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Currículos de Matemática e seus Desejáveis Personagens: da falta à produção

Mathematics Curricula and their Desirable Characters: From the lack to production

Resumo

Este trabalho é um recorte de uma pesquisa de doutorado que traz para as discussões curriculares o conceito de desejo em uma perspectiva filosófica. O caminho é trilhado pelas ideias platônicas de desejo pela falta e, depois, este conceito é confrontado com teorizações de Deleuze e Guattari. Assim, questiona-se a ideia de quais estudantes e professores são desejáveis na construção de textos curriculares de Matemática. A partir de resultados de pesquisas, considera-se que os estudantes e professores desejáveis compõem uma engrenagem social que colabora para um funcionamento neoliberal. Tal ponto de partida permite problematizar o que se tem desejado nos currículos, amarrados a uma fabricação capitalista, e como o desejo pode ser tomado de outros modos ao se considerar movimentos coletivos e, assim, produzir outras possibilidades curriculares. O movimento secundarista, relativo as ocupações das escolas paulistas no Brasil em 2015, é tomado como exemplo na produção de currículos outros.

Filosofia da Diferença; Desejo; Educação Matemática; Coletivo; Movimento Secundarista

Abstract

This work is an excerpt from ongoing doctoral research that brings to the curriculum discussions the concept of desire from a philosophical perspective. The path is trodden by the Platonic ideas of desire for lack and, afterward, this concept is confronted with the theorizations of Deleuze and Guattari. Thus, the idea of ​​which students and teachers are desirable in the construction of curricular mathematics texts is questioned. Based on research results, it is considered that the desirable students and teachers form a social gear that contributes to a neoliberal functioning. Such a starting point allows us to problematize what has been desired in the curricula, tied to a capitalist fabrication, and how desire can be taken in other ways when considering collective movements and, thus, producing other curricular possibilities. The secondary movement, concerning the occupations of São Paulo schools in Brazil in 2015, is taken as an example in the production of another curriculum.

Philosophy of difference; Wish; Mathematical Education; Collectiveness; Secondary movement

1 Estilhaços para um texto

“[...] é lugar, espaço, território.

[...] é relação de poder;

[...] é trajetória, viagem, percurso,

[...] à autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade.

[...] é texto, discurso, documento.

[...] é documento de identidade”.

Tomaz Tadeu da Silva

“... eu proporia denominar desejo a todas as formas de vontade de viver,

de vontade de criar, de vontade de amar, de vontade de inventar uma outra sociedade, outra percepção do mundo, outros sistemas de valores”.

Félix Guattari

A partir década de 1960, momento de grandes movimentos sociais e protestos estudantis, os estudos curriculares passaram a questionar as teorias tradicionais focadas nas técnicas de como fazer currículos, que não consideravam os arranjos sociais, como afirma Silva (2015SILVA, T. T. DA Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p. 30). Assim, por intermédio da defesa da tese de que a escola pode servir como um instrumento poderoso para manutenção das diferenças sociais, pesquisas têm mostrado a estreita relação entre educação e as dimensões socioculturais e sociopolíticas (Silva, 2015SILVA, T. T. DA Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015).

Na Educação Matemática, um marco importante para fortalecer a ideia de que a Matemática escolar não é neutra foi a chamada virada social (Lerman, 2000LERMAN, S. The Social Turn in Mathematics Education Research. In: BOALER, J. (ed.), Multiple Perspectives on Mathematics Teaching and Learning. Local: Ablex Publishing, 2000. p. 19-44.). Em 2013, Rochelle Gutiérrez descreveu o que chamou de virada sociopolítica na Educação Matemática (Gutiérrez, 2013GUTIÉRREZ, R. The Sociopolitical Turn in Mathematics Education. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, v. 44, n. 1, p. 37-68, 2013. Disponível em: http://www.squeaktime.com/uploads/1/0/0/4/10044815/jrme2013-01-37a-2.pdf. Acesso em: 13 mar. 2024.
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). No mesmo ano, foi publicado o terceiro Handbook de Educação Matemática (Clements et al., 2013), o qual teve uma das quatro partes dedicada exclusivamente às pesquisas que contemplavam dimensões sociais, políticas e culturais da Educação Matemática.

Esses novos movimentos impulsionaram a construção de novas pesquisas que trouxeram essas dimensões para o cenário investigativo da Educação Matemática, possibilitando que os processos de ensino e aprendizagem de matemática fossem vistos por outros pontos de vista.

No Grupo de Pesquisa Currículo e Educação Matemática (GPCEM), temos investigado como a lógica neoliberal opera na própria pesquisa em Educação Matemática (Pais; Valero, 2012PAIS, A.; VALERO, P. Researching research: mathematics education in the Political. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 80, n.1-2), p. 9-24, 2012.; Valero; Knijnik, 2015VALERO, P.; KNIJNIK, G. Governing the modern, neoliberal child through ICT research in mathematics education. For the Learning of Mathematics, Montreal, v. 35, n. 2, p. 34-39. 2015.), bem como direciona currículos de Matemática para a produção de estudantes desejáveis (Andrade-Molina; Valero, 2017ANDRADE-MOLINA, M.; VALERO, P. The Effects of School Geometry in the Shaping of a Desired Child. In: STRAEHLER-POHL, H.; BOHLMANN, N.; PAIS, A. (eds.). The Disorder of Mathematics Education. Cham: Springer International Publishing, 2017. p. 251-270.; Coradetti; Silva; Valero, 2019; Oliveira; Silva, 2019a; Silva et al., 2018; Silva; Valero, 2018SILVA, M.; VALERO, P. Brazilian High School Textbooks: mathematics and students' subjectivity. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 42., 2018, Umeå, Suécia. Proceedings… Umeå: PME, 2018. p. 187-194. Vol. 4.) e professores desejáveis (Montecino; Valero, 2017; Oliveira; Silva, 2019b; Valero; Andrade-Molina; Montecino, 2015) alinhados aos valores e desejos produzidos pelo capitalismo (Brown, 2015BROWN, W. Undoing the Demos: neoliberalism's stealth revolution. New York: Zone Books, 2015., 2019BROWN, W. Nas Ruínas do Neoliberalismo: a ascenção da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Politeia, 2019.; Dardot; Laval, 2016DARDOT, P., e LAVAL, C. A. Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016).

