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BAKHTIN, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski (Versão de 1929) [Problems of Dostoevsky’s Creative Arts1 1 Creative arts corresponde à tradução em língua inglesa do título da obra de 1929 de Bakhtin, proposta por Gary Morson e Caryl Emerson em MORSON, G. S.; EMERSON, C. Polyphony: Authoring a Hero. In: Mikhail Bakhtin. Creation of Prosaics. California: Stanford University Press, 1990, p.231. (1929 Edition)]. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 1a edição. São Paulo: Editora 34, 2022, 381p.

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski. (Versão de 1929) [Problems of Dostoevsky’s Creative Arts1. (1929 Edition). ]. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 1a. São Paulo: Editora 34, 2022. 381p

A capacidade de ver o tempo, de ler o tempo no todo espacial do mundo e, por outro lado, de perceber o preenchimento do espaço não como um fundo imóvel e um dado acabado de uma vez por todas mas como um todo em formação, como um acontecimento; é a capacidade de ler os indícios do tempo em tudo, começando pela natureza e terminando pelas regras e ideias humanas (até conceitos abstratos).

Mikhail Bakhtin

Uma obra artística, uma obra literária, um tratado filosófico, um ponto de vista acerca do funcionamento da linguagem em determinada época integram o fluxo temporal do pensamento artístico, literário, filosófico, linguístico de duas maneiras. De um lado, constituem um ponto de vista situado acerca dos valores circulantes em uma sociedade, a quem ativamente respondem. Materializam-se em textos, entendidos de maneira mais ampla, como qualquer forma de produção artística, cultural, literária, filosófica, linguística tematizada dentro das esferas de produção, circulação e recepção de uma dada época. De outro lado, no momento de sua concretização, essa mesma produção passa a integrar correntes de discursos que circulam e permeiam reflexões produzidas em outros tempos e espaços por outras pessoas, provocando respostas de outros interlocutores situados em outros tempos e outros espaços. Muitos desses discursos são impossíveis de serem recuperados, pois já foram ativamente assimilados por nós e, portanto, já não mais percebemos o outro que está presente em nossas palavras. Mas há outros discursos que são possíveis de serem recuperados, permitindo que escutemos a voz do outro, a quem podemos responder ativa e claramente.

Ocorre que essa percepção e, consequentemente, a recuperação de vozes já não pode ser entendida da mesma maneira como foram produzidas originalmente em seus lugares de origem. Outros tempos, outros espaços e outras pessoas implicam outras respostas e novos pontos de vistas acerca de um pensamento ou um fato. Isso quer dizer que os discursos, percebidos como de outrem, submetem-se ao movimento dos eixos de tempo, espaço e pessoa, sendo, pois, atualizados pelo diálogo que se estabelece com o novo posicionamento espaço-temporal do outro, produzindo outros e novos sentidos para a obra artística, o texto literário, o pensamento filosófico, o evento cultural, o pensamento linguístico etc. Esta resenha, por sua vez, trata da possibilidade de olharmos o passado com os olhos do presente.

Aqui no Brasil, até há pouco tempo, sabíamos por fontes outras, advindas de pesquisadores bakhtinianos, que havia uma obra sobre Dostoiévski produzida por Bakhtin nos anos 20, cuja tradução não estava disponível em língua portuguesa no Brasil. Tínhamos conhecimento desse texto de 1929 por uma tradução italiana. Sabíamos, também, por meio de um ensaio em Estética da criação verbal, intitulado “A respeito de problemas da obra de Dostoiévski” que o livro Problemas da poética de Dostoiévski, publicado em 1963, fora resultado de reformulação de um texto anterior produzido por Bakhtin em 1929. De acordo com a nota de rodapé de Paulo Bezerra, tradutor da obra de 1963 para o português no Brasil, que acompanha o ensaio de Estética da criação verbal, “este primeiro título, publicado em 1929, foi posteriormente reformulado em 1963” (N.T., 2006, p.193). Sabíamos também que o texto de 1929 teria provavelmente o título em português de Problemas da obra de Dostoiévski, pois este título já havia sido indicado por Bakhtin ao afirmar que não podia dar à obra “outro título senão o de Problemas da obra de Dostoiévski” (BAKHTIN, 2006BAKHTIN, Mikhail. A respeito de problemas da obra de Dostoiévski. In: Estética da criação verbal. Introdução de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. Tradução do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.193-204., p.195).

