Acessibilidade / Reportar erro

Rinectomia total para carcinomas nasais Como citar este artigo: Girardi FM, Hauth LA, Abentroth AL. Total rhinectomy for nasal carcinomas. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:763–6.

Resumo

Introdução:

A rinectomia total é um procedimento incomum para o tratamento de neoplasias nasais, geralmente reservado para tumores localmente avançados. Há poucas séries de casos que estudam a rinectomia total na literatura, as quais descrevem resultados conflitantes sobre recorrência e metástase.

Objetivo:

Avaliar o prognóstico de pacientes submetidos a rinectomia total por neoplasia maligna em nossa instituição.

Método:

Revisão retrospectiva de janeiro de 2013 a setembro de 2018, incluiu todos os pacientes submetidos a rinectomia total em nossa instituição, sob os cuidados da equipe de cirurgia de cabeça e pescoço.

Resultados:

Dez pacientes foram incluídos, dois homens e oito mulheres. A média de idade dos pacientes foi de 71,6 anos. A maioria apresentava carcinoma da pele nasal (oito casos). O carcinoma espinocelular estava presente em sete casos. Seis casos tiveram metástase regional em um período mediano de 14,3 meses. A mortalidade geral e a mortalidade específica da doença foram de 50% e 30%, respectivamente; o acompanhamento médio foi de 45,7 meses.

Conclusão:

Observamos alta mortalidade geral e específica da doença entre os casos com neoplasias nasais avançadas submetidas à rinectomia total.

PALAVRAS-CHAVE
Carcinoma espinocelular; Metástase linfática; Neoplasias nasais; Neoplasias cutâneas; Sobrevida

Abstract

Introduction:

Total rhinectomy is an uncommon procedure for the treatment of nasal malignancies, usually reserved for locally advanced tumors. There are few case series studying total rhinectomy in the literature, reporting conflicting results about recurrence and metastasis.

Objective:

Evaluate prognosis of total rhinectomy cases for malignant neoplasia in our institution.

Methods:

Retrospective review from January 2013 to September 2018, including all patients undergoing total rhinectomy in our Institution, under the care of the Head and Neck surgical team.

Results:

Ten patients were included, two men and eight women. The mean patient age was 71.6 years old. The majority had nasal skin (8 cases) carcinomas. Squamous cell carcinoma was present in seven cases. In total, six cases had regional metastasis, in a median period of 14.3 months. The overall mortality and disease specific mortality was 50% and 30%, respectively, in a median follow-up of 45.7 months.

Conclusion:

We observed high overall and disease-specific mortality among cases with advanced nasal malignancies undergoing total rhinectomy.

KEYWORDS
Carcinoma, squamous cell; Lymphatic metastasis; Nose neoplasms; Skin neoplasms; Survival

Introdução

O câncer de pele é a neoplasia maligna mais comum da cabeça e pescoço na maior parte do mundo. O nariz é um subsítio típico do câncer de pele em cabeça e pescoço, chegando a quase 50% dos casos em algumas séries11 Kiliç C, Tuncel U, Comert E, Polat I. Nonmelanoma facial skin carcinomas: methods of treatment. J Craniofac Surg. 2014;25:e113-6. (15% em nossa série – dados não publicados). A maioria é diagnosticada em estágios iniciais, exige excisões limitadas, muitas vezes feitas por diferentes especialistas. A rinectomia total (RT) é um procedimento de exceção, reservado para tumores localmente avançados. Existem poucas séries de casos que estudam RT na literatura,22 Chipp E, Prinsloo D, Rayatt S. Rhinectomy for the management of nasal malignancies. J Laryngol Otol. 2011;125:1033-7.55 Subramaniam T, Lennon P, O’Neill JP, Kinsella J, Timon C. Total rhinectomy, a clinical review of nine cases. Ir J Med Sci. 2016;185:757-60. a maioria agrupa diferentes histologias e agrupa tumores de mucosa e pele.