Nessa perspectiva, a proposta deste artigo é evidenciar a narrativa dominante do “desejo pela falta” no discurso curricular educativo. Partimos da ideia de que textos curriculares assumem um papel regulatório ao estarem inseridos em lógicas da produtividade, regidas por meio do neoliberalismo1 1 É uma política econômica que é fundamentada, como todo princípio econômico, não só em decisões políticas sobre como o mercado deve funcionar, mas também em características que regulam comportamentos e estabelecem metas para a sociedade, segundo determinados valores morais (Silva, 2019, p. 384). , que, segundo Silva (2019SILVA, M. A.. A Política Cultural dos Livros Didáticos de Matemática: um guia para transformar estudantes em cidadãos neoliberais. Linhas Críticas, Brasília, v. 25, [s.n.], p. 381-398, 2019., p. 384), “[...] estimulam a competitividade e responsabilizam os indivíduos, seguem determinadas regras que valorizam o espírito empreendedor [...]”. Assim, currículos podem ser compreendidos dentro das relações de poder e saber mobilizadas pelos Estados como táticas eficientes de governo. Nossa intenção é evidenciar uma relação dos processos regulatórios curriculares com outros possíveis conceitos de desejo.

Spinoza (2009)SPINOZA, B. Ética. Tradução de Thomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2009., em seus estudos sobre os afetos, propõe uma definição de desejo que abriga os esforços, impulsos e apetites que variam de acordo com os encontros entre corpos2 2 Para Spinoza (2009) tudo é corpo, a cadeira, a caneta ou o corpo humano. Tudo faz parte de uma complexa lei da natureza. . Esforços que se movimentam para reafirmar a própria existência (Amaris-Ruidiaz, 2023AMARIS-RUIDIAZ, P. Una educación como práctica de afectos: ¿Qué puede un (a) profesor (a) de matemáticas?. Praxis & Saber, Tunja, v. 14, n. 36, p. 8-17, 2023.). Ou seja, para Spinoza o desejo e o esforço para perseverar a vida, é essência do homem, mas é essência em movimento, já que o desejo acontece quando se dá o encontro de corpos. Ele ainda propõe que esse desejo pode ser com ou sem consciência e se movimenta de modo instável tendendo à tristeza ou alegria, como afetos primários, desmembrando-se também em outros muitos afetos.

Compreendo, aqui, portanto, pelo nome de desejo todos os esforços, todos os impulsos, apetites e volições do homem, que variam de acordo com o seu variável estado e que, não raramente, são a tal ponto opostos entre si que o homem é arrastado para todos os lados e não sabe para onde se dirigir (Spinoza, 2009SPINOZA, B. Ética. Tradução de Thomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2009., p. 141).

Mesmo com os movimentos instáveis, Spinoza demonstra que é pelo desejo que o homem age. E, por isso, destaca a importância de estudar os afetos.

A partir dessas ideias, Deleuze e Guattari (2004)DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Joana Morales Varela; Manuel Maria. Lisboa: Assirio e Alvim, 2004. propõem outras discussões sobre o desejo, relacionando-o às máquinas sociais, em especial ao capitalismo. Para os autores, máquinas estão por toda parte e se acoplam, desacoplam, criam conexões movidas pelo desejo. É sempre movimento de produção. No entanto, o movimento maquínico se diferencia a depender da qualidade dos acoplamentos e desacoplamentos entre máquinas. Dentre as produções maquínicas, os autores destacam três grandes tipos ao longo da história: primitiva, despótica e capitalista.

Entre outras teses, eles defendem que a máquina capitalista produz o desejo como falta, como carência, caracterizado por uma relação inédita com a produção social compreendida, de certa forma, como um desdobramento da produção desejante. Em outros termos: o capitalismo estabelece uma relação com o desejo completamente distinta das relações sociais que lhes são anteriores. Prendendo-nos ao que é desejável ─ aquilo que o neoliberalismo deseja à escola, ao currículo, pois “[...] não é o desejo que se apoia nas necessidades; ao contrário, são as necessidades que derivam do desejo [...]” (Deleuze; Guattari, 2004DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Joana Morales Varela; Manuel Maria. Lisboa: Assirio e Alvim, 2004., p. 44).

Ao contrário da máquina capitalista, Deleuze e Guattari (2004DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Joana Morales Varela; Manuel Maria. Lisboa: Assirio e Alvim, 2004., p. 44) propõem que o desejo possa ser revolucionário e produza realidades: “[...] sabem que o desejo abraça a vida com uma potência produtora e a reproduz de uma maneira tanto mais intensa quanto menos necessidade ele tem . Assim, nada falta ao desejo, ele é produção.

É por isso que a falta é um contra efeito do desejo, depositada, arrumada, vacuolizada no real natural e social. Um desejo esmagado, estratificado em um constante jogo de captura e tentativas de escapes. Máquinas capitalistas são operadas por dispositivos3 3 Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais e filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos (Foucault, 1979, p. 244). que codificam, subjetivam e organizam corpos a favor da manutenção de um modo de existência. Modo de existência hoje operado em função de um neoliberalismo que está em constante atualização.

A escola e o currículo compõem o dispositivo pedagógico (CARVALHO; GALLO, 2017CARVALHO, A. F. DE; GALLO, S. D. DE O. Defender a escola do dispositivo pedagógico: o lugar do experimentum scholae na busca de outro equipamento coletivo. Educação Temática Digital, Campinas, v. 19, n. 4, p. 622-641, 2017.) que objetivam corpos em funções e direções pré-determinadas. Assim, por exemplo, os textos curriculares ─ “[...] currículos prescritos, orientações curriculares, os currículos nacionais, estaduais, municipais, os projetos pedagógicos, os planejamentos de disciplinas, de aulas, entre outros [...]” (Silva, 2018SILVA, M. A. Currículo e Educação Matemática: a política cultural como potencializadora de pesquisas. Perspectivas da Educação Matemática, Campo Grande, v. 11, n. 26, p. 202-224, 2018., p. 212), podem teorizar e produzir uma narrativa que prescreve como a educação deveria ser. Também podem descrever e propor como poderia ser um comportamento desejável de um cidadão dito qualificado e produtivo para a sociedade por meio de discursos que estimulam processos de ensino e aprendizagem (Silva, 2019SILVA, M. A.. A Política Cultural dos Livros Didáticos de Matemática: um guia para transformar estudantes em cidadãos neoliberais. Linhas Críticas, Brasília, v. 25, [s.n.], p. 381-398, 2019.).

Neste sentido, os textos curriculares podem estar estreitamente relacionados com a produção de desejos a favor de uma engrenagem neoliberal, fortalecendo um modo de existir no mundo.

Assim, o objetivo deste texto é problematizar quanto os desejos deslocados pelas máquinas capitalísticas e pelas estratégias neoliberais associam-se a ideia de falta e, assim, problematizar o que se tem desejado nos currículos, amarrados a uma fabricação capitalista, na qual os desejos produzidos em processos formativos (sempre subjetivos) podem atuar nos corpos de estudantes, professores e demais personagens que compõem um espaço escolar.