Já sabíamos também, por meio de um capítulo publicado na obra Bakhtin, dialogismo e polifonia, intitulado “Problemas da poética de Dostoiévski e estudos da linguagem” (BRAIT, 2009BRAIT, B. (org.). Problemas da poética de Dostoiévski e estudos da linguagem. In: Bakhtin, dialogismo e polifonia. São Paulo: Editora Contexto, 2009. p.45-72.), que Bakhtin, em carta, “contava que estava escrevendo um trabalho sobre Dostoiévski e esperava terminar logo” (p.47); e, por meio de uma notícia em um jornal em Petrogrado, que “uma monografia sobre Dostoiévski estava sendo preparada para a publicação” (p.47). Brait (2009, p.46)BRAIT, B. (org.). Problemas da poética de Dostoiévski e estudos da linguagem. In: Bakhtin, dialogismo e polifonia. São Paulo: Editora Contexto, 2009. p.45-72., ao refletir naquele momento acerca da obra publicada no Brasil Problemas da poética de Dostoiévski, afirma que a importância do trabalho de Bakhtin sobre Dostoiévski além de ter um

papel essencial para os estudos da linguagem, artística ou não, exige um olhar sobre os meandros de uma trajetória que leva a essa finalização, incluindo textos, traduções, interlocutores que participaram, em diferentes momentos, dessa construção2 2 O capítulo de Brait faz levantamento comentado dos textos que contribuíram para a construção de Problemas da poética de Dostoiévski. O capítulo detalha questões sobre a primeira versão do texto dos anos 20, incluindo até o sumário da obra que vem a ser muito próximo do sumário apresentado na tradução recentemente publicada em português. .

Como pudemos observar, sabíamos muitas coisas acerca do texto de Bakhtin sobre Dostoiévski produzido nos anos 20, mas não o tínhamos em nossa língua até agora. Em uma edição muito bem cuidada, a Editora 34 lança, no segundo semestre de 2022, a versão em língua portuguesa de Problemas da obra de Dostoiévski, com tradução, glossário e notas de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. De acordo com Grillo e Vólkova, esta é uma edição “traduzida, em nossa língua, a partir da primeira versão do texto seminal de Mikhail Bakhtin, que veio à luz em 1929” (GRILLO; VÓLKOVA, 2022, p.7).

Percebemos o cuidado com a edição desde a orelha do livro, assinada pela professora e pesquisadora Elena Vássina da área de literatura e cultura russa da Universidade de São Paulo, que traz algumas informações acerca do momento histórico em que a obra foi escrita e publicada. A professora argumenta que “o jovem Bakhtin entregou o manuscrito deste seu primeiro livro à editora Priboi alguns dias antes de ser preso, em 24 de dezembro de 1928” (VÁSSINA, 2022, Orelha do livro). De acordo com a professora, “é importante notar que as principais ideias de Bakhtin sobre os romances polifônicos de Dostoiévski e sobre o dialogismo formaram-se ao longo da década de 1920”. E completa a informação dizendo que aquela “era a época da consolidação do regime e da ideologia soviética, quando apenas uma voz – monológica e totalitária – passou a dominar o país” (VÁSSINA, 2022, Orelha do livro), à qual o texto de Bakhtin respondia, produzindo um contrapalavra em oposição ao pensamento que se instalava.

Além disso, a obra traz uma importante “Nota das tradutoras”, em que é apresentada a razão pela opção do termo ‘obra’ em vez de ‘criação’ para compor o título, já que, segundo as tradutoras, ambas as possibilidades são possíveis na tradução do russo para o português. De acordo com as tradutoras, além de o termo ‘obra’ já ter circulado no Brasil com referência a este texto de 1929, este termo constitui “uma versão perfeitamente possível do termo russo”. Por isso, houve a decisão de se “manter a palavra ‘obra’ no título” (p.8). Porém, o cuidado com o uso dos termos vai além do título, já que as tradutoras afirmam que não deixam de considerar a possibilidade do uso do termo ‘criação’ quando o texto diz respeito ao “processo criativo de Dostoiévski, e ‘obra’, nas passagens em que o termo se refere ao conjunto de escritos do autor” (GRILLO; VÓLKOVA, 2022, p.8).