De 75% a 80% dos tumores malignos da pele do nariz correspondem a carcinoma basocelular (CBC), semelhante a outras topografias de cabeça e pescoço.11 Kiliç C, Tuncel U, Comert E, Polat I. Nonmelanoma facial skin carcinomas: methods of treatment. J Craniofac Surg. 2014;25:e113-6. O carcinoma espinocelular (CEC) compreende os outros 20% a 25%. Embora a topografia central da face seja considerada como característica de alto risco pela National Comprehensive Cancer Network (NCCN), para o CEC cutâneo de cabeça e pescoço66 Skulsky SL, O'Sullivan B, McArdle O, Leader M, Roche M, Conlon PJ, et al. Review of highrisk features of cutaneous squamous cell carcinoma and discrepancies between the American Joint Committee on Cancer and NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Head Neck. 2017;39:578-94. as metástases regionais geralmente estão associadas a lesões de grande porte, com invasão profunda e tumores de alto grau, frequentemente com invasão perineural e linfovascular.77 Ow TJ, Wang HR, McLellan B, Ciocon D, Amin B, Goldenberg D, et al. Education Committee of the American Head and Neck Society (AHNS). AHNS series: do you know your guidelines? Diagnosis and management of cutaneous squamous cell carcinoma. Head Neck. 2016;38:1589-95.

Nosso departamento de cirurgia de cabeça e pescoço é um centro de referência também para casos de câncer de pele. Grande parte dos nossos pacientes é descendente de alemães e uma porção significativa dos casos é relacionada ao trabalho agrícola. O objetivo deste estudo foi avaliar o diagnóstico, tratamento e desfechos em uma série de casos de RT no tratamento de carcinomas nasais.

Método

Uma comissão de ética institucional local e um comitê regional de ética em pesquisa aprovaram o protocolo do estudo (CAAE: 93792318.4.0000.5304). Fizemos uma revisão retrospectiva de janeiro de 2013 a setembro de 2018, incluindo todos os pacientes submetidos a RT em nossa instituição, sob os cuidados da equipe cirúrgica de cabeça e pescoço. Os casos foram identificados a partir dos registros do centro cirúrgico e agendas dos consultórios. As observações descritas nos prontuários foram revisadas para coletar informações relacionadas a características clínicas, relatórios histopatológicos, tratamento cirúrgico e desfechos. Os tumores foram classificados de acordo com o sistema de classificação TNM da 8ª edição do American Joint Committee on Cancer.

Resultados

Durante o período analisado, 10 pacientes, dois homens e oito mulheres, foram submetidos à RT em nosso centro terciário de tratamento do câncer, devido a neoplasia maligna do nariz (fig. 1). Apenas um paciente era imunossuprimido. A média da idade dos pacientes foi de 71,6 anos (variação de 56,4 ± 87,2). As informações histopatológicas estão resumidas na tabela 1. Em sete casos houve tentativas de tratamento antes da RT, cinco deles submetidos a ressecções cirúrgicas, com margens cirúrgicas comprometidas, e os dois casos restantes, com aplicações repetidas de nitrogênio líquido. A localização mais frequente do tumor foi a pele nasal (oito casos). O vestíbulo nasal foi o epicentro do tumor nos dois casos restantes. O dorso nasal foi o subsítio mais comum da pele (cinco casos). A análise histológica dos espécimes revelou diagnóstico de CBC em três pacientes e CEC em sete pacientes e em todos os casos às lesões eram ulceradas. O diâmetro médio do tumor foi de 3,6 cm (variação de 1,5 a 6 cm). Todos os casos foram classificados como Clark V e em três deles havia invasão óssea. Em um caso, a histologia final mostrou margens cirúrgicas comprometidas. Em seis casos havia invasão vascular ou perineural. Dois casos com CEC tinham linfonodos cervicais clinicamente suspeitos na primeira consulta em nosso departamento e os outros quatro casos de CEC apresentaram recorrência no pescoço ou parótidas em um período mediano de 14,3 meses (variação de 2,3 a 28,9 meses). Três casos apresentaram disseminação extracapsular. Com exceção do único caso de CEC sem metástase regional após 18,5 meses de seguimento, todos os demais pacientes com CEC receberam radioterapia adjuvante, dois deles associados à quimioterapia. Em três pacientes, o tratamento adjuvante foi definitivamente interrompido devido a efeitos colaterais críticos. Como em nosso departamento não temos acesso à reabilitação protética maxilofacial, a maioria (nove casos) foi reconstruída com retalhos cirúrgicos. A mortalidade geral foi de 50%, em uma mediana de seguimento de 45,7 meses (variação de 18,5 a 66,1 meses). Todas as mortes ocorreram entre os casos de CEC com metástase regional, embora em apenas três casos as mortes estivessem diretamente associadas à doença.