A causa dessa provocação é uma tese doutoral intitulada Do corpo esgotado à criação de currículos-outros: uma ocupação secundarista possível. A pesquisa procurou analisar as potências de criação presentes em corpos esgotados4 4 Nesta pesquisa entende-se corpo esgotado no sentido deleuzeano, em que o esgotamento é mais do que um cansaço das estruturas sociais, é um estado que em todos os limites do suportével foram esgarçados, quando não há outra maneira de continuar a não ser pela criação de outro modo de vida. . Por meio de uma cartografia5 5 Utilizamos a ideia de cartografia baseada nos estudos de Rolnik (2014), em que os caminhos se construíram durante a pesquisa, direcionada pelo que afetou a pesquisadora. A cartógrafa absorve matérias de qualquer procedência. Não tem o menor racismo de frequência, linguagem ou estilo. Tudo que der língua para movimentos do desejo, tudo o que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido, para ela é bem-vindo. Todas as entradas são vias, desde que as saídas sejam múltiplas. , acompanhou um grupo de secundarista esgotados de um formato escolar, tendo como resultado a produção de diferentes narrativas, visibilizando por meio delas diferentes possibilidades de criação de currículos outros.

Nesse sentido, este artigo procura também outras possibilidades, quando o desejo pode ser tomado de outros modos, ao se produzir movimentos coletivos ─ ocupações dos secundaristas6 6 Em 2015, um grupo de secundaristas se mobilizou contra uma proposta de reorganização da rede escolar feita pelo estado de São Paulo. A proposta acarretaria o fechamento de escolas e a readequação de ciclos. Durante quase 60 dias, secundaristas ocuparam escolas e conseguiram adiar a propostas. Neste período organizaram atividades de diversos modos. , e, assim, outros modos de existência possíveis.

Na organização do nosso texto iniciamos explorando a ideia de currículo junto ao cidadão que se deseja formar, depois articulamos este desejo ao conceito de desejo pela falta no âmbito filosófico. Nos tópicos seguintes apresentamos outras possibilidades curriculares que escapam ao conceito de desejo pela falta e destacamos acontecimentos curriculares que exemplificam tais escapes. Finalizamos enfatizando a possibilidade de criação de currículos outros por meio do Movimento Secundarista, assim como pontuamos a efemeridade destes movimentos coletivos para pensar o espaço curricular de outros modos.

2 Currículos: produção de sujeitos desejáveis

Se partirmos da ideia de que currículo é muito mais do que uma seleção de conteúdos e, que tal seleção de conteúdos diz muito sobre quem se quer formar, podemos pensar nas discussões curriculares como potente instrumento na fabricação de sujeitos desejáveis na contemporaneidade.

O currículo existente é a própria encarnação das características modernas. Ele é linear, sequencial, estático. Sua epistemologia é realista e objetivista. Ele é disciplinar e segmentado. O currículo existente está baseado numa separação rígida entre “alta” cultura e “baixa” cultura, entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano. Ele segue fielmente o script das grandes narrativas da ciência, do trabalho capitalista e do estado-nação. No centro do currículo existente está o sujeito racional, centrado e autônomo da Modernidade (Silva, 2015SILVA, T. T. DA Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p. 115).

Assim, os currículos estão em estreita relação com a constituição de modos de vida pré-estabelecidos pelo Estado. Recheados de ordenamento, estruturações, habilidades, competências, conteúdos, metodologias e indicações diversas de como professores e demais personagens escolares devem atuar para formar alunos desejáveis.

Os conteúdos matemáticos ganham destaques nos currículos escolares por tratar-se de uma das disciplinas mais importantes atualmente, como aponta Silva (2019SILVA, M. A.. A Política Cultural dos Livros Didáticos de Matemática: um guia para transformar estudantes em cidadãos neoliberais. Linhas Críticas, Brasília, v. 25, [s.n.], p. 381-398, 2019., p. 384) e reforçam os documentos curriculares, como a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018, p. 263): “O conhecimento matemático é necessário para todos os alunos da Educação Básica, seja por sua grande aplicação na sociedade contemporânea, seja pelas suas potencialidades na formação de cidadãos críticos, cientes de suas responsabilidades sociais”.

No entanto, é muitas vezes naturalizada como uma disciplina neutra e extremamente técnica, aparentando um distanciamento de possíveis discussões políticas, sociais ou filosóficas.

Na contramão destas ideias, Silva (2018)SILVA, M. A. Currículo e Educação Matemática: a política cultural como potencializadora de pesquisas. Perspectivas da Educação Matemática, Campo Grande, v. 11, n. 26, p. 202-224, 2018., há algum tempo, vem realizando pesquisas de cunho político a respeito das discussões curriculares na área. Em um projeto desenvolvido a partir de 2015, contou com pesquisas que trouxeram como contribuição descrições de “[...] como ocorre a materialização de discursos sobre ensino e aprendizagem, sobre quem seria o estudante desejável e o professor desejável e sobre quais os valores éticos e morais que são endereçados juntamente com os conteúdos conceituais [...]” (Silva, 2018SILVA, M. A. Currículo e Educação Matemática: a política cultural como potencializadora de pesquisas. Perspectivas da Educação Matemática, Campo Grande, v. 11, n. 26, p. 202-224, 2018., p. 207)

Tais descrições, que surgem da problematização de enunciados presentes em currículos de Matemática, dizem muito sobre comportamentos esperados de um cidadão qualificado e produtivo para a sociedade. Nas pesquisas publicadas, destacam-se algumas normas morais e de comportamento, como por exemplo: a formação do cidadão-consumidor consciente e politicamente correto (Coradetti, 2017CORADETTI, C. A. L. M. Um Olhar Contemporâneo para a Matemática Financeira presente nos Livros Didáticos do Ensino Médio. 2017. 126 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2017.), a responsabilização do professor para que um ensino interdisciplinar aconteça (Berto, 2017BERTO, L. F. Enunciados sobre Interdisciplinaridade em Livros Didáticos de Matemática do Ensino Médio. 2017. 112 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2017.), o destaque para homens brancos e europeus na evolução científica e na genialidade e estratégias para formar sujeitos empreendedores e economicamente úteis (Ocampos, 2016OCAMPOS, J. D. G. Redes Discursivas Sobre a História da Matemática em Livros Didáticos do Ensino Médio. 2016. 174 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2016.).

Também para a Educação do Campo, a Matemática aparece em currículos específicos que desenham um modo de existência vinculado “[...] às noções de reforma agrária, agricultura familiar, agroecologia [...]”, que vem acompanhadas “[...] por uma noção sutil e potente de eficiência e eficácia que aparentam ser intrínsecas aos modos de vida disponíveis na atualidade [...]” (Neto, 2019NETO, V. F. Quando aprendo matemática, também aprendo a viver no campo? Mapeando subjetividades. 2019. 223 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2019., p. 108). Assim, os currículos de Matemática podem construir um sujeito desejável por meio de um:

[...] conjunto de práticas que se revestem de noções caras ao contexto político social [...] ao mesmo tempo em que viabiliza a estabilização de narrativas alinhadas a uma lógica neoliberal de vida e trabalho e acaba por produzir noções robustas acerca dos elementos que tornam possível mapear o habitante desejável para o campo (Neto, 2019NETO, V. F. Quando aprendo matemática, também aprendo a viver no campo? Mapeando subjetividades. 2019. 223 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2019., p. 108).

