela mostraria, no entanto, “via nova, a da exaltação poética unindo-se a um drama familiar num assunto moderno”75 75 VILLEMAIN, 1856, p.393-394. .

Villemain reaproxima a Retórica da conceção de Sublime, de Longino. Nessa posição, de servidor do Sublime, faz um perfeito equilíbrio, transitivo e de transição, entre Neoclassicismo e Romantismo. O “Discours sur les avantages et les inconvenients de la critique”, inserido em Discours et mélanges littéraires, abre com citação de Voltaire: “um excelente crítico será um artista que tenha muito de ciência e de gosto, sem preconceitos e sem inveja”76 76 VILLEMAIN, Abel-François. Discours et mélanges littéraires. Nova ed., rev. e aum. Paris: Didier, 1860. p. 29. Disponível em: https://bit.ly/42HrdLg. Acesso em: 12 dez. 2022. . Penso que o nosso escritor procurou ter muito de ciência, de experiência e de gosto ao compor a Nga mutúri, como também nos comentários às decisões judiciais e nos folhetins.

Para Villemain, ao mesmo tempo em que o “seu gosto julga os escritores superiores”, o estilo desses críticos os faria rivais deles. “Quintiliano e Longino parecem animados desta emulação; os seus elogios são lutas contra aqueles que eles admiram; e a sua própria eloquência uma homenagem mais aos grandes homens, que eles só podem celebrar igualando.”77 77 Ibidem, p. 31-32. Não há, portanto, nenhum crítico recomendável que seja mau escritor…

Villemain repõe certos assuntos no seu justo lugar. Isso facilitaria a emergência de um pós-romantismo, que Troni começou por representar em Angola. Villemain recorda que os escritores antigos lidos e reverenciados o são, não pela antiguidade, mas pela excelência das obras. Isto reconduz o cânone à consecução mais perfeita dos escritos, assim reconhecida universalmente (por leitores muito diferentes uns dos outros). Nesta perspectiva, os parnasianos iriam livremente revisitar o passado literário longínquo para reencontrarem um modelo de perfeição que superasse os facilitismos, molezas e sentimentalismos afetados dos ultrarromânticos. Tal caminho os levava a novos clássicos, pela perfeição poética redefinida a partir dos melhores exemplos antigos.

Por sua vez, a moderação típica dos bons críticos não constituiria valor em si própria, princípio mecânico de automática aplicação, mas o resultado do rigor intelectual, do culto do bom gosto (a partir dos cânones multisseculares), e da fidelidade ao “sentimento natural”, mais seguro “para julgar” que a “meditação”. Armado por este equilíbrio, Villemain revisita os críticos (e alguns autores) franceses dos séculos XVII e XVIII, discriminando os que foram demasiado intelectuais (Marmontel, “mais refletido que inspirado”), rejeitando os que se deixaram levar pelo “furor” da crítica ou por elogios acríticos.

Penso que, de forma geral, os escritos de Troni, quer enquanto advogado, quer enquanto jornalista ou ficcionista, refletem esta procura de equilíbrio entre o racional, o consensual e o sentimento, inspiração, ou intuição. São talvez menos ilustrativas as inventivas satíricas contra alguns dos seus inimigos e, em particular, o governador Vasco Guedes de Carvalho e Menezes. Ainda nelas, porém, se nota o esforço (grande, por vezes infrutífero) de contenção na linguagem, que revela a moderação pelo raciocínio e o faro pelo bom gosto.

5. Conclusão

Os livros de Troni que residiam na antiga Biblioteca Municipal no primeiro decênio deste século apontam para títulos reeditados e contemporâneos, de autores recentes. Remetem, por igual, a traços da rudimentar comunidade literária luandense (na qual a psicologia coletiva e a convivência social marcavam muito a literatura). No entanto, permitem a conjugação com obras que saem já fora do Romantismo e com outras que olhavam ainda para o final do século XVIII, vendo nele vantagens. Após o triunfo romântico, entre nós coincidente com o primeiro livro de poemas impresso em Luanda (1849), a bibliografia de Troni, ou anunciada em seu jornal, assesta para a passagem ao momento posterior da história literária lusógrafa e europeia. Parece-me importante realçar, sobretudo, dois elementos que, podendo estar presentes, não eram propriamente sistêmicos e passaram a sê-lo a partir de 1878, grosso modo.