Sheila Vieira de Camargo Grillo, uma das tradutoras, assina o ensaio introdutório, intitulado “Problemas da obra de Dostoiévski: gênese do texto e fontes bibliográficas”. Esse estudo, que antecede o texto de Bakhtin, tem o objetivo de “proporcionar ao leitor elementos para uma melhor compreensão do conceito de romance polifônico, proposto por Mikhail Bakhtin no texto de 1929” (p.9). Certamente, a ensaísta vai muito além do objetivo proposto, revelando-se verdadeiramente inscrita na proposta do pensamento bakhtiniano ao recuperar por meio de fontes primárias e secundárias as origens do texto de Bakhtin. Além disso, recupera também os precursores da ideia de polifonia na Rússia, mostrando que a obra do pensador russo dialoga com seus contemporâneos, respondendo ao pensamento teórico de sua época. Após um exaustivo e muito relevante levantamento de autores, correntes e pensamentos que tratam da crítica às obras de Dostoiévski, junto dos quais se encontra Bakhtin e os Problemas da obra de Dostoiévski, a ensaísta formula a hipótese de que “a arquitetônica do romance de Dostoiévski proposta por Bakhtin (...) tentava resolver o conflito entre um princípio de coletividade em vias de ruir e o surgimento de uma sociedade individualista” (p.29). Ela conclui sua reflexão, afirmando que

[d]iante da tragédia causada pelo isolamento e pelo individualismo, Bakhtin propõe um olhar próprio: a polifonia e as relações dialógicas, que procuram dar conta da convivência tensa de ideias personalizadas em meio ao conflito de visões de mundo. Assim como a ética artística de Dostoiévski projeta uma forma que olha para o futuro, o conceito de polifonia bakhtiniano é elaborado para compreender um mundo em constante transformação, plural, inconcluso, repleto de singularidades em diálogo igualitário entre si (p.44).

Ao adentrarmos o texto de Bakhtin, já no prefácio, o autor estabelece os parâmetros de análise da obra de Dostoiévski, quando diz que “o presente livro se limita a abordar apenas os problemas teóricos da criação de Dostoiévski. Tivemos que excluir todos os problemas históricos” (p.51). Percebemos aqui um primeiro movimento em direção à evolução do pensamento de Bakhtin, se observarmos o tratamento histórico que o autor dá a obras posteriores, inclusive na versão de 1963 do mesmo texto, intitulado Problemas da poética de Dostoiévski. Mesmo tendo dito excluir os problemas históricos nesta obra de 1929, a consciência da importância do processo histórico está presente na escrita de Bakhtin, em relação ao trabalho metodológico de observação e análise da obra de Dostoiévski, pois entende que o ideal metodológico deve considerar que “todo problema teórico deve ser necessariamente orientado por uma perspectiva histórica” (p.51). O prefácio se encerra apresentando uma crítica à proposta formalista e à proposta de leitura ideológica feitas no período acerca da obra de Dostoiévski, entendidas por Bakhtin como estreitas, já que deixam de olhar a obra do autor por meio das lentes da “inovação revolucionária no campo do romance como forma artística” (p.52), isto é, o romance polifônico. Em oposição ao ponto de vista formalista e ideologista, Bakhtin, então, apresenta sua proposta de estudo, dividindo a obra em duas partes: “Na primeira parte do livro apresentaremos a concepção geral do novo tipo de romance que Dostoiévski criou. Na segunda parte detalharemos nossa tese em análises concretas da palavra em suas funções sociais nas obras de Dostoiévski” (p.52).