Estas pesquisas demonstram que as escolhas presentes nos textos curriculares de Matemática relacionam conteúdos conceituais com qualificações que parecem ser indispensáveis para a formação dos cidadãos modernos, racionais e produtivos economicamente. Assim, os conhecimentos matemáticos escapam da aparente neutralidade e endereçam, sutilmente ou explicitamente, ações que podem compor um discurso neoliberal, fortalecendo o funcionamento de um tipo de sociedade.

Neste sentido, as qualificações necessárias ao aluno e/ou professor desejável parecem ser elementos que faltam aos sujeitos antes de entrarem no ambiente escolar, seja na formação enquanto aluno, seja na formação profissional do professor sempre responsabilizado pela aprendizagem do outro. Parece que aos personagens escolares desejáveis por um currículo de Matemática sempre falta algo para que possam ser cidadãos do mundo contemporâneo. É necessário aprender a ser consumidor consciente, a empreender a própria vida, construir hábitos saudáveis, ser eficiente, manter um corpo e mente ativos para produzir cada vez mais. Habilidades necessárias ao cidadão ideal, que deve ser saudável e, portanto, produtivo. Não se trata aqui de qualificar os hábitos saudáveis, mas sim de ressaltar como o cidadão desejável pelos currículos de Matemática deve estar em constante busca para ser vez mais produtivo.

Trata-se então, de personagens escolares que nunca estão completos. Ao currículo cabe completar lhes com conhecimentos úteis e válidos em uma época. Prescrições, livros didáticos, orientações e infinitos manuais vêm para preencher lacunas. O que se deseja formar, então, é algo que falta a tais personagens.

Deleuze e Parnet (1995)DELEUZE, G., PARNET, C. Abecedário de Gilles Deleuze. Paris: Éditions Montparnasse, 1995. e Guattari e Rolnik (2000)GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografia do Desejo. Petrópolis: Vozes, 2000. reforçam a ideia de que nunca se deseja algo ou alguém, para eles o desejo é sempre conjunto.

Quando uma mulher diz: desejo um vestido, desejo tal vestido, tal chemisier, é evidente que não deseja tal vestido em abstrato. Ela o deseja em um contexto de vida dela, que ela vai organizar o desejo em relação não apenas com uma paisagem, mas com pessoas que são suas amigas, ou que não são suas amigas, com sua profissão, etc. Nunca desejo algo sozinho, desejo bem mais, também não desejo um conjunto, desejo em um conjunto [...] (Deleuze; Parnet, 1995DELEUZE, G., PARNET, C. Abecedário de Gilles Deleuze. Paris: Éditions Montparnasse, 1995., p. 14).

Deslocando para as discussões curriculares, podemos dizer que, ao desejar que estudantes sejam cidadãos conscientes, críticos, saudáveis, eficientes, empreendedores etc., deseja-se muito mais do que o estabelecimento de normas morais ou comportamentos isolados, deseja-se a manutenção de uma sociedade, de um modo de existir. A partir dos currículos prescritos, desejamos uma vontade que é produzida por outros, produzida por engrenagens da máquina neoliberal.

Por isso, trazer a questão do desejo para o debate curricular pode ser um potente instrumento para desnaturalizar caminhos percorridos há tanto tempo e para inventar currículos outros.

3 Desejo pela falta: um discurso curricular educativo operado pela doença?

De que tipo de desejo estamos falando ao trazer os currículos de Matemática como instrumento de formação de personagens escolares desejáveis7 7 Chamamos aqui de personagens escolares desejáveis todos envolvidos no processo educativo dentro de um espaço escolar, como professores, alunos, coordenação e relacionamos com a ideia de desejo discutido até aqui. Ou seja, como estes personagens que compõem a escola devem ser e agir para atender a um ideal de escola para o Estado. ?

A questão do desejo é complexa, não é à toa que psicanalistas e filósofos dedicaram muito tempo de estudo em relação a este conceito, já que ele está intimamente relacionado as questões sobre idealidade, buscas de perfeição e, consequentemente, com a metafísica – tão discutida no campo filosófico. Desde Platão, passando pela psicanálise e por estruturalistas, o conceito de desejo vem sendo relacionado a ideia de falta. Durante muito tempo, e ainda hoje, as ideias de Platão ancoradas no desejo pela falta sustentam uma variedade de conceitos que transcendem realidades ou experiências do mundo sensível.

Traçando um paralelo do desejo pela falta - sustentado em um pensamento metafísico-platônico - com nosso tema do artigo, é possível notar na relação dos currículos com a formação de sujeitos-cidadãos desejáveis, currículos que vêm para dar conta de uma incompletude-falta na formação de personagens escolares.

Currículos escolares fazem parte de uma engrenagem social que pode estar em relação direta com a manutenção do neoliberalismo. Dentre muitos dispositivos, a escola é um deles que opera com a valorização de conhecimentos utilitários à sociedade, normas e comportamentos bons e ruins, colocando o desejo em um enquadramento moral.

Por isso, para pensarmos sobre como este desejo pode estar presente nas engrenagens sociais, e no discurso curricular educativo, se faz necessário relembrar o modelo platônico, em que o desejo está pautado na metafísica. Trata-se de um modelo em que o sujeito busca preencher sua insuficiência com algo que está fora de si, no mundo das ideias. O desejo platônico gira em torno da carência, de ter algo no futuro que não se tem agora. No entanto, a carência no sentido metafísico nunca é suprida, espera-se sempre por algo em um futuro que nunca chega (Branco, 2006BRANCO, C. F. Máquinas desejantes e modos de vida: a concepção de desejo no Anti-Édipo de Deleuze e Guattari. 2006. 159 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2006.).

Nesse modelo, o desejo está relacionado à incompletude e à espera de algo que vem de fora para preencher vazios, podendo ser um objeto, um deus, um conhecimento, uma salvação, um super-herói ou um estereótipo construído socialmente. Uma espera de completude na transcendência que depende do que se idealiza como perfeito, do que está no campo do ideal para preenchimento. Ou seja, a busca por completude está fora do real, fora da superfície do vivido.

Assim, é como se a ausência do objeto, do conhecimento, do Deus, do que vem de um fora, significasse uma imperfeição. O objeto é desejado para compensar a imperfeição. Temos, então, uma condição de imperfeito que nos enfraquece (Branco, 2006BRANCO, C. F. Máquinas desejantes e modos de vida: a concepção de desejo no Anti-Édipo de Deleuze e Guattari. 2006. 159 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2006.).

