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OS EFEITOS DAS POLÍTICAS MONETÁRIAS SOBRE AS ESTRUTURAS DE CAPITAL DAS FIRMAS

RESUMO

O objetivo desta pesquisa é analisar a influência que as políticas monetárias exercem sobre as decisões de financiamento das corporações brasileiras. Desse objetivo derivam 2 hipóteses. A amostra do estudo é composta por 220 empresas: 84 de bens de consumo, 89 de bens de capital e 47 de utilidade pública. Os dados coletados referem-se aos anos de 2009 a 2019. A metodologia empregada para a análise dos dados se dá por meio de regressões quantílicas e dos modelos de dados em painel, pela abordagem GMM. Segundo os resultados, pode-se concluir - à luz da teoria de market timing em consonância com a teoria austríaca dos ciclos econômicos - que as estruturas de capital das firmas podem ser determinadas pelos momentos de mercado definidos pelas políticas monetárias, de modo que tal influência é distinta a depender do setor no qual as empresas se situam na cadeia produtiva.

Palavras-Chaves:
Estrutura de Capital; Teoria de market timing; Teoria austríaca dos ciclos econômicos

ABSTRACT

The purpose of this paper is to analyze the influence that monetary policies have on the financing decisions of Brazilian corporations. From this purpose, two hypotheses will be derived. The study sample is composed of 220 companies: 84 of consumer goods, 89 of capital assets, and 47 of public utility. The data collected refer to the years from 2009 to 2019, and the methodology used for data analysis is through quantile regressions and panel data models, using the GMM approach. According to the results, it can be concluded-in the light of the market timing theory, in line with the Austrian theory of economic cycles-that the capital structures of firms can be determined by the market moments, as defined by monetary policies, so that such influence is different depending on the sector to which the companies are located in the production chain.

Keywords:
Capital structure; Market timing theory; Austrian business cycle theory

1. INTRODUÇÃO

Entender os fatores que influenciam as escolhas da estrutura de capital das firmas é um assunto tratado em profundidade por pesquisas acadêmicas, sendo tema de interesse também de proprietários, gestores e credores, uma vez que o custo do capital pode determinar a continuidade das firmas. Nessa seara, há a construção de teorias que buscavam explicar quais são os determinantes das estruturas de financiamento das firmas, dentre as quais se observa a market timing.

Baker e Wugler (2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414
https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414...
), partindo de trabalhos como os de Taggart (1977Taggart, R. A., Jr. (1977). A model of corporate financing decisions. The Journal of Finance, 32(5), 1467-1484. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1977.tb03348.x
https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1977...
), Jalilvand e Harris (1984Jalilvand, A., & Harris, R. S. (1984). Corporate behavior in adjusting to capital structure and dividend targets: An econometric study. The Journal of Finance, 39(1), 127-145. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1984.tb03864.x
https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1984...
), Asquith e Mullins (1986Asquith, P., & Mullins, D. W., Jr. (1986). Equity issues and offering dilution. Journal of financial economics, 15(1-2), 61-89. https://doi.org/10.1016/0304-405X(86)90050-4
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), Rajan e Zingales (1995Rajan, R. G., & Zingales, L. (1995). What do we know about capital structure? Some evidence from international data. The Journal of Finance, 50(5), 1421-1460. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1995.tb05184.x
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), desenvolveram a teoria de market timing, segundo a qual a estrutura de capital de uma firma é resultante do acúmulo passado das tentativas de aproveitar condições favoráveis do mercado de ações pelos seus gestores.

Somando-se a isso, Huang e Ritter (2009Huang, R., & Ritter, J. R. (2009). Testing theories of capital structure and estimating the speed of adjustment. Journal of Financial and Quantitative analysis, 44(2), 237-271. http://doi.org/10.2139/ssrn.938564
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) observaram as decisões de financiamento externo das firmas por meio de um prêmio de risco de mercado do capital próprio. Os autores apontaram que as empresas garantem significativa parte de suas necessidades de investimento com a utilização de dívida quando o prêmio de risco de mercado é alto, resultando em um alto endividamento por períodos consecutivos.

Explorada por Albanez (2012Albanez, T. (2012). Efeitos do market timing sobre a estrutura de capital de companhias abertas brasileiras [Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo].) e Albanez (2015Albanez, T. (2015). Impact of the cost of capital on the financing decisions of Brazilian companies. International Journal of Managerial Finance, 11(3), 285-307. https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-0026
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), uma lacuna na teoria de market timing se deve aos momentos de mercado nos quais os custos de capitais de terceiros variem favoravelmente em benefício da contração de dívidas pelas firmas. Assim, em sua análise empírica, a autora trabalha com duas métricas para o custo de capital de terceiros, sendo uma delas baseada no rating de crédito das companhias, e a outra, no custo médio do passivo oneroso. Os resultados revelaram que quanto maior o custo de capital de terceiros, menor a utilização de dívida como fonte de financiamento.

Nesse sentido, uma explicação das variações nos custos dos capitais de terceiros pode ser encontrada na teoria dos ciclos econômicos da escola austríaca - conforme apresentado por Mises e Batson (1953Mises, L. V., & Batson, H. E. (1953). The theory of money and credit (Vol. 2). Yale University Press.), Mises (1998Mises, L. V. (1998) Human Action: A Treatise On Economics. Ludwig von Mises Institute. ), Garrison (2001Garrison, R. W. (2001). Time and money: The macroeconomics of capital structure. Routledge.), Hayek (2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.), Soto (2009 de Soto, J. H.. (2009). Dinero, crédito bancario y ciclos económicos. Unión Editorial.). Segundo os autores, a manipulação das bases monetárias e das taxas de juros realizada pelos Bancos Centrais tem como consequência um maior nível de investimentos e endividamentos em firmas cujos projetos produtivos demandam maior tempo para a sua realização (como exemplo as firmas de bens de capital), frente a empresas cujos projetos demandam menor prazo (como exemplo as firmas de bens de consumo).

Como o controle das bases monetárias é feito pelos Bancos Centrais no setor financeiro, os aumentos dos agregados monetários escoam para a economia por meio das dívidas obtidas pelo setor produtivo perante essas instituições financeiras, influenciando assim, suas estruturas de capital, a depender do momento (market timing) da queda no custo do capital de terceiros.

Alinhando-se com a teoria dos ciclos econômicos da escola austríaca, estudos empíricos sobre as estruturas de capitais das firmas - como os de Eriotis et al. (2002Eriotis, N. P., Frangouli, Z., & Ventoura-Neokosmides, Z. (2002). Profit margin and capital structure: An empirical relationship. Journal of Applied Business Research, 18(2), 85-88. https://doi.org/10.19030/jabr.v18i2.2118
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), Serrasqueiro (2011Serrasqueiro, Z. (2011). Are capital structure decisions of service SMEs different? Empirical evidence from Portugal. Management Research Review, 34(1), 34-57. https://doi.org/10.1108/01409171111096469
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), Javed e Imad (2012Javed, A. Y., & Imad, Q. (2012). A decomposition analysis of capital structure: evidence from Pakistan’s manufacturing sector. The Lahore Journal of Economics, 17(1), 1-31. http://doi.org/10.35536/lje.2012.v17.i1.a1
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) e Mujahide Akhtar (2014Mujahid, M., & Akhtar, K. (2014). Impact of capital structure on firms financial performance and shareholders wealth: Textile Sector of Pakistan. International Journal of Learning & Development, 4(2), 27-33. https://doi.org/10.5296/ijld.v4i2.5511
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) - constataram que as firmas possuem estruturas de capitais distintas, a depender do tipo de atividade. Além disso, outros trabalhos - como os de Brierley e Bunn (2005Brierley, P., & Bunn, P. (2005). The determination of UK Corporate Capital Gearing. Bank of England, Quarterly Bulletin, Autumn, 45(3).), Frank e Goyal (2003Frank, M. Z., & Goyal, V. K. (2003). Testing the pecking order theory of capital structure. Journal of Financial Economics, 67(2), 217-248. https://doi.org/10.1016/S0304-405X(02)00252-0
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), Vithessonth et al. (2017Vithessonthi, C., Schwaninger, M., & Müller, M. O. (2017). Monetary policy, bank lending and corporate investment. International Review of Financial Analysis, 50, 129-142. https://doi.org/10.1016/j.irfa.2017.02.007
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) e Alter e Elekdag (2020Alter, A., & Elekdag, S. (2020). Emerging market corporate leverage and global financial conditions. Journal of Corporate Finance, 62, 101590. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020.101590
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) - evidenciaram a presença de efeitos das políticas monetárias sobre o nível de alavancagem das firmas no âmbito dos mercados de vários países, como Alemanha, Suíça, Tailândia, Reino Unido, EUA e China.

