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A autoria coletiva e a autoetnografia: experiências em antropologia com as parentas Karipuna do Amapá

Collective authorship and autoethnography: experiences in anthropology with Karipuna of Amapá relatives

Resumo

Este artigo foi escrito por uma jovem do povo Karipuna do Amapá, porém o que há nele não é unicamente de minha autoria, pois o texto é compostopor conhecimentos coletivos, partilhados por todas aquelas e aqueles que, assim como eu, são Karipuna. É desenvolvida, ao longo do artigo, uma série de reflexões, a primeira delas sobre as experiências que tenho com as ‘mulheres antigas’ de meu povo durante os momentos em que realizo com elas pesquisas na área de antropologia. A partir de tais experiências, são moldadas outras reflexões sobre autoria coletiva, escrita ‘autoetnográfica’ e a importância de nós, indígenas, falarmos e escrevermos em nossos próprios termos, havendo, por fim, uma última reflexão sobre como os atos de aprendizado e de escrita com as parentas podem ser compreendidos como um maiuhi, uma palavra em kheuol (a língua falada por meu povo) que, quando traduzida para o português, significa ‘mutirão’ ou ‘ajudado’ e que explica a relevância dos trabalhos coletivos para os povos indígenas de Oiapoque.

Palavras-chave
Karipuna do Amapá; Povos indígenas de Oiapoque; Indígenas mulheres; Autoria coletiva; Autoetnografia; Maiuhi

Abstract

This article is written by a young woman from the Karipuna of Amapá people. However, what is in it is not solely my own since the text comprises collective knowledge shared by all those who, like me, are Karipuna. The article discloses a series of reflections, the first of which is about the experiences I have with the ‘ancient women’ of my people during anthropological field research conducted with them. These experiences shaped other reflections regarding collective authorship, ‘autoethnographic’ writing, and the importance of indigenous people speaking and writing in our own terms. Finally, one last reflection concerns how the acts of learning and writing with relatives can be understood as a maiuhi, a word in Kheuol (the language spoken by my people), which when translated into Portuguese, means mutirão (joint effort) or ajudado (assistance) and that explains the relevance of collective work for the indigenous people of Oiapoque.

Keywords
Karipuna of Amapá; Indigenous people of Oiapoque; Indigenous women; Collective authorship; Autoethnography; Maiuhi

INTRODUÇÃO

Este artigo é escrito por uma indígena mulher1 1 Utilizo o termo ‘indígena mulher’ ao invés de ‘mulher indígena’, pois, em diálogos e convivências com parentas que também são discentes na Universidade Federal do Pará (UFPA), percebi, em seus discursos, o consenso de que a palavra indígena deveria vir antes da palavra mulher. Antes de sermos mulheres, somos indígenas, somos Karipuna, Guajajara, Baré, Tembé e tantos outros povos que estão na UFPA, em graduações e pós-graduações, através da presença das indígenas mulheres. Além disso, já presenciei uma parenta relatar: “nós nascemos indígenas, já ser mulher é algo que é construído posteriormente”. Ou seja, na concepção dessa parenta, nascemos com a identidade de um povo e, mais tarde, vamos constituindo o nosso ser mulher. De acordo com o que dizem as parentas e de acordo com o que escreve a antropóloga Camille Castelo Branco (não indígena), o povo ao qual uma indígena mulher pertence é um marcador mais específico em suas trajetórias e narrativas do que os marcadores de gênero (Gouveia Castelo Branco, 2018, p. 13). do povo Karipuna do Amapá, porém o que há nele não é unicamente de minha autoria. Não compreendo este texto, assim como outros escritos que realizei ou realizo com meu povo de origem, como produções que possuem autoria individual, pois o que compartilho neles são conhecimentos ensinados a mim e a outras parentas e outros parentes2 2 ‘Parente’ é um termo que as pessoas de origem indígena, no Brasil, utilizam para se referirem a outras pessoas também indígenas, sejam estas de seu povo ou de algum outro povo originário. O termo ‘parenta’ é o feminino de parente. Baniwa (2006, p. 30) diz: “O termo parente não significa que todos os indígenas sejam iguais e nem semelhantes. Significa apenas que compartilhamos de alguns interesses comuns, como os direitos coletivos, a história de colonização e a luta pela autonomia sociocultural de nossos povos diante da sociedade global”. , desde a infância, como saberes coletivos, partilhados por todas/os aquelas/es, que, assim como eu, são Karipuna. Estes conhecimentos são dados a nós por nossas/os mais velhas/os, que chamamos antigas/os, as/os quais, por sua vez, também os aprenderam com outras/os antigas/os de sua infância e juventude.

Este artigo nasce em meio a um processo em que ouço com atenção as histórias que as mulheres antigas contam para nós, aquilo que elas deixam para o futuro de outras gerações de nosso povo com relação aos conhecimentos e aos rituais, ou seja, sobre nossos modos de entender e explicar o mundo, que nomeamos de ‘nosso-sistema3 3 “Nosso-sistema é um conceito criado e utilizado pelas parentas e parentes de meu povo de origem, ele abrange e explica os conjuntos de práticas, conhecimentos e crenças do povo Karipuna do Amapá” (Primo dos Santos Soares, 2022, p. 22). ’. Aprender com as oralidades e memórias das antigas é um processo que envolve relações de resistências, afetos e cuidados. O cuidado de uma geração de mulheres para com a outra forma os corpos destas, corpos que são territórios (corpos-territórios) e que estão em mutirão (maiuhi).

As antigas são as nossas ancestrais, as nossas idosas. Elas são importantes detentoras dos conhecimentos Karipuna, como conhecimentos correspondentes às histórias, à língua (kheuol), aos rituais, à pajelança, às artes, às relações com o território, com os bichos, as plantas, objetos e com as outras parentas e parentes; aprofundarei a discussão sobre alguns desses conhecimentos ao longo das seções que compõem este artigo.

Aprendo com a escrita da parenta Francineia Fontes (Fontes, 2020Fontes, F. B. (2020). Minha escrevivência, experiências vividas e diálogo com as mulheres indígenas do Rio Negro – Amazonas/Brasil. Cadernos de Campo (São Paulo – 1991), 29(1), 179-186. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i1p179-186
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, p. 181), , p. 181), que é indígena do povo Baniwa e antropóloga, a qual expressa, em sua pesquisa, que “falar com as mulheres é aprofundar as nossas próprias histórias étnicas, as histórias das educações indígenas e descobrir nossas raízes”. Através da realização da escrita, Fontes (2020, p. 184)Fontes, F. B. (2020). Minha escrevivência, experiências vividas e diálogo com as mulheres indígenas do Rio Negro – Amazonas/Brasil. Cadernos de Campo (São Paulo – 1991), 29(1), 179-186. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i1p179-186
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diz “que traz as vozes e os pensamentos das bisavós e avós para o papel, mulheres que possuem linguagens próprias e que são repassadas de geração a geração”. De mãos dadas com Fontes (2020)Fontes, F. B. (2020). Minha escrevivência, experiências vividas e diálogo com as mulheres indígenas do Rio Negro – Amazonas/Brasil. Cadernos de Campo (São Paulo – 1991), 29(1), 179-186. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i1p179-186
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, aprendo com a fala da parenta Braulina Aurora, também Baniwa e antropóloga, afirmando que nós, indígenas mulheres, “protagonizamos a escrita a partir de nossos corpos e territórios, caminhando e aprendendo umas com as outras nas produções de conhecimentos”4 4 Fala de Braulina Aurora Baniwa em mesa no evento Perspectivas feministas na Amazônia Indígena, realizado pelo Centro de Estudos Ameríndios (CESTA), núcleo da Universidade de São Paulo (USP), em 15 de junho de 2020. .

Refletindo com as mulheres antigas com quem teço a escrita, trago observação do antropólogo Kopytoff (2012, p. 233)Kopytoff, I. (2012). Ancestrais enquanto pessoas mais velhas do grupo de parentesco na África. Cadernos de Campo (São Paulo – 1991), 21(21), 233-250. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v21i21p233-250
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, que, em artigo sobre a África Subsaariana, diz compreender as pessoas mais velhas de um grupo de parentesco como aquelas que representam as/os ancestrais já falecidas/os, ou seja, como as/os mediadoras/es entre as/os parentas/es falecidas/os e as gerações mais novas. A realidade que Kopytoff (2012)Kopytoff, I. (2012). Ancestrais enquanto pessoas mais velhas do grupo de parentesco na África. Cadernos de Campo (São Paulo – 1991), 21(21), 233-250. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v21i21p233-250
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traz é distinta das realidades Karipuna sobre as quais ouço ou as quais presencio em territórios de aldeia e urbanos, mas vejo sentido em suas palavras, pois são nossas mais velhas, mas também os homens mais velhos, quem ativam os conhecimentos e memórias aprendidos com as/os antigas/os já falecidas/os para com as gerações mais recentes, mas que também ativam as histórias e memórias de suas infâncias e juventudes. Completando estas considerações, trago Gow (1997, pp. 43-45), que, ao pesquisar com as/os parentas/es Piro, diz que, para este povo, o princípio de tudo está nas “histórias das/os antigas/os” que as/os mais velhas/os passam para suas/seus netas/os através da oralidade. Gow (1997)Gow, P. (1997). O parentesco como consciência humana: o caso Piro. Mana, 3(2), 39-65. https://doi.org/10.1590/S0104-93131997000200002
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coloca que as/os antigas/os são as fontes dessas histórias, pois conviveram mais próximo às/aos mais velhas/os de outras gerações. É através das/os antigas/os que se conhece a gente de antigamente, que dão forma a essas outras pessoas e tempos através da fala.

