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Termo de consentimento versus relação médico-paciente Como citar este artigo: Santos OM. Consent form versus doctor - patient relationship. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:189-90.

Em um passado não muito distante, a pessoa mais importante na relação médico-paciente era o médico. Este detinha total controle das ações e o paciente era completamente dependente e submisso: o médico "sabia o que era o melhor" para o doente. Essa situação mudou radicalmente. O princípio da autonomia impôs ao médico respeitar as decisões do paciente sobre o seu corpo e seu tratamento, e as leis desses novos tempos põem essa visão bioética no rol das leis básicas do respeito aos direitos da pessoa humana. A assimetria da relação, embora ainda desigual, adquiriu maior equilíbrio. Nós, médicos, ainda estamos aprendendo a conviver com tais mudanças de paradigmas, e a saída para evitar e minimizar os conflitos parece indicar a busca de meios para melhorar a relação médico- paciente.

A realidade dos nossos dias é que essa relação se esgarçou e precisa ser refeita levando-se em conta os fatos acima e, também, que o saber médico-científico não é mais exclusividade do médico. A informação está disseminada e com fontes de fácil acesso, propiciando ao paciente saber até de coisas que o seu médico ainda não sabe. Minimizar ou desprezar essa realidade, mesmo reconhecendo que muitas das fontes consultadas carecem de credibilidade ou pureza científica, não resolve. O fato é que, no mínimo, o paciente traz perguntas e questionamentos que antes eram impensáveis. É preciso lidar com essa nova situação de modo maduro e sensato. Esse é o desafio desta nova era.

O poder do médico reduziu-se para respeitar a autonomia do doente, de modo que as decisões sejam tomadas a dois. Desse modo, a visão paternalista-autoritária do passado teve de ser substituída pelo consentimento esclarecido e informado da pessoa a ser cuidada. Este não pode ser transformado em um mero documento com termos técnicos para que o médico se proteja juridicamente (o que não protege de fato), mas precisa ensejar a discussão dialética na busca da clareza e da solidariedade do paciente em todas as fases do seu tratamento.

Os maus resultados que antes eram tidos como algo natural ("Lamento, não deu certo...") não são mais aceitos passivamente e têm entulhado os Conselhos de Medicina e as varas da Justiça cível e penal. O diálogo e a construção de uma comunicação nítida entre o médico e o seu paciente poderiam evitar em muito a ida aos tribunais e aos conselhos. Registros do CREMEB (Conselho Regional de Medicina da Bahia) indicam que quintuplicaram as denúncias contra médicos, se comparados os períodos 1996/2000 e 2001/2005. Números mais recentes não são animadores.

Os maiores problemas a serem superados para uma adequada relação médico-paciente são a comunicação imperfeita ou bloqueada e uma formação médica que precisa ser repensada. Aprende-se durante o curso médico a olhar o doente e nele reconhecer os sinais que as doenças emitem, mas não se aprende a ouvi-lo. Usamos os nossos sentidos para pesquisar os sinais e sintomas das doenças até chegarmos a uma conclusão diagnóstica, porém, infelizmente, não desenvolvemos uma boa conversação com as pessoas sob nossos cuidados. Nos salva nesta fase do aprendizado a insegurança do conhecimento que nos impõe ficar mais tempo com os pacientes. Se um pouco da nossa demora do acadêmico pudesse persistir junto com uma curiosidade crescente pelo que aflige o paciente, talvez tivéssemos maior sucesso e menos processos.

Ao que parece, no entanto, após ter aprendido o método propedêutico, o médico passa a minimizar o que os pacientes verbalizam ou manifestam de diversas formas. Se esquecem de ouvi-los, vê-los e, pasmem, tocá-los! Assim, perdem a oportunidade crucial de ter acesso ao mais íntimo de cada um deles por não poderem despender algum tempo para conhecê-los e saber mais de suas "circunstâncias". Às vezes, pouco se fala e muito menos se ouve. Quanto de esforços terapêuticos é desperdiçado por não se compreender a realidade de vida dos pacientes?

Devemos oferecer tratamento compassivo e amistoso, tratar o indivíduo pelo seu nome, reconhecê-lo e não a doença que porta, considerá-lo naquilo que faz profissionalmente e, acima de tudo, dar-lhe a oportunidade de manifestar-se sobre a repercussão da doença em sua vida. Um antigo aforisma diz que "a maior dor é aquela que a gente sente". Daí não ser correto dizer que a rinite, por exemplo, é uma doença insignificante para alguém que, trabalhando com o público, tem de ficar coçando e limpando o nariz a todo o momento.

"O que o senhor faz?" Esta é uma pergunta básica para entender o peso que a moléstia tem sobre a vida de quem está sob nossos cuidados. O conhecimento da atividade profissional e de vida do paciente não deve ser um mero dado para a epidemiologia da doença. Deve servir para a avaliação de todas as consequências do mal que o aflige e aos que o cercam.

O termo de Consentimento "Livre e Esclarecido" não resolve os problemas de uma relação médico-paciente ruim, e por isso o médico precisa aprender a se comunicar melhor para estabelecer uma adequada relação. Agindo assim, construirá pontes e fortalecerá a confiança entre o assistente e o assistido; abrirá as portas do coração e da alma do doente permitindo maior alcance da terapêutica, minimizando a repercussão de eventuais resultados indesejados e, quando não mais houver possibilidades de sucesso no tratamento, permitirá que o médico atue na quinta-essência da condição médica: ser ele próprio, se não mais de cura, um agente de conforto e segurança para o seu paciente.

Quando o profissional consegue esta condição torna-se pouco significante um documento assinado e juramentado. O médico terá conseguido cuidar da pessoa sob sua assistência, tendo dela, e de todos, o reconhecimento.

  • Como citar este artigo: Santos OM. Consent form versus doctor - patient relationship. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:189-90.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-June 2014
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