No Brasil, entre 2009 e 2019, os agregados monetários M1 e M2 aumentaram aproximada e respectivamente 80% e 158%. Durante o mesmo período, a taxa Selic teve como valor mínimo 5% e como valor máximo, 14,25%. Esses percentuais demonstram um cenário expansionista das políticas monetárias e os seus efeitos sobre as taxas de juros na economia brasileira. Isso posto, à luz das teorias mencionadas, dos resultados empíricos apresentados pela literatura e do cenário monetário brasileiro, tem-se o presente problema de pesquisa: Quais são os impactos das políticas monetárias sobre as estruturas de capital das empresas dos diferentes setores listadas na B3 na última década?

Destarte, o objetivo deste estudo é analisar a influência que as políticas monetárias exercem sobre as decisões de financiamento das corporações brasileiras. Justifica-se, portanto, o intuito desta pesquisa de sanar uma lacuna importante na literatura em finanças ao verificar o comportamento da manipulação da oferta monetária nos níveis de endividamento das entidades, tanto em termos agregados quanto por setores. E esta análise é feita com robustez metodológica e teórica, pelo somatório de teorias das finanças e da economia estimado em modelos econométricos testados em outros mercados de relevância mundial. Dessa forma, a presente pesquisa complementará a literatura que estuda os impactos das políticas monetárias e de variáveis macroeconômicas sobre as finanças corporativas, particularmente no que tange às estruturas de capital das firmas de capital aberto no Brasil.

A amostra do estudo é composta por 220 empresas: 84 de bens de consumo, 89 de bens de capital e 47 de utilidade pública. Os dados coletados referem-se aos anos de 2009 a 2019. A metodologia empregada para a análise dos dados se dá por meio de regressões quantílicas e dos modelos de dados em painel, pela abordagem GMM, construído com base nos trabalhos de Baker e Wurgler (2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414
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), Huang e Ritter (2009Huang, R., & Ritter, J. R. (2009). Testing theories of capital structure and estimating the speed of adjustment. Journal of Financial and Quantitative analysis, 44(2), 237-271. http://doi.org/10.2139/ssrn.938564
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), Albanez (2015Albanez, T. (2015). Impact of the cost of capital on the financing decisions of Brazilian companies. International Journal of Managerial Finance, 11(3), 285-307. https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-0026
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), Yang et al. (2017Yang, X., Han, L., Li, W., Yin, X., & Tian, L. (2017). Monetary policy, cash holding and corporate investment: Evidence from China. China Economic Review, 46, 110-122. https://doi.org/10.1016/j.chieco.2017.09.001
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) e Alter e Elekdag (2020Alter, A., & Elekdag, S. (2020). Emerging market corporate leverage and global financial conditions. Journal of Corporate Finance, 62, 101590. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020.101590
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). Como resultados, verificou-se que as estruturas de capital das firmas podem ser determinadas pelos momentos de mercado definidos pelas políticas monetárias, de modo que tal influência é distinta, a depender do setor da cadeia produtiva no qual as empresas se situam.

2. RERENCIAL TEÓRICO

2.1. Teoria de market timing

Após pesquisas apontarem para a tendência de as firmas emitirem ações quando o seu valor de mercado está alto em comparação ao seu valor patrimonial, Baker e Wurgler (2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414
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) desenvolveram a articulação da teoria de market timing. Dessa forma, os autores verificaram o impacto do índice market-to-book - proxy utilizada para medir as oportunidades de market timing percebidas pelos gestores -sobre o nível de alavancagem das firmas, assim como seseusefeitoserampersistentesapontodeexplicarasmudançasna estrutura de capital.

Uma ótica apresentada pela teoria de market timing é dirigida ao erro de precificação do mercado de capitais, no qual a oportunidade de emitir ações sobrevalorizadas leva as firmas a se financiarem em maior proporção com capital próprio. Nesse caso, com base na teoria da agência, as empresas emitem ações quando avaliam que estão sobrevalorizadas e as readquirem quando observam que estão subvalorizadas. Portanto, o índice market-to-book pode ser empregado como uma proxy da percepção dos gestores quanto a possíveis erros de mensuração por parte do mercado, sendo relacionado negativamente com a emissão de dívidas e positivamente com a emissão de ações (Baker & Wurgler, 2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414
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).

Baker e Wurgler (2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414
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) também explicam que impactos de curto prazo do índice market-to-book podem ser observados sobre a estrutura de capital, mesmo se as entidades buscarem posteriormente por estruturas ótimas como as preconizadas pela teoria de trade-off. Nesses casos, os efeitos do market timing sobre as estruturas de capital não serão persistentes no longo prazo. Os resultados da parte empírica indicaram que altos valores de mercado reduzem a alavancagem no curto prazo e que altos valores de mercado históricos são relacionados com baixos endividamentos, com persistência desses efeitos por vários anos. Assim, a convergência desses resultados indica que os efeitos foram persistentes na determinação da estrutura de capital, refletindo o acúmulo de tentativas passadas de market timing.

Somando a essa teoria, Huang e Ritter (2009Huang, R., & Ritter, J. R. (2009). Testing theories of capital structure and estimating the speed of adjustment. Journal of Financial and Quantitative analysis, 44(2), 237-271. http://doi.org/10.2139/ssrn.938564
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) analisaram os determinantes das decisões de endividamento das firmas norte-americanas por meio do prêmio de risco de mercado do capital próprio (Equity Risk Premium- ERP). Essa variável apresentou maior relevância após a variável market-to-book. Esses autores observaram que as empresas garantem grande parte de suas oportunidades de investimento com a utilização de dívida nos momentos em que o ERP é alto, resultando em um alto endividamento por períodos consecutivos.

Os autores também observaram que as firmas suprem seus déficits financeiros com a emissão de ações quando o custo de capital próprio é baixo. Assim, foi verificado que esse prêmio de risco de mercado tem efeitos persistentes ao longo do tempo sobre as estruturas de capital e que, portanto, esses resultados também contribuem para a teoria de market timing (Huang & Ritter, 2009Huang, R., & Ritter, J. R. (2009). Testing theories of capital structure and estimating the speed of adjustment. Journal of Financial and Quantitative analysis, 44(2), 237-271. http://doi.org/10.2139/ssrn.938564
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).

Na construção e nos testes dessa teoria, deve-se notar que a principal abordagem verificada pelos estudos de market timing se concentra sobres os momentos de mercado favoráveis ou desfavoráveis para a emissão de ações, ou seja, o foco está na avaliação dos gestores sobre o custo do capital próprio. No entanto, pode haver momentos de mercado nos quais o custo de capital de terceiros varie favoravelmente em benefício da contração de dívidas pelas firmas, e foi essa a lacuna explorada por Albanez (2015Albanez, T. (2015). Impact of the cost of capital on the financing decisions of Brazilian companies. International Journal of Managerial Finance, 11(3), 285-307. https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-0026
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).

