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O uso do emplastro de lidocaína a 5% no manejo de dor neuropática localizada pós-traumática. Relato de casos

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor neuropática é definida como uma dor provocada por uma lesão ou doença que afeta o sistema nervoso somatossensitivo. Considerando a sua prevalência, em particular dor neuropática localizada pós-traumática, com o intuito de discutir formas de manejar os pacientes portadores dessa condição e avaliando tanto a eficácia quanto a tolerabilidade aos tratamentos propostos, este artigo apresenta três casos clínicos de pacientes portadores dessa condição, tratados com emplastro de lidocaína a 5%, tanto em monoterapia quanto no contexto da terapia multimodal.

RELATOS DOS CASOS:

Este estudo relata três casos de pacientes do sexo feminino com idades entre 29 e 81 anos e queixas de dor decorrente de trauma, que foram manejadas com emplastro de lidocaína a 5% em tratamento prolongado, com uma significativa melhora do nível de dor.

CONCLUSÃO:

Em concordância com as evidências da literatura científica, o uso do emplastro de lidocaína a 5% nos casos de dor neuropática localizada pós-traumática relatados mostrou-se eficaz no manejo dessa condição e apresentou perfil de segurança e tolerabilidade favorável. Além disso, foi possível observar também que o emplastro de lidocaína a 5%, quando adicionado em abordagem multimodal, contribuiu para uma melhora no quadro sem prejuízo da tolerabilidade do tratamento.

Descritores
Compressão nervosa; Dor; Dor neuropática; Emplastro transdermal; Lidocaína; Testes do emplastro

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Neuropathic pain is defined as a pain caused by a lesion or condition that affects the somatosensory nervous system. Taking its prevalence into account, in particular post-traumatic localized neuropathic pain, and to discuss ways to manage patients with this condition, considering efficacy and tolerability of proposed treatments, this report presents three clinical cases of patients with post-traumatic localized neuropathic pain treated with 5% lidocaine transdermal patch in both monotherapy and polytherapy.

CASE REPORTS:

This study reports the cases of three female patients aged between 29 and 81 years with complaints of pain due to trauma, who were managed with 5% lidocaine transdermal patch in prolonged treatment, with a significant improvement in pain.

CONCLUSION:

According to scientific evidence, the use of 5% lidocaine transdermal patch in post-traumatic localized neuropathic pain as shown efficacy with favorable safety and tolerance. Moreover, it was possible to demonstrate that a 5% lidocaine transdermal patch in a polytherapy format has contributed to improved outcomes with no effect in treatment tolerability.

Keywords
Lidocaine; Nerve compression; Neuropathic paining; Patch testing; Transdermal patch

DESTAQUES

  • A dor neuropática tem impacto significativo na qualidade de vida e funcionalidade dos pacientes.

  • A dificuldade de diagnóstico da dor neuropática localizada faz com que os pacientes permaneçam sem tratamento adequado por meses ou anos.

  • Os relatos de caso a seguir mostram que a utilização do emplastro de lidocaína a 5% permite redução significativa da intensidade da dor com um perfil de segurança e tolerabilidade favorável tanto em monoterapia quanto no contexto da terapia multimodal e em longo prazo.

DESTAQUES

  • A dor neuropática tem impacto significativo na qualidade de vida e funcionalidade dos pacientes.

  • A dificuldade de diagnóstico da dor neuropática localizada faz com que os pacientes permaneçam sem tratamento adequado por meses ou anos.

  • Os relatos de caso a seguir mostram que a utilização do emplastro de lidocaína a 5% permite redução significativa da intensidade da dor com um perfil de segurança e tolerabilidade favorável tanto em monoterapia quanto no contexto da terapia multimodal e em longo prazo.

