Acessibilidade / Reportar erro

Cefaleia crônica e uso de canabinoides: mitos e verdades

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O uso da cannabis medicinal é conhecido desde a antiguidade. O sistema endocanabinoide está distribuído no sistema nervoso central e periférico e atua como importante regulador em processos fisiológicos como função imune, plasticidade sináptica, regulação da dor e das emoções/estresse, entre outros. Devido à sua ampla distribuição e, de acordo com pesquisas, a cannabis pode ser indicada no manejo de sintomas em diferentes condições, como dor crônica, cefaleias, epilepsia, ansiedade e outras doenças psiquiátricas. Os canabinoides primários estudados são o 9-tetrahydrocannabinol (THC), cannabinol (CBN), canabigeral (CBG), e a tetrahidrocannabivarina (THCV). Os ingredientes ativos da cannabis incluem flavonoides, terpenos, delta-9- tetrahydrocannabinol (THC), canabidiol (CBD), e eles são capazes de agir dentro do sistema endocanabinoide e diminuir a nocicepção e a frequência dos sintomas. O objetivo deste estudo foi documentar a validade de como a cannabis medicinal pode ser utilizada como terapia alternativa para o manejo da cefaleia crônica, além de esclarecer sobre falsas crenças ligadas a seu uso.

CONTEÚDO:

Sessenta e quatro artigos foram selecionados por meio de pesquisa nas bases de dados Pubmed e Google Scholar. As seguintes palavras-chave foram usadas: “Cannabis”, “Maconha Medicinal”, “Cefaleia”, “Enxaqueca”, “Cannabis e Enxaqueca”, “Cannabis e Cefaleia”. A literatura mostra que o uso da cannabis medicinal reduz a duração e a frequência da enxaqueca e das cefaleias de origens não conhecidas.

CONCLUSÃO:

Pacientes sofrendo com enxaqueca e condições relacionadas podem se beneficiar da terapia com cannabis devido à sua conveniência e eficácia.

Descritores
Cefaleia; Cannabis; Enxaqueca com aura; Enxaqueca sem aura; Maconha medicinal

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The use of cannabis for medical purposes is known since ancient times. The endocannabinoid system is present throughout central and peripheral nervous system and plays a role in many important regulatory physiological processes like immune function, synaptic plasticity, pain and regulation of stress and emotion, among others. Due to its wide distribution and according to researches, cannabis can be indicated for symptoms management in different disorders such as chronic pain, headache, epilepsy, anxiety and other psychiatric disorders. The primary cannabinoids studied to date include delta-9-tetrahydrocannabinol (THC), cannabinol (CBN), cannabigerol (CBG), and tetrahydrocannabivarin (THCV). The active ingredients in cannabis include flavonoids, terpenes, delta-9-tetrahydrocannabinol (THC), cannabidiol (CBD) and they are able to act within the endocannabinoid system and decrease nociception and also the frequency of the symptoms. The purpose of the article is to document the validity of how medical cannabis can be utilized as an alternative therapy for chronic headache management and enlighten about false beliefs regarding its use.

CONTENTS:

Sixty-four relevant articles were selected after a thorough screening process using PubMed and Google Scholar databases. The following keywords were used: “Cannabis”, “Medical Marijuana”, “Headache”, “Migraine”, “Cannabis and Migraine”, “Cannabis and Headache”. This literature study demonstrates that medical cannabis use decreases migraine duration and frequency and headaches of unknown origin.

CONCLUSION:

Patients suffering from migraines and related conditions may benefit from medical cannabis therapy due to its convenience and efficacy.

Keywords
Cannabis; Endocannabinoids; Headache; Medical marijuana; Migraine disorders

INTRODUÇÃO

O uso da cannabis medicinal, tanto para uso recreacional adulto como medicinal, é histórico. A cannabis tem sido usada desde a antiguidade na China, Egito, Índia e ocidente, para o tratamento de diferentes condições como glaucoma, cólicas, ansiedade, dor crônica e cefaleia11 Butrica JL. The medical use of cannabis among the Greeks and Romans. J Cannabis Ther. 2002;2(2):51-70.. Os efeitos terapêuticos resultam de uma complexa interação dos aproximadamente 500 compostos presentes na planta. Os principais fitocanabinoides presentes na planta são ∆9- tetrahidrocannabinol (THC) e canabidiol (CBD)22 Russo EB. History of Cannabis and Its Preparations in Saga, Science, and Sobriquet. Chem Biodivers. 2007;4(8):1614-48.. Os ingredientes ativos incluem flavonoides, terpenos, ∆9- tetrahidrocannabinol (THC), canabidiol (CBD) e eles são capazes de atuar no sistema endocanabinoide e diminuir a nocicepção e, também, a frequência dos sintomas33 Clendinning J. Observations on the medical properties of the cannabis sativa of India. Med Chir Trans. 1843;26:188-210.,44 Lewis M, Russo E, Smith K. Pharmacological foundations of cannabis chemovars. Planta Med. 2018;84(04):225-33..

Evidências sugerem um comportamento sinergístico entre estes componentes, principalmente entre canabinoides e terpenos. O “efeito entourage” corresponde ao efeito sinérgico e a interação entre eles55 Russo E. Hemp for headache: an in-depth historical and scientific review of cannabis in migraine treatment. J Cannabis Ther. 2001;1:21-92.