Nesse contexto, Albanez (2012Albanez, T. (2012). Efeitos do market timing sobre a estrutura de capital de companhias abertas brasileiras [Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo].), somando ao trabalho de Huang e Ritter (2009Huang, R., & Ritter, J. R. (2009). Testing theories of capital structure and estimating the speed of adjustment. Journal of Financial and Quantitative analysis, 44(2), 237-271. http://doi.org/10.2139/ssrn.938564
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), teve por objetivo examinar o comportamento de market timing em companhias abertas brasileiras, observando empiricamente a existência e persistência de um comportamento oportunista quando da escolha dentre diferentes fontes de financiamento. Para isso, examinou os efeitos do market timing sobre a estrutura de capital, relacionando os níveis de alavancagem dessas firmas aos indicadores de custo de capital próprio e de terceiros.

Em sua análise empírica, Albanez (2012Albanez, T. (2012). Efeitos do market timing sobre a estrutura de capital de companhias abertas brasileiras [Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo].) utilizou duas amostras: a primeira foi composta de 235 empresas, analisadas no período 2000-2011; a segunda foi composta de 75 empresas com ratings de crédito atribuídos por agências de classificação de risco, analisadas no período 2005-2011. Foram utilizadas duas proxies para o custo de capital de terceiros, sendo uma delas baseada no custo médio do passivo oneroso, e a outra, no rating de crédito das firmas (esta última testada apenas para a segunda amostra). O cálculo da primeira proxy é formalizado a seguir:

K d l i q = D e s p . F i n x 0,66 P a s s i v o o n e r o s o M é d i o (1)

Em que:

Kdliq: indicador de custo de capital de terceiros, líquido dos impostos;

Desp. Fin X 0,66: despesa financeira líquida de impostos em t, considerando-se alíquota de 34% (25% de Imposto de Renda e 9% de Contribuição Social);

Passivo oneroso Médio: média aritmética do passivo oneroso em t e t-1;

Passivo Oneroso: financiamentos, debêntures e arrendamentos mercantis financeiros de curto e longo prazos. (Albanez, 2012Albanez, T. (2012). Efeitos do market timing sobre a estrutura de capital de companhias abertas brasileiras [Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo]., p. 146)

Este é um dos métodos mais comuns para se estimar o custo de capital de terceiros, mensurando o custo médio do passivo oneroso por meio das informações contidas no balanço patrimonial, sendo, portanto, uma medida de custo ex-post ao considerar valores históricos da dívida e das despesas financeiras. O outro indicador de custo de capital de terceiros foi coletado por meio dos ratings de crédito (obtidos da base de dados Bloomberg), no final de cada ano, das 75 companhias brasileiras ativas na B3 com dados disponíveis para realização do estudo. Os títulos com ratings AAA, AA, A e BBB foram considerados de maior qualidade e de menor risco de inadimplência. Os demais títulos foram considerados especulativos por apresentarem alto risco em relação às outras obrigações (Albanez, 2012Albanez, T. (2012). Efeitos do market timing sobre a estrutura de capital de companhias abertas brasileiras [Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo].).

Por meio da inserção dessas variáveis nos modelos, os resultados obtidos indicaram que quanto maior o custo de capital de terceiros, menor a alavancagem, e quanto maior o custo de capital próprio, maior o nível de endividamento. Dessa forma, os autores observaram que as proxies para o custo de capital despontaram como as variáveis mais significativas, exercendo forte influência sobre a determinação das estruturas de capital das firmas. Portanto, os resultados obtidos por Albanez (2015Albanez, T. (2015). Impact of the cost of capital on the financing decisions of Brazilian companies. International Journal of Managerial Finance, 11(3), 285-307. https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-0026
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) corroboraram a teoria de market timing, demonstrando que as firmas observam os custos de diferentes fontes de recursos, buscando diminuir assim seus custos de capitais.

Em uma pesquisa mais recente, Alter e Elekdag (2020Alter, A., & Elekdag, S. (2020). Emerging market corporate leverage and global financial conditions. Journal of Corporate Finance, 62, 101590. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020.101590
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) investigaram a hipótese de uma relação entre a política monetária dos EUA e o crescimento da alavancagem das empresas em países emergentes. Por meio de modelagem VAR em painel, para uma amostra de 800.000 empresas, os autores confirmaram que a política monetária dos EUA está associada a um crescimento mais rápido da alavancagem das firmas. O impacto é mais pronunciado para empresas com restrições financeiras e cuja política monetária doméstica esteja mais alinhada com a dos Estados Unidos.

Desse modo, os resultados apresentados por Alter e Elekdag (2020Alter, A., & Elekdag, S. (2020). Emerging market corporate leverage and global financial conditions. Journal of Corporate Finance, 62, 101590. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020.101590
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) sugerem que as condições financeiras globais afetam o crescimento da alavancagem das empresas de países emergentes, influenciando suas taxas de juros. Os autores também argumentam que, embora o aumento da alavancagem corporativa possa ser acompanhado por investimento produtivo e crescimento econômico, esses resultados parecem validar as preocupações de que alguns empréstimos possam ter sido excessivamente alocados a empresas mais arriscadas durante esses episódios.

2.2. Teoria Austríaca sobre os ciclos econômicos

Hayek (2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.) defende que as decisões entre poupança e investimento em uma economia devem ser feitas por uma taxa de juros conduzida apenas pelo mercado e explica que o mercado é sensível ao controle dos juros realizados pelos Bancos Centrais. Do mesmo modo, o investimento e o consumo representam funções dicotômicas dos recursos. Em uma situação econômica de pleno emprego, alocam-se recursos em ambas as utilidades, obtendo-se o máximo benefício desse trade-off.

Assim, Garrison (2001Garrison, R. W. (2001). Time and money: The macroeconomics of capital structure. Routledge.) utiliza a Fronteira de Possibilidades de Produção (FPP) para destacar a definição de escassez ao demonstrar teorias sobre o capital e juros. O “Investimento” é constituído pelo somatório entre o investimento líquido (que permite o crescimento da economia) e o investimento necessário para repor o capital obsoleto, depreciado ou exaurido. O investimento líquido positivo denota o crescimento da economia. Dessa forma, conforme a Figura 1, a FPP se expande ano após ano, do ponto A para o ponto B, possibilitando taxas crescentes de consumo e de investimento. Nesse caso, a expansão da FPP denota um sustentável crescimento econômico.

O nível de crescimento da FPP necessita de vários fatores. Uma variação na poupança - que desencadeia um movimento na FPP inicial a partir do ponto A para o ponto A`, conforme Figura 2 - altera a forma como a FPP se desenvolve. Considere que uma população se torne mais econômica, visando ao futuro. Ela vai necessariamente diminuir o atual consumo, aumentando a poupança. Esse aumento da poupança possibilita um maior nível de investimento, de modo que a economia se expanda a uma maior taxa, sendo B`>B.

Figura 1
Crescimento da fronteira de possibilidade de produção

Assim como também apresentado no modelo de Solow (1956Solow, R. M. (1956). A contribution to the theory of economic growth. The Quarterly Journal of Economics, 70(1), 65-94. https://doi.org/10.2307/1884513
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), não havendo o acréscimo na poupança, o investimento e o consumo se expandem em uma menor taxa. Ou seja, no momento inicial, o investimento cresce em oposição ao consumo. Posteriormente, devido ao maior investimento inicial, o consumo e o investimento se expandem a uma maior taxa de crescimento. Desse modo, a redução no consumo no início do período (poupança) possibilitou um maior nível de consumo futuro.