INTRODUÇÃO

De acordo com a International Association for the Study of Pain (IASP), a dor neuropática (DN) é definida como uma dor provocada por uma lesão ou doença que afeta o sistema nervoso somatossensitivo11 International Association for the Study of Pain (IASP). Pain Terms. https//www.iasp-pain.org/terminology.
https//www.iasp-pain.org/terminology...
. Nesse sentido, uma série de condições nocivas que acometem o sistema nervoso central (SNC) e/ou periférico (SNP), especificamente ao nível de fibras Aβ, Aδ e fibras C, pode levar ao desenvolvimento da dor neuropática crônica (DNC)22 Pickering G, Martin E, Tiberghien F, Delorme C, Mick G. Localized neuropathic pain: an expert consensus on local treatments. Drug Des Devel Ther. 2017;11:2709-18.,33 Colloca L, Ludman T, Bouhassira D, Baron R, Dickenson AH, Yarnitsky D, Freeman R, Truini A, Attal N, Finnerup NB, Eccleston C, Kalso E, Bennett DL, Dworkin RH, Raja SN. Neuropathic pain. Nat Rev Dis Primers. 2017;3:17002.. Embora as estimativas de prevalência variem, a DN afeta cerca de 10% da população22 Pickering G, Martin E, Tiberghien F, Delorme C, Mick G. Localized neuropathic pain: an expert consensus on local treatments. Drug Des Devel Ther. 2017;11:2709-18..

Essa condição se caracteriza por ser provocada por estímulos espontâneos e/ou anormais, por apresentar distribuição correlacionada neuroanatomicamente com a estrutura afetada e por apresentar anormalidades sensoriais, tais como alodinia e disestesia na zona dolorosa33 Colloca L, Ludman T, Bouhassira D, Baron R, Dickenson AH, Yarnitsky D, Freeman R, Truini A, Attal N, Finnerup NB, Eccleston C, Kalso E, Bennett DL, Dworkin RH, Raja SN. Neuropathic pain. Nat Rev Dis Primers. 2017;3:17002.. Os pacientes se queixam frequentemente de dores com queimação, agulhadas, formigamento, aperto ou choque elétrico, que também podem estar associadas à perda de perceção nociceptiva, mecânica ou térmica33 Colloca L, Ludman T, Bouhassira D, Baron R, Dickenson AH, Yarnitsky D, Freeman R, Truini A, Attal N, Finnerup NB, Eccleston C, Kalso E, Bennett DL, Dworkin RH, Raja SN. Neuropathic pain. Nat Rev Dis Primers. 2017;3:17002..

A etiologia da DN é muito diversificada e frequentemente multifatorial, podendo ser produzida por diferentes doenças que acometem o sistema nervoso (por exemplo, uma lesão do nervo periférico ou a polineuropatia diabética) ou mesmo se associar ao contexto de outras comorbidades (após um acidente vascular cerebral [AVC], lesão medular ou em esclerose múltipla, por exemplo)22 Pickering G, Martin E, Tiberghien F, Delorme C, Mick G. Localized neuropathic pain: an expert consensus on local treatments. Drug Des Devel Ther. 2017;11:2709-18.,44 Kumar A, Kaur H, Singh A. Neuropathic pain models caused by damage to central or peripheral nervous system. Pharmacol Rep. 2018;70(2):206-16..

Essa condição pode impactar significativamente a qualidade de vida e a funcionalidade dos pacientes, uma vez que está frequentemente associada a outros problemas, como ansiedade, depressão, perturbações do sono e maior uso de fármacos33 Colloca L, Ludman T, Bouhassira D, Baron R, Dickenson AH, Yarnitsky D, Freeman R, Truini A, Attal N, Finnerup NB, Eccleston C, Kalso E, Bennett DL, Dworkin RH, Raja SN. Neuropathic pain. Nat Rev Dis Primers. 2017;3:17002.,55 McCarberg B, Billington R. Consequences of neuropathic pain: quality-of-life issues and associated costs. Am J Manag Care. 2006;12(9 Suppl):S263-8.. Alguns pacientes apresentam status funcional e emocional substancialmente mais baixos comparativamente ao restante da população66 Cavalli E, Mammana S, Nicoletti F, Bramanti P, Mazzon E. The neuropathic pain: an overview of the current treatment and future therapeutic approaches. Int J Immunopathol Pharmacol. 2019;33:2058738419838383..