6 Ben-Shabat S, Fride E, Sheskin T. An entourage effect: inactive endogenous fatty acid glycerol esters enhance 2-arachidonoyl-glycerol cannabinoid activity. Eur J Pharmacol. 1998;353(1):23-31.
-77 Russo EB. Taming THC: potential cannabis synergy and phytocannabinoid-terpenoid entourage effects. Br J Pharmacol. 2011;163(7):1344-64..

O CBD foi isolado em 1963, e o THC em 1964. Entretanto, apenas em 1990 os receptores canabinoides e os canabinoides endógenos foram descobertos. Evidências da atividade canabinoide através de receptores não canabinoides foram encontradas no início do século XX88 Gurley BJ, Murphy TP, Gul W, Walker LA, ElSohly M. Content versus label claims in cannabidiol (CBD)-containing products obtained from commercial outlets in the state of Mississippi. J Diet Suppl. 2020;17(5):599-607..

A distribuição do sistema endocanabinoide no sistema nervosa periférico e central é ampla. Entre as suas muitas funções diferentes, o sistema endocanabinoide é virtualmente importante em todas as atividades fisiológicas regulatórias como inflamação, função imune, metabolismo, ciclo sono/vigília, regulação do apetite, termogênese, desenvolvimento neural, função cardiovascular, plasticidade sináptica, nocicepção/dor, regulação do estresse e emoção99 Aggarwal SK. Cannabinergic pain medicine: A concise clinical primer and survey of randomized-controlled trial results. Clin J Pain. 2013;29(2):162-71.,1010 Howlett AC. Efficacy in CB1 receptor-mediated signal transduction. Br J Pharmacol. 2004;142(8):1209-18..

O sistema endocanabinoide consiste em receptores - canabinoide 1 (CB1) e 2 (CBD2); ligantes - os ligantes de receptores de canabinoides endógenos; canabinoides endógenos como N-arachidonoiletanolamina (anandamida, ou AEA) e 2-arachidonoilglicerol (2-AG); e também enzimas de síntese e catabolismo1111 Petrocellis L, Di Marzo V. An introduction to the endocannabinoid system: from the early to the latest concepts. Best Pract Res Clin Endocrinol Metabol. 2009;23(1):1-15..

Os receptores canabinoides CB1 e CB2 são pré-sinápticos do tipo acoplados à proteína G, que são essenciais às atividades do sistema endocanabinoide. Os receptores CB1 são os receptores acoplados à proteína G mais abundantes no cérebro. Eles são proeminentes nas vias anatômicas, incluindo substância cinzenta periaquedutal (PAG), bulbo rostral ventrolateral (RVM) e abundantes no sistema nervoso central e periférico, incluindo as regiões aferente dorsal primária e substância gelatinosa espinal, interneurônios espinais e nervos periféricos. Os receptores CB2 são primariamente concentrados nos tecidos periféricos, entretanto estão presentes, mas em concentrações inferiores, no cérebro, em regiões como a PAG1212 Guindon J, Hohmann AG. The endocannabinoid system and pain. CNS Neurol Disord Drug Targets. 2009;8(6):403-21.

13 Di Marzo V, Piscitelli F, Mechoulam R. Cannabinoids and endocannabinoids in metabolic disorders with focus on diabetes. Handb Exp Pharmacol. 2011;203:75-104.

14 Pertwee RG, Howlett AC, Abood ME, Alexander SPH, Marzo VD, Elphick MR, Greasly PJ, Hansen HS, Kunos G, Mackie K, Mechoulam R, Ross RA. International Union of Basic and Clinical Pharmacology. LXXIX. Cannabinoid receptors and their ligands: beyond CB(1) and CB(2). Pharmacol Rev. 2010;62(4):588-631.
-1515 Ramikie TS, Nyilas R, Bluett RJ, Gamble-George JC, Hartley ND, Watanabe KM, Katona I, Patel S. Multiple mechanistically distinct modes of endocannabinoid mobilization at central amygdala glutamatergic synapses. Neuron. 2014;81(5):1111-25..

O sistema endocanabinoide não atua apenas por meio de receptores. Parece também trabalhar de forma sinérgica combinando-se a outros alvos moleculares dentro de circuitos endógenos de dor maiores, como endorfina/encefalina, subfamília de receptores de canais de cátions vaniloides/transitórias V (TRPV) e sistema inflamatório.

A enxaqueca afeta aproximadamente 10% da população mundial e é tida como a segunda causa de incapacidade mundialmente1616 GBD 2015 Neurological Disorders Collaborator Group. Global, regional, and national burden of neurological disorders during 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet Neurol. 2017;16:877-897.. A enxaqueca é prevalente, de predomínio feminino, e uma doença complexa. Os ataques de dor resultam da ativação dolorosa do sistema trigemino-vascular1717 Ashina M, Hansen JM, Do TP, Melo-Carrillo A, Burstein R, Moskowitz MA. Migraine and the trigeminovascular system-40 years and counting. Lancet Neurol. 2019;18(8):795-804.,1818 Russo EB. Clinical endocannabinoid deficiency reconsidered: current research supports the theory in migraine, fibromyalgia, irritable bowel, and other treatment-resistant syndromes. Cannabis Cannabinoid Res. 2016;1(1):154-65..