Autores como Mises e Batson (1953Mises, L. V., & Batson, H. E. (1953). The theory of money and credit (Vol. 2). Yale University Press.), Hayek (2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.) e Soto (2009 de Soto, J. H.. (2009). Dinero, crédito bancario y ciclos económicos. Unión Editorial.) utilizam a estrutura do mercado de crédito quando teorizam sobre as relações entre a taxa de juros, investimentos e poupança. Assim, se os agentes mudam suas preferências temporais, tornando-se mais orientados para o longo prazo, há o aumento de sua poupança, propiciando uma queda na taxa de juros. Logo, há maior estimulo aos empreendedores a investirem em mais projetos. Dessa forma, ceteris paribus, a poupança/investimento são os determinantes para um legítimo crescimento econômico, no qual o equilíbrio entre o investimento (D) e a poupança (S) geram o valor da taxa de juros em uma economia de mercado.

Nesse caso, conforme Figura 2, a redução do consumo e o aumento da poupança deslocam o valor da taxa de juros para um patamar mais baixo (B>B`). Uma menor taxa de juros concede um novo ponto de equilíbrio no mercado. A economia se desloca pela extensão da FPP, buscando, no tempo presente, um menor nível de consumo e um maior nível de investimento.

Figura 2
Fronteira de possibilidades de produção e o mercado de crédito.

Logo, o mercado de crédito evidencia como a taxa de juros propicia um sincronismo entre o investimento e a poupança. Já a FPP mostra como o trade-off fica limitado entre o investimento e o consumo. Ou seja, movimentos ao longo da FPP resultam necessariamente em movimentos opostos entre o investimento e o consumo. Portanto, os ajustes nos preços de mercado dos insumos, dos salários e dos produtos finais permitem que a economia opere na extensão de sua FPP.

Por outro lado, de acordo com Keynes (2017Keynes, J. M. (2017). Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Editora Saraiva.), as reduções nos gastos do consumidor resultam em um excesso de estoques, causando cortes na produção e demissões, o que gera diminuição da renda e dos gastos. Nessa espiral, a economia entraria em recessão, e os empreendedores incorreriam em menos investimentos.

Pela abordagem da macroeconomia do capital, há equívoco na teoria de Keynes (2017Keynes, J. M. (2017). Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Editora Saraiva.) ao desconsiderar toda a estrutura de produção subdividida em etapas, analisando apenas o agregado no curto prazo. Uma menor taxa de juros derivada de um aumento de poupança estimula projetos de longo prazo, como uma construção industrial ou o desenvolvimento de novos produtos.

Na elaboração de Böhm-Bawerk (1890Böhm-Bawerk, E. (1890). Capital and interest: A critical history of economical theory (Vol. 1). Macmillan and Company.) e Menger (2012Menger, C. (2012). Principios de economía política. Bubok.), os bens de capital apresentam características heterogêneas. A estrutura de produção é composta por bens de consumo final (bens de primeira ordem) e bens de capital (bens de ordens superiores), relacionando-se entre os diversos estágios produtivos por meio dos diferentes níveis de complementariedade.

Na Figura 3, o cateto AC ilustra a extensão temporal, quantificada pelo número de etapas, considerando-se que a quantidade de estágios oscila em função direta com o tempo da cadeia produtiva. O cateto BC demonstra o total produzido de bens de consumo. Já a hipotenusa AB representa a função de produção. As diversas etapas de produção nas quais se subdivide o cateto AC constituem-se em bens de capital, quantificadas em medidas de valor.

Um ponto nevrálgico para a teoria dos ciclos é a correspondência mútua entre os planos dos produtores e consumidores e os planos dos investidores e poupadores (Hayek, 2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.). Assim, o triângulo ilustra o trade-off reconhecido por Böhm-Bawerk (1890Böhm-Bawerk, E. (1890). Capital and interest: A critical history of economical theory (Vol. 1). Macmillan and Company.) e Menger (2012Menger, C. (2012). Principios de economía política. Bubok.), no qual os investimentos crescem em determinado momento em detrimento do consumo e na inexistência de ociosidade de recursos. Desse modo, para Hayek (2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.), o eixo temporal do triangulo é expandido pelos investimentos que demandam uma aplicação de recursos que dispendem mais tempo de execução.

Figura 3
Triângulo de Hayek

Ceteris paribus, tem-se que as mudanças nas preferências intertemporais mudarão a forma do triângulo como consequência da oscilação na predileção a poupar, dirimindo as expansões cíclicas. Uma vez que a reformulação da cadeira produtiva se complete, maior será o nível equivalente do consumo, pois, para ser mantida, a nova estrutura de produção demandará maiores dispêndios em bens de capital frente aos desembolsados anteriormente (Hayek, 2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.).

Conforme a Figura 4, em uma situação econômica de crescimento, o triângulo amplia seu tamanho simultaneamente com o aumento da fronteira de possibilidades de produção.

Figura 4
Expansão da fronteira de possibilidades de produção e o Triângulo de Hayek.

Um aumento na poupança gera duas consequências que atuam na estrutura de capital de forma complementar: i) consequência decorrente da demanda - a menor demanda por bens de consumo desincentiva os investimentos nas últimas etapas da produção, encurtando a parte vertical do triângulo de Hayek (2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.); e ii) consequência da taxa de desconto - uma menor taxa de juros incentiva os investimentos nas etapas preliminares da produção, prolongando a parte horizontal do triângulo de Hayek (2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.). A Figura 5 ilustra essa situação.

Figura 5
Efeitos da poupança sobre a FPP, o mercado de crédito e o Triângulo de Hayek.

No primeiro momento, uma maior poupança gera consequências na intensidade do investimento e na formação do capital em sua forma temporal. Conforme apresentado por Hayek (2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.), o triângulo demonstra que o fomento de capital é reduzido nas últimas etapas da produção (armazéns varejistas, por exemplo), ao passo que a formação de capital aumenta nas etapas preliminares (exploração mineral, por exemplo). Nesse caso, na cadeia de produção, surge maior interesse direcionado para o futuro, o que se coaduna com a poupança que viabilizou tal reformulação. Ou seja, os indivíduos estão poupando no presente visando a um aumento do consumo no futuro.

Conforme apresentado pela FPP e pelo triângulo de Hayek (2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.) (Figura 6), o consumo reduz, no primeiro momento, do ponto A para o ponto A`. No entanto, devido aos investimentos realizados pela redução dos juros derivados do aumento de poupança, a taxa de crescimento do consumo supera a anterior, de modo a proporcionar para a economia maior nível de consumo no futuro, passando, em um segundo momento, do ponto A` para o ponto B`. Ou seja, o consumo reduz ao mesmo tempo em que a economia se molda a uma maior taxa de crescimento, de modo que o consumo cresce a uma taxa maior que a antecedente, superando o curso de crescimento anteriormente projetado.

Figura 6
Efeitos da poupança sobre a FPP e o Triângulo de Hayek (segunda etapa).

Por outro lado, quando os Bancos Centrais aumentam a base monetária em circulação, o crescimento da oferta monetária escoa para a economia por meio dos mercados de crédito, como se poupança fosse (Mises, 1998Mises, L. V. (1998) Human Action: A Treatise On Economics. Ludwig von Mises Institute. ). Ou seja, a oferta de recursos para empréstimos se move para a direita independentemente de qualquer crescimento na poupança. A Figura 7 ilustra, pelo lado da oferta, os percursos antagônicos do investimento e da poupança quando o Banco Central acrescenta base monetária no mercado de crédito (+ΔM).

