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Tumor edematoso de Pott: rara complicação da sinusite Como citar este artigo: Costa L, Leal LM, Vales F, Santos M. Pott's puffy tumor: rare complication of sinusitis. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:812–4.

Introdução

O tumor edematoso de Pott (TEP) foi descrito pela primeira vez em 1760 por Sir Percival Pott.11 Is M, Karatas A, Aytekin H, Dosoglu M, Gezen F. An 11-year-old girl with Pott's puffy tumour. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2007;2:215-7.33 Vanderveken OM, De Smet K, Dogan-Duyar S, Desimpelaere J, Duval EL, De Praeter M. Pott's puffy tumour in a 5 year old boy: the role of ultrasound and contrast-enhanced CT imaging; surgical case report. B-ENT. 2012;8:127-9. Trata-se de um abcesso subperiosteal do osso frontal com osteomielite, configura uma complicação extracraniana de sinusite frontal aguda.22 Gildener-Leapman N, Lin A. Pott's puffy tumor in a 5-year-old male and a review of the literature. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2012;7:48-51.,44 Deutsch E, Hevron I, Eilon A. Pott's puffy tumor treated by endoscopic frontal sinusotomy. Rhinology. 2000;38:177-80. É mais comum em adolescentes, devido ao aumento da vascularização na circulação diploica do seio frontal nessa faixa etária, o que permite a propagação mais rápida da infecção.11 Is M, Karatas A, Aytekin H, Dosoglu M, Gezen F. An 11-year-old girl with Pott's puffy tumour. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2007;2:215-7.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 13 anos, com história de infecções de vias aéreas superiores recorrentes, foi internado com febre, dor de cabeça e fotofobia com 11 dias de evolução, com diagnóstico presuntivo de meningite aguda (punção lombar revelou 93% de leucócitos polimorfonucleares no LCR). Antibioticoterapia intravenosa empírica foi iniciada com ceftriaxona e vancomicina. No sétimo dia, apresentou evolução desfavorável com reaparecimento da febre, dor de cabeça forte, edema periorbitário direito e tumefação frontal direita. Foi então transferido para nossa instituição, um hospital terciário. Na admissão, sua única queixa era de dor no olho direito. Ao exame físico, estava apirético, mas com edema perceptível, rubor e celulite ao redor do olho direito. A tumefação frontal direita com flutuação era palpável (fig. 1). Não apresentava rinorreia na rinoscopia anterior ou posterior. Os sinais meníngeos foram negativos, assim como outros sinais neurológicos focais. Os resultados laboratoriais mostravam Hb = 11,7 g/dL, sem leucocitose, mas com aumento da proteína C-reativa (79,9 mg/L). A tomografia computadorizada (TC) de seios paranasais, crânio e órbitas indicava pan-sinusite complicada com abcesso frontal subcutâneo, empiema inter-hemisférico e abcesso orbitário direito (fig. 2).

Figura 1
(a–c) Achados da avaliação física na admissão em nosso hospital: edema frontal direito, com vermelhidão e flutuação; e celulite periorbitária direita.
Figura 2
Tomografia computadorizada do crânio, órbitas e seios paranasais. (a) empiema subdural e inter-hemisférico; (b) abcesso frontal subcutâneo; (c) sinusite frontal; (d–e) abcesso orbitário direito e sinusite etmoidal; (f) sinusite maxilar.

O paciente foi submetido a uma cirurgia multidisciplinar de urgência: otorrinolaringologistas drenaram o abcesso subcutâneo frontal com uma abordagem supraciliar direita e trepanação do seio frontal; neurocirurgiões fizeram uma craniotomia frontal com drenagem do empiema inter-hemisférico e frontal; e oftalmologistas drenaram o abcesso orbitário por meio de orbitotomia direita. Antibioticoterapia intravenosa empírica foi instituída e incluiu vancomicina, ceftriaxona e metronidazol, além de analgesia, descongestionante nasal e lavagens nasais. Embora o paciente apresentasse boa evolução após os procedimentos cirúrgicos, no 27o dia após a admissão uma cirurgia endoscópica funcional nasossinusal (FESS) foi feita (antrostomia direita, etmoidectomia anterior e sinusotomia frontal), além de turbinoplastia inferior bilateral e adenoidectomia. O período pós-operatório não apresentou intercorrências. O paciente evoluiu favoravelmente. A tomografia computadorizada no pós-operatório (dois meses após FESS) mostrou apenas opacidade do seio maxilar direito, em um paciente assintomático (fig. 3). Não houve resultados microbiológicos das amostras de pus coletado nas cirurgias. O paciente recebeu alta no 43º dia, assintomático, após completar um período de tratamento de sete semanas com ceftriaxona e vancomicina e seis semanas de metronidazol.

Figura 3
Tomografia computadorizada dos seios paranasais (pós-operatório) mostra apenas opacidade do seio maxilar direito.