Há evidência que sugere o nível baixo de N-arachidonoiletanolamina (anandamida ou AEA) no líquido cérebro-espinal quando comparado à população não-migranosa. Além disso, a população com migrânea crônica apresenta baixos níveis de recaptação de AEA e de enzimas de metabolismo1919 Cupini LM, Costa C, Sarchielli P, Bari M, Battista N, Eusebi P. Degradation of endocannabinoids in chronic migraine and medication overuse headache. Neurobiol Dis. 2008;30(2):186-9.,2020 Sarchielli P, Pini LA, Coppola F, Rossi C, Baldi A, Mancini ML, Calabresi P. Endocannabinoids in chronic migraine: CSF findings suggest a system failure. Neuropsychopharmacology. 2007;32(6):1384-90..

Nas enxaquecas, a teoria atual sugere que o sistema canabinoide mitiga a migrânea por diversas vias (glutamina, inflamatória, opiácea e serotoninérgica), tanto central quanto perifericamente2121 Mille, S, Matharu MS. Migraine is underdiagnosed and undertreated. Practitioner 2014;258(1774):19-24..

Não há dados relevantes disponíveis que sugerem que uma deficiência no sistema endocanabinoide está relacionada à enxaqueca. O tratamento da enxaqueca é dividido em agudo e terapia preventiva. Já que a doença é altamente incapacitante, é importante começar a prevenção quando indicada.

Os fármacos mais usados na migrânea aguda são anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e triptanos. Grande parte das terapias preventivas disponíveis baseiam-se em fármacos antiepiléticos, antidepressivos e anti-hipertensivos. Outras modalidades que são atualmente defendidas são a toxina botulínica - onabotulinum toxin A e antagonistas relacionados ao gene da calcitonina (anti-CGRP), disponíveis para o tratamento de migrânea crônica2222 Evers S, Afra J, Frese A, Goadsby M, Linde A, May PS. Sándor PS. EFNS guideline on the drug treatment of migraine-revised report of an EFNS task force. Eur J Neurol. 2009;16(9):968-81.,2323 Holland S, Silberstein SD, Freitag F, Dodick DW, Argoff C, Ashman E. Evidence-based guideline update: NSAIDs and other complementary treatments for episodic migraine prevention in adults: report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology and the American Headache Society. Neurology. 2012;78:1346-1353..

Em relação à neuromodulação, pode-se atualmente contar com dispositivos que estão disponíveis ou já estão em estágios avançados de desenvolvimento, para tratamento tanto da cefaleia aguda quanto da crônica. Apesar das muitas alternativas, ainda se tem que lidar com pacientes que não se beneficiam ou não toleram os fármacos na rotina. Estes não respondedores correspondem a um alto número de paciente que mantém o sofrimento e a incapacidade com os sintomas da cefaleia crônica.

CONTEÚDO

Cefaleia crônica e o uso de canabinoides

Apesar do uso da cannabis para migrânea entre 1842 e 1942, muito do conhecimento ao redor do tratamento tem sido descoberto recentemente, como a atividade canabinoide através de receptores não canabinoides88 Gurley BJ, Murphy TP, Gul W, Walker LA, ElSohly M. Content versus label claims in cannabidiol (CBD)-containing products obtained from commercial outlets in the state of Mississippi. J Diet Suppl. 2020;17(5):599-607.. A ativação dos receptores CB1 e CB2 abre canais de potássio com consequente hiperpolarização pré-sináptica, fechando canais de sódio que inibem a liberação de neurotransmissores inibitórios e excitatórios armazenados2424 Pertwee RG. The diverse CB1 and CB2 receptor pharmacology of three plant cannabinoids: Delta9-tetrahydrocannabinol, cannabidiol and delta9-tetrahydrocannabivarin. Br J Pharmacol. 2008;153(17):199-215.. A ativação CB1 no sistema nervoso central inibe a liberação de neurotransmissores inibitórios e excitatórios (GABA, glutamato, serotonina, dopamina, noradrenalina, D-aspartato e acetilcolina)2525 Katona I, Freund TF. Endocannabinoid signaling as a synaptic circuit breaker in neurological disease. Nat Med. 2008;14(9):923-30..

É importante salientar que os canabinoides são ativos pelos receptores CB1 em áreas do cérebro e tronco cerebral envolvidos na fisiopatologia da migrânea. Estas áreas incluem: PAG (que é parte do sistema de modulação dolorosa e pode ser uma área de geração de enxaqueca), bulbo rostral, área postrema, núcleo trigeminal caudal e gânglio trigeminal2626 Greco R, Gasperi V, Maccarrone M, Tassorelli C. The endocannabinoid system and migraine. Exp Neurol. 2010;224(1):85-91.

27 Mailleux P, Vanderhaeghen JJ. Localization of cannabinoid receptor in the human developing and adult basal ganglia. Higher levels in the striatonigral neurons. Neurosci Lett. 1992;148(1-2):173-6.
-2828 Zhengjie L, Mailan L, Lei L, Fang Z. Altered periaqueductal gray resting state functional connectivity in migraine and the modulation effect of treatment. Nature. 2016; 6(20298):1-11..

Quando os receptores CB1 são ativados na substância cinzenta periaquedutal no bulbo, eles podem inibir a transmissão GABAérgica e glutamatérgica por prevenirem a liberação dos neurotransmissores. Eles também regulam a nocicepção de múltiplos ramos do gânglio trigeminal2929 Price TJ, Helesig G, Parchi D, Hargreaves KM, Flores CM. The neuronal distribution of cannabinoid receptor type 1 in the trigeminal ganglion of the rat. Neurosci. 2003;120(1):155-62.. As dores faciais e a cefaleia que acompanham a enxaqueca resultam da ativação do sistema trigeminovascular3030 Ferrari MD, Klever RR, Terwindt GM, Ayata C, van den Maagdenberg AM. Migraine pathophysiology: lessons from mouse models and human genetics. Lancet Neurol. 2015;14(1):65-80..