Tabela 1
Informações clínicas e histopatológicas dos casos de rinectomia total

Figura 1
Imagens clínicas dos oito primeiros casos submetidos à rinectomia total.

Discussão

Descrevemos uma série institucional sobre RT para carcinomas cutâneos ou vestibulares avançados. A maioria dos nossos casos foi CEC da pele e com frequência o procedimento foi uma terapia de “estágio terminal”, feita após várias tentativas cirúrgicas anteriores de ablação do tumor. Embora existam resultados encorajadores na literatura para radioterapia definitiva primária em neoplasias nasais, efeitos colaterais graves também foram relatados88 Ang KK, Jiang GL, Frankenthaler RA, Kaanders JH, Garden AS, Delclos L, et al. Carcinomas of the nasal cavity. Radiother Oncol. 1992;24:163-8. e o controle de longo prazo é geralmente alcançado com abordagens cirúrgicas padrão.99 Becker C, Kayser G, Pfeiffer J. Squamous cell cancer of the nasal cavity: new insights and implications for diagnosis and treatment. Head Neck. 2016;38 Suppl 1:E2112-17.

Poucas séries de casos foram publicadas sobre esse tema. Nossos resultados mostram que em pacientes com carcinomas nasais avançados, especialmente CEC, a doença costuma ter comportamento agressivo, com alta incidência de metástase regional, semelhante a outros relatos de CEC cutâneo avançado de outros subsítios de cabeça e pescoço1010 Harris BN, Bayoumi A, Rao S, Moore MG, Farwell DG, Bewley AF. Factors associated with recurrence and regional adenopathy for head and neck cutaneous squamous cell carcinoma. Otolaryngol Head Neck Surg. 2017;156:863-9.,1111 Porceddu SV. Prognostic factors and the role of adjuvant radiation therapy in non-melanoma skin cancer of the head and neck. Am Soc Clin Oncol Educ Book. 2015;:e513-8. ou em localização médio-facial.1212 Netterville JL, Sinard RJ, Bryant GL, Burkey BB. Delayed regional metastasis from midfacial squamous carcinomas. Head Neck. 1998;20:328-33. Apesar da alta prevalência de doença regional, a maioria dos autores recomenda medidas conservadoras em relação à região cervical, mesmo em casos avançados.1212 Netterville JL, Sinard RJ, Bryant GL, Burkey BB. Delayed regional metastasis from midfacial squamous carcinomas. Head Neck. 1998;20:328-33. A mortalidade relacionada à doença parece estar associada a metástase regional e/ou recorrência. A mortalidade geral pode ser alta, especialmente em séries como a nossa, com alta média de idade.

Em 1988, Stanley descreveu a maior série de rinectomias totais; 51 casos, a maioria pacientes de meia-idade, 25 deles com CEC, compreendendo ás lesões maiores. Como encontrado em outras séries, mais da metade dos pacientes havia sido submetida a tentativas cirúrgicas anteriores para curar a doença, sem sucesso, muitos deles com histórico de múltiplas excisões prévias. Os autores descreveram uma sobrevida global de 50% e uma mortalidade relacionada à doença de 21% em um seguimento médio de 68 meses, resultados semelhantes aos nossos. Recorrência foi observada em metade dos pacientes e aparentemente estava relacionada a pior sobrevida, pois cerca de 50% dos casos recorrentes morreram devido à doença.44 Stanley RJ, Olsen KD. Rhinectomy for malignant disease. A 20 year experience. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1988;114:1307-11.

Resultados conflitantes foram publicados por Harrison em 1982. Em sua experiência pessoal em RT ao longo de 15 anos, em que a maioria dos pacientes apresentava CEC septal, não havia nenhum com metástase nodal. Recorrência local e doença não controlada foram os principais problemas no seguimento.33 Harrison DFN. Total rhinectomy - a worthwhile operation?. J Laryngol Otol. 1982;96:1113-23. Para Becker et al., que analisaram a experiência com CEC de cavidade nasal de uma única instituição, as metástases regionais também foram raras na apresentação clínica, com apenas um caso. Nesta casuística, 14 pacientes foram tratados com RT.99 Becker C, Kayser G, Pfeiffer J. Squamous cell cancer of the nasal cavity: new insights and implications for diagnosis and treatment. Head Neck. 2016;38 Suppl 1:E2112-17. Subramaniam et al. também relataram uma série de nove casos sem qualquer morte relacionada à doença em um seguimento médio de cinco anos (embora três casos tivessem menos de um ano de seguimento).55 Subramaniam T, Lennon P, O’Neill JP, Kinsella J, Timon C. Total rhinectomy, a clinical review of nine cases. Ir J Med Sci. 2016;185:757-60.