Para Platão, esse enfraquecimento é mola propulsora para a busca humana pela estabilidade e inteireza (Branco, 2006BRANCO, C. F. Máquinas desejantes e modos de vida: a concepção de desejo no Anti-Édipo de Deleuze e Guattari. 2006. 159 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2006.). Mas, para Deleuze e Guattari (2004)DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Joana Morales Varela; Manuel Maria. Lisboa: Assirio e Alvim, 2004., o desejo como falta, que enfraquece as intensidades, é fabricado por mecanismos de captura a favor de um modo de existência vigente, que hoje podemos relacionar ao neoliberalismo. Assim, o enfraquecimento se relativiza podendo ser potencializador para Platão ou redutor de intensidades para Deleuze e Guattari (2004)DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Joana Morales Varela; Manuel Maria. Lisboa: Assirio e Alvim, 2004.

Em uma máquina capitalista, o que falta ao estudante e ao professor enfraquece suas ações no âmbito político-social. Enumerar nos currículos tudo que falta para a formação cidadã vem como uma barreira para que outros desejos, aqueles não esperados pelos currículos, não tenham espaço para manifestação. Tratar o estudante e o professor como personagens desejáveis, a partir de descrições curriculares, é torná-los imperfeitos e incompletos e, assim, contribuir para uma estratégia eficiente que os molda a favor de uma engrenagem social.

Dessa forma, o desejo só existe agenciado em várias linhas, na coexistência de diversos níveis. Essas conexões agenciam diversos elementos que constituem engrenagens, sistemas, máquinas. Nesse sentido, a propagação desejante produz suas próprias linhas e um plano que não preexiste ao seu tracejar, territórios que são demarcados e vão sendo ocupados, formando máquinas, neste caso, uma produção de discursos dominantes: “[...] codificar os fluxos do desejo, inscrevê-los, registrá-los, fazer com que nenhum fluxo corra sem ser tamponado, canalizado, regulado [...]” (Deleuze; Guattari, 2004DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Joana Morales Varela; Manuel Maria. Lisboa: Assirio e Alvim, 2004., p. 51). Por conseguinte, a multiplicidade é reduzida à estrutura.

É por isso que as narrativas contidas no currículo podem contar “[...] histórias que fixam noções particulares sobre gênero, raça, classe – noções que acabam também nos fixando posições muito particulares ao longo desses eixos [...]” (Silva, 2015SILVA, T. T. DA Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, p. 195). Por isso, um currículo que prescreve sutilmente, ou não, um aluno e um professor desejável poderá atuar com mais eficiência em corpos que se assumem/se reconhecem/se identificam em uma incompletude. Um corpo tomado pela incompletude torna-se mais fácil de ser disciplinado, manipulado ou docilizado (Foucault, 1999FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1999.). Conservar o corpo nesta incompletude facilita o trabalho das máquinas de captura.

Máquinas que podem criar vários aspectos culturais, sociais e políticos que atravessam os conteúdos conceituais de Matemática, normatizando condutas e constituindo sujeitos do presente. Assim, o desejo fabricado na falta, que utiliza estratégias variadas, desde quando corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais, ou um forte apelo à religião atribuindo a falta à crença no paraíso-pós-morte e na salvação divina, até o alicerce nos conhecimentos científicos que assumem status de verdade, se movimentando em outro tipo de salvação. Assim, nestas variações de estratégias, a dor aliviada na confissão religiosa se atualiza para as terapias e diagnósticos de doenças mentais (Branco, 2006BRANCO, C. F. Máquinas desejantes e modos de vida: a concepção de desejo no Anti-Édipo de Deleuze e Guattari. 2006. 159 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2006.).

Enfraquecimento, imperfeição, incompletude e adoecimentos são adjetivos que compõem o desejo pela falta.

A questão das doenças na fabricação de desejos (ou na relação do desejo pela falta) apontada por Branco (2006)BRANCO, C. F. Máquinas desejantes e modos de vida: a concepção de desejo no Anti-Édipo de Deleuze e Guattari. 2006. 159 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2006. pode ser percebida também nas discussões de Lapoujade (2002LAPOUJADE, D. O corpo que não aguenta mais. In: LINS, D. (org.) Nietzsche e Deleuze - que pode o corpo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002. p. 81-90., p. 86). O filósofo propõe que, nos tempos de hoje, tudo que afeta o corpo é transformado em doença e, cada vez mais, surgem novas estratégias para anestesiarmos do sofrimento, “tornar a vida doente ou desvitalizá-la”. Em outras palavras, surgem cada vez mais estratégias para conservar ou enfraquecer possibilidades de ação.

A doença passa a ser condição do corpo, assim o corpo precisa ser sempre medicado. “[...] Transformar a doença em mal é o seu remédio, mas um remédio que pertence à doença, que reforça para torná-la coextensiva à vida [...]” (Lapoujade, 2002LAPOUJADE, D. O corpo que não aguenta mais. In: LINS, D. (org.) Nietzsche e Deleuze - que pode o corpo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002. p. 81-90., p. 85).

Neste sentido, um currículo que prescreve sutilmente personagens escolares desejáveis pode ser um currículo que se movimenta para tratar uma doença gerada pela falta de conhecimento. Alunos e/ou professores adoecidos por um não saber. Este currículo movimentado pela falta chamaremos de currículo-bula.

Um currículo-bula apresenta, na sua composição, listas de competências gerais, objetos de conhecimentos, habilidades específicas, conteúdos para ensino; todas elas organizadas em bimestres, semestres e anos escolares.

Essa posologia é profundamente alicerçada em estudos de metodologias de ensino e didática para a melhor forma de tomar o medicamento-conhecimento-transcendente. Há também indicações do que pode ocorrer nos casos de excessos, pois o estudante-desejável precisa estar com o organismo funcionando para ser útil. A posologia não deixa de apontar as contraindicações para quem não pode ser contemplado pelo currículo, para quem está fora desse campo escolar e precisa de apoios extracurriculares.

Um currículo-bula que define quais espaços da escola podem ser utilizados, que controla o papel higiênico e o uso de laboratórios ou salas diferentes, que se esforça para entrar em ação em salas superlotadas, ou ignora esta variável. Um currículo-bula que propõe uma linguagem formal e deixa outras de fora. Que limita o tipo de vestimentas utilizados no espaço escolar. Que burla estatutos maiores e apresenta determinados cultos religiosos em detrimento de outros. Que conserva as funções de bocas, olhos, expressões e falas. Que preenche o tempo com conteúdos organizados por disciplinas, não há tempo para experimentação.

Todas estas prescrições se justificam em nome da melhoria da educação para manter um estado de saúde desejável na sociedade, agindo como ferramenta reguladora. São currículos-bula agindo sobre corpos doentes de um saber exigido pela máquina capitalista, corpos de estudantes rotulados por um não saber e, portanto, fragilizados e imperfeitos, que precisam ser tratados por meio do conhecimento para uma sociedade desejável.