Em decorrência de uma menor taxa de juros, os indivíduos tendem a consumir mais e poupar menos. Esta nova base monetária causa um desequilíbrio que, nos momentos iniciais, fica encoberto pelo crescimento de mais crédito (Soto, 2009). Assim, esse aumento da base monetária nos mercados de crédito desenvolve um desarranjo entre o investimento e a poupança.

Figura 7
Efeitos da expansão de crédito sobre o mercado de crédito.

Conforme Figura 8, os investidores, aproveitando-se das menores taxas de juros para a obtenção de empréstimos, se deslocam em sua curva de demanda, conforme ilustrado pela seta (1). Os poupadores, reagindo a um menor estímulo para acumular poupança, se deslocam em sua inalterada curva (S), conforme ilustrado pela seta (2). A divergência entre o investimento e a poupança é camuflada pelas novas ofertas monetárias, que, per si, não refletem novos recursos, conforme seta (3).

Assim, essas condições de crédito incentivam maiores investimentos, gerando um movimento no sentido horário pela extensão da FPP (seta 1). Como os assalariados estão consumindo mais devido ao trade-off entre o consumo e a poupança, tem-se o deslocamento anti-horário na extensão da FPP (seta 2). Essa contraposição entre o investimento e a poupança deriva em um conflito entre os investidores e os consumidores. Analisando-se a dimensão do investimento (seta 1) e a dimensão do consumo (seta 2), observa-se que o aumento do crédito tem um resultado econômico em um ponto situado além dos limites da FPP (seta 3).

Figura 8
Efeitos da expansão de crédito sobre a fronteira de possibilidades de produção.

A baixa taxa de juros, consistente com uma orientação mais voltada para o futuro, estimula o investimento nos estágios iniciais da cadeia de produção. Mas sem recursos suficientes poupados, parte considerável desses investimentos não se completará. Além disso, o acréscimo de demanda do consumidor conduz parte dos recursos para as etapas finais da cadeia produtiva, reduzindo de forma mais enfática os meios de se atender à estrutura do capital resultante (Mises, 1998Mises, L. V. (1998) Human Action: A Treatise On Economics. Ludwig von Mises Institute. ).

A dinâmica desse ciclo gera tanto investimentos excessivos (maus investimentos) como também consumos além de uma taxa natural (sobreconsumo), conforme demonstrado no diagrama da FPP e no alongamento do triângulo hayekiano (Figura 9). O desacordo entre os investidores e os consumidores conduz a economia para além dos limites da FPP. A redução nas taxas de juros fomenta o investimento. Já as limitações dos recursos se apresentam como um impeditivo para que a produção econômica alcance o ponto além dos limites FPP. Segundo Hayek (2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.), esses triângulos da cadeia produtiva temporariamente desconexos convertem um crescimento econômico em uma depressão, e presumidamente em uma crise, gerando assim os ciclos econômicos.

Figura 9
Efeitos da expansão de crédito sobre a FPP e sobre o Triângulo de Hayek.

Assim, no início do ciclo econômico, a expansão da base monetária fomenta a produção; no entanto, gera distorções na alocação dos recursos em virtude das diferenças temporais dos setores produtivos. Já no final do ciclo econômico, com a economia em depuração, a diminuição da taxa de juros retarda a recuperação produtiva devido ao contínuo desacordo temporal dos investimentos na cadeia produtiva. Portanto, a escola austríaca também versa sobre a não neutralidade da moeda, de modo que a expansão da base monetária afeta firmas de formas distintas, a depender do setor e da fase do ciclo econômico em que se encontra a economia. Ou seja, na visão neokeynesiana, as políticas monetárias realizadas pelos Bancos Centrais desempenham papel positivo para o desenvolvimento econômico, ao passo que, para os austríacos, essas políticas monetárias são as maximizadoras ou causadoras das crises econômicas.

2.3. Hipóteses da pesquisa

Dado o arcabouço teórico apresentado pelo somatório das teorias de market timing e da teoria dos ciclos econômicos da escola austríaca, em conjunto com as evidências empíricas relatadas, estabelecem-se duas hipóteses de pesquisa. A primeira hipótese testada foi:

  • H1: As políticas monetárias são relevantes para explicar a alavancagem do agregado das firmas brasileiras listadas na B3.

Ainda de acordo com os economistas austríacos, as políticas monetárias exercem influências distintas nas empresas, a depender do seu setor na cadeia produtiva. Por isso, a segunda hipótese testada foi:

  • H2: As políticas monetárias impactam mais o endividamento das firmas, a depender do setor de produção.

3. MÉTODOS

3.1. Amostra

A amostra foi composta pelas empresas listadas na B3, com dados anuais disponíveis durante o período de 2009 a 2019, conforme classificações apresentadas pelo Economática®, e que apresentaram os dados necessários para esta pesquisa. A base de dados inicial (675 empresas não financeiras) foi constituída por todas as firmas de todos os setores que já tiveram negociações realizadas no período analisado. O setor financeiro foi excluído devido às suas diferenças contábeis nos planos de contas em relação aos demais setores, além de ser o setor correspondente aos canais de transmissão das políticas monetárias entre o BACEN e o setor produtivo.

Após a exclusão das empresas dos demais setores que não continham a série histórica das variáveis necessárias para atender aos objetivos traçados, a amostra final totalizou 220 firmas, representando 32,59% do universo inicial (Tabela 1).

Tabela 1
Setores econômicos da B3.

Esse período se justifica pelo recorte pós-crise mundial de 2009, durante a qual o BACEN adotou políticas monetárias expansionistas como medidas anticrise. Além disso, no referido período, houve o processo de convergência das normas contábeis. Isso proporciona maior padronização das informações contábeis no recorte temporal utilizado.

Como no mercado brasileiro há a presença de uma quantidade significativa de empresas do setor público (predominantemente do setor elétrico), optou-se por analisar os dados além do descrito pela escola austríaca. Logo, somam-se aos setores de bens de consumo e bens de capital as firmas de utilidade pública, que são utilizadas como um grupo de controle na construção das dummies setoriais.

3.2. Variáveis do estudo

Com base nos trabalhos de Baker e Wurgler (2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414
https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414...
), Huang e Ritter (2009Huang, R., & Ritter, J. R. (2009). Testing theories of capital structure and estimating the speed of adjustment. Journal of Financial and Quantitative analysis, 44(2), 237-271. http://doi.org/10.2139/ssrn.938564
http://doi.org/10.2139/ssrn.938564...
), Albanez (2015Albanez, T. (2015). Impact of the cost of capital on the financing decisions of Brazilian companies. International Journal of Managerial Finance, 11(3), 285-307. https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-0026
https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-002...
), Yang et al. (2017Yang, X., Han, L., Li, W., Yin, X., & Tian, L. (2017). Monetary policy, cash holding and corporate investment: Evidence from China. China Economic Review, 46, 110-122. https://doi.org/10.1016/j.chieco.2017.09.001
https://doi.org/10.1016/j.chieco.2017.09...
) e Alter e Elekdag (2020Alter, A., & Elekdag, S. (2020). Emerging market corporate leverage and global financial conditions. Journal of Corporate Finance, 62, 101590. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020.101590
https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020....
), apresenta-se a Tabela 2, que descreve a relação entre as variáveis pesquisadas para se testar as hipóteses.

Tabela 2
Descrição das variáveis utilizadas para testar as hipóteses.

Para as informações contábeis e financeiras, os dados foram coletados no sítio eletrônico da B3 e na plataforma Economática®; para as variáveis monetárias, foram coletados no Banco Central do Brasil (BACEN).