Os estudos mostram que a ativação plaquetária está aumentada nos pacientes migranosos. O estresse oxidativo é um importante determinante para alterações de membrana eritrocitária. Os pacientes migranosos podem exibir uma suscetibilidade genética a um estado pró-inflamatório. Os canabinoides mostraram inibir a liberação de 5HT das plaquetas durante a migrânea3131 Paolucci M, Altamura C, Vernieri F. The role of the endothelia dysfunction in the pathophysiology and cerebrovascular effects in migraine: a narrative review. J Clin Neurol 2021;17(2):164-175.. A anandamida (AEA) é um canabinoide endógeno que usualmente inibe o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) e o óxido nítrico (NO). Em migranosos, os níveis de AEA estão diminuídos quando comparados com controles normais, e os níveis de CGRP e NO estão mais altos do que em controles normais2020 Sarchielli P, Pini LA, Coppola F, Rossi C, Baldi A, Mancini ML, Calabresi P. Endocannabinoids in chronic migraine: CSF findings suggest a system failure. Neuropsychopharmacology. 2007;32(6):1384-90..

A cefaleia em salvas é classificada como trigemino-autonômica e pode ser uma condição crônica que causa intenso sofrimento. Acredita-se que o hipotálamo ipsilateral é um local de ativação na cefaleia em salvas. Os receptores CB1 são altamente concentrados no hipotálamo. A região hipotalâmica é parte do painel clínico de outras cefaleias autonômicas, como ataques neuralgiformes curtos, incluindo os ataques de curta duração unilaterais com hiperemia conjuntival e lacrimejamento (SUNCT) e ataques de curta duração com sintomas autonômicos (SUNA), hemicranias paraoxísticas e hemicrania contínua3232 May A, Burstein R. Hypothalamic regulation of cluster headache and migraine. Cephalalgia. 2019;39(13)1710-9..

Estudos clínicos sobre cannabis para a cefaleia crônica

Apesar do interesse crescente pelo uso medicinal da cannabis e seus riscos e benefícios para a saúde, as pesquisas médicas ainda são escarças. Carece-se de estudos randomizados placebo-controlados, duplo-cegos, com ensaios multicêntricos, que avaliem o uso da cannabis na cefaleia crônica, que seriam estudos padrão-ouro. A maior parte da literatura atual é limitada a estudos retrospectivos e observacionais (dados colhidos por pesquisas com relatos e autoavaliações, como pesquisas por telefone), relatos de casos e séries de casos.

Muitos dos estudos disponíveis atualmente sugerem benefícios da cannabis no tratamento da cefaleia crônica, salientando a migrânea, que é a mais comumente avaliada nos estudos. A literatura ainda mostra evidências que respaldam o uso de canabinoides no tratamento de cefaleia em salvas, hipertensão intracraniana idiopática e esclerose múltipla (EM) associada a neuralgia trigeminal. Além disso, pacientes e médicos devem estar cientes das limitações da cannabis e dos efeitos adversos.

Um estudo3333 Pini LA, Guerzoni S, Cainazzo MM, Ferrari A, Sarchielli P, Tiraferri I, Ciccarese M, Zappaterra M. Nabilone for the treatment of medication overuse headache: results of a preliminary double-blind, active-controlled, randomized trial. J Headache Pain. 2012;13(8):677-84. randomizado, duplo-cego, ativo-controlado, transversal, foi conduzido com 30 pacientes (10 homens elegíveis e 20 mulheres que não estavam grávidas) comparecendo à Universidade de Modena no Centro Interdepartmental para Pesquisa em Cefaleia e Abuso de Drogas (Itália). Todos os participantes sofriam com cefaleia crônica há pelo menos 3 anos e tinham história de abuso de analgésicos ou drogas antimigranosas. Os pacientes eram randomizados para receber ambos os tratamentos em casa: um período com nabilona e outro com ibuprofeno, em uma sequência cega. Cada período durou 8 semanas. A nabilona, um agonista de receptor canabinoide 1, em doses diárias, foi mais eficiente do que o ibuprofeno para pacientes sofrendo com enxaqueca pelo abuso de analgésicos3333 Pini LA, Guerzoni S, Cainazzo MM, Ferrari A, Sarchielli P, Tiraferri I, Ciccarese M, Zappaterra M. Nabilone for the treatment of medication overuse headache: results of a preliminary double-blind, active-controlled, randomized trial. J Headache Pain. 2012;13(8):677-84..

Em outro estudo retrospectivo e observacional do uso de cannabis na migrânea, os investigadores revisaram históricos de 121 adultos de duas clínicas especialistas na marijuana medicinal no Colorado. O desfecho primário foi o número de crises de enxaqueca por mês no início das consultas e no seguimento. Oitenta e cinco por cento dos pacientes relataram diminuição da frequência das crises de enxaqueca mensais3434 Rhyne DN, Anderson SL, Gedde M, Borgelt LM. Effects of medical marijuana on migraine headache frequency in an adult population. Pharmacotherapy. 2016;36(5):505-10.. Estudo transversal3535 Aviram J, Vysotski Y, Berman P, Lewitus GM, Eisenberg E, Meiri D. Migraine frequency decrease following prolonged medical cannabis treatment: a cross-sectional study. Brain Sci. 2020;10(6)360. com pesquisa de autorrelato de 145 pacientes com enxaqueca mostraram redução da frequência da migrânea com uso de cannabis medicinal, numa média de 3 anos. Um questionário on-line de dados foi coletado. A amostra consiste numa maioria de mulheres (n=97, 67%), com média de idade de 45 anos. Este estudo classificou os pacientes como redução ≥ 50% na média mensal de dias sem enxaqueca como respondedores. Sessenta e um por cento dos pacientes foram considerados respondedores. Quarenta e cinco por cento dos pacientes utilizaram analgésicos farmacêuticos convencionais concomitantemente.