Com relação a Gow (1997, pp. 43-45)Gow, P. (1997). O parentesco como consciência humana: o caso Piro. Mana, 3(2), 39-65. https://doi.org/10.1590/S0104-93131997000200002
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e às vozes das parentas, percebo que pesquisar com as mulheres antigas é fortalecer os conhecimentos de nosso povo, pois, nas aldeias, são as/os mais velhas/os que têm os conhecimentos que mantêm o povo enquanto coletivo, além de serem aquelas/es que tencionam o que deve ser passado às novas gerações. As formas de transmissão e preservação dos conhecimentos contados e praticados pelas/os mais velhas/os moldam nossas memórias indígenas e coletivas. O parente Raimundo Pereira do Rosário (Rosário et al., 2019Rosário, R. P., Alves, D. A., & Acácio, M. S. J. (2019). Ensino da arte indígena Tembé Tenetehar: Cestaria e grafismo. In J. C. P. M. Alencar, C. E. Silva & E. J. B. Solano (Orgs.), A produção do conhecimento em contextos indígenas: Diálogos interculturais para o ensino em linguagens e artes (pp. 179-192). EDUEPA., p. 191), indígena do povo Tembé-Tenetehara, em artigo, diz que “. . . o ensino indígena é feito por meio da oralidade, no cotidiano da aldeia”. Em complemento, a parenta Rita de Cássia, também do povo Tembé (Tembé et al., 2019Tembé, R. C. S., Alves, D. A., & Acácio, M. S. J. (2019). Indumentárias e adornos tradicionais Tembé: Uma proposta didática. In J. C. P. M. Alencar, C. E. Silva & Solano, E. J. B. (Orgs.), A produção do conhecimento em contextos indígenas: diálogos interculturais para o ensino em linguagens e artes (pp. 227-240). EDUEPA., p. 238), escreve que para o indígena todos os territórios da aldeia são territórios de aprendizagem. Enquanto as parentas Claudia Lod (Lod Moraes, 2018Lod Moraes, C. R. (2018). Amiakô wolï medela neí amiakô nimüdai elomem: a transição de menina para mulher e a menstruação como rito de passagem entre os Galibi Kali’na [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Amapá].), do povo Galibi Kalinã, Fontes (2020)Fontes, F. B. (2020). Minha escrevivência, experiências vividas e diálogo com as mulheres indígenas do Rio Negro – Amazonas/Brasil. Cadernos de Campo (São Paulo – 1991), 29(1), 179-186. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i1p179-186
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e Aurora (2019Aurora, B. (2019). A colonização sobre as mulheres indígenas: reflexão sobre cuidados com o corpo. Interethnic@: Revista de Estudos em Relações Interétnicas, 22(1), 109-115. https://doi.org/10.26512/interethnica.v22i1.20530
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(Baniwa) evocam a aprendizagem indígenas através das ‘vivências’. Aqui penso tanto as oralidades quanto as vivências com as mulheres.

O documento final da “Marcha das Mulheres Indígenas...” (2019)5 5 A I Marcha das Mulheres Indígenas foi um evento que reuniu mulheres de 130 povos em Brasília, entre os dias 10 e 14 de agosto de 2019. diz que nós precisamos dialogar com a potência das indígenas mulheres, retomando nossos valores e memórias matriarcais, honrando as memórias que vieram antes de nós. Ao proferir falas ou produzir escritos sobre as pesquisas que realizo, é comum que as pessoas identifiquem meu povo como matrilinear ou matriarcal, quando, na realidade, ele traz tanto os valores matrilineares quanto patrilineares. O que ocorre é que faço um recorte com relação aos valores, conhecimentos, memórias e vivências matrilineares (como minhas parentas Karipuna falam) ou matriarcais (como as parentas nos movimentos em nível nacional colocam).

Desenvolvo, ao longo das seções seguintes, uma série de reflexões, a primeira delas sobre as experiências que tenho com as parentas de meu povo de origem durante os momentos em que realizo com elas pesquisas na área de antropologia, partilhando, nessa seção, como tem sido pesquisar com elas ao longo dos anos, assim como em que contexto tais estudos tiveram início e como eles estão no momento. A partir de tais experiências, moldo uma outra reflexão, que é sobre ‘autoria coletiva’. Considerando-se que, com relação aos nossos modos de vida, aquilo que é individual e coletivo, em muitos momentos, torna-se algo indistinguível, então por que teria de ser diferente também no desenvolvimento dos textos acadêmicos? Os nossos conhecimentos e práticas, seja quando estamos na aldeia seja na cidade, se dão de maneira coletiva, no comer junto, no contar histórias, ao realizar um grafismo (marca/mak), ao ir para roça, ao fazer a farinha. As tarefas coletivas, em kheuol, a língua que falamos junto com o povo Galibi Marworno, são chamadas maiuhi, palavra que também pode ser traduzida para o português como ‘mutirão’; para os parentes Palikur, que convivem conosco em Oiapoque e falam o parikwaki, ela é mayuka.

Na seção seguinte, aprofundo a questão da autoria coletiva e a articulo com o método de escrita ‘autoetnográfico’, realizado nas pesquisas com as parentas, assim como trato disso a partir de uma reflexão sobre como para nós, indígenas, é importante que a fala e a escrita sejam realizadas em nossos próprios termos. Nas considerações finais, trato do maiuhi das mulheres, pois esse ato de aprendizado e de escrita com as parentas é compreendido por mim como um maiuhi.

A tecitura que une todas estas seções são as experiências de se escrever com as antigas, de se colocar no papel as vozes das mulheres que contam as histórias para nós, trazendo à tona os conhecimentos recebidos oralmente e que formam nossas memórias coletivas para com as histórias de nosso povo.

EXPERIÊNCIAS EM ANTROPOLOGIA COM AS PARENTAS KARIPUNA DO AMAPÁ

Como mulher Karipuna, tenho minha ancestralidade relacionada ao território da aldeia Santa Isabel, que se localiza na Terra Indígena (TI) Uaçá, no município de Oiapoque, no norte do estado do Amapá (a 600 km de distância da capital do estado, Macapá), em uma região de fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa. Embora tenha minhas raízes maternas e indígenas fincadas neste território, não nasci, nem cresci na aldeia, mas sim na cidade de Belém, no estado do Pará. Isso aconteceu em meio a um processo em que minha mãe e minhas tias maternas vieram para a capital paraense, por incentivo de meu avô, Manoel Primo dos Santos, que foi fundador e cacique de Santa Isabel, para concluírem o ensino básico e tentarem ingressar no ensino superior. Em uma época em que nenhum/a Karipuna havia estado em uma sala de aula de uma universidade, foram as mulheres de meu povo, minhas parentas mais próximas, que realizaram isto pela primeira vez. Na década de 1980, uma de minhas tias, Vitória Karipuna, ingressou no curso de Odontologia e, logo após, minha mãe, Suzana Karipuna, ingressou no curso de Ciências Sociais, ambas pela UFPA.

Minha mãe e tias concluíram os estudos fora da aldeia porque a escola do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) existente em Santa Isabel contava apenas com uma única professora, Dona Veronica Leal, uma docente não indígena que tinha de ministrar aula para uma turma com alunas e alunos de diferentes faixas etárias e povos. Após concluírem os estudos fora da aldeia e passarem algum tempo trabalhando em Belém, as parentas fizeram o caminho de volta para o Oiapoque, junto às filhas e aos filhos, minhas primas e meus primos, que também haviam passado algumas partes da infância e juventude entre a aldeia e a capital paraense. Quando estávamos na aldeia, éramos criados por nossa avó materna, Dona Delfina, também fundadora de Santa Isabel, junto ao marido. Nossa avó foi uma senhora de origem Karipuna por parte de mãe e Palikur do clã Wakavunhene (clã do esteio, formiga preta ou formiguinha) por parte de pai. Porém, minha mãe decidiu permanecer na cidade por causa de um emprego que havia conseguido na Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e, posteriormente, no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e, por consequência, fiquei com ela. Visitávamos as parentas e parentes em Oiapoque apenas em períodos de férias.

Durante toda minha vida, as principais referências que tinha para com meu povo eram as mulheres de minha família: mãe, tias e avó materna. O que sabia de meu povo vinha através de seus conhecimentos, dos diálogos, das memórias e vivências que tínhamos juntas. Isso acontecia porque a família de meu pai era não indígena e eu tinha mais convivência com a família de minha mãe, que, em sua grande maioria, entre os parentes próximos, era composta por mulheres. Portanto, era natural que meu corpo Karipuna, desde a infância, fosse formado apenas pelo lado materno e pelas fam-iela (mulheres).

Lembro que, quando era criança, na cidade de Belém, minha mãe e tias sempre falavam em Oiapoque, Uaçá, rio Curipi e aldeia, evidenciando que eram aqueles os lugares onde estavam as raízes de nossa identidade Karipuna. Enquanto minha avó Delfina, mesmo quando na cidade (pois, na velhice, ela saiu da aldeia), fosse em Belém ou na parte urbana de Oiapoque, falava apenas em kheuol e não falava o português porque não o soubesse – o compreendia muito bem –, mas porque ela queria manter a língua ativa em nossas memórias, para que, assim, a língua do não indígena não fosse a predominante entre nós. Minha avó falando o kheuol é a memória mais viva e afetiva que tenho dela, pois faleceu (realizou seu último turé rumo ao mundo dos karuãna)6 6 Em meu povo, quando a pessoa falece, sua alma passa a habitar o mundo dos karuãna, tal como aparece no poema de José Maria Leal Paes (Paes, 1986) sobre a morte do cacique Manoel Primo, em que expressa que a alma do cacique foi para o mundo dos karuãna, em cânticos de guerreiro, durante um turé da lua cheia. quando eu tinha cinco anos de idade; minha mãe não continuou a me ensinar a língua por acreditar que aprender apenas o português me bastaria, o que é algo que me remete a escrita de Lod Moraes (2018, p. 8)Lod Moraes, C. R. (2018). Amiakô wolï medela neí amiakô nimüdai elomem: a transição de menina para mulher e a menstruação como rito de passagem entre os Galibi Kali’na [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Amapá]., que expressa que:

Os parentes Galibi Kalinã que migraram da Guiana Francesa para o Oiapoque, durante a década de 1950, deixaram de transmitir a suas filhas e filhos sua língua de origem, que ela denomina como patoá holandês, hoje em dia, ainda de acordo com sua escrita, os mais velhos estariam a lamentar terem privado as gerações mais novas da aprendizagem de sua língua, visto que há na região de Oiapoque projetos voltados para a valorização e revitalização das línguas maternas dos povos da região.