Em nome da melhoria do ensino e da aprendizagem, os currículos-bula, atravessados por dispositivos e agentes, tratam dos corpos com um rico e complexo equipamento que vão além das listas de conteúdos e disciplinas escolares. Está tudo junto: conteúdos, habilidades, competências, valores, cultura, contextualizações, normas morais e de comportamento. Os currículos-bula definem o que é necessário fazer para um corpo sadio com indicações e contraindicações que mantém um corpo regulado.

Lembramos que temos hoje listas de transtornos ou distúrbios de aprendizagens que catalogam os alunos que não respondem a um currículo-bula: CIF (Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde) e CID (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), ambas publicadas pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Tratamentos cada vez mais elaborados para adequar estudantes à escola. Os corpos doentes que não cabem em um currículo-bula precisam ser diagnosticados.

O desejável cada vez mais próximo do adoecimento.

O aluno, que nada sabe, precisa seguir um currículo-bula para tratar sua doença do conhecimento, e tornar-se cidadão desejável para o regime vigente. É sempre um corpo que precisa de tratamento para caber na sociedade.

4 Uma outra concepção de desejo: currículos outros possíveis?

No entanto, quando tudo parece estar perdido, ou anestesiado pelos currículos-bula, resgatamos as problematizações de Spinoza (2009)SPINOZA, B. Ética. Tradução de Thomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. e Deleuze e Guattari (2004)DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Joana Morales Varela; Manuel Maria. Lisboa: Assirio e Alvim, 2004. ao tecerem uma crítica sobre a falta platônica e psicanalítica.

Um outro desejo curricular é possível?

Guattari e Rolnik (2000GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografia do Desejo. Petrópolis: Vozes, 2000., p. 216) questionam o desejo útil, castrado ou enquadrado para a sociedade. Para eles o “[...] desejo é sempre o modo de produção de algo, o desejo é sempre modo de construção de algo [...]”, portanto outra forma de organizar a sociedade é possível.

É perfeitamente concebível que um outro tipo de sociedade se organize, a qual preserve processos de singularidade no ordem do desejo, sem que isso implique uma confusão total na escala da produção e da sociedade, sem que isso implique uma violência generalizada e uma incapacidade de a humanidade fazer a gestão da vida. É muito mais a produção de subjetividade capitalística - que desemboca em devastações incríveis a nível ecológico, social, no conjunto do planeta - que constitui um fator de desordem considerável, e que, aí sim, pode nos levar a catástrofes absolutamente definitivas [...] (Guattari; Rolnik, 2000GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografia do Desejo. Petrópolis: Vozes, 2000., p. 217, grifos nossos).

Escapar da catástrofe que já está em andamento. Fissurar um currículo-bula ao assumir outro conceito de desejo. Abrir brechas para personagens escolares desejáveis problematizarem um discurso neoliberal tão presente nos currículos pesquisados por Silva (2018)SILVA, M. A. Currículo e Educação Matemática: a política cultural como potencializadora de pesquisas. Perspectivas da Educação Matemática, Campo Grande, v. 11, n. 26, p. 202-224, 2018.. Quebrar mecanismos de subjetividade capitalística. Romper um regime colonial-capitalístico, para utilizarmos as palavras de Suely Rolnik (2018)ROLNIK, S. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.. Verbos que compõem tarefas difíceis e elaboradas... “[...] Vale assinalar que em sua dobra financeirizada, o regime colonial-capitalístico exerce essa sua sedução perversa sobre o desejo cada vez mais violenta e refinadamente, levando-o a se entregar ainda mais gozosamente ao abuso [...]” (Rolnik, 2018ROLNIK, S. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 25).

Um movimento possível para não cair na sedução e entregar-se pela falta ao regime colonial-capitalista de Suely Rolnik (2018)ROLNIK, S. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018., é pensar o desejo no campo social e na coletividade.

Para Guattari e Rolnik (2000)GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografia do Desejo. Petrópolis: Vozes, 2000., historicamente foram expressões coletivas de desejo que quebraram formações políticas tradicionais. Neste mesmo sentido, Rolnik (2018)ROLNIK, S. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018. destaca as ocupações dos estudantes em 2015 como exemplo de vontade coletiva que colaboram para a quebra destas formações políticas tradicionais. Secundaristas mobilizaram-se contra uma proposta de reorganizações de escolas no Estado de São Paulo e, após tentativas de diálogo por meio de manifestações e protestos artísticos sem respostas, encontraram como saída ocupar as escolas. Foi um período de quase sessenta dias em que colocaram os currículos para funcionar de outros modos, organizando temas que lhe eram necessários e contando com as contribuições de professores e outros voluntários.

Um desejo coletivo que visa uma construção comum por meio de criação de diferenças, ou seja, criar fora do discurso habitual.

Nesse sentido, um currículo que pense o desejo como acontecimento, deve afastar-se da intenção de querer a todo custo que um determinado objetivo seja alcançado. Precisa parar de reproduzir e, principalmente, de interpretar. Interpretar o/a aluno/a, diagnosticá-lo/a e classificá-lo/a, então, nem pensar! (Paraíso, 2009PARAÍSO, M. A. Currículo, Desejo e Experiência. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 277-293, 2009., p. 280).

Tomar o desejo como produção e criação de gestos, imagens, ideias, ações é também propor novos modos de existência.

Ao mesmo tempo que o desejo pela falta é fabricado pela subjetividade capitalística, o desejo como produção por algum lugar escapa. Ao mesmo tempo que um currículo-bula intenciona fabricar personagens escolares desejáveis, currículos-outros escapam quando o medicamento proposto pela bula não faz efeito, ou não faz sentido. Na coletividade, personagens escolares deixam de ser desejáveis pelo currículo e passam desejar em suas singularidades, aí então o “[...] desejo cumpre sua função ética de agente ativo da criação de mundos [...]” (Rolnik, 2018ROLNIK, S. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018., p. 65).

Explorando o exemplo de Rolnik (2018)ROLNIK, S. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018., apresentamos estilhaços de um currículo produzido nas ocupações de 2015, um currículo-outro produzido pelos atravessamentos de desejos. Estudantes em movimentos coletivos ocupam escolas para protestar, um protesto com duração de quase sessenta dias. Uma expressão de desejo que reúne mais de duzentas escolas para gritar NÃO a um braço da subjetivação capitalista.

5 Estilhaços para um currículo8 8 Dados retirados de tese: Do corpo esgotado à criação de currículos-outros: uma ocupação secundarista possível. Os trechos em itálico são retirados integralmente da produção de dados da tese, os demais trechos vêm para completar cenas e narrar situações de uma ocupação secundarista. Fragmentos ou parágrafos despedaçados que dão pistas de currículos movimentados pelo desejo não deslocado pelos dispositivos e máquinas capitalistas.