Esses dois traços são: a caracterização psicológica e a preocupação social. A caracterização psicológica manifesta-se, com timidez e sensibilidade, na lírica de J. S. Maia Ferreira, onde é mais pertinente do que a descrição física,mas são caraterizações microscópicas. O salto para a Nga mutúri é grande, devido à passagem para uma narrativa (ainda que breve). As observações psicológicas de Troni, porém, não são extensas, são irônicas, o traço das descrições-relâmpago mantinha-se, excetuando algumas crônicas e peças de polêmica e, mesmo assim, apenas algumas. A observação psicológica, possivelmente afinada pelas leituras, era um elemento já presente naquele mínimo e diverso entrelaçado textual, mas direcionava-se para uma visão penetrante, distanciada por uma ironia subtil, na noveleta Nga mutúri.

A representação psicológica intensa vemos depois em caracterizações de Augusto Bastos e, sobretudo, Óscar Ribas, no século XX já, quando eles retratam o momento em que a personagem, por dentro, na sua mente, opera uma decisão, ou quando (como) se torna presa de um sentimento fatal. A caraterização penetrante e rápida surge também em outras narrativas da primeira metade do século XX, mesmo despretensiosas, publicadas em periódicos e por filhos da terra. São frases curtas, mas que nos deixam uma imagem precisa ou densa do estado de espírito da personagem, de forma que sentimos sua mente. Pode ser que as leituras de Troni confirmadas aqui tenham contribuído para isso, principalmente Mérimée e Bourget.

O segundo elemento a se tornar sistêmico, não o sendo à partida, foi o do empenho político da literatura. Falo disso num sentido muito geral. Em Nga mutúri, o empenho não é tão pronunciado quanto nas obras realistas e naturalistas de escola. Nga mutúri conta-nos uma realidade, um processo e uma sociedade específicos e nos ajuda a compreendê-los, bem como às suas limitações. Pelo caminho, demonstra a imoralidade da maioria das pessoas em Luanda nessa época, sobretudo no que diz respeito aos dinheiros… A preocupação social e política existia, mas reforçou-se por leituras como Os miseráveis de Hugo, ou os Mistérios de Paris de Sue (presentes também na Biblioteca Municipal). As circunstâncias políticas, a destruição desonesta e gradual da elite local urbana (maioritariamente negra e mestiça), foram as mais propícias a que a literatura servisse a luta pela sobrevivência, pela república (a colonização era protagonizada pela monarquia)78 78 O que não significa pensarem os angolenses que os republicanos apoiassem a independência, mas que eles associavam o atraso, o colonialismo e a marginalização dos filhos da terra ao regime vigente. Cf. SOARES, F. (22 de setembro de 2022). O Jornalista Mamede de Sant’Anna e Palma (Angola). Obtido em 2 de junho de 2023, de: https://www.academia.edu/87270061/Mamede_SantAnna_e_Palma. , por uma verdadeira democracia e pela independência, ou pela autonomia. Este segundo traço, o do empenho político-social instrumentalizando a literatura, iria tomar de assalto a maioria da produção literária angolana, desde o final do século XIX até bem perto da independência, mesmo pouco depois e ressurgindo hoje, perante os graves problemas sociais e identitários que se vivem no país.

Neste contexto, o livro Frades e freiras: croniquetas monásticas, de Tomás Lino de Assunção (1844-1902), figura também como denúncia. Não se trata de um livro com estórias mais ou menos fictícias escritas para rir, debochar da igreja e da vida monástica, contar episódios picantes. É uma documentada denúncia da corrupção dentro dos mosteiros, escrita com simplicidade e fino humor, por alguém que fez uma crítica História geral dos jesuítas79 79 ASSUNÇÃO, Tomás Lino de. História geral dos jesuitas desde a sua fundação até nossos dias. Lisboa: Empreza da Historia de Portugal, 1901. Disponível em: https://bit.ly/3PgcaFg. Acesso em: 12 dez. 2022. . Nas Croniquetas monásticas a sua linguagem não parece relevar de ódio, não usa de um léxico vernáculo e chocarreiro, mostra só que a vida monástica não tinha já relação com os ideais que levaram à constituição das diversas Ordens.

