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Sôbre a psicopatologia do incesto. Darcy Mendonça Uchôa

ANÁLISES DE LIVROS

Sôbre a psicopatologia do incesto. Darcy Mendonça Uchôa. Tese de doutoramento. Ed. Mário M. Ponzini e Cia., Rio de Janeiro, 1942

Darcy M. Uchôa, psiquiatra da Assistência a Psicopatas de São Paulo (Hospital de Juqueri) e consagrado psicanalista, apresentou à Faculdade do Rio de Janeiro, esta tese versando sobre a palpitante questão do incesto. O trabalho é dividido em 3 partes, apresentando ainda bibliografia bastante extensa. No primeiro capítulo, analisa o conceito e importância do tema, assim como a expressão legal e social do mesmo em função da época e do meio. Passa em revista a situação do incesto na literatura, na religião e nas sociedades primitivas, para depois estudar as origens da condenação das comunhões endogâmicas, citando os trabalhos de Durkheim, Mac Lennan, Spencer, as investigações de Freud e discípulos acerca do totemismo. Analisa as opiniões diversas, especialmente a do horror instintivo às relações consanguíneas (Westermarck), ao fenômeno civilização e nocividade para a descendência (Többen, Forel, Havellock Ellis, Wullfen, Baur, Krafft-Ebing e outros). Estende-se particularizadamente em considerações psicanalíticas, defendendo a repulsa ao incesto como fenômeno de repressão ao complexo inicial edipfano, com base na moral social dominante introjectada sob a forma de superego. Analisa, também, os mecanismos mais profundos que teriam atuado nas sociedades primitivas, cuja moral propugnava a exogamia com fundamento no respeito à vontade do pai. Passa depois a considerações em torno dos processos de desorganização da personalidade e dos conflitos que se estabelecem nas neuroses, quando, mercê de defeituosas e incompletas repressões, surgem à consciência os desejos incestuosas.

No segundo capítulo, cita as opiniões de Stelzner, Többen, Zeugner. Brock, Wulffen, Orei, Krafft-Ebing, Schwab, Ruiz-Maya e Morselli, sobre o estado mental dos incestuosos e as várias condições externas que favorecem os delitos. O material próprio consiste em 45 observações, sendo 12 casos, cuidadoamente estudados, de pacientes do Manicômio Judiciário do Estado e mais 33 súmulas de observações de detentos cumprindo penas na Penitenciária. Como anexos, apresenta resumos dos vários aspectos do material: dados biológicos e psicopatológicos, classificação segundo a cor, nacionalidade, idade, estado civil, profissão, grau de instrução, condições e caracteres do delito, incidência de psicoses e desvios psicopáticos da personalidade. O terceiro é reservado às considerações sobre o material apresentado, a estudos psicanalíticos realizados sobre um caso de neurose fóbico-ansiosa com graves alterações de comportamento familial e no qual a análise demonstrou uma forte fixação psicosexual à mãe, e por fim, à classificação desses criminosos e as medidas profiláticas contra o incesto.

Concluindo, admite que a civilização condena o incesto, em nome da moral, a fim de que seja preservada a instituição familial; que fatores externos favoráveis, tais como a promiscuidade, precárias condições econômicas, vida solitária, ausência de esposa, devem ser tidos em conta na sua gênese; que a labilidade do equilíbrio psíquico em indivíduos mais ou menos fixados psicossesualmente às filhas, assim como as doenças mentais, favorecem os atos delituosos; nessas condições, os autores de tais delitos devem ser classificados em dois grandes grupos: doentes mentais facilmente enquadráveis dentro dos quadros nosográficos conhecidos (oligofrenias, psicoses da senilidade, alcoolismo, personalidades psicopáticas) e indivíduos de caráter fraco, de super-eu tolerante, com deficientes mecanismos repressivos, sem distúrbios mentais caraterizados e sobre os quais os fatores externos referidos anteriormente têm atuação na gênese do crime; há outro grupo, referido de passagem, sem qualquer outro sinal de desajustamento psicossocial, e do qual a justiça nem sempre toma conhecimento; o estudo psicanalítico de pacientes neuróticos mostrou ao A. a constância de conflitos mentais, mais ou menos inconscientes, radicados no que a psicanálise denomina complexo de Édipo; nestes, os mecanismos de defesa do eu mantêm reprimidas as fantasias edipianas; nos incestuosos, um super-eu tolerante, permitindo uma supervalorização da vida sexual, facilitaria a rotura das barreiras, levando-os aos delitos; a profilaxia, pois, basear-se-á na elevação do nível de cultura familial, na educação sexual, na elevação do padrão econômico, facilitando sadias regras higiênicas, enfim na utilização racional de métodos educativos que conduzem ao fortalecimento da personalidade.

Trata-se, sem dúvida, de um trabalho notável, cuja leitura é recomendada a psiquiatras, peritos forenses e magistrados, a fim de que seja tal problema considerado à luz da psicopatologia, levando-se os autores de tais delitos à cura em hospitais ou à segregação definitiva, caso seja necessário, e não aos cárceres, onde pouco poderão usufruir mediante uma pena em geral diminuta e de efeito intimidativo somente. Essa valiosa contribuição à psicopatologia e especialmente à psiquiatria forense, é mais uma afirmação ao conceito de Krafft-Ebing, de que, se o incesto não representa por si só um desvio sexual no sentido instintivo (apenas um desvio na escolha do objeto), seus autores, na maioria, são anômalos que necessitam de assistência psiquiátrica.

F. Tancredi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 1944
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