Quanto à primeira parte da obra, páginas 55 a 153, intitulada “Parte I – O romance polifônico de Dostoiévski (colocação do problema)”, Bakhtin organiza suas reflexões em 4 seções: “1. A principal peculiaridade da criação de Dostoiévski e sua elucidação na literatura crítica; 2. O personagem em Dostoiévski; 3. A ideia em Dostoiévski; 4. As funções do enredo de aventura nas obras de Dostoiévski”. Essa organização proposta pelo autor tenta construir um ponto de vista posicionado e relativamente orgânico acerca do projeto de escrita de Dostoiévski. Para tanto, Bakhtin parte da seguinte tese de trabalho:

todos os elementos da estrutura romanesca em Dostoiévski são profundamente peculiares; todos são determinados pelo novo objetivo artístico, que somente ele soube colocar e resolver em toda a sua amplitude e profundidade: a tarefa de construir um mundo polifônico e destruir as formas constituídas do romance europeu, predominantemente monológico (ou monofônico)” (BAKHTIN, 2022BAKHTIN, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski (Versão de 1929). Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório e posfácio de Shiela Grillo. São Paulo: Editora 34, 2022., p.58-59)

A segunda parte da obra intitula-se “Parte II – A palavra em Dostoiévski (Ensaio de estilística)”, páginas 157 a 306, e se organiza em “1. Tipos da palavra prosaística: a palavra em Dostoiévski; 2. A palavra monológica do personagem e a palavra narrativa das novelas de Dostoiévski; 3. A palavra do personagem e a palavra da narração nos romances de Dostoiévski; 4. O diálogo em Dostoiévski”. Nessa parte, dedicada à análise de obras de Dostoiévski, o autor focaliza suas reflexões no que denomina “presença de palavras com dupla orientação” (p.158) e busca “oferecer uma classificação plena e exaustiva das palavras do ponto de vista desse novo princípio”, isto é, palavras orientadas para o objeto do discurso e para a palavra alheia, para outro discurso, para o outro.

O cuidado com a tradução está presente não somente na organização geral do texto, mas também nas notas explicativas em relação às escolhas tradutórias. Um exemplo disso é a questão relacionada aos termos russos slovo [palavra, discurso] e riétch [fala, discurso, linguagem]. Em nota acerca da escolha pela tradução de slovo do russo para ‘palavra’ em português em vez de ‘discurso’, acepção possível e utilizada como sinônimos no texto, as tradutoras informam que “no segundo parágrafo, fica claro que aqui Bakhtin utiliza slovo como sinônimo de riétch (fala, discurso, linguagem)”. A opção por ‘palavra’ em vez de ‘discurso’ para a tradução do termo russo slovo, além de seguir a acepção primeira do termo, também objetiva manter a “variação terminológica entre os dois, slovo e riétch, ambos empregados por Bakhtin” (N. da T., p.157).

É principalmente nessa segunda parte do texto de Bakhtin que sentimos com mais clareza o projeto maior da editora. Bakhtin se propõe a tratar e analisar as “palavras com dupla articulação que contêm, como aspecto necessário, a relação com o enunciado alheio” (BAKHTIN, 2022BAKHTIN, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski (Versão de 1929). Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório e posfácio de Shiela Grillo. São Paulo: Editora 34, 2022., p.158) e “oferecer uma classificação plena e exaustiva das palavras do ponto de vista desse novo princípio” (BAKHTIN, 2022BAKHTIN, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski (Versão de 1929). Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório e posfácio de Shiela Grillo. São Paulo: Editora 34, 2022., p.158). Percebemos que as obras analisadas pelo autor são traduções para a língua portuguesa feitas diretamente da língua russa por professores, pesquisadores da língua russa e tradutores renomados de obras literárias e teóricas. Esse projeto da editora oferece ao leitor grande coerência e segurança não somente na construção do conhecimento teórico advindo da leitura dessa obra, mas também na possibilidade de pesquisa nas obras literárias traduzidas e citadas nas análises e reflexões de Bakhtin.