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    » https://bit.ly/42KwUb8
  • 3
    CANDEMBO, Silva. Biblioteca Municipal de Luanda assinala 148 anos com as portas fechadas!… Correio Angolense, Luanda, p. 1, 3 dez. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3CuNbX5. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 4
    LUANDA. Câmara Municipal. Relatório (da Vereação). Boletim Oficial, Luanda, p. 140, 3 mar. 1874.
  • 5
    SANTOS, Martins dos. Cultura, educação e ensino em Angola. 2. ed. Braga: [s. n.], 1998. p. 124. Disponível em: https://bit.ly/42CIsgM. Acesso em: 30 nov. 2022.
  • 6
    LUANDA, 1874.
  • 7
    SANTOS, 1998, p. 125.
  • 8
    Ibidem, loc. cit.
  • 9
    Ibidem, loc. cit.
  • 10
    MATTA, J. D. Cordeiro da. Ensaio de dicionário kimbúndu-portuguez. Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 1893. p. xi. Disponível em: https://bit.ly/42H8srk. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 11
    Originalmente Manuel Alves de Castro. Publicou Declaração no Boletim oficial (n. 93, p. 4, 19 jun. 1847) dizendo que “[…] filho de Manoel do Nascimento e Oliveira […] tendo um Primo com o mesmo nome, passa d’ora em diante a assinar-se Manoel Alves de Castro Francina — Luanda, 17 de Junho de 1847.” Francina foi professor de Latim e colaborou com Saturnino de Sousa e Oliveira na transformação da casa do seu pai em hospital de emergência para combate à varíola.
  • 12
    Anúncio. Boletim oficial. Luanda, n. 11, p. 52, 11 mar. 1865.
  • 13
    ROSA, Maria Carlota. Um brasileiro, um angolano e uma gramática do quimbundo: os “Elementos gramaticais da língua nbundu”. edição do exemplar da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Vila Real: UTAD-CEL, 2020. p. 10-11. Disponível em: https://bit.ly/3qMO4b7. Acesso em: 30 nov. 2022.
  • 14
    No Jornal de Loanda, de 8 de dezembro de 1880, colocou-se um anúncio, ao fundo da p. 3: “Compram-se nesta redação as folhas do dicionário N’Bundo e Angolense do dr. Saturnino”. Como se nota, já só se pediam “folhas” e o título é diferente, embora com mínima diferença: “N’Bundo e Angolense” em vez do “Nbundu ou Ngolense” indicado por Cordeiro da Mata. Pelo que se vê, o anúncio deu frutos. TORRES, Julião Monteiro. Julião Monteiro Torres, recebeu pelo La Plata e vende. Jornal de Luanda, Luanda, n. 85, p. 3, 8 dez. 1880. Disponível em https://bit.ly/468xMcw. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 15
    ROSA, 2020, p. 12.
  • 16
    Em certos momentos, ele assina os livros com um nome mais completo: “Joaquim Eugénio da Costa Salles Ferreira”.
  • 17
    TOPA, Francisco. Alfredo Troni, doutor de Coimbra, cidadão de Angola. Revista de estudos literários, Coimbra, v. 5, p. 161-188, 2015. DOI: 10.14195/2183-847X56. Acesso em: 30 nov. 2022.
  • 18
    ANGOLA. Governo-geral da Província. Boletim Oficial, Luanda, n. 13, 1 abr. 1899.
  • 19
    TRONI, Alfredo. Nga mutúri. Lisboa: Edições 70, 1973. Foi publicada primeiro, em junho e julho de 1882, em folhetins, no Diário da Manhã de Lisboa.
  • 20
    TOPA, 2015, p. 162.
  • 21
    NUNES, António José Simões. Grandes tabuenses. Barroseira, Tábua, 21 ago. 2009. Disponível em: https://bit.ly/441xH8J. Acesso em: 12 jan. 2022.
  • 22
    TOPA, 2015, p. 161.
  • 23
    Ibidem, p. 162-163.
  • 24
    Ibidem, p. 165.
  • 25