Infelizmente, a reabilitação protética facial não está rotineiramente disponível para pacientes assistidos pelo sistema público de saúde em nosso país. Portanto, a maioria dos nossos casos foi submetida à reconstrução cirúrgica. Como observado por Stanley et al.,44 Stanley RJ, Olsen KD. Rhinectomy for malignant disease. A 20 year experience. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1988;114:1307-11. a RT não é um procedimento tecnicamente difícil. No entanto, a reabilitação do paciente é um problema real. Mesmo nas melhores mãos, com novas técnicas e múltiplas intervenções, muitas vezes a reconstrução nasal completa ainda é somente capaz de fazer com que uma situação horrível pareça no mínimo estranha.44 Stanley RJ, Olsen KD. Rhinectomy for malignant disease. A 20 year experience. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1988;114:1307-11.

Conclusão

Observamos altas taxas de doença locorregional não controlada e alta mortalidade geral e específica entre pacientes com lesões malignas cutâneas nasais e vestibulares avançadas, especialmente CEC.

  • Como citar este artigo: Girardi FM, Hauth LA, Abentroth AL. Total rhinectomy for nasal carcinomas. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:763–6.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

References

  • 1
    Kiliç C, Tuncel U, Comert E, Polat I. Nonmelanoma facial skin carcinomas: methods of treatment. J Craniofac Surg. 2014;25:e113-6.
  • 2
    Chipp E, Prinsloo D, Rayatt S. Rhinectomy for the management of nasal malignancies. J Laryngol Otol. 2011;125:1033-7.
  • 3
    Harrison DFN. Total rhinectomy - a worthwhile operation?. J Laryngol Otol. 1982;96:1113-23.
  • 4
    Stanley RJ, Olsen KD. Rhinectomy for malignant disease. A 20 year experience. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1988;114:1307-11.
  • 5
    Subramaniam T, Lennon P, O’Neill JP, Kinsella J, Timon C. Total rhinectomy, a clinical review of nine cases. Ir J Med Sci. 2016;185:757-60.
  • 6
    Skulsky SL, O'Sullivan B, McArdle O, Leader M, Roche M, Conlon PJ, et al. Review of highrisk features of cutaneous squamous cell carcinoma and discrepancies between the American Joint Committee on Cancer and NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Head Neck. 2017;39:578-94.
  • 7
    Ow TJ, Wang HR, McLellan B, Ciocon D, Amin B, Goldenberg D, et al. Education Committee of the American Head and Neck Society (AHNS). AHNS series: do you know your guidelines? Diagnosis and management of cutaneous squamous cell carcinoma. Head Neck. 2016;38:1589-95.
  • 8
    Ang KK, Jiang GL, Frankenthaler RA, Kaanders JH, Garden AS, Delclos L, et al. Carcinomas of the nasal cavity. Radiother Oncol. 1992;24:163-8.
  • 9
    Becker C, Kayser G, Pfeiffer J. Squamous cell cancer of the nasal cavity: new insights and implications for diagnosis and treatment. Head Neck. 2016;38 Suppl 1:E2112-17.
  • 10
    Harris BN, Bayoumi A, Rao S, Moore MG, Farwell DG, Bewley AF. Factors associated with recurrence and regional adenopathy for head and neck cutaneous squamous cell carcinoma. Otolaryngol Head Neck Surg. 2017;156:863-9.
  • 11
    Porceddu SV. Prognostic factors and the role of adjuvant radiation therapy in non-melanoma skin cancer of the head and neck. Am Soc Clin Oncol Educ Book. 2015;:e513-8.
  • 12
    Netterville JL, Sinard RJ, Bryant GL, Burkey BB. Delayed regional metastasis from midfacial squamous carcinomas. Head Neck. 1998;20:328-33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2019
  • Aceito
    2 Jun 2019
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br