Sheila Grillo também assina o posfácio, intitulado “Problemas da obra de Dostoiévski no espelho da crítica soviética e estrangeira”. Nele, a ensaísta e tradutora coloca em diálogo os críticos da obra de Bakhtin, quando foi lançada na União Soviética, no melhor estilo discursivo-dialógico. Desse modo, ela nos oferece a possibilidade de visualizar a polêmica a respeito da obra, fundada entre a rejeição e o acolhimento “com ressalvas” aos pontos de vistas teóricos de Bakhtin por meio de recortes dos textos produzidos no período. Seguindo a hipótese de que “a análise dessa recepção (parcial) pela crítica pode nos revelar os impasses da compreensão, bem como o fundo aperceptível do destinatário do discurso e o horizonte valorativo de POD3 3 Abreviatura proposta pela tradutora para “Problemas da obra de Dostoiévski”. ” (GRILLO, 2022, p.307), a tradutora e ensaísta nos vai conduzindo com maestria para a esfera de recepção do trabalho de Bakhtin, oferecendo-nos a possibilidade do acompanhamento da tensão dialógica construída com base na proposta de Bakhtin no período.

A obra se encerra com um glossário de termos que esclarecem o posicionamento teórico e filosófico das tradutoras frente aos conceitos que poderiam ser considerados mais polêmicos na obra. Esse trabalho final das tradutoras nos ajuda a entender melhor os usos e sentidos de palavras e expressões escolhidas na tradução do texto. Destacamos aqui, em primeiro lugar, o tratamento de discurso/fala (riétch) em que as tradutoras esclarecem que traduziram “por ‘discurso’, quando se refere ao narrador ou a um modo geral de expressão de um personagem ao longo de uma obra, e por ‘fala’, quando se trata das intervenções orais dos personagens, isto é, das suas réplicas em diálogo” (GRILLO; AMÉRICO, 2022, p.356). Destacamos também o tratamento dado às coligações no texto. Como exemplo, podemos citar o uso do termo ‘palavra’ em suas possíveis combinações utilizadas na tradução do texto de Bakhtin. No glossário, encontramos os seguintes conjuntos coligados e suas definições: palavra à revelia; palavra, verbal; palavra bivocal; palavra com dupla orientação; palavra direcionada; palavra direta e imediatamente direcionada para seu objeto, palavra direta e intencional, palavra imediatamente intencional; palavra do autor; palavra hagiográfica; palavra ideológica; palavra objetificada ou representada; palavra do personagem; palavra penetrante; palavra refratora; palavra seca, informativa e protocolar; palavra sobre si mesmo ou palavra confessional.

Concluímos esta resenha retomando a epígrafe, pois entendemos que esta tradução publicada no século 21, quase cem anos após o lançamento da obra na então União Soviética, torna-se um “acontecimento” discursivo. Por meio dessa tradução, podemos “ler os indícios do tempo” em que a obra foi originalmente publicada, sem deixarmos de perceber também a inovação da proposta tradutória por meio das interferências das tradutoras nos ensaios apresentados e pelas notas de rodapé produzidas. Este é um texto que, em seu acontecimento presente, retoma o passado, renovando-o por meio de uma tradução brasileira cuidadosa e posicionada, confirmando que a força do pensamento bakhtiniano continua nos constituindo. Como bem explica Sheila Grillo, “Bakhtin parece ter adaptado seu texto em função do horizonte valorativo da União Soviética dos anos 1920” (GRILLO, 2022, p.349), ao mesmo tempo que “a polifonia de Bakhtin revela-se surpreendentemente atual e potente” (GRILLO, 2022, p.44).

  • 1
    Creative arts corresponde à tradução em língua inglesa do título da obra de 1929 de Bakhtin, proposta por Gary Morson e Caryl Emerson em MORSON, G. S.; EMERSON, C. Polyphony: Authoring a Hero. In: Mikhail Bakhtin. Creation of Prosaics. California: Stanford University Press, 1990, p.231.
  • 2
    O capítulo de Brait faz levantamento comentado dos textos que contribuíram para a construção de Problemas da poética de Dostoiévski. O capítulo detalha questões sobre a primeira versão do texto dos anos 20, incluindo até o sumário da obra que vem a ser muito próximo do sumário apresentado na tradução recentemente publicada em português.
  • 3
    Abreviatura proposta pela tradutora para “Problemas da obra de Dostoiévski”.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtinina. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, este periódico publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, Mikhail. A respeito de problemas da obra de Dostoiévski. In: Estética da criação verbal Introdução de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. Tradução do russo de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.193-204.
  • BAKHTIN, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski (Versão de 1929). Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório e posfácio de Shiela Grillo. São Paulo: Editora 34, 2022.
  • BRAIT, B. (org.). Problemas da poética de Dostoiévski e estudos da linguagem. In: Bakhtin, dialogismo e polifonia São Paulo: Editora Contexto, 2009. p.45-72.