No nível molecular, a DN mostra-se também bastante complexa. Existe um conjunto de fenômenos fisiopatológicos centrais e periféricos, cruzamentos entre fibras sensitivas com sensibilização após lesão, formação de focos ectópicos de descarga de estímulos neuronais com canais de sódio anormais ou disfuncionais, expressão de novos canais ou receptores iônicos, e a ativação de várias vias de sinais que regulam a indução e a manutenção da dor neuropática por meio de mecanismos transcricionais ou pós-translacionais77 Finnerup NB, Kuner R, Jensen TS. Neuropathic pain: from mechanisms to treatment. Physiol Rev. 2021;101(1):259-301.. Todas essas alterações potencializam um estado de hiperexcitabilidade das vias sensoriais22 Pickering G, Martin E, Tiberghien F, Delorme C, Mick G. Localized neuropathic pain: an expert consensus on local treatments. Drug Des Devel Ther. 2017;11:2709-18..

Também é possível avaliar a DN quanto à sua extensão e localização, pois ela pode acometer áreas tão extensas como um hemicorpo, como em casos de dor central após um AVC, quanto uma área relativamente restrita, como um dermátomo específico em pacientes com neuralgia pós-herpética88 Mick G, Baron R, Finnerup NB, Hans G, Kern KU, Brett B, Dworkin RH. What is localized neuropathic pain? A first proposal to characterize and define a widely used term. Pain Manag. 2012;2(1):71-7..

Na maior parte dos casos (cerca de 60% dos pacientes) a DN se restringe a uma pequena área, menor que a de uma folha de papel A4, bem circunscrita e facilmente identificável pelo paciente (como, por exemplo, uma zona delimitada do joelho após cirurgia protética)22 Pickering G, Martin E, Tiberghien F, Delorme C, Mick G. Localized neuropathic pain: an expert consensus on local treatments. Drug Des Devel Ther. 2017;11:2709-18.. Essa condição é denominada dor neuropática localizada (DNL), sendo as lesões traumáticas e o período pós-operatório algumas de suas etiologias mais comuns22 Pickering G, Martin E, Tiberghien F, Delorme C, Mick G. Localized neuropathic pain: an expert consensus on local treatments. Drug Des Devel Ther. 2017;11:2709-18..

A dificuldade de diagnóstico da DNL por parte dos médicos não especialistas em dor faz com que os pacientes permaneçam sem tratamento adequado por meses ou anos99 Mick G, Baron R, Correa-Illanes G, Hans G, Mayoral V, Frías X, Sintes D, Keller T. Is an easy and reliable diagnosis of localized neuropathic pain (LNP) possible in general practice? Development of a screening tool based on IASP criteria. Curr Med Res Opin. 2014;30(7):1357-66.. Com o objetivo de contornar esse problema foi desenvolvida uma ferramenta de rastreio da DNL, baseada no sistema de classificação proposto pelo Neuropathic Pain Special Interest Group (NeuPSIG), da IASP, que propõe uma ferramenta de rastreio diagnóstico (Tabela 1), que consiste em quatro perguntas focadas na história do paciente e na distribuição de sintomas dolorosos e dos sinais sensitivos, além da delimitação da zona dolorosa a uma área que não seja maior que a de uma folha de papel A49.

Tabela 1
Ferramenta para rastreio da dor neuropática provável e dor neuropática localizada. Adaptada88 Mick G, Baron R, Finnerup NB, Hans G, Kern KU, Brett B, Dworkin RH. What is localized neuropathic pain? A first proposal to characterize and define a widely used term. Pain Manag. 2012;2(1):71-7.

O manejo da DN é complexo e multidisciplinar, exigindo um conhecimento médico profundo dos vários mecanismos de dor subjacentes envolvidos e das opções farmacológicas disponíveis para uma gestão adequada da dor e das necessidades individuais do paciente. O NeuPSIG propõe como 1ª linha para tratamento da dor neuropática os gabapentinoides, antidepressivos tricíclicos e inibidores seletivos de recaptação de serotonina-noradrenalina. O emplastro de lidocaína a 5%, a capsaicina e o tramadol foram propostos por esse guia para tratamento de 2ª linha; enquanto opioides fortes, como morfina e oxicodona, e a toxina botulínica, seriam recomendados como tratamento de 3ª linha da dor neuropática periférica22 Pickering G, Martin E, Tiberghien F, Delorme C, Mick G. Localized neuropathic pain: an expert consensus on local treatments. Drug Des Devel Ther. 2017;11:2709-18..