Outra memória antiga que tenho, durante minha infância na cidade, é que observava que minhas parentas trabalhavam com temas relacionados aos povos indígenas e me perguntavam se, quando crescesse, também seguiria os mesmos caminhos que elas, que é o que está acontecendo no momento. Da infância, tenho memórias de acompanhar minha mãe até o serviço de minha tia Estela, em uma época em que trabalhou na loja ArteÍndia, pertencente à FUNAI, mesma loja e instituição em que minha mãe havia sido funcionária antes de meu nascimento, sendo este seu primeiro emprego em Belém. Quando estava com elas na loja, tinha contato com cestarias, máscaras, plumárias, maracás, colares, pulseiras, anéis e outros adornos de povos de todos os biomas do Brasil. Minha mãe conta que a passagem delas pela FUNAI foi um período em que tiveram muito contato com o que a antropologia nomeia como ‘cultura material’, mas que seus contatos com as artes indígenas têm origem na aldeia, quando a mãe as ensinava a fazer cuias e grafismos (marcas/mak). Minha mãe não tem como me ensinar a fazer cuias em Belém, tal como minha avó as ensinava, porém demonstrava para mim as marcas de nosso povo: Kuahi (espécie de peixe), Matuni (caramujo), Warukamã (Estrela Dalva), Kasab (beiju) e Aramari (Cobra Grande), através de desenhos que realizava em papel e que guardamos como recordações. Foram os contatos com a ‘cultura material’ desde a aldeia com a mãe que a levaram a estudar ciências sociais.

Por inspiração do curso que minha mãe havia realizado e pelos trabalhos que realiza e que dialogam com a antropologia, escolhi cursar graduação em Ciências Sociais. Mas, para além disso, também queria compreender como as/os antropólogas/os pesquisavam com os povos originários? Quais destes são nossos parceiros e quais não o são? O que também me remete a uma curiosidade de Suzana Karipuna (comunicação pessoal, jul. 2020), que rememora sua infância e juventude, narrando que “sempre via muitos antropólogos na aldeia e que isso despertou sua curiosidade, sobre o que eles estudavam, por isso desejou se tornar uma antropóloga”.

Após estar no curso, no ano de 2016, comecei a estudar com as parentas. Estudar com as ‘indígenas mulheres’ foi uma sugestão de minha mãe, que percebia que este não era um tema tão discutido em nosso povo quando relacionado à antropologia, embora, naquela época, fosse um tema bastante discutido nos contextos dos movimentos indígenas, através da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM)7 7 De acordo com A. Santos e Machado (2019, pp. 68-77), “a criação da AMIM foi fruto da articulação das mulheres indígenas do Oiapoque que buscavam se organizar para valorizar e dar autonomia ao trabalho feminino indígena e assim garantirem melhores condições de retorno financeiro para ajudar no sustento de suas famílias. Embora a Associação tenha sido criada em 2006, a articulação das mulheres nesse sentido começou bem antes, por volta da década de 1980, quando algumas indígenas procuraram a irmã Rebecca Spires para conversar sobre a possibilidade de haver ajuda do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) na oferta de cursos na área de corte e costura, e pintura de tecidos. . . . A partir desses encontros contínuos, as mulheres propuseram a criação da AMIM, que, com a ajuda de irmã Rebecca, foi institucionalizada e legalmente regulamentada. E eis que, depois de construir todas as articulações, as mulheres fizeram a primeira assembleia geral de mulheres indígenas na cidade de Oiapoque, no salão paroquial, com a presença de 29 mulheres dos quatro povos. Nos dias 5, 6 e 7 de maio de 2006, fundaram a Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão. Durante esses três dias, aprovaram o estatuto, nomearam os membros da diretoria e conselho fiscal. No mesmo ano, a associação foi registrada legalmente, a qual buscava incialmente, como propósito maior, legitimar e organizar o trabalho executado por essas mulheres”. , uma associação que reúne as mulheres dos quatro povos de Oiapoque: Karipuna, Galibi Kalinã, Galibi Marworno e Palikur.

Após pesquisar sobre a bibliografia concernente às mulheres de Oiapoque (durante o ano de 2016), percebi que ela era constituída apenas por um artigo da antropóloga Assis (2012)Assis, E. C. (2012). Descobrindo as mulheres indígenas no Uaçá – Oiapoque: uma antropóloga e seu diário de campo. Genêro na Amazônia, (1), 163-180. e por um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Licenciatura Intercultural Indígena (CLII), da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), intitulado “As índias vão à luta: a trajetória da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão e sua contribuição para o movimento indígena do Baixo Oiapoque”, pesquisa realizada pela parenta Ariana dos Santos Karipuna (A. Santos, 2016Santos, A. (2016). As índias vão à luta: A trajetória da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão e sua contribuição para o movimento indígena do Baixo Oiapoque [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Amapá].), que, mais tarde, foi publicado como artigo (A. Santos & Machado, 2019Santos, A., & Machado, T. L. (2019). As mulheres no Movimento Indígena de Oiapoque: Uma reflexão a partir da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão. Espaço Ameríndio, 13(1), 67. https://doi.org/10.22456/1982-6524.80987
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). Hoje em dia, a bibliografia de Oiapoque para com as mulheres conta com outras referências, a exemplo do TCC também em Licenciatura Intercultural Indígena (UNIFAP) de Lod Moraes (2018)Lod Moraes, C. R. (2018). Amiakô wolï medela neí amiakô nimüdai elomem: a transição de menina para mulher e a menstruação como rito de passagem entre os Galibi Kali’na [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Amapá]., intitulado “Amiakô wolï medela neí amiakô nimüdai elomem: a transição de menina para mulher e a menstruação como rito de passagem entre os Galibi Kali’na”, e o projeto de mestrado em Letras, também pela UNIFAP, da parenta Bruna Almeida Karipuna, intitulado “Ixtua Dji Fam-Iela - narrativas orais de mulheres Karipuna: uma análise sobre o lugar de fala da mulher indígena do baixo Oiapoque”, que está em processo de conclusão. Acrescento que concluí meu TCC, intitulado “Mulheres Karipuna do Amapá: trajetórias de vida das Fam-Iela: uma perspectiva autoetnográfica” (Primo dos Santos Soares, 2018Primo dos Santos Soares, A. M. (2018). Mulheres Karipuna do Amapá: trajetórias de vida das fam-iela: uma perspectiva Autoetnográfica [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Pará].), no mesmo período em que Lod Moraes (2018)Lod Moraes, C. R. (2018). Amiakô wolï medela neí amiakô nimüdai elomem: a transição de menina para mulher e a menstruação como rito de passagem entre os Galibi Kali’na [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Amapá]. concluiu sua pesquisa. Parte do TCC resultou no artigo “Sangue menstrual na sociedade Karipuna do Amapá” (Primo dos Santos Soares, 2019Primo dos Santos Soares, A. M. (2019). Sangue menstrual na sociedade Karipuna do Amapá. Amazônica: Revista de Antropologia, 11(2). http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v11i2.7548
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) e, no momento, estou a finalizar um projeto de mestrado intitulado “Ser indígena e antropóloga – tecendo pesquisas com as antigas – Aldeia Santa Isabel – povo Karipuna do Amapá”. Estou, ainda, publicando artigos em anais de evento sobre os resultados das pesquisas de TCC e mestrado e sobre a biografia de Suzana Karipuna (Primo dos Santos Soares & Primo dos Santos, 2020Primo dos Santos Soares, A. M., & Primo dos Santos, S. (2020, outubro-novembro 30-6). A Cobra e o Maracá encantam: Memórias e vivências de Suzana – Mulher Karipuna do Amapá. Anais da 32ª Reunião Brasileira de Antropologia, Associação Brasileira de Antropologia, Rio de Janeiro.). Além destas pesquisas, no audiovisual, os indígenas Davi Marworno (povo Galibi Marworno) e Takumã Kuikuro (povo Kuikuro) produziram o curta metragem “Xandoca” (Marworno & Kuikuro, 2019Marworno, D., & Kuikuro, T. (2019). Xandoca [Filme]. MT/Brasil.), “que trata sobre Dona Xandoca, antiga do povo Karipuna, falecida em março de 2018. Dona Xandoca foi liderança, conselheira e parteira na aldeia Santa Isabel, sendo a segunda esposa de meu avô” (Primo dos Santos Soares, 2022Primo dos Santos Soares, A. M. (2022). Ser indígena e antropóloga: tecendo pesquisas com as antigas – Aldeia Santa Isabel – Povo Karipuna do Amapá [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]., p. 75).

Junto a essas bibliografias concernentes às mulheres e os povos indígenas de Oiapoque, também houve, durante os anos de 2016 e 2018, o projeto “A mãe do corpo: aprendizagem, conhecimento e afinidade entre populações indígenas”, coordenado pela antropóloga Antonella Tassinari. De acordo com a pesquisadora, este projeto “tinha por objetivo analisar os conhecimentos, técnicas e cuidados relacionados à mãe do corpo entre os Karipuna e Galibi Marworno” (Tassinari, 2021aTassinari, A. (2021a). A “mãe do corpo”: conhecimentos das mulheres Karipuna e Galibi-Marworno sobre gestação, parto e puerpério. Horizontes Antropológicos, 60(1), 95-126. https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000200004
https://doi.org/10.1590/S0104-7183202100...
). A mãe do corpo é o útero. Tassinari coloca que o projeto “. . . tratava da dinâmica de compreensão sobre fertilidade, desenvolvimento do feto, vida intra-uterina, infância, pessoa, corporalidade, circulação de conhecimentos, afinidades com os seres sobrenaturais e experiências oníricas” (Tassinari, 2021aTassinari, A. (2021a). A “mãe do corpo”: conhecimentos das mulheres Karipuna e Galibi-Marworno sobre gestação, parto e puerpério. Horizontes Antropológicos, 60(1), 95-126. https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000200004
https://doi.org/10.1590/S0104-7183202100...
). Recentemente, o projeto resultou em artigo sobre os conhecimentos das mulheres Karipuna e Galibi-Marworno sobre as gestações, partos e puerpério (Tassinari, 2021aTassinari, A. (2021a). A “mãe do corpo”: conhecimentos das mulheres Karipuna e Galibi-Marworno sobre gestação, parto e puerpério. Horizontes Antropológicos, 60(1), 95-126. https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000200004
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), sendo estas as pesquisas sobre as indígenas mulheres em Oiapoque.