    Nascido na Ribeira Brava, São Nicolau, em 15 de janeiro de 1872, falecido no Mindelo em 2 de setembro de 1972. Cursou no seminário-liceu e aprendeu inglês sozinho. Foi, também, professor e desempenhou papel importante na preparação das novas gerações literárias caboverdianas. Uma sobrinha sua se tornou a melhor e mais conhecida escritora de Cabo Verde: Orlanda Amarílis, filha de sua irmã Alice Lopes da Silva.
  • 26
    Trabalhou também nas margens do Lucala.
  • 27
    TOPA, 2015, p. 166.
  • 28
    Z***. Angola. Jornal do Porto, Porto, n. 130, p. 1, 11 jun. 1875. Disponível em: https://bit.ly/42KwUb8. Acesso em: 30 nov. 2022.
  • 29
    TOPA, 2015, p. 167, 172.
  • 30
    LOPO, Júlio de Castro. Um doutor de Coimbra em Luanda. Luanda: Museu de Luanda, 1959; TOPA, 2015, p. 174.
  • 31
    LEMOS, Alberto de. Nótulas históricas. 2. ed. Luanda: FTP, 1969.
  • 32
    SANTOS, 1998, p. 140.
  • 33
    TOPA, 2015, p. 167.
  • 34
    Ibidem, loc. cit.
  • 35
    TORRES, 1880.
  • 36
    A data no livro é 1884 (quando o autor se tornou presidente da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto); mas a edição referida na sua biografia é de 1885 e o subtítulo mais extenso — o que citei — não possui menção de editora.
  • 37
    Ou seja, fotos impressas em papel albuminado a partir de negativos. O método foi criado por Louis Désiré Blanquart-Evrard em 1850.
  • 38
    MORAES, J. A. da Cunha; FERREIRA, Francisco Salles. Album fotográfico-literário. Luanda: Moraes, 1894.
  • 39
    MORAES, J. A. da Cunha. África Ocidental: álbum fotográfico e descritivo. Lisboa: David Corazzi, 1885.
  • 40
    Deslocara-se a Lisboa. O Correio de Luanda anuncia a chegada, “brevemente”, a “esta cidade”, do dr. “Alfredo Trony” (Correio de Luanda. Luanda, p. 4, 1890).
  • 41
    Odes et Balades. Les Orientales. Paris: Furne & Cie, 1841.
  • 42
    O prefaciador revela a confissão religiosa do autor e que os quakers levam “a sério a moral do Evangelho”.
  • 43
    BETHELL, Leslie; Carvalho, José Murilo. Joaquim Nabuco e os abolicionistas britânicos: correspondência, 1880-1905. Estudos Avançados, São Paulo, v. 23 n. 65, p. 207-229, jan.-abr. 2009. Disponível em: https://bit.ly/3XbamiD. Acesso em: 5 dez.2022.
  • 44
    COOPER, Joseph. Un Continent perdus ou l’esclavage et la traite en Afrique. Trad. de M. E. Laboulaye. Paris: Hachette, 1876. Disponível em: https://bit.ly/3JbPToj. Acesso em: 5 dez. 2022. p. 39.
  • 45
    Ibidem, p. 43-44.
  • 46
    Ibidem, p. 58.
  • 47
    MENEZES, Joaquim António de Carvalho e. Memoria geografica, e politica das possessões portuguezas n’Affrica occidental, que diz respeito aos reinos de Angola, Benguela, e suas dependências. Lisboa: [s. n.], 1834. Disponível em: https://bit.ly/3Pgdubc. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 48
    MENEZES, Joaquim António de Carvalho e. Demonstração geográfica e política do território português na Guiné inferior, que abrange o Reino de Angola, Benguela, e suas dependências. Rio de Janeiro: [s. n.], 1848.
  • 49
    SAINT-PIERRE, Bernardin de. Paul et Virginie. Paris: Didot et Mequignon, 1788. Disponível em: https://bit.ly/3Px3UB5. Acesso em: 30 nov. 2022.
  • 50
    GAUGUIN, Paul. Antes e depois (ideias e memórias). Porto Alegre: L&PM, 1997.
  • 51
    TORRES, Adelino. O Império Português entre o real e o imaginário. Lisboa: Escher, 1991.
  • 52