MITOS E ERROS

O movimento global em direção à legalização da cannabis está resultando em uma percepção pelo público, nunca antes vista, de que a cannabis é segura. A cannabis não é a primeira droga disponível para uso não médico e nem é a única a ter um perfil seguro para uso. Muitos canabinoides exógenos têm mostrado que se conectam com o receptor CB1 e/ou CB2. Esses receptores são expressos em quase todo o corpo humano. Os receptores CB1 localizam-se principalmente no sistema nervoso central3636 Lochte BC, Beletsky A, Samuel NK, Grant I. The use of cannabis for headache disorders . Cannabis Cannabinoid Res. 2017;2(1):61-71., enquanto os CB2 são encontrados principalmente no sistema hematopoiético e imune3737 Kopruszinski1 CM, Navratilova E, Vagnerova B, Swiokla J, Patwardhan A, Dodick D, PorreCa F. Cannabinoids induce latent sensitization in a preclinical model of medication overuse headache. Cephalgia. 2020;40(1): 1-11.,3838 MacCallum AC, Lo LA, Boivin M. “Is medical cannabis safe for my patients?” A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Int Med. 2021;10-18..

Os efeitos adversos podem estar presentes tanto com seu uso medicinal quanto no uso recreativo. Existem múltiplas variáveis que podem influenciar a presença ou a gravidade dos efeitos colaterais com o uso da cannabis, assim como seus benefícios3636 Lochte BC, Beletsky A, Samuel NK, Grant I. The use of cannabis for headache disorders . Cannabis Cannabinoid Res. 2017;2(1):61-71.

37 Kopruszinski1 CM, Navratilova E, Vagnerova B, Swiokla J, Patwardhan A, Dodick D, PorreCa F. Cannabinoids induce latent sensitization in a preclinical model of medication overuse headache. Cephalgia. 2020;40(1): 1-11.
-3838 MacCallum AC, Lo LA, Boivin M. “Is medical cannabis safe for my patients?” A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Int Med. 2021;10-18.. O receio em relação aos efeitos psicoativos do uso da maconha e o preconceito existente ainda limitam muito seu uso. Apesar dos efeitos psicoativos já serem preocupação com o uso da cannabis medicinal, o uso do canabidiol é seguro. O delta-9-tetrahidrocanabinol é o fitocanabinoide conectado aos efeitos psicoativos. Apesar disso, deve-se tomar cuidado em relação aos fatores descritos e evitar ao máximo os riscos relacionados.

Antes da prescrição do CBD para o tratamento da migrânea, é importante considerar se existe contraindicação de forma individualizada. Há contraindicações e/ou precauções que requerem a avaliação do risco/benefício do uso da cannabis e canabinoides às quais deve-se estar alerta33 Clendinning J. Observations on the medical properties of the cannabis sativa of India. Med Chir Trans. 1843;26:188-210.,99 Aggarwal SK. Cannabinergic pain medicine: A concise clinical primer and survey of randomized-controlled trial results. Clin J Pain. 2013;29(2):162-71.,1212 Guindon J, Hohmann AG. The endocannabinoid system and pain. CNS Neurol Disord Drug Targets. 2009;8(6):403-21.,1717 Ashina M, Hansen JM, Do TP, Melo-Carrillo A, Burstein R, Moskowitz MA. Migraine and the trigeminovascular system-40 years and counting. Lancet Neurol. 2019;18(8):795-804.,3535 Aviram J, Vysotski Y, Berman P, Lewitus GM, Eisenberg E, Meiri D. Migraine frequency decrease following prolonged medical cannabis treatment: a cross-sectional study. Brain Sci. 2020;10(6)360.

36 Lochte BC, Beletsky A, Samuel NK, Grant I. The use of cannabis for headache disorders . Cannabis Cannabinoid Res. 2017;2(1):61-71.

37 Kopruszinski1 CM, Navratilova E, Vagnerova B, Swiokla J, Patwardhan A, Dodick D, PorreCa F. Cannabinoids induce latent sensitization in a preclinical model of medication overuse headache. Cephalgia. 2020;40(1): 1-11.
-3838 MacCallum AC, Lo LA, Boivin M. “Is medical cannabis safe for my patients?” A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Int Med. 2021;10-18.,3939 Baron EP. Compreehensive review of medicinal marijuana cannabinoids and therapeutic implications in medicine and headache:what a long strange trip its`been....Headache. 2015;55(6):885-916.

40 Bramer WM, Rethlefsen ML, Kleijnen, Franco OH. Optimal database combinations forliterature searches in systematic reviews: a prospective exploratory study. Syst Rev. 2017;6(1:1.

41 Castro F , Baraldi C , Pellesi L, Guerzoni S. Clinical evidence of cannabinoids in migraine: a narrative review. J. Clin.Med. 2022;11(6):1-9.

42 Chayasirisobhon S. Cannabis and neuropsychiatric disorders: an updated review. Acta Neurol Taiwan. 2019;29(2):27-39.

43 Connor JP, Stjepanovi D, Budney AJ, Le Foll B, Hall WD. Clinical management of cannabian withdrawal. Addiction. 2022;117(7):2075-95.