Sucupira (2020, pp. 14-15)Sucupira, G. (2020, dezembro 1-11). Do Uaçá ao Iaco: uma travessia pelas pesquisas sobre mulheres e gênero entre os povos indígenas do norte amazônico brasileiro. Anais do 44º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, São Paulo. escreve que “. . . a maioria das produções de pós-graduação em todo o Brasil que versam sobre mulheres entre indígenas situados no norte amazônico brasileiro é tecida por mulheres, isto é, são pesquisadoras mulheres que convidam a pensar sobre esses temas”, afirmando que “. . . o diálogo com autores e autoras indígenas começa a parecer ainda timidamente nos últimos dois anos” (Sucupira, 2020Sucupira, G. (2020, dezembro 1-11). Do Uaçá ao Iaco: uma travessia pelas pesquisas sobre mulheres e gênero entre os povos indígenas do norte amazônico brasileiro. Anais do 44º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, São Paulo., p. 15). Em Oiapoque, são majoritariamente as mulheres que tomam o protagonismo para com as pesquisas com mulheres e, em sua grande maioria, essas mulheres são indígenas (Karipuna e Galibi Kalinã). Essas pesquisas datam de 2012 em diante e vêm se fortalecendo desde então.

Em uma viagem para as aldeias Santa Isabel e Espírito Santo8 8 A aldeia Espírito Santo também se localiza na TI Uaçá. Ela fica em frente à aldeia Santa Isabel e o que as separa é apenas o rio Curipi, um dos afluentes do rio Uaçá. A viagem de canoa voadeira entre ambas dura cerca de dez minutos. Durante a graduação, também realizei pesquisas com as indígenas mulheres de Espírito Santo. , também no ano de 2016, comuniquei as/aos parentas/es que gostaria de estudar algo que tivesse relação com as mulheres Karipuna. Sobre isso, as parentas mais novas e os parentes homens sempre me diziam que eu tinha que ir com as antigas, conversar com elas, a fim de construir os estudos baseada no que elas me contassem. Nessas conversas, “elas sempre me orientavam a falar com outras antigas, pois talvez tivessem mais conhecimentos e soubessem de mais histórias do que elas” (Primo dos Santos Soares, 2022Primo dos Santos Soares, A. M. (2022). Ser indígena e antropóloga: tecendo pesquisas com as antigas – Aldeia Santa Isabel – Povo Karipuna do Amapá [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]., p. 76).

A partir destas orientações, de parentas/es, comecei a perceber o quanto era importante ouvir as mais velhas, as memórias destas antigas Karipuna (o que é curioso, pois, em Belém, sempre estive cercada pelas mais velhas, pelo que diziam e praticavam). As/os parentas/es também me contavam sobre o medo de perder uma/um antiga/o, pois, quando perdemos alguém mais velha/velho, significa que muitos dos nossos conhecimentos morrem junto com a pessoa. Sobre isso, as/os parentas/es nas aldeias diziam que nem todos os conhecimentos conseguem ser repassados por meio da oralidade e das práticas para as novas gerações, pois são muitos os saberes que uma/um antiga/o possuem. Portanto, se eu era uma jovem que gostaria de pesquisar com as mulheres e de conhecer sobre meu povo, mais junto com ele, era com as antigas que eu deveria estar.

Com relação a este mesmo tema, da perda de mais velhas/os, também, sempre ouvia as/os parentas/es de meu povo e de outros povos dizerem que “. . . nossos mais velhos e mais velhas são nossas bibliotecas vivas. . .” (Fontes, 2020Fontes, F. B. (2020). Minha escrevivência, experiências vividas e diálogo com as mulheres indígenas do Rio Negro – Amazonas/Brasil. Cadernos de Campo (São Paulo – 1991), 29(1), 179-186. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i1p179-186
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
, p. 180). A parenta Francineia Fontes Baniwa (Fontes, 2020Fontes, F. B. (2020). Minha escrevivência, experiências vividas e diálogo com as mulheres indígenas do Rio Negro – Amazonas/Brasil. Cadernos de Campo (São Paulo – 1991), 29(1), 179-186. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i1p179-186
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
, p. 180), em artigo no qual relata suas experiências de pesquisa na pós-graduação com as mulheres de seu povo, argumenta que “. . . é rico ser indígena, pois o mundo do indígena é uma biblioteca viva e seus dicionários para explicação são suas avós, avôs, pai. . .” Já Marcio Meira, antropólogo e historiador, disse, em entrevista, em abril de 2020, que “um ancião indígena que morre é uma perda para toda a humanidade” (Ribeiro, 2020Ribeiro, F. M. (2020, abril 12). Coronavírus: “Um ancião indígena que morre é uma perda para toda a humanidade”. Amazônia Real. https://amazoniareal.com.br/coronavirus-um-anciao-indigena-que-morre-e-uma-perda-para-toda-a-humanidade-diz-marcio-meira/
https://amazoniareal.com.br/coronavirus-...
); frase semelhante à do escritor Amadou Hampté Bá, que diz que a “. . . morte de um ancião é como se ardesse uma biblioteca. . .” (B. Santos, 2019Santos, B. S. (2019). O fim do império cognitivo: A afirmação das epistemologias do sul. Autêntica Editora., p. 90). Enquanto a antropóloga Tassinari (2021b)Tassinari, A. (2021b, janeiro 2). Blog Memórias do Oiapoque. https://memoriasoiapoque.wordpress.com/
https://memoriasoiapoque.wordpress.com/...
, em blog sobre as memórias das viagens em que esteve conosco, o povo Karipuna, em Oiapoque, diz que “as memórias sobrevivem a você, quando passam a ser as memórias de outras pessoas”9 9 Esta é a epígrafe do blog de Antonella Tassinari sobre o Oiapoque. A frase não é de sua autoria, mas de alguém que ela nomeia como P. Urbano (ver Tassinari, 2021b). . As memórias das antigas e antigos Karipuna sobrevivem quando se tornam também as memórias das/dos jonfi/jonjã (jovens) e dos tx-imun (crianças).

Ao longo da transição da graduação para a pós-graduação, certos assuntos passaram a ser evocados pelas fam-iela e com mais frequência do que outros. Se no TCC havia realizado uma síntese etnográfica sobre como percebia as vivências das parentas e seus cuidados nas aldeias, além de trazer algumas vivências minhas na cidade, a partir do momento em que concluí o curso, percebi que as/os parentas/es começaram a expressar que eu me dedicasse a escrever mais sobre a aldeia Santa Isabel e sobre as memórias de Côco e Delfina, os fundadores desta aldeia e que, como mencionado, são meus avós maternos, mas sem solicitarem que eu deixasse de escrever com as parentas. Portanto, direcionei a pesquisa para escrever sobre o que elas/es me pediam, a partir das antigas que estavam mais próximas a mim. Portanto, passei a escrever sobre a as trajetórias e vivências de um grupo de antigas com quem sempre convivi, minha mãe e tias, já que tais parentas são algumas das mulheres mais velhas a vivenciarem o processo de formação de Santa Isabel, além de serem as filhas de seus fundadores. Através de oralidades, memórias e conhecimentos, manifestados por meio de conversas e convivências com elas por anos, desde minha infância até a vida adulta, vou tecendo textos e colocando sobre a forma escrita as trajetórias dessas mulheres, a história da aldeia e as narrativas de nosso povo. Como dizem Soares-Pinto et al. (2020, p. 174)Soares-Pinto, N., Affonso, A. M. R., & Benítes, S. (2020). Mulheres indígenas e suas coexistências - uma apresentação. Cadernos de Campo (São Paulo - 1991), 29(1), 173-178. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i1p173-178
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, com coautoria de uma parenta Guarani Nhandewa, as “Mulheres indígenas (re)tomam a palavra, trazendo até os espaços da academia as histórias de suas mães, tias e avós, costurando a memória viva e a palavra escrita”.

Se trago a memória viva e a palavra escrita das antigas também é porque estas mesmas memórias e palavras me formaram e ainda me formam como mulher Karipuna. Lod Moraes (2018, p. 17)Lod Moraes, C. R. (2018). Amiakô wolï medela neí amiakô nimüdai elomem: a transição de menina para mulher e a menstruação como rito de passagem entre os Galibi Kali’na [Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal do Amapá]., em seu texto, faz considerações sobre as mulheres Galibi Kalinã, que, a partir de minha leitura de mundo, também podem ser pensadas com relação às Karipuna, como quando expressa que a continuidade de seu povo está nas mãos das mulheres, que são quem mantêm os ensinamentos, as regras e os costumes, repassando-os às/aos filhas/os desde pequenas/os, nos cuidados cotidianos, pois são elas as responsáveis pelas futuras gerações de lideranças, pajés e guerreiras.