Discussão

A sinusite aguda frontal pode evoluir com complicações intra ou extracranianas, por meio da disseminação venosa (mais frequente) com tromboflebite das veias diploicas e êmbolos sépticos;22 Gildener-Leapman N, Lin A. Pott's puffy tumor in a 5-year-old male and a review of the literature. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2012;7:48-51.,44 Deutsch E, Hevron I, Eilon A. Pott's puffy tumor treated by endoscopic frontal sinusotomy. Rhinology. 2000;38:177-80. ou por extensão direta,44 Deutsch E, Hevron I, Eilon A. Pott's puffy tumor treated by endoscopic frontal sinusotomy. Rhinology. 2000;38:177-80. o que é possível em três direções: através da parede posterior, o que causa empiema ou abcesso epidural, empiema subdural, abcesso cerebral ou meningite; através da parede anterior, o que causa um TEP; e/ou através da parede inferior, com complicações orbitais.11 Is M, Karatas A, Aytekin H, Dosoglu M, Gezen F. An 11-year-old girl with Pott's puffy tumour. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2007;2:215-7.,55 Huijssoon E, Woerdeman PA, van Diemen-Steenvoorde RA, Hanlo PW, Plötz FB. An 8-year-old boy with a Pott's puffy tumor. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2003;67:1023-6. Tem sido descrito que 85% dos pacientes com TEP têm também envolvimento intracraniano.66 Bannon PD, McCormack RF. Pott's puffy tumor and epidural abscess arising from pansinusitis. J Emerg Med. 2011;41:616-22. A presença de complicações pode ser devida a uma falha no diagnóstico precoce dessa entidade,77 Tsai BY, Lin KL, Lin TY, Chiu CH, Lee WJ, Hsia SH, et al. Pott's puffy tumor in children. Childs Nerv Syst. 2010;26:53-60. o que é raro hoje em dia, já que poucos casos foram descritos na era pós-antibiótica.33 Vanderveken OM, De Smet K, Dogan-Duyar S, Desimpelaere J, Duval EL, De Praeter M. Pott's puffy tumour in a 5 year old boy: the role of ultrasound and contrast-enhanced CT imaging; surgical case report. B-ENT. 2012;8:127-9. Os sintomas e sinais normalmente presentes são cefaleia, rinorreia purulenta, febre e tumefação frontal com flutuação e, às vezes, celulite periorbitária.11 Is M, Karatas A, Aytekin H, Dosoglu M, Gezen F. An 11-year-old girl with Pott's puffy tumour. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2007;2:215-7.,88 Haider HR, Mayatepek E, Schaper J, Vogel M. Pott's puffy tumor: a forgotten differential diagnosis of frontal swelling of the forehead. J Pediatr Surg. 2012;47:1919-21. O exame gold-standard é a TC de alta resolução, que confirma a presença de osteomielite na parede externa do seio frontal, indica TEP e revela a presença de complicações intracranianas ou intraorbitárias.99 Collet S, Grulois V, Eloy P, Rombaux P, Bertrand B. A Pott's puffy tumour as a late complication of a frontal sinus reconstruction: case report and literature review. Rhinology. 2009;47:470-5.,1010 Kaabia N, Abdelkafi M, Bellara I, Khalifa M, Bahri F, Letaief A. Pott's puffy tumor – a case report. Med Mal Infect. 2007;37:350-3. Os agentes bacterianos mais frequentemente envolvidos são Staphylococcus aureus, Estreptococos sp e anaeróbios.11 Is M, Karatas A, Aytekin H, Dosoglu M, Gezen F. An 11-year-old girl with Pott's puffy tumour. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2007;2:215-7.,22 Gildener-Leapman N, Lin A. Pott's puffy tumor in a 5-year-old male and a review of the literature. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2012;7:48-51.,1010 Kaabia N, Abdelkafi M, Bellara I, Khalifa M, Bahri F, Letaief A. Pott's puffy tumor – a case report. Med Mal Infect. 2007;37:350-3. Muitas vezes, a infecção é polimicrobiana. As culturas podem ser negativas quando o tratamento anterior com antibióticos foi instituído.33 Vanderveken OM, De Smet K, Dogan-Duyar S, Desimpelaere J, Duval EL, De Praeter M. Pott's puffy tumour in a 5 year old boy: the role of ultrasound and contrast-enhanced CT imaging; surgical case report. B-ENT. 2012;8:127-9. O tratamento é médico e cirúrgico.11 Is M, Karatas A, Aytekin H, Dosoglu M, Gezen F. An 11-year-old girl with Pott's puffy tumour. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2007;2:215-7.55 Huijssoon E, Woerdeman PA, van Diemen-Steenvoorde RA, Hanlo PW, Plötz FB. An 8-year-old boy with a Pott's puffy tumor. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2003;67:1023-6. Tratamento com antibióticos intravenosos de amplo espectro com boa penetração no SNC e cobertura para anaeróbios deve ser instituído por pelo menos seis a oito semanas (os mais comumente usados são clindamicina, ceftriaxona, metronidazol, vancomicina) e a drenagem cirúrgica das áreas afetadas deve ser feita,11 Is M, Karatas A, Aytekin H, Dosoglu M, Gezen F. An 11-year-old girl with Pott's puffy tumour. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2007;2:215-7.,55 Huijssoon E, Woerdeman PA, van Diemen-Steenvoorde RA, Hanlo PW, Plötz FB. An 8-year-old boy with a Pott's puffy tumor. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2003;67:1023-6. muitas vezes necessitando de abordagem multidisciplinar, incluindo profissionais das áreas de otorrinolaringologia, neurocirurgia e oftalmologia.

Conclusão

O tumor edematoso de Pott é uma entidade rara, causada por um abcesso subperiosteal e muitas vezes associada a uma complicação de sinusite frontal. Sinusite frontal não diagnosticada ou parcialmente tratada pode levar ao aparecimento do tumor. O caso que apresentamos é ainda mais incomum, pois houve complicação, com envolvimento orbitário e intracraniano do tumor. Intervenções médicas e cirúrgicas rápidas são necessárias para impedir que essas complicações aumentem a morbidade e a mortalidade.

  • Como citar este artigo: Costa L, Leal LM, Vales F, Santos M. Pott's puffy tumor: rare complication of sinusitis. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:812–4.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2016
  • Aceito
    7 Ago 2016
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