Como apontado, uma das opções farmacológicas disponíveis é a lidocaína a 5% sob a forma de emplastro1010 de León-Casasola OA, Mayoral V. The topical 5% lidocaine medicated plaster in localized neuropathic pain: a reappraisal of the clinical evidence. J Pain Res. 2016;9:67-79.. Esse fármaco atua por meio de dois mecanismos: a ação farmacológica por difusão da lidocaína e o bloqueio dos canais de sódio no local da aplicação, e a ação protetora da camada de hidrogel, que forma uma barreira mecânica contra os estímulos capazes de provocar alodinia ou hiperalgesia22 Pickering G, Martin E, Tiberghien F, Delorme C, Mick G. Localized neuropathic pain: an expert consensus on local treatments. Drug Des Devel Ther. 2017;11:2709-18.,1010 de León-Casasola OA, Mayoral V. The topical 5% lidocaine medicated plaster in localized neuropathic pain: a reappraisal of the clinical evidence. J Pain Res. 2016;9:67-79..

A dose de lidocaína absorvida sistemicamente depende da área de pele coberta e da duração da aplicação, sendo a dose diária máxima recomendada de até três emplastros simultaneamente por um período de 12 horas1111 Derry S, Wiffen PJ, Moore RA, Quinlan J. Topical lidocaine for neuropathic pain in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2014;2014(7):CD010958..

A lidocaína a 5% sob a forma tópica é bem tolerada e segura, sendo que a sua absorção sistêmica limitada (em torno de 3%) reduz o risco de eventos adversos e interação com outros fármacos1212 Hans G, Sabatowski R, Binder A, Boesl I, Rogers P, Baron R. Efficacy and tolerability of a 5% lidocaine medicated plaster for the topical treatment of post-herpetic neuralgia: results of a long-term study. Curr Med Res Opin. 2009;25(5):1295-305.. Em razão de seu perfil favorável de segurança e tolerabilidade, o consenso do NeuPSIG faz a ressalva de considerá-la como fármaco de 1ª linha para a DNL em pacientes frágeis e em idosos1313 Finnerup NB, Attal N, Haroutounian S, McNicol E, Baron R, Dworkin RH, Gilron I, Haanpää M, Hansson P, Jensen TS, Kamerman PR, Lund K, Moore A, Raja SN, Rice AS, Rowbotham M, Sena E, Siddall P, Smith BH, Wallace M. Pharmacotherapy for neuropathic pain in adults: a systematic review and meta-analysis. Lancet Neurol. 2015;14(2):162-73., enquanto um guideline mais recentemente publicado pela SFETD (Sociedade Francesa para o Estudo e Tratamento da Dor), em 2020, recomenda o emplastro de lidocaína a 5% como tratamento de 1ª linha na dor neuropática periférica focal14.

Considerando a prevalência da DNL, em particular a pós-traumática, e com o intuito de discutir formas de manejar os pacientes portadores dessa condição, avaliando tanto a eficácia quanto a tolerabilidade aos tratamentos propostos, este artigo apresenta três casos clínicos de pacientes portadores dessa condição, tratados com emplastro de lidocaína a 5%, tanto em monoterapia quanto no contexto da terapia multimodal.

RELATO DOS CASOS

As diretrizes CARE (CAse REport) foram empregadas como estrutura para a elaboração deste artigo1515 Gagnier, J.J., Kienle, G., Altman, D.G. et al. The CARE guidelines: consensus-based clinical case reporting guideline development. J Med Case Reports 7, 223 (2013). https://doi.org/10.1186/1752-1947-7-223
https://doi.org/10.1186/1752-1947-7-223...
. As diretrizes CARE são um conjunto de padrões internacionais desenvolvidos para melhorar a precisão, transparência e completude dos relatos de caso na área da saúde1515 Gagnier, J.J., Kienle, G., Altman, D.G. et al. The CARE guidelines: consensus-based clinical case reporting guideline development. J Med Case Reports 7, 223 (2013). https://doi.org/10.1186/1752-1947-7-223
https://doi.org/10.1186/1752-1947-7-223...
. A adesão a essas diretrizes foi em busca de garantir que os relatos de caso forneçam informações relevantes e valiosas aos profissionais de saúde e pesquisadores1515 Gagnier, J.J., Kienle, G., Altman, D.G. et al. The CARE guidelines: consensus-based clinical case reporting guideline development. J Med Case Reports 7, 223 (2013). https://doi.org/10.1186/1752-1947-7-223
https://doi.org/10.1186/1752-1947-7-223...
. O uso das diretrizes CARE neste artigo ajudou a garantir que os relatos de caso apresentados fossem de alta qualidade, fornecessem detalhes relevantes sobre a condição e o tratamento do paciente, e pudessem ser utilizados para informar a tomada de decisões clínicas e esforços de pesquisa futuros.