Minha mãe, Suzana, me explicou, ao rememorar a própria mãe, que é mãe da criança quem possui maior contribuição durante os primeiros anos de vida para a formação da pessoa Karipuna; não que o pai e outras/os parentas/es também não formem o corpo e ensinem a criança, mas, segundo ela, as maiores contribuições entre nosso povo são oriundas da mãe. No caso de Suzana, a mãe, além de lhe ensinar as artes e as linguagens com relação às cuias e aos inúmeros grafismos (marcas/mak), também foi quem lhe ensinou a língua, os trabalhos na roça, quem lhe deu conhecimentos sobre as plantas e os karuãna, quem lhe levava aos turé10 10 De acordo com o livro “O turé dos povos indígenas do Oiapoque”, “o turé é uma festa que acontece durante o período da lua cheia, nele se agradece às pessoas invisíveis que vivem no Outro Mundo, chamadas karuãna, pelas curas que elas realizam por meio das práticas xamânicas dos pajés” (Andrade, 2009, p. 11). e aos pajés (piai). Com a mãe, Suzana também observou os conhecimentos sobre o partejar e sobre a costura, ao fazer roupas para as filhas, os filhos e o marido usarem no cotidiano ou quando fazia trajes de verés11 11 Compunham o verés um conjunto com uma blusa larga de mangas compridas, cheia de pregas, que era vestida junto com uma saia, igualmente larga, chamada sayá. O tecido usado para fazer este traje era chita estampada, sendo comum, no cotidiano da aldeia, que as mulheres usassem apenas as saias, com a parte do corpo da cintura para cima nua. Segundo Suzana, há uma destas saias, oriunda dos Galibi Marworno, na Reserva Técnica de Etnográfica Curt Nimuendajú, do MPEG. Ainda de acordo com as palavras de Suzana, não se usava qualquer colar com esse traje. Os colares deveriam ser nas cores vermelho, branco e azul-escuro, sendo compridos, de miçangas, que enchiam o pescoço e que possuíam detalhes arredondados, chamados de ‘cabeças’. Esses colares são usados até hoje. O verés deixou de ser vestido por volta da década de 1960. Não há um consenso sobre como esta palavra (verés) é escrita, portanto, a escrevo aqui tal como a ouço (S. Karipuna, comunicação pessoal, jan. 2017 citada em Primo dos Santos Soares, 2022, p. 113). para si e para as filhas, vestimenta feminina Karipuna usada em festas e que hoje em dia não é mais utilizada (S. Karipuna, comunicação pessoal, jan. 2017).

Minhas relações com minha mãe passam pelo que ela aprendia com minha avó, com as tias e as irmãs, e que agora compartilha comigo em nosso cotidiano. Nossas relações passam pela história de Santa Isabel, pela cidade, pelas relações de parentesco com as mulheres e com os karuãna, pelas pajelanças, pelos momentos em que contamos os sonhos e pelas relações com as artes de nosso povo. Evoco, neste parágrafo, as relações de parentesco com os karuãna, pois Suzana é gêmea, e nas histórias de nosso povo os gêmeos são uma espécie de karuãna chamada hoho. As pessoas que são hoho (gêmeas) podem desenvolver o dom da pajelança. Minha mãe desenvolveu este dom para o sonhar e pelas manhãs, desde minha infância, me conta sobre seus sonhos de pajé, alguns dos quais viraram escrita, outros desenhos, outros não podem ser contados aos não indígenas.

Krenak (2020Krenak, A. (2020). A vida não é útil. Companhia das Letras., pp. 37-38 citado em Primo dos Santos Soares, 2022Primo dos Santos Soares, A. M. (2022). Ser indígena e antropóloga: tecendo pesquisas com as antigas – Aldeia Santa Isabel – Povo Karipuna do Amapá [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]., p. 123) “compreende a contação dos sonhos entre os parentes como uma atividade íntima e de veiculação de afetos, em que os sonhos afetam não só os parentes, mas também todo o mundo sensível”; enquanto Kopenawa e Albert (2015, p. 76)Kopenawa, D., & Albert. B. (2015). A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. Companhia das Letras. dizem que “. . . o sonho é uma escola e que é durante ele que se aprende as coisas de verdade”. De acordo com Krenak (2020)Krenak, A. (2020). A vida não é útil. Companhia das Letras. e Kopenawa e Albert (2015) (citados em Primo dos Santos Soares, 2022Primo dos Santos Soares, A. M. (2022). Ser indígena e antropóloga: tecendo pesquisas com as antigas – Aldeia Santa Isabel – Povo Karipuna do Amapá [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]., p. 123),

aprendi com Suzana que os sonhos devem ser contados a aquelas e aqueles com quem desenvolvemos relações de parentesco e afeto, pelo horário da manhã ao acordar, e que o ato de contar ou ocultar o conteúdo dos sonhos afeta ao mundo visível (mundos humanos) e ao mundo invisível (mundo dos karuãna).

Minhas experiências e as experiências das parentas, e com elas, são o que constitui o corpo deste artigo, por isso o penso como sendo de autoria coletiva e autoetnográfica. A justificativa do porquê compreendo este estudo de tal maneira é algo que continuarei a desenvolver na próxima seção. Mas adianto que o que escrevo é com base em conhecimentos coletivos de muitas parentas de várias gerações e que este texto não foi realizado de maneira solitária e, de forma alguma, é de autoria individual; ele é de autoria coletiva, de várias vozes, memórias e ações de parentas de um mesmo povo e que ecoam entre diferentes gerações.

A IMPORTÂNCIA DE FALARMOS EM NOSSOS PRÓPRIOS TERMOS: ESCRITA COLETIVA E AUTOETNOGRAFIA

A pensadora chicana12 12 Chicana/o é uma identidade correspondente a quem nasceu nos Estados Unidos, mas é filha/o de pais latino-americanos. Anzaldúa (2000, p. 229)Anzaldúa, G. (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Estudos Feministas, 8(1), 229-236. diz, em ensaio intitulado “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo”, que as mulheres não brancas que escrevem são invisíveis e que, ao escrevermos, falamos em línguas, tal como é mencionado no título de seu texto, só que “. . . os brancos não querem conhecer estas línguas e não se preocupam em aprendê-las”.

No caso de nós, indígenas, são as línguas de nossos povos originários, nas palavras de Anzaldúa (2000)Anzaldúa, G. (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Estudos Feministas, 8(1), 229-236., são as línguas que refletem as nossas culturas e os nossos espíritos, pois há conhecimentos e acontecimentos que só fazem sentido se forem ditos em nossa língua materna e em nossos próprios termos, são intraduzíveis, inexistentes em outras línguas ou as outras línguas não dão conta de explicá-las por completo. Há aspectos das cosmologias dos povos indígenas que são intraduzíveis para a língua portuguesa, porque a lógica do pensamento de um povo indígena é distinta da lógica de pensamento dos povos não indígenas

(Primo dos Santos Soares, 2022Primo dos Santos Soares, A. M. (2022). Ser indígena e antropóloga: tecendo pesquisas com as antigas – Aldeia Santa Isabel – Povo Karipuna do Amapá [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]., pp. 48-49).

Sobre isso, a indígena antropóloga Linda Terena diz que nós, povos originários, “temos nossos conceitos, nossas palavras, nossos argumentos e nossa narrativa para nos apresentar ao mundo” (Amante, 2020Amante, V. (2020, dezembro 10). Julieta Paredes debate a força das mulheres indígenas e o feminismo comunitário. Catarinas: Jornalismo com Perspectiva de Gênero. https://catarinas.info/julieta-paredes-debate-a-forca-das-mulheres-indigenas-e-o-feminismo-comunitario/
https://catarinas.info/julieta-paredes-d...
).

Quando nós, povos originários, pesquisamos com nossos povos de origem, nossos parentes, trazemos para os territórios das universidades nossas memórias e epistemologias ancestrais. Mas, acerca disso, reflito a partir de Kilomba (2019, pp. 30-51)Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação – Episódios de racismo cotidiano (J. Oliveira, Trad.). Cobogó., que questiona sobre a academia: “Quem (dentro dela) pode falar? Quem pode produzir conhecimento? O conhecimento de quem é reconhecido?”. Para esta autora, as universidades não são espaços apenas do conhecimento, mas também de reprodução das violências, chamando atenção para a questão de que aqueles que pesquisam com seus povos ou grupos de origem são geralmente classificados como pessoas que estão a produzir um trabalho “interessante, mas pouco científico; demasiado subjetivo; pouco objetivo; muito emocional”. Para ela, tratam-se de máscaras que tentam silenciar nossas pesquisas e que nos posicionam nas margens, como portadoras de conhecimentos desviantes. Xacriabá (2018, p. 19)Xacriabá, C. N. C. (2018). O Barro, o genipapo e o giz no fazer epistemológico de autoria Xakriabá: Reativação da memória por uma educação territorializada [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília]., indígena do povo Xacriabá e antropóloga, escreve em sua dissertação que:

. . . nossos desafios como indígenas nas universidades são demarcar os territórios acadêmicos. Mas que nelas, muitos de nós não somos considerados como produtores e autores de conhecimentos. Além de que nas universidades somos constantemente questionadas sobre nossa capacidade de ocupar lugares na academia.

Ainda de acordo com Kilomba (2019, p. 53)Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação – Episódios de racismo cotidiano (J. Oliveira, Trad.). Cobogó., as estruturas de validação do conhecimento são controladas por acadêmicas/os brancas/os. Posições de autoridade e comando na academia são negadas a indígenas e negras/os. Aquilo que não se enquadra na ordem eurocêntrica de conhecimento é considerado como algo que não constitui ciência. Kilomba completa o pensamento dizendo que o que encontramos na academia não é uma verdade objetiva científica, mas sim o resultado de relações desiguais de poder e ‘raça’, “. . . que ditam o que é considerado verdadeiro e no que se deve acreditar”. Além disso, todos falamos e escrevemos “. . . de um tempo e lugar específicos, de uma história e realidades específicas, não havendo discursos neutros e objetivos” (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação – Episódios de racismo cotidiano (J. Oliveira, Trad.). Cobogó., p. 53). No caso, o lugar específico de onde escrevo é o de minha realidade com as parentas e de indígena mulher Karipuna que transita entre a cidade e a aldeia ou, como dizem nossas lideranças indígenas mulheres da Articulação Nacional Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), “entre o chão da aldeia e do mundo” (“Manifesto das primeiras brasileiras...”, 2021Manifesto das primeiras brasileiras: as originárias da Terra – a mãe do Brasil é indígena. (2021, março 8). https://anmiga.org/manifesto/
https://anmiga.org/manifesto/...
).