3.3. Modelo de Regressão Quantílica (RQ)

Na primeira etapa de levantamento de resultados, este estudo utiliza a técnica econométrica de regressão quantílica (RQ) para verificar os comportamentos específicos das proxies de política monetária (M1, M2, Selic, SelicHp e TJLP) sobre a alavancagem das firmas. A RQ permite verificar comportamentos amostrais evidenciados por partições especificas da amostra em análise. Nesse sentido, a RQ apresenta vantagens frente ao modelo de regressão linear múltipla com estimação por meio do Método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO).

Nesse contexto, dentre as vantagens, Koenker e Bassett (1978Koenker, R., & Bassett, G., Jr. (1978). Regression quantiles. Econometrica: Journal of the Econometric Society, 46(1), 33-50. https://doi.org/10.2307/1913643
https://doi.org/10.2307/1913643...
) expõem que a RQ não apresenta como pressuposição a necessidade de distribuição gaussiana dos dados em análise. Outra vantagem se dá ao fato de que essa modelagem econométrica se apresenta como mais robusta diante da presença de outliers. Tem-se também que a RQ pode ser evidenciada a partir de um modelo de programação linear, o que fornece maior facilidade em relação à estimação dos parâmetros do modelo proposto. Ainda em conformidade com os autores, os modelos de regressão linear múltipla demandam pressuposições atreladas à variância dos resíduos e à sensibilidade a observações discrepantes. Diante de tais adversidades, a RQ é capaz de fornecer parâmetros mais robustos.

Faz-se necessário também destacar que a RQ apresenta a possibilidade de caracterização da distribuição condicional não homogênea da variável resposta quando analisada em relação aos preditores utilizados. A utilização do método de reamostragem bootstrap para a estimação dos parâmetros do modelo proposto é capaz de corrigir possíveis inconsistências ocasionadas por outros métodos de inferência dos parâmetros (Koenker, 2004Koenker, R . (2004). Quantile regression for longitudinal data. Journal of Multivariate Analysis, 91(1), 74-89. https://doi.org/10.1016/j.jmva.2004.05.006
https://doi.org/10.1016/j.jmva.2004.05.0...
).

Nessa modelagem, a Dummy3 (anos de recessão e expansão econômica) foi incorporada ao modelo. Já nos modelos GMM, conforme equações 2 e 3, tal variável não foi incorporada porque, com sua ausência, as variáveis de interesse apresentaram maior significância estatística. Tal comportamento pode ser explicado devido à necessidade de os modelos regressivos GMM sistêmicos necessitarem de alto número de graus de liberdade para a estimação dos modelos.

Devido à robustez na presença de outliers, nos modelos RQ foram utilizados todos os dados coletados nos quantis de 0,25, 0,5 e 0,75. Já nos modelos GMM, houve o tratamento dos outliers nas variáveis dependentes e de controle por meio da winsorização ao nível de 1%, assim como realizado por Vithessonth et al. (2017).

3.4. Método dos Momentos Generalizados (Generalized Method of Moments - GMM)

Para Barros et al. (2020Barros, L. A., Bergmann, D. R., Castro, F. H., & Silveira, A. D. M. D. (2020). Endogeneidade em regressões com dados em painel: Um guia metodológico para pesquisa em finanças corporativas. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 22(spe), 437-461.), a solução genérica para qualquer problema de endogeneidade é o uso de variáveis instrumentais externas ao modelo. Nos casos em que o pesquisador não disponha de tais variáveis, os métodos de estimação para painel fundamentados no Método dos Momentos Generalizados (Generalized Method of Moments-GMM) apresentam-se como alternativas eficazes e viáveis para mitigar ou até mesmo eliminar os problemas de endogeneidade. Isso se dá porque esse modelo parte da suposição de exogeneidade sequencial dos regressores.

Assim, de acordo com as variáveis já especificadas - e considerando-se, de forma geral, os trabalhos de Frank e Goyal (2003Frank, M. Z., & Goyal, V. K. (2003). Testing the pecking order theory of capital structure. Journal of Financial Economics, 67(2), 217-248. https://doi.org/10.1016/S0304-405X(02)00252-0
https://doi.org/10.1016/S0304-405X(02)00...
), Brierley e Bunn (2005Brierley, P., & Bunn, P. (2005). The determination of UK Corporate Capital Gearing. Bank of England, Quarterly Bulletin, Autumn, 45(3).), Baker e Wurgler (2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414
https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414...
), Huang e Ritter (2009Huang, R., & Ritter, J. R. (2009). Testing theories of capital structure and estimating the speed of adjustment. Journal of Financial and Quantitative analysis, 44(2), 237-271. http://doi.org/10.2139/ssrn.938564
http://doi.org/10.2139/ssrn.938564...
), Yang et al. (2017Yang, X., Han, L., Li, W., Yin, X., & Tian, L. (2017). Monetary policy, cash holding and corporate investment: Evidence from China. China Economic Review, 46, 110-122. https://doi.org/10.1016/j.chieco.2017.09.001
https://doi.org/10.1016/j.chieco.2017.09...
) e Alter e Elekdag (2020Alter, A., & Elekdag, S. (2020). Emerging market corporate leverage and global financial conditions. Journal of Corporate Finance, 62, 101590. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020.101590
https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020....
), e, de forma específica, o trabalho de Albanez (2015Albanez, T. (2015). Impact of the cost of capital on the financing decisions of Brazilian companies. International Journal of Managerial Finance, 11(3), 285-307. https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-0026
https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-002...
) para o mercado brasileiro -, foram estimados os resultados por meio da regressão com dados em painel pelo Método dos Momentos Generalizados (GMM), testando-se as hipóteses 1 e 2, como se segue:

A l c i , t = β 0 i + λ A l c i , t - 1 + β 1 M n t - 1 + β 2 T a m i , t - 1 + β 3 T a n g i , t - 1 + β 4 R O A i , t - 1 + β 5 M B i , t - 1 + β 6 L i q i , t - 1 + β 7 D u m m y 1 i , t + β 8 D u m m y 2 i , t + β 9 D u m m y 1 I i , t + β 10 D u m m y 2 I i , t + β 11 D o l i , t - 1 + u i t (2)

A l c i , t = β 0 i + λ A l c i , t - 1 + β 1 J u r o s t - 1 + β 2 T a m i , t - 1 + β 3 T a n g i , t - 1 + β 4 R O A i , t - 1 + β 5 M B i , t - 1 + β 6 L i q i , t - 1 + β 7 D u m m y 1 i , t + β 8 D u m m y 2 i , t + β 9 D u m m y 1 I i , t + β 10 D u m m y 2 I i , t + β 11 D o l i , t - 1 + u i t (3)

Em que:

Alci,t = indicador da alavancagem;

β0i = intercepto de cada empresa i;

ΔMn = variação dos agregados monetários com o passar do tempo (M1 e M2). Parâmetros estimados para responder à hipótese 1;

Δjuros = variação das taxas de juros com o passar do tempo (Selic, SelicHP e TJLP). Parâmetros estimados para responder à hipótese 1;

λ = coeficiente de persistência estimada para a variável dependente defasada usada como regressor;

Tam = proxy para o tamanho das firmas;

Tang = proxy para a tangibilidade dos ativos;

ROA = retorno sobre o ativo;

M/B = indicador do market-to-book;

Liq = indicadores de liquidez;

ΔDol = taxa de variação do câmbio;

Dummy = variáveis dummies referentes aos setores de bens de consumo (Dummy1) e debens de capital (Dummy2);

DummyI = interação entre as variáveis dummies de setores e as proxies de política monetária (Mnt * Dummyi,t ; e Jurost * Dummyi,t ). Parâmetros estimados para responder à hipótese 2;

uit=ai+εit; ai é o efeito individual, e εit é o termo erro aleatório;

i = i-ésima empresa;

t =t-ésimo período de tempo.