44 Cuttler C, Spradlin A, Cleveland MJ, Craft RM. Short-and long-term effects of cannabis on headache and migraine. J Pain. 2020;21(5-6):722-30

45 Kim PS, Fishman MA. Cannabis for pain and headaches primer. Curr Pain Headache Rep. 2017;21(4):19.

46 Pellesi l, Licata M, Verri P, Vandelli D, Palazzoli F, Marchesi M, Cainazzo MM, Pini LA, Guerzoni S. Pharmacokinetics and tolerability of oral cannabis preparations in pacientes with medication overuse headache (MOH). A pilot study. Eur J Clin Pharmacol. 2018;74(11):1427-36.

47 Poudel S, Quinonez J, Choudhari J, Au ZT, Paesani S, Thiess AK, Ruxmohan S, Hosameddin M, Ferrer GF, Michel J. Medical cannabis, headaches, and migraines: a review of the current literature. Cureus. 2021;13(8):2-6.

48 Russo E. Cannabis for migraine treatment:the once and future prescription? An hystorical and scientific review. Pain. 1998;76(1-2):3-8.
-4949 Zhang N, Woldeamanuel YW. Medication overuse headache in pacients with chronic migraine using cannabis. A case referente study. Headache. 2021;61(8):1234-44., e que podem inclusive ser proibitivas a seu uso. Um exemplo que exige precaução são pacientes com história de abuso de substâncias como álcool, dado o potencial de abuso, assim como aqueles em uso de sedativo-hipnóticos ou outras substâncias psicoativas devido ao potencial sinergístico dos efeitos.

É importante sempre considerar a função renal e hepática do paciente previamente ao início do tratamento. O seguimento com exames laboratoriais periódicos auxilia a acompanhar de forma segura o tratamento com canabidiol. Em casos graves de doença renal ou hepática, incluindo a hepatite C crônica, o uso diário não é recomendado por piorar o potencial de esteatose, então um seguimento mais regular com intervalos curtos é necessário nesses pacientes, prevenindo complicações evitáveis.

Outro alerta importante são pacientes com doença pulmonar, incluindo asma e doença pulmonar obstrutiva crônica, nos quais o tratamento deve ser criteriosamente indicado e acompanhado periodicamente. Não considerar uma avaliação cardiológica em pacientes idosos ou com antecedentes cardiológicos pode resultar em complicações graves. O CBD tem potencial de hipotensão, hipertensão, taquicardia e síncope, que pode ser um risco para pacientes com história de doença cardiopulmonar grave

Em pacientes com histórico psiquiátrico, particularmente esquizofrenia, ou histórico familiar de esquizofrenia, o uso deve ser feito com muito cuidado. Alguns autores inclusive recomendam evitá-lo, se possível. Também são necessárias atenção e cautela com o uso em menores de 18 anos devido ao seu maior potencial de efeitos adversos na saúde mental durante o desenvolvimento na adolescência. Não existe contraindicação formal para pacientes que realizam atividades como operar máquinas ou realizam atividades de risco, mas sempre se deve ter cautela e observar os efeitos adversos. Se possível, evitar o uso.

Mulheres não têm contraindicação para a prescrição do canabidiol, mas para aquelas que não estão em uso de contraceptivos ou que planejam engravidar é recomendado evitar o tratamento com canabidiol, que também não deve ser recomendado para gestantes e lactantes.

DISCUSSÃO

A cannabis é a droga mais usada desde a antiguidade para o tratamento de diferentes doenças como glaucoma, cólicas, dores crônicas e cefaleia11 Butrica JL. The medical use of cannabis among the Greeks and Romans. J Cannabis Ther. 2002;2(2):51-70.,22 Russo EB. History of Cannabis and Its Preparations in Saga, Science, and Sobriquet. Chem Biodivers. 2007;4(8):1614-48.. No ocidente, Dr. Clendinning foi o primeiro médico a tratar enxaqueca com cannabis em meados de 1840 em Londres, seguido do Dr. Greene33 Clendinning J. Observations on the medical properties of the cannabis sativa of India. Med Chir Trans. 1843;26:188-210.. A migrânea é a segunda doença mais incapacitante, seguida da dor lombar5050 GBD 2016 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 328 diseases and injuries for 195 countries, 1990-2016: a systematic analysis for the global burden of disease study 2016. Lancet. 2017;390(10100):1211-59.,5151 Stith SS, Diviant JP, Brockelman F, Keeling K, Hall B, Lucern S, Vigil J. Alleviative effects of Cannabis flower on migraine and headache. J Integr Med. 2020;18(5):416-424.. Atualmente, há respaldo em abundância para seu uso medicinal, assim como sobre seu potencial de benefícios nas cefaleias, incluindo enxaqueca e cefaleia tipo salvas, assim como para dor facial, como a neuralgia trigeminal relacionada à esclerose múltipla. Por outro lado, as propriedades dos canabinoides para uso medicinal, como a atividade dos canabinoides por meio de receptores não canabinoides, têm sido descobertas recentemente88 Gurley BJ, Murphy TP, Gul W, Walker LA, ElSohly M. Content versus label claims in cannabidiol (CBD)-containing products obtained from commercial outlets in the state of Mississippi. J Diet Suppl. 2020;17(5):599-607..