Todos os dados apresentados neste artigo foram desidentificados para garantir a confidencialidade do paciente. O paciente forneceu termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) por escrito para uso anônimo de dados clínicos.

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 32 anos, com história de luxação da patela direita havia três meses, apresentando dor com características de queimação, sensação de choque elétrico, alfinetadas, dormência e coceira na região superolateral do joelho ipsilateral. Apresentava dor de intensidade de 8 pontos na escala analógica visual (EAV), numa graduação de zero a 10, e a área afetada era menor do que a de uma folha de papel A4.

O exame físico da paciente revelou hipoestesia ao toque, hipoestesia à picada de agulha e alodinia mecânica na área da dor. Aplicando a ferramenta diagnóstica (Tabela 1), identificou-se o diagnóstico de DNL pós-traumática por luxação da patela.

Foi então proposto o tratamento com emplastro de lidocaína a 5% por quatro semanas. Ao ser reavaliada no final desse período, houve uma melhora parcial da dor, com diminuição da EAV para 6, e por isso foi associada a prescrição da pregabalina, com dose de 75 mg ao dia na primeira semana e de 75 mg a cada 12 horas nas 3 semanas seguintes.

No entanto, após três dias a paciente suspendeu o uso da pregabalina por opção própria, devido a efeitos adversos (tonturas e náuseas), mantendo apenas o uso do emplastro de lidocaína por mais quatro semanas, o que resultou em melhora do quadro clínico, com redução da dor (EAV = 3), configurando um quadro de dor leve. A paciente foi então orientada a manter o uso do emplastro de lidocaína a 5% por mais três meses, período no qual a EAV diminuiu para 2.

Após a última avaliação, a paciente revelou melhora do quadro e interrompeu o tratamento. Gradativamente, aumentou a intensidade da cinesioterapia e faz atualmente atividade física sob supervisão três vezes por semana.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 29 anos, triatleta, apresentava história de trauma no tornozelo direito após uma queda de bicicleta ocorrida há oito meses. No atendimento de urgência, os exames de imagem realizados não identificaram nenhuma fratura, apesar da queixa de dor intensa no tornozelo (EAV = 8).

A primeira estratégia foi a imobilização com órtese suropodálica por três semanas, aplicação de compressa fria, 10 sessões de fisioterapia com neuroestimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) e aplicação de arnica tópica a cada 8h por 15 dias. Após um mês de tratamento, a paciente ainda não era capaz de retornar à atividade física, sendo orientada a realizar 20 sessões adicionais de fisioterapia, sem melhora significativa.

Quando reavaliada, a paciente apresentava dor na região medial do tornozelo direito, com sensação de queimação, choque elétrico, alfinetadas e formigamento no local, com EAV = 6.

No exame físico, a paciente apresentava pés planos leves e valgismo fisiológico do retropé, teste da ponta dos pés sem alterações, hipermobilidade articular e dor na extensão do tornozelo direito, sem prejuízo da força e dos reflexos. A avaliação sensitiva revelava hipoestesia ao toque na região medial do mesmo tornozelo. Testes de Lasègue, Forst e Bowstring negativos.

A aplicação da ferramenta diagnóstica (Tabela 1) de DNL88 Mick G, Baron R, Finnerup NB, Hans G, Kern KU, Brett B, Dworkin RH. What is localized neuropathic pain? A first proposal to characterize and define a widely used term. Pain Manag. 2012;2(1):71-7., levando em consideração que a área de dor era menor que a de uma folha de papel A4, apontou para o diagnóstico final de lesão osteocondral do tálus por entorse do tornozelo, evoluindo com DNL.