  1. Hoje a aula é na rua. Cadeiras organizadas em uma semi roda para que todos possam se olhar. Troca de olhares, sensibilidade para o outro corpo, para a outra voz. Construção de um espaço propício aos encontros espinosanos. O barulho dos carros, as buzinas, os olhares curiosos, as pausas de quem pode parar um minuto da corrida rotina paulista para olhar o que, de novo, acontece ali na rua. Um tema escolhido para debate: feminismo, racismo, funk, música, arte ou legislação. Temas que escapam ao currículo que deseja atender a falta dos alunos matriculados. Temas que escapam de um currículo que deseja preencher “cidadão críticos e ativos para o mercado de trabalho”.

  2. Primeira semana de ocupação. Tudo confuso. Como administrar os espaços que antes eram apenas cenário de fundo para as regras que deveríamos dificilmente cumprir? Espaços antes vistos como meros cômodos de uma escola que não fazia parte de nós. E agora, transforma-se. O banheiro já é outro, as doações garantiam o papel higiênico antes controlado pela direção. Mesas ocupam outros lugares. Saem réguas que mensuram, extensivos, entram colchões para a chegada de mais uma noite recheada de medos, esperanças e risadas, intensidade. Os corpos caminham, dançam, escutam funk, tocam instrumentos – sem referência, extrapolam prescrições-bula da escola de antes. Os corpos brigam por besteiras, ou não, por quem sujou e não limpou, depois se desencontram nas espumas escorregadias que lavam os corredores. Ali, no caos, a única ordem é sobreviver ao/no espaço escolar inventado. Uma busca caótica de organizar desejos com a intenção coletiva de defender direitos e lutar por este espaço, ainda que precário, destinado a nós, pertencentes à uma comunidade, pertencentes à mesma região geográfica. Espaço agora ameaçado por uma proposta de fechamento pelo governo do Estado. Espaço em perigo. E nós? Nós lutando para não ter que estudar em outra escola distante da comunidade geográfica, com todos os obstáculos que isso implica.

  3. Ocupamos. Estamos dentro da escola. Agora somos nós em defesa deste espaço, sem diretores, sem professores, sem regras pré-estabelecidas à nível estadual ou até nacional. Como regras que lidam com nossos desejos singulares podem ser assim tão abrangentes? É, talvez os desejos prescritos não sejam nossos. Mas somos nós, alunos - os ditos protagonistas das estratégias/metodologias/didáticas de ensino e aprendizagem – que vamos organizar essa porra! São duas horas da tarde e muitas pessoas borbulham nos portões da nossa escola. Desculpe senhor diretor, mas não vamos deixar você entrar, você chegou atrasado! Vocês não podem entrar, a escola é nossa! O gostinho de repetir frases que ouvimos com frequência, nossos atrasos, na maioria das vezes negligenciados, agora pesam do outro lado. Como o impedimento de entrar na escola, na sua escola, senhor diretor, te afeta?

  4. Muitos dias ocupando a escola e sem respostas do governo. A necessidade de sobreviver no espaço implicava no cuidado do que nunca foi nosso real foco. Era preciso cozinhar, limpar, arrumar espaços para atividades que desejávamos e para descanso. Para sobreviver também ao medo da polícia, dos diretos e às vezes da família, cada tarefa precisava trazer também alegria. Era nossa estratégia de sobrevivência. Lavar o corredor da escola, enchê-lo de espuma, mais do que limpeza era possibilidade de explorar movimentos, de brincar, de escorregar, de cair, levantar, cair de novo e se divertir com isso... era o movimento que mais precisávamos aprender para sobreviver a estes dias, ou talvez, para sobreviver à vida. Pleonasmo? Talvez não. Sobreviver à vida pode não ser pleonasmo para as minorias, seja nos tempos atuais ou desde sempre.

  5. Sim! Só queríamos defender nosso espaço. Mas aí, chegaram pessoas que falavam bonito, que falavam difícil, que tinham um milhão (não sei quantificar isso) de propostas para o que estávamos fazendo. Tudo confuso, muitas delas queriam algo em troca. Enquanto nós queríamos só manter nossas escolas abertas, exigindo também mais escuta dos nossos desejos. Para lidar com tudo isso era necessário organizar comissões para a escola funcionar; conhecer estratégias de partidos políticos; conhecimentos de leis para nossa proteção. Uma alternativa para escutar todo mundo que estava lá eram as assembleias. Tudo era assembleia, tínhamos que resolver o que comer, como se proteger dos partidos políticos, dos uspianos9 9 Termo utilizado pelos secundaristas que ocuparam as escolas em São Paulo para referir-se aos estudantes da USP. , de todas as organizações que queriam acabar com o movimento ou tomar a frente dele. Tínhamos que decidir as rotinas do dia, decidir quem poderia entrar ou não, quem aceitaríamos para aulas voluntárias ou intervenções artísticas. Assembleias que chegavam a durar até oito horas. Usávamos este espaço para decisões, mas muitas vezes era também espaço de desabafo, apesar das brincadeiras e zoeiras sem fim, estava difícil para muitos, para todos.

  6. Era muita zoeira na nossa escola inventada. Mas também enfrentávamos medo. A polícia entrava mesmo, sem mandato. Os diretores não autorizados por nós entravam também. Era difícil argumentar sobre nossos direitos. Sempre sendo ouvidos como apenas crianças, mas estávamos atentos ao que podíamos e não podíamos fazer. Tínhamos nossas estratégias: filmar tudo, publicar o que estava acontecendo e não deixar que outras notícias fakes ganhassem credibilidade. Tinha gente que falava que nós estávamos destruindo a escola, quando estávamos fazendo justamente o contrário. Sim! A polícia entrava lá, agredia a gente, derrubava tudo, destruía o espaço e depois nós que éramos culpados por isso.

  7. Depois das ocupações continuaram se movimentando no micro, nos pequenos coletivos, nunca noticiados. Grupos de secundaristas grafitam muros. É currículo. É arte! Grupos de secundaristas inventam performances. É currículo. É arte! Levaram grafiteiros experientes, apareceram estudantes de várias idades e ao final do projeto [..] pintaram as paredes e os muros da escola, uma marca de resistência e de conquistas em um espaço que sempre deveria entendido como nosso/deles. Foi aí que as paredes beges e cinzas pararam de fazer sentido. Dentro do projeto família na escola, conseguiram se movimentar de acordo com seus desejos. O grafite, parte da cultura, foi organizado em um projeto. Já nas performances, outro grupo de secundaristas, já fora da escola, conseguiram comunicar suas lutas. Performances que ultrapassaram os limites dos espaços escolares, que ganharam o espaço de São Paulo, depois de outros estados brasileiros e ainda conseguiram levar nossa luta e nossa arte para outros países na Europa. Criaram fissuras, estabeleceram contatos em São Paulo, em Fortaleza, na Inglaterra e em Portugal... construíram coletividades, que ainda hoje se comunicam vitualmente em prol de ações em função dos desejos comuns coletivos.