Pugliese (2020, p. 425)Pugliese, N. (2020). Sobre o resgate de obras filosóficas escritas por mulheres e algumas implicações pedagógicas. Revista PHILIA, 2(2), 418–444. https://doi.org/10.22456/2596-0911.104438
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, em artigo sobre o resgaste de obras filosóficas escritas por mulheres, diz: “. . . assim, resgatar a história individual é também o início do processo de construção da memória coletiva. Afinal, como insistiu Rimbaud: o eu é um outro – ou uma outra”. As memórias individuais, advindas de mim, minha mãe e minhas tias, compõem uma memória coletiva sobre a formação da aldeia Santa Isabel. O método para pesquisarmos juntas é semelhante ao que Aurora (2019, p. 110)Aurora, B. (2019). A colonização sobre as mulheres indígenas: reflexão sobre cuidados com o corpo. Interethnic@: Revista de Estudos em Relações Interétnicas, 22(1), 109-115. https://doi.org/10.26512/interethnica.v22i1.20530
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realiza com suas parentas. Em artigo, e sobre suas pesquisas, ela diz que, como “. . . uma mulher Baniwa, seu trabalho foi realizado em conjunto com outras mulheres de seu povo, quando estas compartilhavam conhecimento e memória e que este foi o desenho metodológico realizado em sua pesquisa”. Minha mãe afirma que ela dá as histórias Karipuna para mim, mas prefiro os termos ‘partilhar’ ou ‘compartilhar’. Nós, indígenas mulheres, em nossos diálogos e vivências, compartilhamos nossos conhecimentos, memórias e afetos; e, assim como as antigas partilham comigo, um dia eu partilharei com outras mais novas. Portanto, compreender a autoria de nossos textos como individual é ir pelo caminho contrário daquilo que as antigas ensinam e do modo como agem para com as/os mais novas/os; é ir contra a lógica de meu povo.

Para continuar a tratar das pesquisas com as parentas, passo agora a abordar a escrita autoetnográfica, que conheci durante a graduação. Versiani (2013, pp. 57-71)Versiani, D. B. (2013). Autoetnografia: Uma alternativa conceitual. Letras de Hoje, 37(4)., pesquisadora da autoetnografia, diz que este é um conceito que ainda está em construção, podendo-se dizer que é composto pela autobiografia em diálogo com a antropologia, evocado através das memórias e das subjetividades. A autoetnografia, discutida por ela, é dialógica no sentido de que, nesta teoria da escrita, há um sujeito que conversa com os outros, ou seja, na escrita autoetnográfica existem outras subjetividades além da de quem redige o texto; na escrita do eu, há várias vozes que perpassam a pesquisa e que a tornam coletiva. Há um encontro de subjetividades e uma ligação entre o subjetivo e o coletivo. Nela, não se fala sobre o outro, ou pelo outro, mas com o outro.

Kopenawa e Albert (2015, pp. 512-549)Kopenawa, D., & Albert. B. (2015). A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. Companhia das Letras. também compreendem a autoetnografia como algo que é baseado em relatos autobiográficos, escritos em primeira pessoa, um texto em que é possível a existência de uma multiplicidade de vozes, que compõem um mosaico narrativo. Em “A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami”, além, das lembranças e reflexões pessoais, o que Kopenawa e Albert (2015, p. 539)Kopenawa, D., & Albert. B. (2015). A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. Companhia das Letras. trazem são as histórias e os valores de seu povo de origem, os Yanomami. Como ambos escrevem, “o ‘eu’ narrador é indissociável de um nós da tradição e da memória do grupo. Portanto, o que ouvimos é um ‘eu’ coletivo tornado autoetnografado”. Eles afirmam que a obra “. . . é tecida de lembranças pessoais tanto quanto de narrativas históricas, sonhos, mitos, visões e profecias xamânicas dos Yanomami” (Kopenawa & Albert, 2015Kopenawa, D., & Albert. B. (2015). A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. Companhia das Letras., p. 539). Porém, Kopenawa e Albert (2015, pp. 69-76)Kopenawa, D., & Albert. B. (2015). A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. Companhia das Letras. também expressam que as palavras dos Yanomami são muito antigas e que não é necessário que os ‘desenhos de escrita’ (escrita) sejam colocados em ‘peles de imagem’ (papel), pois, segundo eles, as palavras estão gravadas dentro dos próprios Yanomami, em sua memória longa e forte, saindo de sua boca e permanecendo sempre próximas de si. Quando colocadas em ‘peles de imagem’, as palavras passam a ser conhecidas distante da floresta. Para o xamã Yanomami, desta forma, talvez, as várias gerações dos não indígenas passem a compreender seu povo.

Para Gama (2020)Gama, F. (2020). A autoetnografia a como método criativo: experimentações com a esclerose múltipla. Anuário Antropológico, 45(2), 188–208. https://doi.org/10.4000/aa.5872
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, esta é uma teoria da escrita produzida a partir de “conhecimentos apreendidos através de nosso corpo, que se move e encontra diferentes ambientes, pessoas, objetos e experimenta diversas emoções”, pensando a autoetnografia como algo que “. . . envolve as ciências humanas, as artes e as emoções; como um gênero autobiográfico de escrita e de pesquisa que traz ao mesmo tempo o pessoal, a cultura e a vulnerabilidade”. Em um texto autoetnográfico, quem escreve e sobre quem se escreve são aspectos que se confundem, pois a pessoa que pesquisa e o pesquisado são os mesmos elementos, não se apagando a voz daqueles que realizam o conhecimento (Gama, 2020Gama, F. (2020). A autoetnografia a como método criativo: experimentações com a esclerose múltipla. Anuário Antropológico, 45(2), 188–208. https://doi.org/10.4000/aa.5872
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, pp. 189-191).

Para Ramos (2007, p. 11)Ramos, A. R. (2007). Do engajamento ao desprendimento. Campos: Revista de Antropologia, 8(1), 11-32. http://dx.doi.org/10.5380/cam.v8i1.9559
https://doi.org/10.5380/cam.v8i1.9559...
, a autoetnografia realizada por indígenas é algo que nos faz passar da posição “. . . de sujeitos de pesquisa para a de pesquisadores. . .”, contexto que “. . . força as/os antropólogas/os que pesquisam com os povos originários a refletirem sobre a ética e a política que desenvolvem nas pesquisas”. Ramos (2007Ramos, A. R. (2007). Do engajamento ao desprendimento. Campos: Revista de Antropologia, 8(1), 11-32. http://dx.doi.org/10.5380/cam.v8i1.9559
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citado em Primo dos Santos Soares, 2022Primo dos Santos Soares, A. M. (2022). Ser indígena e antropóloga: tecendo pesquisas com as antigas – Aldeia Santa Isabel – Povo Karipuna do Amapá [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]., p. 63) também se refere ao fato de que a etnografia “implica um compromisso, em termos de parceria e diálogo, das/os antropólogas/os para com os povos indígenas, enquanto a autoetnografia possui o papel de ser a agencialidade plena destes povos na construção antropológica e nas autorias”. Para Ramos (2007, pp. 15-19)Ramos, A. R. (2007). Do engajamento ao desprendimento. Campos: Revista de Antropologia, 8(1), 11-32. http://dx.doi.org/10.5380/cam.v8i1.9559
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, o conhecimento dos povos indígenas compreende uma outra lógica, que é incrivelmente complexa. A antropologia realizada com e pelos próprios sujeitos indígenas é “. . . um instrumento de defesa da diferença. . .”, uma antropologia que foge dos estereótipos e da mera “curiosidade vulgar”. Ao falar de suas observações com os jovens do povo Yanomami, afirma que, quando estes passaram a construir suas autoetnografias, “. . . tomaram para si a tarefa de obter de seus pais e avós o conhecimento erudito sobre o universo Yanomami”. Para Ramos (2007)Ramos, A. R. (2007). Do engajamento ao desprendimento. Campos: Revista de Antropologia, 8(1), 11-32. http://dx.doi.org/10.5380/cam.v8i1.9559
https://doi.org/10.5380/cam.v8i1.9559...
, a realização das autoetnografias é um processo de apropriação do saber etnográfico pelos sujeitos indígenas.

Refletindo sobre o que foi colocado nos parágrafos anteriores, o que busco fazer, em diálogo com as parentas, é trazer as nossas epistemologias na forma escrita, nas quais estão contidos nossos conhecimentos, histórias e os termos de nossa língua, que é o kheuol. Xacriabá, ao escrever sobre a epistemologia de seu povo, diz que este é epistemologia nativa alimentada na ciência do território (Xacriabá, 2018Xacriabá, C. N. C. (2018). O Barro, o genipapo e o giz no fazer epistemológico de autoria Xakriabá: Reativação da memória por uma educação territorializada [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília]., p. 20). A epistemologia Karipuna é o ‘nosso-sistema’, um conceito já mencionado e que abrange o conjunto de práticas, rituais e conhecimentos presentes entre famílias que compõem o povo Karipuna (Tassinari, 2003Tassinari, A. M. I. (2003). No bom da festa: o processo de construção cultural das famílias Karipuna do Amapá. Edusp.).