Foi proposto o uso de tramadol 50 mg a cada 6h por 15 dias, associado ao emplastro de lidocaína a 5% por 4 semanas, além da reorganização da reabilitação fisioterápica da paciente.

Após quatro semanas de tratamento, houve melhora da dor, com diminuição da EAV = 4, e redução de sintomas neuropáticos, em especial o formigamento e a queimação. Nesse momento optou-se por se manter o emplastro de lidocaína a 5%, associado a pregabalina 150 mg ao dia (75 mg de 12 em 12 h) e dipirona 1 g a cada 6h, além da fisioterapia.

A paciente foi reavaliada em quatro semanas, com diminuição da EAV = 3, o que possibilitou o retorno às suas atividades esportivas (ciclismo e natação). No entanto, a paciente ainda se queixava de incômodo com a hipoestesia ao toque e tinha dificuldade em estender o tornozelo, sendo então indicada abordagem cirúrgica por via artroscópica.

No período pós-operatório imediato foram prescritos etoricoxibe 90 mg ao dia, durante cinco dias, e tramadol 100 mg de 6 em 6 h. Foi mantida a pregabalina 150 mg à noite, enquanto o emplastro de lidocaína a 5% foi suspenso (devido à recomendação de não poder ser utilizado sobre a área cruenta da ferida operatória).

Um mês após o procedimento, com EAV = 1 e com queixas mínimas de sintomas neuropáticos, a paciente fez o desmame do tramadol (na sexta semana de pós-operatório ela não estava mais utilizando o fármaco). Utilizou pregabalina 150 mg por 3 meses, fazendo a diminuição para 75 mg por 2 semanas e 50 mg por 2 semanas. Atualmente sem pregabalina, intensificou reabilitação e encontra-se satisfeita, pois após 6 meses da artroscopia está retornando gradativamente à corrida, e já está nadando e pedalando desde o primeiro mês de pós-operatório.

Caso 3

Paciente do sexo feminino, 81 anos, com antecedente de osteoporose. Apresentou quadro de fratura das vértebras L1, L2 e L3 após queda da própria altura, evoluindo com queixa de dor diária de forte intensidade na região lombar irradiada para o membro inferior direito (MID) até a altura do joelho, com prejuízo da deambulação, dor à palpação da região lombar alta e alodinia na coxa direita.

A equipe ortopédica assistente optou por não indicar tratamento cirúrgico, sendo indicado bloqueio peridural transforaminal com corticoide.

A paciente apresentou melhora da dor lombar, porém manteve dor de intensidade importante, EAV = 7, na face anterior da coxa direita, associada a sensação de queimação, agulhada, choque e dormência no local. Na avaliação sensitiva, apresentava alodinia mecânica na mesma área, cuja extensão era equivalente à de uma folha de papel A4.

Utilizando o racional da ferramenta diagnóstica, elaborou-se a hipótese diagnóstica de DNL por compressão nervosa pós-traumática da coluna lombar.

Foi indicado o tratamento com o emplastro de lidocaína a 5%, recobrindo a área de máxima dor, com reavaliação em quatro semanas. Após esse período, verificou-se uma resposta terapêutica favorável, com redução para EAV = 3, sendo proposto manter o emplastro de lidocaína a 5% por mais quatro semanas.

Reavaliada no retorno, a paciente relatava EAV = 1, e pela resposta positiva ao tratamento, optou-se por manter o fármaco com seguimento a cada dois meses.

DISCUSSÃO

No primeiro caso, foi apresentada uma paciente com diagnóstico de DNL pós-traumática por luxação da patela, para quem a utilização de emplastro de lidocaína a 5% permitiu uma redução significativa da intensidade da dor com boa tolerabilidade, ao mesmo tempo em que a tentativa de associação com um tratamento sistêmico levou ao desencadeamento de eventos adversos. Esse fato vai ao encontro do relatado em um estudo, no qual as pesquisas que compararam emplastro de lidocaína a 5% versus pregabalina no tratamento de DNL evidenciaram que, apesar de mostrarem eficácia analgésica semelhante, o emplastro de lidocaína a 5% apresentou um perfil de segurança mais favorável15.