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

O manuscrito submetido à avaliação constitui uma resenha crítica de uma obra publicada pela Editora 34 cujo título é: BAKHTIN, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski (Versão de 1929) [Problems of Dostoevsky’s Creative Arts (1929 Edition)]. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Volkóva Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 1a edição. São Paulo: Editora 34, 2022, 381p. Como se trata de uma resenha, o texto não tem necessariamente a obrigação de apresentar um título, como, de fato, não o faz.

O objetivo do texto não é literalmente registrado, mas é delineado no próprio ato de elaboração do gênero resenha, cujo objetivo é a apreciação crítica de um artefato cultural, como é o caso da obra em tela, sendo coerente com a atividade a que se propôs.

O(a) autor(a) demonstra conhecimento do texto, embora o destaque da resenha esteja mais no trabalho minucioso e bem feito das tradutoras no que diz respeito à tradução e à edição e menos no conteúdo propriamente dito da obra, conforme se nota nas páginas 5 e 6. Evidentemente, o(a) resenhista faz um trabalho consistente, recorrendo tanto ao ensaio introdutório elaborado por uma das tradutoras – que também é ensaísta – bem como se valendo de fontes de estudioso(a)s especializado(a)s na temática abordada no livro, com vistas a uma fundamentação mais robusta acerca das ideias do autor. Trata-se, portanto, de um texto bastante (in)formativo.

A resenha cumpre seu objetivo, oferecendo ao leitor, sobretudo o iniciante, uma boa contextualização do momento de emergência da obra, de seu conteúdo principal, do tratamento técnico da tradução, bem como da apresentação de todas as partes que compõem o conjunto, aspectos que, somados, funcionam como uma chave de leitura do livro.

Por fim, destaco a linguagem adequada ao gênero, com clareza das ideias desenvolvidas. Chamo a atenção, entretanto, para a necessidade de uma revisão linguística, conforme pequenos problemas assinalados no corpo do texto e/ou nos balõezinhos de comentários. Considero, pois, o trabalho relevante e necessário para o(a) estudioso(a) das obras do Círculo de Bakhtin, principalmente aquele(a) que poderá vir a ter um primeiro contato com o texto via esta resenha, que sob o aspecto acadêmico, atende aos objetivos pretendidos. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

A resenha sob o título “BAKHTIN, Mikhail. Problemas da obra de Dostoiévski (Versão de 1929) [Problems of Dostoevsky’s Creative Arts (1929 Edition)]. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Volkóva Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. 1a edição. São Paulo: Editora 34, 2022, 381p.” está bem estruturada e adequada ao tema proposto. Traz uma sequência lógica dos itens dispostos nessa obra e desenvolve os principais pontos abordados por Bakhtin nesta edição apresentada pelas tradutoras Sheila Grillo e Ekaterina Volkóva Américo. A exemplo do ensaio introdutório que oferece ao leitor componentes para uma melhor compreensão do romance polifônico e apresenta outros interlocutores russos da crítica e da teoria da literatura. Os objetivos do texto estão claros, bem desenvolvidos e coerentes com a bibliografia proposta para esta produção. Trata-se de um conteúdo relevante e atualizado, tornando-se uma boa contribuição para os estudos Bakhtinianos, e esclarece termos que divergem em outras traduções, como por exemplo, “obra” e “criação”. É um texto bem construído, prático, didático e com linguagem simples, o que facilita a utilização desses conceitos nessa área do conhecimento. Portanto, recomendo a publicação.

  • recomendação: aceitar

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2022
  • Aceito
    24 Out 2022
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