O sistema endocanabinoide é amplamente distribuído no cérebro e desempenha papel importante em muitos processos fisiológicos regulatórios99 Aggarwal SK. Cannabinergic pain medicine: A concise clinical primer and survey of randomized-controlled trial results. Clin J Pain. 2013;29(2):162-71.,1010 Howlett AC. Efficacy in CB1 receptor-mediated signal transduction. Br J Pharmacol. 2004;142(8):1209-18.. O sistema endocanabinoide consiste em receptores (CB1 e CB2), ligantes de receptores endocanabinoides endógenos (canabinoides endógenos) N-aracdonoiletanolamida (anandamida ou AEA) e 2-araquidonoilglicerol (2-AG) e enzimas de degradação1111 Petrocellis L, Di Marzo V. An introduction to the endocannabinoid system: from the early to the latest concepts. Best Pract Res Clin Endocrinol Metabol. 2009;23(1):1-15..

Quando os receptores CB1 estão ativados na PAG ou RVM, eles podem impedir a transmissão GABAérgica ou glutamatérgica por prevenir a liberação de neurotransmissores, um exemplo de atividade canabinoide em receptores não canabinoides88 Gurley BJ, Murphy TP, Gul W, Walker LA, ElSohly M. Content versus label claims in cannabidiol (CBD)-containing products obtained from commercial outlets in the state of Mississippi. J Diet Suppl. 2020;17(5):599-607.. Pacientes com enxaqueca podem exibir suscetibilidade genética a um estado pró-inflamatório e estudos mostram que a ativação plaquetária está aumentada em pacientes migranosos. Os canabinoides inibem a liberação de 5HT das plaquetas durante a migrânea3131 Paolucci M, Altamura C, Vernieri F. The role of the endothelia dysfunction in the pathophysiology and cerebrovascular effects in migraine: a narrative review. J Clin Neurol 2021;17(2):164-175..

Em pacientes migranosos, os níveis de AEA estão diminuídos no líquido cérebro-espinal quando comparados a controles sem enxaqueca, e os níveis de CGRP e NO estão mais elevados do que em controles normais2020 Sarchielli P, Pini LA, Coppola F, Rossi C, Baldi A, Mancini ML, Calabresi P. Endocannabinoids in chronic migraine: CSF findings suggest a system failure. Neuropsychopharmacology. 2007;32(6):1384-90.. As dores de cabeça e faciais que acompanham a enxaqueca são resultados da ativação do sistema trigemino-vascular3030 Ferrari MD, Klever RR, Terwindt GM, Ayata C, van den Maagdenberg AM. Migraine pathophysiology: lessons from mouse models and human genetics. Lancet Neurol. 2015;14(1):65-80.. A região hipotalâmica está relacionada ao complexo trigemino-autonômico, assim como a cefaleia tipo salvas3232 May A, Burstein R. Hypothalamic regulation of cluster headache and migraine. Cephalalgia. 2019;39(13)1710-9.. Os receptores CB1 estão altamente concentrados no hipotálamo.

No Brasil, a prevalência de migrânea é de aproximadamente 15.2%; cefaleia tensional é de 13%, e cefaleias diárias, 6.9%5252 Peres MFP, Queiroz LP, Rocha-Filho PS, Sarmento EM, Katsarava Z, Steiner TJ. Migraine: a major debilitating chronic non-communicable disease in Brazil, evidence from two national surveys. J Headache Pain. 2019; 20(85):2-6.. Uma observação relevante é que outros estudos mostraram um alto número da prevalência de provável migrânea e um crescimento global da migrânea no Brasil5353 Lucchetti G, Peres MFP. The prevalence of migraine and probable migraine in a Brazilian favela: results of a community survey. Headache. 2011;51(6):971-9.,5454 Queiroz LP, Silva Junior AA. The prevalence and impact of headache in Brazil. Headache. 2015;55(1):32-8.. A enxaqueca é altamente incapacitante e responsável por altos custos econômicos diretos e indiretos. É a segunda causa de incapacidade globalmente5555 Steiner TJ, Stovner LJ, Jensen R, Uluduz D, Katsarava Z. Lifting the Burden: The Global Campaign against Headache. Migraine remains second among the world’s causes of disability, and first among young women: findings from GBD2019. J. Headache Pain. 2020;21(1):137. e afeta mais de 10% da população mundial5656 Robbins MS, Lipton RB. The epidemiology of primary headache disorders. Semin Neurol. 2010;30(2):107-19..

Os estudos discutidos acima foram conduzidos em diferentes centros e com diferentes metodologias3434 Rhyne DN, Anderson SL, Gedde M, Borgelt LM. Effects of medical marijuana on migraine headache frequency in an adult population. Pharmacotherapy. 2016;36(5):505-10.,5757 Pini LA, Guerzoni S, Cainazzo MM, Ferrari A, Sarchielli P, Tiraferri I, Ciccarese M, Zappaterra M. Nabilone for the treatment of medication overuse headache: results of a preliminary double-blind, active-controlled, randomized trial. J Headache Pain. 2012;13(8):677-84. (estudos retrospectivos observacionais, estudos controles randomizados, estudos transversais com pesquisas de relatos individuais) e os resultados foram semelhantes quando observada a redução da frequência das crises de enxaqueca com o uso de canabinoides. As amostras consistiam de adultos (homens e mulheres) e os resultados foram estatisticamente significativos apesar de diferentes desfechos analisados.