No segundo caso foi mostrada uma paciente com lesão osteocondral do tálus por entorse do tornozelo, evoluindo com DNL, com boa resposta ao tratamento com emplastro de lidocaína a 5% combinado a pregabalina. A abordagem multimodal contribuiu para a diminuição da intensidade de dor da paciente, permitindo a recuperação gradativa de suas atividades diárias. Ela evoluiu com indicação de procedimento cirúrgico, demandando suporte terapêutico sistêmico pós-operatório, que possibilitou uma reabilitação completa, com persistência de sintomas neuropáticos mínimos.

Esse resultado vai ao encontro do relatado por um estudo que avaliou a eficácia da combinação do emplastro de lidocaína a 5% com a pregabilina no tratamento de pacientes com DNL de causa pós-herpética e por neuropatia diabética dolorosa. Nesse estudo, observou-se que nos pacientes que não responderam bem à monoterapia (tanto com pregabalina quanto com o emplastro de lidocaína a 5%), a abordagem multimodal com os dois tratamentos combinados resultou em melhora da resposta terapêutica, com boa tolerabilidade e, em alguns casos, permitindo até a redução das doses diárias de pregabalina utilizadas, diminuindo a incidência de eventos adversos1616 Baron R, Mayoral V, Leijon G, Binder A, Steigerwald I, Serpell M. 5% lidocaine medicated plaster versus pregabalin in post-herpetic neuralgia and diabetic polyneuropathy: an open-label, non-inferiority two-stage RCT study. Curr Med Res Opin. 2009;25(7):1663-76..

Por fim, no terceiro caso clínico, foi discutida a história de uma paciente diagnosticada com DNL por compressão nervosa pós-traumática da coluna lombar, que necessitou da utilização de emplastros de lidocaína a 5% por período prolongado, com resposta terapêutica satisfatória, e que manteve utilização com seguimento e avaliação a cada dois meses.

Há relatos na literatura científica a respeito do uso de lidocaína a 5% no tratamento da DNL pós-traumática. Um estudo1717 Baron R, Allegri M, Correa-Illanes G, Hans G, Serpell M, Mick G, Mayoral V. The 5% lidocaine-medicated plaster: its inclusion in international treatment guidelines for treating localized neuropathic pain, and clinical evidence supporting its use. Pain Ther. 2016;5(2):149-69. acompanhou 7 pacientes com DNL pós-traumática durante um período de meses e verificou que o valor médio da intensidade da dor tinha diminuído 78%, de 8,6 na linha de base para 1,9 (EAV), e nenhum evento adverso foi considerado relacionado ao uso do emplastro de lidocaína.

Outro estudo reportou que após o tratamento com lidocaína a 5% por cinco anos, 45,5% dos pacientes com DN pós-traumática ou pós-operatória tinham relatado uma redução de intensidade da dor de mais de 50%1818 Delorme C, Navez ML, Legout V, Deleens R, Moyse D. Treatment of neuropathic pain with 5% lidocaine-medicated plaster: five years of clinical experience. Pain Res Manag. 2011;16(4):259-63..

Os resultados relatados no presente estudo corroboram, portanto, com o que se encontra relatado em estudos com pacientes com DNL de diversas etiologias, entre elas as causas pós-traumáticas, para as quais o uso do emplastro de lidocaína se mostrou eficaz e bem tolerado no manejo dessa condição, seja como tratamento único ou no contexto da terapia multimodal14.

CONCLUSÃO

Em concordância com as evidências da literatura científica, o uso do emplastro de lidocaína a 5% nos casos de DNL pós-traumática relatados demonstrou-se eficaz no manejo dessa condição e apresentou perfil de segurança e tolerabilidade favorável. Além disso, foi possível observar também que o emplastro de lidocaína a 5%, quando adicionado em abordagem multimodal, contribuiu para uma melhora no quadro sem prejuízo da tolerabilidade do tratamento.

AGRADECIMENTOS

A assistência editorial foi fornecida pela Content Ed Net com financiamento da Grünenthal.

  • Fontes de fomento: A assistência editorial foi fornecida pela Content Ed Net com financiamento da Grünenthal.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2022
  • Aceito
    24 Jul 2023
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