Sobre a autoetnografia, compreendo que é uma teoria da escrita que se adequou à pesquisa, pois os escritos que trazemos são redigidos em primeira pessoa e neles estão nossas biografias, vivências, diálogos e coletividades. As nossas coletividades, por sua vez, através do ‘nós’ ou do ‘eu coletivo’, correspondem ao mosaico de vozes mencionado por Kopenawa (Kopenawa & Albert, 2015Kopenawa, D., & Albert. B. (2015). A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. Companhia das Letras.); o que há nos textos são nossas lembranças pessoais e histórias individuais e/ou coletivas, que se relacionam à história de nosso povo como um todo. Aqui, os corpos são corpos-territórios e corpos em maiuhi. Os corpos-territórios trazem os conhecimentos através das oralidades e das memórias, colocando as emoções e os afetos através das subjetividades. As subjetividades aqui presentes são as de indígenas mulheres Karipuna, antigas, além da minha própria subjetividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: DAR AS MÃOS

O maiuhi é um conceito existente entre os povos indígenas de Oiapoque – para nós, Karipuna, e para os Galibi Marworno, que falamos o kheuol, ele é maiuhi; para os Palikur, que falam o parikwaki, ele é mayuka. Em português, pode ser traduzido como mutirão, tal como o mutirão que aparece no nome da AMIM, ou pode ser compreendido como dar as mãos, em sinal de ajuda, por isso, em língua portuguesa, para nós, ajuda também é um sinônimo de mutirão.

De acordo A. Santos e Machado (2019, pp. 78-79), o maiuhi é o trabalho coletivo realizado nas roças ou os trabalhos realizados na aldeia que demandam a ajuda de várias pessoas. Ele é uma forma de reciprocidade, sendo que não participar de um maiuhi, ou seja, “não dar as mãos” no mutirão, é o mesmo que não dar as mãos em uma atividade que é tradicional dos povos indígenas de Oiapoque, é não ajudar na atividade. Ainda de acordo com estes pesquisadores, a palavra mutirão, presente no nome da associação, quer dizer que as mulheres dos povos de Oiapoque estão “se dando as mãos” ao se organizarem a partir de objetivos comuns, que as faz unir forças para que as necessidades de todas as mulheres indígenas da região sejam enfrentadas em conjunto e atendidas (A. Santos & Machado, 2019Santos, A., & Machado, T. L. (2019). As mulheres no Movimento Indígena de Oiapoque: Uma reflexão a partir da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão. Espaço Ameríndio, 13(1), 67. https://doi.org/10.22456/1982-6524.80987
https://doi.org/10.22456/1982-6524.80987...
, p. 80)13 13 Nas palavras de A. Santos e Machado (2019, pp. 78-80), “o nome da associação faz referência a uma prática comum de trabalho coletivo na região indígena do Oiapoque, o mutirão. Essa atividade é utilizada principalmente para construir as roças nas proximidades das aldeias. Trata-se de uma forma de organização de trabalho comunitário utilizada por todos os povos indígenas da região. Tal trabalho pode ser utilizado para construção de casas, limpeza dos espaços comuns da aldeia, construção de roças e demais tarefas que necessitem de auxílio comunitário para a execução. No caso das roças, trabalho mais recorrente das famílias indígenas que demanda mutirão, essa atividade é organizada pela família proprietária da roça, que faz o convite para as demais famílias do grupo local, e essas se responsabilizam em ‘dar as mãos’ para quem fez o convite. . . . O fato social de ‘dar a mão’ para construir algo do interesse comum representa uma forma de reciprocidade. De acordo com a lógica dos indígenas da região do Oiapoque, uma pessoa que não se interessa em contribuir, em ajudar uma família que o convide para o maiuhi ou mayuka, esse não será merecedor de ajuda quando também necessitar das mãos dos outros (Capiberibe, 2009, p. 214). Não participar do mutirão também implica a possibilidade de não construir redes de sociabilidade com as outras pessoas. Implica não se interessar pelas coisas da comunidade, não se envolver com as questões sociais de seu povo. Portanto, ficará excluído da sociedade, não será bem-visto no grupo. . .”. .

O maiuhi, como apresentado, é associado ao território e os corpos das indígenas são entendidos como corpos-territórios e corpos em mutirão, além de nós compreendermos o território como parenta/parente, especialmente como mulher (filha, tia, avó) e como mãe, como um lugar que nos nutre, tal como uma mãe que nutre suas/seus filhas/os. Mas também o compreendemos como útero, como cura e como alimento. Se o território é compreendido como mulher e como mãe, as mulheres também são compreendidas como território, como raízes ancestrais e guardiãs das memórias. Luene Karipuna (2021), ativista e estudante do curso de Licenciatura Intercultural Indígena (UNIFAP), diz que, “se o território é nosso corpo e espírito, nós temos que devolver a força para esse território e a força é dada através do cuidado” (Mídia Índia, 2021Mídia Índia. (2021, Julho 05). Março das originárias da terra: a mãe do Brasil é indígena. https://youtu.be/nhEL3oMe3sY
https://youtu.be/nhEL3oMe3sY...
). A parenta declara, por fim, que o cuidado que o território tem com os seres humanos, ao nos oferecer os alimentos e as plantas, é o mesmo cuidado que uma mãe tem ao amamentar suas filhas e filhos (Mídia Índia, 2021Mídia Índia. (2021, Julho 05). Março das originárias da terra: a mãe do Brasil é indígena. https://youtu.be/nhEL3oMe3sY
https://youtu.be/nhEL3oMe3sY...
).

Além disso, as mulheres também são compreendidas como as mães das aldeias, pois são elas que trazem ao mundo as várias gerações de mulheres e homens, através das gestações. Há também em nosso-sistema a compreensão de que todos os territórios têm seus donos ou suas mães (karuãna) e que devemos pedir licença à mãe do lugar quando vamos entrar na mata ou em um igarapé, por exemplo.

Nós, povos originários, cuidamos e protegemos essa mãe, que é o território. É uma relação de reciprocidade e do que se entende como sustentabilidade da vida humana e da vida do planeta (Fleuri, 2017Fleuri, R. M. (2017). Aprender com os povos indígenas. Revista de Educação Pública, 26(62/1), 277-294.). Krenak (2019, pp. 16-17)Krenak, A. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. Companhia das Letras., na obra “Ideias para adiar o fim do mundo”, diz que os não indígenas foram se alienando da terra a partir do pensamento de que a terra é uma coisa e que a humanidade é outra, trazendo a discussão de que nós, os povos indígenas, não pertencemos a esta humanidade que se vê separada do território. Como o próprio nome da I da Marcha das Mulheres Indígenas diz e como a fala de Luene Karipuna já expressou, nós, povos originários, não somos algo distinto da terra, “ela é nosso próprio corpo e nosso espírito” (“Marcha das Mulheres Indígenas...”, 2019Marcha das mulheres indígenas: “Território: Nosso Corpo, Nosso Espírito”. (2019, agosto 21).).

Tal como no maiuhi nas aldeias ou no nome da associação, também compreendo as pesquisas que realizo com as parentas como um dar as mãos de mulheres de gerações distintas, para a escrita de uma pesquisa que trata sobre nós, sobre nossas antigas, nossa aldeia e nosso povo de origem. Portanto, venho realizando um território de conhecimentos e de afetos com essas parentas através de um maiuhi, em que damos as mãos para limpar e organizar o território através dos diálogos, das vivências, das trocas de conhecimentos e dos cuidados. Logo, se escrevemos com bases nisso, reafirmo que compreendo como autoria coletiva, pois um maiuhi não se faz sozinha.

O maiuhi na roça une pessoas de diferentes gêneros e idades. No plantio da mandioca, os homens casados (om/uom) cavam os buracos onde serão postas as manivas e cortam as mandiocas depois de colhidas; as mulheres solteiras (jonfi) semeiam os buracos, colocando as manivas nos lugares cavados pelos homens, mas elas também colhem; enquanto as mulheres casadas (fam-iela) jogam a terra por cima das manivas, as plantando, elas também as colhem; os homens solteiros (jonjã) cortam e carregam os feixes de mandioca colhida. Este é um maiuhi tradicional, mas o conceito, com o passar dos anos, foi se ampliando para tarefas coletivas e de ajuda mútua. Minha mãe rememora mutirões em família, em que acompanhava o pai, a mãe, as irmãs e irmãos, mas também rememora momentos em coletivo em que fazia a farinha somente com as mulheres, no caso, as mães e as tias. Por ser magra, seu corpo não era considerado forte para ir para a roça, por isso, muitas vezes, ficava em casa, fazendo a comida, enquanto as/os parentas/es iam em maiuhi.

Quando digo que os corpos das mulheres Karipuna são corpos-territórios e corpos em mutirão, faço isso com relação ao território, para expressar nossa relação de conexão com os territórios e com a terra. Compreendendo que o termo ‘corpos-territórios’ é bastante presente nos movimentos indígenas de mulheres em nível nacional, regional e local. Já quando escrevo ‘corpos em mutirão’, expresso que os corpos das indígenas mulheres são voltados para as coletividades. Não só os delas, pois maiuhi não é um conceito somente das mulheres, mas, como explicado, traço um recorte pelas mulheres e parentas mais próximas.

Escrever ou tecer conhecimentos com as mulheres em maiuhi, em tarefa coletiva, é trazer nossos pensamentos e memórias. É uma escrita coletiva que parte de nossas próprias construções como fam-iela e como pessoas que realizam conhecimentos que partem de nossos corpos e territórios e que têm por base o que vem dos povos originários de Oiapoque, expressando a relevância de ouvirmos as indígenas mulheres, mas também de as lermos.

Algo que também desenvolvi neste texto, através deste maiuhi, é como as mulheres constroem parentesco entre si, como constroem corpos, pessoas e coletivos. Como vão me constituindo, me tecendo, como mulher Karipuna, a partir das convivências com elas. Evoco bastante a figura da mãe, pois é ela quem gesta, gera, cuida, alimenta e fortalece os corpos das tx ifam nos primeiros anos de vida, são elas que plantam sementes de conhecimentos nas crianças e nos jovens, para que cresçam e se tornem árvores e florestas. Compreendo que as antigas constroem os corpos das mulheres das gerações seguintes. Acompanho minha mãe desde a mãe do corpo, ela me nutre e me cria com as histórias de nosso povo e dos povos vizinhos, em Oiapoque, mas me nutre também com um protagonismo indígena feminino.

