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Vulnerabilidade de pequenos mamíferos de áreas abertas a vertebrados predadores na estação ecológica de Itirapina, SP

DISSERTAÇÕES E TESES

Vulnerabilidade de pequenos mamíferos de áreas abertas a vertebrados predadores na Estação Ecológica de Itirapina, SP

Adriana de Arruda Bueno

Dissertação (Mestrado) – Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Departamento de Ecologia

RESUMO

Estudos sobre seleção de presas podem apresentar resultados bastante diferentes dependendo do predador analisado. Predadores com diferentes técnicas de caça, como as aves de rapina e os mamíferos carnívoros, podem selecionar diferentes tipos de presas. Certos parâmetros morfológicos e comportamentais das presas poderiam explicar as escolhas dos predadores. A pressão de predação poderia estar selecionando adaptações morfológicas/funcionais, no caso dos roedores, como bula timpânica inflada, locomoção do tipo bípede, uso de micro-hábitats que oferecem abrigos e padrão de atividade em noites com pouca ou nenhuma luminosidade lunar. Estudos sistemáticos sobre esse tema e sobre as relações das presas com seus predadores ainda são escassos no Brasil. Por esse motivo, os objetivos deste trabalho foram a análise da seletividade na dieta de três predadores quanto ao consumo de pequenos mamíferos na Estação Ecológica de Itirapina, SP, e também o estudo da vulnerabilidade dos pequenos mamíferos quanto à acuidade auditiva, tipo de locomoção e atividade e utilização de diferentes hábitats em noites com alta luminosidade.

Para a suindara (Tyto alba), a seletividade de presas foi avaliada nos níveis de: espécie, tamanho, idade e sexo. A coruja-buraqueira (Athene cunicularia) foi estudada quanto ao consumo diferenciado nos níveis de espécie, tamanho e idade das presas. Para o lobo guará (Chrysocyon brachyurus), apenas a seleção de espécies foi possível. Foram utilizados restos de ossos (mandíbulas e cinturas pélvicas) das presas encontradas nas pelotas e fezes desses predadores para identificação da espécie e do sexo dos indivíduos, e para a quantificação do número de indivíduos consumidos. A análise de seleção de espécie foi feita por meio de comparações entre a proporção das mesmas encontradas nas dietas e no ambiente. Para isto, foram utilizados o teste G e o intervalo de confiança de Bonferroni. O consumo preferencial por um determinado sexo foi avaliado pelo teste G ou pelo teste exato de Fisher. O tamanho dos pequenos mamíferos na dieta foi calculado por meio de equações de regressão desenvolvidas para cada espécie dessas presas. O Teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparações entre o tamanho das presas nas dietas e no ambiente. As idades dos roedores encontrados nas dietas e nos ambientes foram comparadas utilizando-se o teste G. As medidas dos volumes das bulas timpânicas foram feitas por meio da injeção de líquido com micro-seringa nessas estruturas. Foi calculado o índice de bipedalismo (razão entre o comprimento da pata traseira e dianteira) para averiguar qual roedor possuía a maior capacidade de salto para fuga. A abundância/atividade dos pequenos mamíferos em campo foi avaliada por meio de armadilhas de interceptação e queda em noites com ou sem lua e em três fisionomias diferentes de cerrado.

A suindara foi mais seletiva do que a buraqueira no consumo de espécies de pequenos mamíferos, embora ambas incluam as mesmas espécies nas suas dietas. Calomys tener e Oligoryzomys nigripes foram os roedores mais predados pelas corujas. A seleção de indivíduos menores e de juvenis de C. tener pela suindara e de sub-adultos dessa presa pela buraqueira poderia ser entendido pelo modo de forrageamento de cada coruja e características biológicas da presa. A seleção por indivíduos menores de C. tener pelas duas corujas indica predação de indivíduos mais vulneráveis. Assim a predação diferencial por roedores pequenos pode não ser devido a predação seletiva por parte das corujas, mas sim devido à alta vulnerabilidade dos mesmos, devido a sua inexperiência e por serem desprovidos de territórios.

Oligoryzomys nigripes nunca foi selecionado positivamente por nenhum dos três predadores analisados e a suindara consumiu mais juvenis dessa espécie na estação seca. Esse conjunto de informações pode sugerir que O. nigripes seja menos vulnerável a essas corujas e ao lobo-guará, quando comparada às demais espécies de roedores analisados. Uma possível explicação para sua menor predação seria sua capacidade de salto diferenciada em relação às demais espécies sintópicas. Por possuir baixa acuidade auditiva e ser indiferente quanto à luminosidade lunar, sugere-se que sua estratégia esteja não na detecção antecipada do predador ou na diminuição do risco de predação, mas na capacidade de fuga quando em situação de perigo. Nos cerrados de Itirapina, Calomys tener parece ser uma espécie altamente vulnerável. Embora apresente um comportamento antipredador, diminuindo sua atividade em períodos de maior risco de predação, ele é o mais predado por pelo menos suindara e buraqueira. Essa presa não apresenta meio de locomoção tão ágil, nem capacidade auditiva muito apurada. Bolomys lasiurus foi selecionado por todos os três predadores estudados. Antes de apontá-lo como o roedor mais vulnerável da EEI, cabe salientar que sua abundância foi excepcionalmente baixa nesta localidade. Esse poderia ser um viés de amostragem levando a conclusões precipitadas. Estudos comparativos com emprego de outros tipos de armadilha deveriam ser feitos para avaliar sua abundância e eliminar possíveis causas de erros.

Por outro lado, por ser um animal de maior porte, era esperado por parte do lobo-guará o consumo de presas maiores, como Clyomys bishopi. As análises das características das presas mostram que essa espécie possui a maior bula timpânica e também a locomoção menos eficiente, de acordo com o índice de bipedalismo. Apesar de sua melhor capacidade auditiva, a qual poderia estar relacionada à comunicação entre indivíduos da sua espécie, é o pequeno mamífero selecionado pelo lobo-guará. O baixo consumo desse Echymyidae pelas corujas deve estar associado ao seu grande tamanho corporal e conseqüente dificuldade de subjugação e manuseio por parte de predadores desse porte.

Pode-se perceber por meio deste estudo que, dependendo da localidade e das diferentes composições/abundancia de presas, os predadores parecem adotar diferentes estratégias. Dentro de uma mesma localidade esse recurso é utilizado de forma diferenciada pelos três predadores, pelo menos em termos de proporções, tamanho e idade. Estudos mais amplos e detalhados com utilização de metodologia padronizada, englobando todos os componentes de uma guilda trófica, além de se levar em conta as muitas variáveis ambientais, torne possível entender melhor o papel de cada espécie na comunidade. Cabe ressaltar que as estratégias tidas como eficientes para detecção e fuga de predadores foram aquelas utilizadas por roedores em ambientes desérticos. Talvez essas mesmas características morfológicas e comportamentais não seriam aquelas que confeririam menor vulnerabilidade em ambientes savânicos. A ausência de conhecimento sobre a capacidade sensorial tanto de predadores e presas dificulta em muito interpretações e comprovações de hipóteses. Todas essas questões deveriam ser levadas em conta em estudos futuros sobre seleção e vulnerabilidade de presas a fim de elucidar relações entre presas e predadores.

Palavras-chave: pequenos mamíferos; predação; vulnerabilidade; cerrado

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2006
  • Data do Fascículo
    2005
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