As variáveis dummy (Dummyi,t ) representam os setores nos quais cada empresa está inserida, de acordo com as classificações apresentadas pelo Economática®. A quantificação e a qualificação da heterogeneidade das respostas a diferentes setores são relevantes para aprimorar o entendimento de como as políticas monetárias podem afetar as estruturas de capital e os investimentos corporativos. Assim, buscando maior robustez nesta análise, as variáveis dummies também serão usadas em interação com as variáveis da política monetária. Tal interação é representada pelas expressões: i) Mnt * Dummyi,t e ii) Jurost * Dummyi,t . Essas variáveis serão responsáveis por demonstrar se as políticas monetárias impactam de formas distintas os setores, conforme defende a escola austríaca, e assim definido na hipótese 2.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Tabela 3
Resultados das regressões quantílicas.

Nesta primeira etapa, conforme Tabela 3, foram apresentados os resultados do quantil 0,5 devido à melhor estimação dos parâmetros quando comparados aos dos quantis 0,25 e 0,75. Nesses resultados, quando se observa o agregado da amostra, pode-se observar a presença de significância estatística para duas proxies das políticas monetárias (SELIC e SELICHP). Observa-se também a presença de significância estatística em três proxies das políticas monetárias (M1, M2 e SELIC) em suas interações com as dummies setoriais. Deve-se notar também a presença de variáveis de controle (LC e DUMMY3) com parâmetros significativos em todos os modelos estimados no quantil 0,5.

Posteriormente, para a modelagem GMM, houve o tratamento dos dados por meio da winsorização a 1%. Conforme se observa pelas Tabelas 4 e 5, por meio do teste de autocorrelação de Arellano e Bond (1991Arellano, M., & Bond, S. (1991). Some tests of specification for panel data: Monte Carlo evidence and an application to employment equations. The review of economic studies, 58(2), 277-297. https://doi.org/10.2307/2297968
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), verificou-se o atendimento ao pressuposto de inexistência de autocorrelação de segunda ordem para todas as variáveis. Em relação aos instrumentos propostos, a análise de sua viabilidade foi baseada no teste de Hansen, devido à sua maior robustez. Assim, o teste de Hansen evidenciou, para todos os modelos, a não rejeição de sua hipótese nula, assumindo-se assim a adequabilidade dos instrumentos utilizados no modelo proposto.

No que tange à escolha entre as abordagens GMM em diferenças e GMM-Sistêmico, verifica-se que o teste de Dif-Hansen evidenciou, para todos os modelos propostos, a não rejeição de sua hipótese nula, assumindo-se a adequabilidade do GMM-Sistêmico como abordagem para obtenção dos parâmetros estimados. Por fim, a significância global dos modelos evidenciados nesta pesquisa é verificada por meio do teste de Wald, o qual aponta a rejeição de sua hipótese nula, presumindo-se a existência de significância global do modelo proposto. Uma vez atendidos os pressupostos de ajuste da abordagem GMM, os resultados obtidos pela sua utilização podem ser analisados, como segue.

Tabela 4
Resultados dasproxies ∆M1 e ∆M2.

Os resultados da Tabela 4 permitem verificar que a proxy de política monetária M1 apresenta influência positiva e significativa sobre a alavancagem das firmas da amostra. Essa variável contribui para a teoria de market timing (Baker & Wurgler, 2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414
https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414...
; Huang & Ritter, 2009Huang, R., & Ritter, J. R. (2009). Testing theories of capital structure and estimating the speed of adjustment. Journal of Financial and Quantitative analysis, 44(2), 237-271. http://doi.org/10.2139/ssrn.938564
http://doi.org/10.2139/ssrn.938564...
; Albanez, 2015Albanez, T. (2015). Impact of the cost of capital on the financing decisions of Brazilian companies. International Journal of Managerial Finance, 11(3), 285-307. https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-0026
https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-002...
; Alter & Elekdag, 2020Alter, A., & Elekdag, S. (2020). Emerging market corporate leverage and global financial conditions. Journal of Corporate Finance, 62, 101590. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020.101590
https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020....
), demonstrando que as variações no agregado monetário M1 têm relação direta e positiva com a estrutura de capital das empresas, de modo que aumentos nesse agregado tendem a provocar aumento no nível de endividamento das firmas.

Quanto às variáveis dummies propostas para verificar os efeitos das políticas monetárias sobre o endividamento em diferentes setores, observa-se que ambas as variáveis - DUMMY1 (bens de consumo) e DUMMY2 (bens de capital) - apresentam influência negativa sobre a alavancagem, ou seja, verifica-se que as empresas inseridas nesses setores possuem uma tendência a exibir menores índices de alavancagem comparativamente ao restante da amostra. Logo, como o restante da amostra é constituído por firmas de utilidade pública, tem-se a indicação de que esse setor detém os maiores endividamentos para a amostra analisada.

Assim, observa-se que as empresas de utilidade pública (constituídas principalmente pelo setor elétrico) demandam uma maior quantidade de recursos quando se estudam os efeitos das políticas monetárias sobre as estruturas de capital das firmas brasileiras. Isso pode evidenciar a relevância desse setor quando se realizam as políticas monetárias no Brasil. Esse resultado, que evidencia as diferenças de estrutura de capital a depender do setor, soma-se aos resultados apresentados por Frank e Goyal (2009), Eriotis et al. (2002Eriotis, N. P., Frangouli, Z., & Ventoura-Neokosmides, Z. (2002). Profit margin and capital structure: An empirical relationship. Journal of Applied Business Research, 18(2), 85-88. https://doi.org/10.19030/jabr.v18i2.2118
https://doi.org/10.19030/jabr.v18i2.2118...
), Mujahide Akhtar (2014Mujahid, M., & Akhtar, K. (2014). Impact of capital structure on firms financial performance and shareholders wealth: Textile Sector of Pakistan. International Journal of Learning & Development, 4(2), 27-33. https://doi.org/10.5296/ijld.v4i2.5511
https://doi.org/10.5296/ijld.v4i2.5511...
), Serrasqueiro (2011Serrasqueiro, Z. (2011). Are capital structure decisions of service SMEs different? Empirical evidence from Portugal. Management Research Review, 34(1), 34-57. https://doi.org/10.1108/01409171111096469
https://doi.org/10.1108/0140917111109646...
) e Javed e Imad (2012Javed, A. Y., & Imad, Q. (2012). A decomposition analysis of capital structure: evidence from Pakistan’s manufacturing sector. The Lahore Journal of Economics, 17(1), 1-31. http://doi.org/10.35536/lje.2012.v17.i1.a1
http://doi.org/10.35536/lje.2012.v17.i1....
).

Em complemento a isso, a interação entre a dummy representativa do setor de bens de capital (DUMMY2) e a proxy de política monetária M2 apontou influência positiva e significativa sobre a alavancagem das empresas integrantes desse setor na amostra estudada. Tal achado permite inferir que a proxy de política monetária M2 impacta significativamente a alavancagem das empresas do referido setor. Não obstante, a interação entre adummy representativa do setor de bens de consumo (DUMMY1) e a proxy de política monetária M2 não apresentou significância estatística.

Esse resultado contribui empiricamente para a teoria dos ciclos econômicos da escola austríaca (Mises, 1998Mises, L. V. (1998) Human Action: A Treatise On Economics. Ludwig von Mises Institute. ; Hayek, 2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.; Garrison, 2001Garrison, R. W. (2001). Time and money: The macroeconomics of capital structure. Routledge.; Soto, 2009 de Soto, J. H.. (2009). Dinero, crédito bancario y ciclos económicos. Unión Editorial.), uma vez que permite inferir que as firmas de bens de última ordem (bens de capital), por possuírem estrutura produtiva decorrente de investimentos com maior prazo de realização, são influenciadas pelas políticas monetárias de forma distinta das firmas de primeira ordem (bens de consumo). Já em relação às variáveis de controle, verifica-se que apenas as variáveis tangibilidade e market-to-book apresentaram parâmetros significativos.