  8. Percebemos que era preciso quebrar um eu para lutarmos JUNTOS. Aprendemos sobre coletividade.

6 Considerações

A partir de Deleuze e Guattari (2004)DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo. Capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Joana Morales Varela; Manuel Maria. Lisboa: Assirio e Alvim, 2004., percebemos o quanto os desejos deslocados pelas máquinas capitalísticas e pelas estratégias neoliberais associam-se a ideia de falta e, portanto, conservam ações políticas e sociais. Percebemos também o quanto os currículos são instrumentos potentes para que esta conservação de estudantes e professores (futuros cidadãos críticos – como deseja o Estado) aconteça.

Neste artigo, evidenciamos uma escola que opera, justificada pelo desejo pela falta, apagando práticas sociais, contextos, experiências, ações, estilos de vida, narrativas e culturas que não estejam em consonância com o modelo capitalista que governa a vida das pessoas nos dias de hoje. No entanto, para nós, os estilhaços apresentados na seção anterior, como manifestações legítimas das ocupações secundaristas de 2015, movimentam produções de subjetividades indesejadas pelas máquinas capitalísticas e suas engrenagens neoliberais, promovendo resistências e dando fluxo à outras criações curriculares e outras ideias de desejo.

O Movimento Secundarista tinha como único pressuposto não permitir o fechamento de suas escolas, para isso criaram currículos a partir de seus desejos, sem a intenção de completar algo que faltava e sem a intenção de propor um novo modelo escolar. Os acontecimentos giravam em torno de desejos comuns e coletivos mobilizados pelos atos de resistência ao que o governo do estado de São Paulo propunha.

Foi a partir de uma proposta do governo que um grupo incomodado se mobilizou para fissurar a engrenagem. Manifestações, aulas na rua, intervenções artísticas e, finalmente, as próprias ocupações, foram estratégias coletivas de resistência que, consequentemente, produziram outros modos de estar nos espaços escolares e movimentar currículos.

Um movimento coletivo composto de singularidades que não cabe em um artigo ou em uma proposição de um novo currículo. Seus currículos e lógicas inventados escapam da conservação das máquinas sociais, sem propor uma substituição. Trata-se de currículos efêmeros que nos ajudam a pensar que outros modos de existir na escola são possíveis. Portanto, ao visibilizar narrativas curriculares dominantes na escola e como esses discursos podem ser acionados diante do apagamento de práticas sociais que não coadunam com as máquinas capitalistas, e, mostrar que outros escapes são possíveis, pode ajudar numa ação necessária: que a Matemática e Educação Matemática sejam apresentadas do ponto de vista sociopolítico e sociocultural. Viragens que nunca podem ser inacabadas e possíveis que podem transgredir; ações sempre urgentes.

Referências

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  • SILVA, M. A.; VALERO, P.; CORADETTI MANOEL, C. A. L.; BERTO, L. F. Brazilian High School Mathematics Textbooks and the Constitution of the Good Student Citizen. Acta Scientiae, Canoas, v. 20, n. 6, p. 1071-1081, 2018.
  • SILVA, T. T. DA Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015
  • SILVA, M.; VALERO, P. Brazilian High School Textbooks: mathematics and students' subjectivity. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 42., 2018, Umeå, Suécia. Proceedings… Umeå: PME, 2018. p. 187-194. Vol. 4.
  • SPINOZA, B. Ética Tradução de Thomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
  • VALERO, P.; ANDRADE-MOLINA, M.; MONTECINO, A. Lo político en la educación matemática: de la educación matemática crítica a la política cultural de la educación matemática. Revista Latinoamericana de Investigación En Matemática Educativa, Ciudad de México, v. 18, n. 3, p. 287-300.
  • VALERO, P.; KNIJNIK, G. Governing the modern, neoliberal child through ICT research in mathematics education. For the Learning of Mathematics, Montreal, v. 35, n. 2, p. 34-39. 2015.
  • 1
    É uma política econômica que é fundamentada, como todo princípio econômico, não só em decisões políticas sobre como o mercado deve funcionar, mas também em características que regulam comportamentos e estabelecem metas para a sociedade, segundo determinados valores morais (Silva, 2019SILVA, M. A.. A Política Cultural dos Livros Didáticos de Matemática: um guia para transformar estudantes em cidadãos neoliberais. Linhas Críticas, Brasília, v. 25, [s.n.], p. 381-398, 2019., p. 384).
  • 2
    Para Spinoza (2009)SPINOZA, B. Ética. Tradução de Thomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. tudo é corpo, a cadeira, a caneta ou o corpo humano. Tudo faz parte de uma complexa lei da natureza.
  • 3
    Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais e filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos (Foucault, 1979FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979., p. 244).
  • 4
    Nesta pesquisa entende-se corpo esgotado no sentido deleuzeano, em que o esgotamento é mais do que um cansaço das estruturas sociais, é um estado que em todos os limites do suportével foram esgarçados, quando não há outra maneira de continuar a não ser pela criação de outro modo de vida.
  • 5
    Utilizamos a ideia de cartografia baseada nos estudos de Rolnik (2014)ROLNIK, S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2014., em que os caminhos se construíram durante a pesquisa, direcionada pelo que afetou a pesquisadora. A cartógrafa absorve matérias de qualquer procedência. Não tem o menor racismo de frequência, linguagem ou estilo. Tudo que der língua para movimentos do desejo, tudo o que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido, para ela é bem-vindo. Todas as entradas são vias, desde que as saídas sejam múltiplas.
  • 6
    Em 2015, um grupo de secundaristas se mobilizou contra uma proposta de reorganização da rede escolar feita pelo estado de São Paulo. A proposta acarretaria o fechamento de escolas e a readequação de ciclos. Durante quase 60 dias, secundaristas ocuparam escolas e conseguiram adiar a propostas. Neste período organizaram atividades de diversos modos.
  • 7
    Chamamos aqui de personagens escolares desejáveis todos envolvidos no processo educativo dentro de um espaço escolar, como professores, alunos, coordenação e relacionamos com a ideia de desejo discutido até aqui. Ou seja, como estes personagens que compõem a escola devem ser e agir para atender a um ideal de escola para o Estado.
  • 8
    Dados retirados de tese: Do corpo esgotado à criação de currículos-outros: uma ocupação secundarista possível. Os trechos em itálico são retirados integralmente da produção de dados da tese, os demais trechos vêm para completar cenas e narrar situações de uma ocupação secundarista. Fragmentos ou parágrafos despedaçados que dão pistas de currículos movimentados pelo desejo não deslocado pelos dispositivos e máquinas capitalistas.
  • 9
    Termo utilizado pelos secundaristas que ocuparam as escolas em São Paulo para referir-se aos estudantes da USP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2023
  • Aceito
    30 Ago 2023
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