  • 1
    Utilizo o termo ‘indígena mulher’ ao invés de ‘mulher indígena’, pois, em diálogos e convivências com parentas que também são discentes na Universidade Federal do Pará (UFPA), percebi, em seus discursos, o consenso de que a palavra indígena deveria vir antes da palavra mulher. Antes de sermos mulheres, somos indígenas, somos Karipuna, Guajajara, Baré, Tembé e tantos outros povos que estão na UFPA, em graduações e pós-graduações, através da presença das indígenas mulheres. Além disso, já presenciei uma parenta relatar: “nós nascemos indígenas, já ser mulher é algo que é construído posteriormente”. Ou seja, na concepção dessa parenta, nascemos com a identidade de um povo e, mais tarde, vamos constituindo o nosso ser mulher. De acordo com o que dizem as parentas e de acordo com o que escreve a antropóloga Camille Castelo Branco (não indígena), o povo ao qual uma indígena mulher pertence é um marcador mais específico em suas trajetórias e narrativas do que os marcadores de gênero (Gouveia Castelo Branco, 2018Gouveia Castelo Branco Barata, C. (2018). Mulheres da montanha: corporeidade, dor e resistência entre indígenas [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]., p. 13).
  • 2
    ‘Parente’ é um termo que as pessoas de origem indígena, no Brasil, utilizam para se referirem a outras pessoas também indígenas, sejam estas de seu povo ou de algum outro povo originário. O termo ‘parenta’ é o feminino de parente. Baniwa (2006, p. 30)Baniwa, G. S. L. (2006). O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Ministério da Educação. http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/indio_brasileiro.pdf
    http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/...
    diz: “O termo parente não significa que todos os indígenas sejam iguais e nem semelhantes. Significa apenas que compartilhamos de alguns interesses comuns, como os direitos coletivos, a história de colonização e a luta pela autonomia sociocultural de nossos povos diante da sociedade global”.
  • 3
    “Nosso-sistema é um conceito criado e utilizado pelas parentas e parentes de meu povo de origem, ele abrange e explica os conjuntos de práticas, conhecimentos e crenças do povo Karipuna do Amapá” (Primo dos Santos Soares, 2022Primo dos Santos Soares, A. M. (2022). Ser indígena e antropóloga: tecendo pesquisas com as antigas – Aldeia Santa Isabel – Povo Karipuna do Amapá [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]., p. 22).
  • 4
    Fala de Braulina Aurora Baniwa em mesa no evento Perspectivas feministas na Amazônia Indígena, realizado pelo Centro de Estudos Ameríndios (CESTA), núcleo da Universidade de São Paulo (USP), em 15 de junho de 2020.
  • 5
    A I Marcha das Mulheres Indígenas foi um evento que reuniu mulheres de 130 povos em Brasília, entre os dias 10 e 14 de agosto de 2019.
  • 6
    Em meu povo, quando a pessoa falece, sua alma passa a habitar o mundo dos karuãna, tal como aparece no poema de José Maria Leal Paes (Paes, 1986Paes, J. M. L. (1986, maio 7). Do Karipurá ao Curipi: a viagem do mestre Côco ao último turé. https://www.academia.edu/47960367/Do_Karipur%C3%A1_ao_Curipi
    https://www.academia.edu/47960367/Do_Kar...
    ) sobre a morte do cacique Manoel Primo, em que expressa que a alma do cacique foi para o mundo dos karuãna, em cânticos de guerreiro, durante um turé da lua cheia.
  • 7
    De acordo com A. Santos e Machado (2019, pp. 68-77)Primo dos Santos Soares, A. M. (2019). Sangue menstrual na sociedade Karipuna do Amapá. Amazônica: Revista de Antropologia, 11(2). http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v11i2.7548
    https://doi.org/10.18542/amazonica.v11i2...
    , “a criação da AMIM foi fruto da articulação das mulheres indígenas do Oiapoque que buscavam se organizar para valorizar e dar autonomia ao trabalho feminino indígena e assim garantirem melhores condições de retorno financeiro para ajudar no sustento de suas famílias. Embora a Associação tenha sido criada em 2006, a articulação das mulheres nesse sentido começou bem antes, por volta da década de 1980, quando algumas indígenas procuraram a irmã Rebecca Spires para conversar sobre a possibilidade de haver ajuda do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) na oferta de cursos na área de corte e costura, e pintura de tecidos. . . . A partir desses encontros contínuos, as mulheres propuseram a criação da AMIM, que, com a ajuda de irmã Rebecca, foi institucionalizada e legalmente regulamentada. E eis que, depois de construir todas as articulações, as mulheres fizeram a primeira assembleia geral de mulheres indígenas na cidade de Oiapoque, no salão paroquial, com a presença de 29 mulheres dos quatro povos. Nos dias 5, 6 e 7 de maio de 2006, fundaram a Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão. Durante esses três dias, aprovaram o estatuto, nomearam os membros da diretoria e conselho fiscal. No mesmo ano, a associação foi registrada legalmente, a qual buscava incialmente, como propósito maior, legitimar e organizar o trabalho executado por essas mulheres”.
  • 8
    A aldeia Espírito Santo também se localiza na TI Uaçá. Ela fica em frente à aldeia Santa Isabel e o que as separa é apenas o rio Curipi, um dos afluentes do rio Uaçá. A viagem de canoa voadeira entre ambas dura cerca de dez minutos. Durante a graduação, também realizei pesquisas com as indígenas mulheres de Espírito Santo.
  • 9
    Esta é a epígrafe do blog de Antonella Tassinari sobre o Oiapoque. A frase não é de sua autoria, mas de alguém que ela nomeia como P. Urbano (ver Tassinari, 2021bTassinari, A. (2021b, janeiro 2). Blog Memórias do Oiapoque. https://memoriasoiapoque.wordpress.com/
    https://memoriasoiapoque.wordpress.com/...
    ).
  • 10
    De acordo com o livro “O turé dos povos indígenas do Oiapoque”, “o turé é uma festa que acontece durante o período da lua cheia, nele se agradece às pessoas invisíveis que vivem no Outro Mundo, chamadas karuãna, pelas curas que elas realizam por meio das práticas xamânicas dos pajés” (Andrade, 2009Andrade, U. M. (Org.). (2009). O Turé dos povos indígenas do Oiapoque. Museu do Índio/Fundação Nacional do Índio/IEPÉ., p. 11).
  • 11
    Compunham o verés um conjunto com uma blusa larga de mangas compridas, cheia de pregas, que era vestida junto com uma saia, igualmente larga, chamada sayá. O tecido usado para fazer este traje era chita estampada, sendo comum, no cotidiano da aldeia, que as mulheres usassem apenas as saias, com a parte do corpo da cintura para cima nua. Segundo Suzana, há uma destas saias, oriunda dos Galibi Marworno, na Reserva Técnica de Etnográfica Curt Nimuendajú, do MPEG. Ainda de acordo com as palavras de Suzana, não se usava qualquer colar com esse traje. Os colares deveriam ser nas cores vermelho, branco e azul-escuro, sendo compridos, de miçangas, que enchiam o pescoço e que possuíam detalhes arredondados, chamados de ‘cabeças’. Esses colares são usados até hoje. O verés deixou de ser vestido por volta da década de 1960. Não há um consenso sobre como esta palavra (verés) é escrita, portanto, a escrevo aqui tal como a ouço (S. Karipuna, comunicação pessoal, jan. 2017 citada em Primo dos Santos Soares, 2022Primo dos Santos Soares, A. M. (2022). Ser indígena e antropóloga: tecendo pesquisas com as antigas – Aldeia Santa Isabel – Povo Karipuna do Amapá [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará]., p. 113).
  • 12
    Chicana/o é uma identidade correspondente a quem nasceu nos Estados Unidos, mas é filha/o de pais latino-americanos.
  • 13
    Nas palavras de A. Santos e Machado (2019, pp. 78-80)Santos, A., & Machado, T. L. (2019). As mulheres no Movimento Indígena de Oiapoque: Uma reflexão a partir da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão. Espaço Ameríndio, 13(1), 67. https://doi.org/10.22456/1982-6524.80987
    https://doi.org/10.22456/1982-6524.80987...
    , “o nome da associação faz referência a uma prática comum de trabalho coletivo na região indígena do Oiapoque, o mutirão. Essa atividade é utilizada principalmente para construir as roças nas proximidades das aldeias. Trata-se de uma forma de organização de trabalho comunitário utilizada por todos os povos indígenas da região. Tal trabalho pode ser utilizado para construção de casas, limpeza dos espaços comuns da aldeia, construção de roças e demais tarefas que necessitem de auxílio comunitário para a execução. No caso das roças, trabalho mais recorrente das famílias indígenas que demanda mutirão, essa atividade é organizada pela família proprietária da roça, que faz o convite para as demais famílias do grupo local, e essas se responsabilizam em ‘dar as mãos’ para quem fez o convite. . . . O fato social de ‘dar a mão’ para construir algo do interesse comum representa uma forma de reciprocidade. De acordo com a lógica dos indígenas da região do Oiapoque, uma pessoa que não se interessa em contribuir, em ajudar uma família que o convide para o maiuhi ou mayuka, esse não será merecedor de ajuda quando também necessitar das mãos dos outros (Capiberibe, 2009Capiberibe, A. M. G. (2009). Nas duas margens do rio: alteridade e transformações entre os Palikur na fronteira Brasil/Guiana Francesa [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]., p. 214). Não participar do mutirão também implica a possibilidade de não construir redes de sociabilidade com as outras pessoas. Implica não se interessar pelas coisas da comunidade, não se envolver com as questões sociais de seu povo. Portanto, ficará excluído da sociedade, não será bem-visto no grupo. . .”.
  • Primo dos Santos Soares, A. M. P. S. (2022). A autoria coletiva e a autoetnografia: experiências em antropologia com as parentas Karipuna do Amapá. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 17(2), e20210026. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2021-0026

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Editado por

Responsabilidade editorial: Márcio Couto Henrique

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2021
  • Aceito
    29 Out 2021
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