    Edward Gibbon Wakefield, economista, político e promotor colonial, conhecido pelo seu modelo de colonização sistemática. MARTINS, Roberto Borges. Se Deus quiser, semana que vem… ou na outra…: terra, trabalho e liberdade. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA ECONÔMICA, 11., 2015, Vitória; CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DE EMPRESAS, 12., 2015, Vitória. Anais […]. Vitória: [s. n.], 2015. Disponível em: https://bit.ly/3oXgoqM. Acesso em: 30 dez. 2022.
  • 53
    FERREIRA, José da Silva Maia. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Porto: Sombra pela Cintura, 2018.
  • 54
    AMORIM, Francisco Gomes de. Garrett: memórias biographicas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1881-1884. Disponível em: https://purl.pt/6841. Acesso em 5 dez. 2022.
  • 55
    ALGE, Carlos d’. As relações brasileiras de Almeida Garrett. Scripta v 3 n. 5, Belo Horizonte, p.34-45, 2º sem. de 1999. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/10294. Acesso em: 5 dez. 2022.
  • 56
    GARRETT, Almeida. Discursos parlamentares e memórias biográficas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1871.
  • 57
    GARRETT, Almeida. Versos: lírica: fábulas e folhas caídas. 2. ed. Lisboa: Imprensa Nacional, 1869.
  • 58
    Ibidem, p. 42-47.
  • 59
    GAUTIER, Pierre Jules Théophile. Jean et Jeannette et Les Roues innocents. Paris: Hachette, 1863.
  • 60
    GARRETT, Almeida. Dona Branca. Lisboa: Imprensa Nacional, 1874. p. ix-x.
  • 61
    Refere-se a Filinto Elísio (Francisco Manuel do Nascimento).
  • 62
    MACHADO, Álvaro Manuel. O romantismo na poesia portuguesa. Lisboa: ICALP, 1986.
  • 63
    MACHADO, Pedro Félix. Scenas d’África ?: romance íntimo. Lisboa: IN-CM, 2001.
  • 64
    PESTANA, Nelson. Literatura angolana do século XIX: Pedro Félix Machado. Luanda: CEIC-UCA, 2012.
  • 65
    ROMÃO, Mariane Aparecida. Sobre a influência de Paul Bourget no pensamento tardio de Friedrich Nietzche. Filogênese, Assis, 4, n. 2, p. 73-89, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3Xbm2lz. Acesso em: 30 nov. 2022.
  • 66
    Ibidem, cp. I.
  • 67
    BRUNO, José Pereira de Sampaio. O Brasil mental. Porto: Chardron, 1898.
  • 68
    Ibidem, p. 65.
  • 69
    Ibidem, p. 3.
  • 70
    VILLEMAIN, Abel-François. Discours et mélanges littéraires. Paris: Didier, 1856. p. 282.
  • 71
    Ibidem, p. 331.
  • 72
    Autor igualmente lido em Angola e Recife-Olinda.
  • 73
    VILLEMAIN, 1856, p. 332.
  • 74
    Representado pela primeira vez em 9 de novembro de 1838, em Paris.
  • 75
    VILLEMAIN, 1856, p.393-394.
  • 76
    VILLEMAIN, Abel-François. Discours et mélanges littéraires. Nova ed., rev. e aum. Paris: Didier, 1860. p. 29. Disponível em: https://bit.ly/42HrdLg. Acesso em: 12 dez. 2022.
  • 77
    Ibidem, p. 31-32.
  • 78
    O que não significa pensarem os angolenses que os republicanos apoiassem a independência, mas que eles associavam o atraso, o colonialismo e a marginalização dos filhos da terra ao regime vigente. Cf. SOARES, F. (22 de setembro de 2022). O Jornalista Mamede de Sant’Anna e Palma (Angola). Obtido em 2 de junho de 2023, de: https://www.academia.edu/87270061/Mamede_SantAnna_e_Palma.
  • 79
    ASSUNÇÃO, Tomás Lino de. História geral dos jesuitas desde a sua fundação até nossos dias. Lisboa: Empreza da Historia de Portugal, 1901. Disponível em: https://bit.ly/3PgcaFg. Acesso em: 12 dez. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2022
  • Aceito
    02 Maio 2023
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