Tabela 5
Resultados das proxies ∆SELIC, SELICHP e ∆TJLP.

Os resultados apresentados na Tabela 5 permitem verificar que as variáveis de política monetária SELICHP e TJLP apresentam influência negativa e significativa sobre a alavancagem das firmas da amostra, de modo que reduções nas taxas de juros geram aumentos nos níveis de endividamento. Essas proxies contribuem para a teoria market timing, demonstrando que as variações nas taxas de juros de curto e de longo prazo têm relação direta e negativa com a estrutura de capital das empresas, de modo que diminuições nessas taxas tendem a provocar aumentos no nível de endividamento das firmas.

É importante observar que as proxies SELICHP e TJLP não foram contempladas nos trabalhos de Baker e Wurgler (2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414
https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414...
), Huang e Ritter (2009Huang, R., & Ritter, J. R. (2009). Testing theories of capital structure and estimating the speed of adjustment. Journal of Financial and Quantitative analysis, 44(2), 237-271. http://doi.org/10.2139/ssrn.938564
http://doi.org/10.2139/ssrn.938564...
), Albanez (2015Albanez, T. (2015). Impact of the cost of capital on the financing decisions of Brazilian companies. International Journal of Managerial Finance, 11(3), 285-307. https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-0026
https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-002...
) e Alter e Elekdag (2020Alter, A., & Elekdag, S. (2020). Emerging market corporate leverage and global financial conditions. Journal of Corporate Finance, 62, 101590. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020.101590
https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020....
). Por isso, sob a ótica da teoria de market timing, a inserção dessas variáveis nos modelos contribui para os estudos sobre as estruturas de capitais das firmas.

A interação entre as dummies representativas dos setores e a taxa de juros de longo prazo (TJLP) apontou influência significativa sobre a alavancagem das empresas integrantes da amostra estudada. Esse resultado contribui empiricamente para a teoria dos ciclos econômicos da escola austríaca (Mises, 1998Mises, L. V. (1998) Human Action: A Treatise On Economics. Ludwig von Mises Institute. ; Hayek, 2008Hayek, F. A. (2008). Monetary Theory and the Trade Cycle. Ludwig von Mises Institute.; Garrison, 2001Garrison, R. W. (2001). Time and money: The macroeconomics of capital structure. Routledge.; Soto, 2009 de Soto, J. H.. (2009). Dinero, crédito bancario y ciclos económicos. Unión Editorial.), uma vez que permite inferir que essa proxy de política monetária impacta a alavancagem das empresas de formas distintas, a depender do setor onde se encontram.

Isso posto, ambos os resultados contribuem para a robustez metodológica desta pesquisa, uma vez que por meio de dois modelos econométricos (RQ e GMM) pode-se verificar a significância das proxies propostas para se analisar a estrutura de capital das firmas, tanto no agregado quanto por setores.

E, novamente, as dummies referentes aos setores de bens de consumo e capital apresentaram influência de forma negativa e significativa sobre a alavancagem, demonstrando o maior endividamento do setor de utilidade pública. Já as variáveis de controle que impactaram de forma significativa a alavancagem das empresas foram as de tamanho, liquidez e câmbio.

4.1. Respostas às hipóteses

Com base nos resultados apresentados, pode-se perceber a relevância estatística das proxies M1 (agregado monetário 1), SELICHP (taxa Selic filtrada) e TJLP (taxa de juros de longo prazo) para a explicação do nível de endividamento das firmas da amostra. Desse modo, contribuindo empiricamente para as teorias de market timing, não se rejeita a hipótese 1, evidenciando a relevância das políticas monetárias para explicar a alavancagem do agregado das firmas da amostra.

Observou-se também a relevância estatística das dummies setoriais (bens de consumo e bens de capital), em interação com as variáveis M2 e TJLP, para a explicação do nível de alavancagem das firmas. Portanto, como contribuição empírica para a teoria dos ciclos econômicos da escola austríaca, não se rejeitou a hipótese 2, e isso demonstra que as políticas monetárias tendem a influenciar o endividamento das firmas de formas distintas, a depender de seu setor na cadeia produtiva.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve o objetivo de analisar a influência que as políticas monetárias exercem sobre as decisões de financiamento das corporações brasileiras. Assim, primeiramente, é importante destacar a relevância das proxies propostas. Somando-se aos modelos econométricos apresentados por Baker e Wurgler (2002Baker, M., & Wurgler, J. (2002). Market timing and capital structure. The Journal of Finance, 57(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414
https://doi.org/10.1111/1540-6261.00414...
), Huang e Ritter (2009Huang, R., & Ritter, J. R. (2009). Testing theories of capital structure and estimating the speed of adjustment. Journal of Financial and Quantitative analysis, 44(2), 237-271. http://doi.org/10.2139/ssrn.938564
http://doi.org/10.2139/ssrn.938564...
), Albanez (2015Albanez, T. (2015). Impact of the cost of capital on the financing decisions of Brazilian companies. International Journal of Managerial Finance, 11(3), 285-307. https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-0026
https://doi.org/10.1108/IJMF-02-2014-002...
) e Alter e Elekdag (2020Alter, A., & Elekdag, S. (2020). Emerging market corporate leverage and global financial conditions. Journal of Corporate Finance, 62, 101590. https://doi.org/10.1016/j.jcorpfin.2020.101590
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), verificou-se a relevância do agregado monetário M1, da taxa Selic filtrada (SELICHP) e da taxa de juros de longo prazo (TJLP). Além disso, observou-se também a relevância das proxies M2 e TJLP em interação com as dummies setoriais.

Devido a esses resultados, pode-se concluir, para a Hipótese 1, que as políticas monetárias tiveram influência significativa sobre a estrutura de capital do agregado das empresas estudadas, o que soma empiricamente para a teoria de market timing. Pode-se concluir também, para a hipótese 2, que as políticas monetárias influenciam o endividamento das empresas de formas distintas, a depender do seu setor de produção, somando-se empiricamente para a teoria austríaca dos ciclos econômicos.

Por isso, como resposta ao problema de pesquisa, após os resultados das hipóteses testadas, esta pesquisa defende que as estruturas de capital das firmas podem ser determinadas pelos momentos de mercado (market timing) definidos pelas políticas monetárias, de modo que tal influência é distinta, a depender do setor da cadeia produtiva no qual as empresas se situam.

No que tange às limitações do presente estudo, observa-se o tamanho da amostra. O mercado brasileiro de ações é ainda incipiente, gerando uma limitação na quantidade de empresas que apresentam os dados necessários para as estimações. Essa limitação impediu que a série temporal fosse dividida para melhor descrever os ciclos, conforme descrito pela escola austríaca, uma vez que modelos regressivos GMM sistêmicos necessitam de alto número de graus de liberdade para a estimação dos modelos. Ademais, a amostra se constitui de um grupo de empresas que não representa estatisticamente a totalidade das firmas brasileiras. Portanto, os resultados obtidos e as conclusões apresentadas limitam-se a essa amostra estudada.

Por conseguinte, sugere-se a ampliação da amostra, assim como a aplicação dos modelos em outros mercados. Ainda, um estudo com horizonte temporal que percorra as crises de 2001, de 2008 e de 2020 contribuirá sobremaneira para uma melhor identificação dos ciclos e um melhor entendimento de como as estruturas de endividamento se comportam ante as políticas monetárias com o passar do tempo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2021
  • Revisado
    21 Fev 2022
  • Aceito
    10 Mar 2022
  • Aceito
    12 Set 2022
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