Vários estudos indicavam que o uso inalatório da cannabis reduzia a gravidade das cefaleias e migrânea em aproximadamente 50%4141 Castro F , Baraldi C , Pellesi L, Guerzoni S. Clinical evidence of cannabinoids in migraine: a narrative review. J. Clin.Med. 2022;11(6):1-9.,3838 MacCallum AC, Lo LA, Boivin M. “Is medical cannabis safe for my patients?” A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Int Med. 2021;10-18.. A maioria dos pacientes que se tratavam com cannabis para cefaleia eram portadores de enxaqueca (88%)58. A ciência canábica está crescendo rapidamente e um novo setor na indústria está se desenvolvendo com uso de cepas diferentes e cruzadas para composição de canabinoides, terpenos e outros fitoquímicos, focando em doenças ou sintomas, incluindo a enxaqueca e as cefaleias4141 Castro F , Baraldi C , Pellesi L, Guerzoni S. Clinical evidence of cannabinoids in migraine: a narrative review. J. Clin.Med. 2022;11(6):1-9.,58. O uso repetitivo da cannabis está associado com tolerância a seus efeitos, fazendo da tolerância um fator de risco para o seu uso no tratamento das cefaleias4545 Kim PS, Fishman MA. Cannabis for pain and headaches primer. Curr Pain Headache Rep. 2017;21(4):19..

Os canabinoides são tidos como analgésicos na enxaqueca, mas seu uso excessivo com fármacos que contêm delta-9-THC ou outros componentes da marijuana, permanece incerto. Deve-se ter cautela em pacientes com histórico de abuso de substâncias; pacientes em uso de sedativos ou hipnóticos ou outros fármacos de efeito psicoativo (efeito sinérgico em potencial); doença renal ou hepática grave, doença cardiopulmonar grave; e doenças psiquiátricas3737 Kopruszinski1 CM, Navratilova E, Vagnerova B, Swiokla J, Patwardhan A, Dodick D, PorreCa F. Cannabinoids induce latent sensitization in a preclinical model of medication overuse headache. Cephalgia. 2020;40(1): 1-11.

38 MacCallum AC, Lo LA, Boivin M. “Is medical cannabis safe for my patients?” A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Int Med. 2021;10-18.
-3939 Baron EP. Compreehensive review of medicinal marijuana cannabinoids and therapeutic implications in medicine and headache:what a long strange trip its`been....Headache. 2015;55(6):885-916.. Se possível, evitar o uso em menores de 18 anos e mulheres em idade fértil com risco de gravidez ou lactantes.

Estabelecer a segurança dos efeitos de uso em longo prazo ainda é necessário. Um estudo recente mostrou baixo potencial de abuso do CBD com doses terapêuticas de 750 mg em uma população sensível em uso de polifarmácia4242 Chayasirisobhon S. Cannabis and neuropsychiatric disorders: an updated review. Acta Neurol Taiwan. 2019;29(2):27-39.. Uma avaliação segura de cada passo da jornada do paciente em uso de cannabis é necessária. Previamente ao início, os médicos devem investigar um potencial para contraindicações e potenciais interações farmacológicas33 Clendinning J. Observations on the medical properties of the cannabis sativa of India. Med Chir Trans. 1843;26:188-210.. A quimio-variante, a via de administração e a dose inicial mais segura, específica para cada paciente, devem ser avaliadas4545 Kim PS, Fishman MA. Cannabis for pain and headaches primer. Curr Pain Headache Rep. 2017;21(4):19..

CONCLUSÃO

O uso histórico da cannabis medicinal é descrita para várias doenças. Há abundante respaldo para seu uso medicinal, assim como para potenciais benefícios em diferentes formas de cefaleia, incluindo enxaqueca e cefaleia em salvas.

A base de evidências positivas para a medicina canabinoide para a dor é baseada em extensa pesquisa científica e é melhor explicada pela compreensão do sistema endocanabinoide e suas propriedades e mecanismos de ação dos fitocanabinoides no sistema nervoso central e periférico.

O uso repetitivo da cannabis está associado a tolerância a seus efeitos, fazendo da tolerância um fator de risco para seu uso no tratamento da migrânea. Há receio atualmente de que as falsas crenças sobre a segurança da cannabis possam ser julgadas pelas futuras gerações da mesma forma que hoje o tabaco é criticado.

Estudos duplo-cegos, placebo-controlados e randomizados são necessários e ajudarão a avaliar o efeito placebo e prover uma avaliação mais precisa da dose, tipo de cannabis, THC, CBD e interações com THC e CBD. Este artigo de revisão mostra resultados encorajadores para o uso medicinal da cannabis e seus efeitos terapêuticos no alívio da enxaqueca. Os benefícios em curto e longo prazos da cannabis medicinal foram relatados, assim como sua eficácia na redução da ingestão diária de analgésicos, dependência e intensidade da dor.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Butrica JL. The medical use of cannabis among the Greeks and Romans. J Cannabis Ther. 2002;2(2):51-70.
  • 2
    Russo EB. History of Cannabis and Its Preparations in Saga, Science, and Sobriquet. Chem Biodivers. 2007;4(8):1614-48.
  • 3
    Clendinning J. Observations on the medical properties of the cannabis sativa of India. Med Chir Trans. 1843;26:188-210.
  • 4
    Lewis M, Russo E, Smith K. Pharmacological foundations of cannabis chemovars. Planta Med. 2018;84(04):225-33.
  • 5
    Russo E. Hemp for headache: an in-depth historical and scientific review of cannabis in migraine treatment. J Cannabis Ther. 2001;1:21-92.
  • 6
    Ben-Shabat S, Fride E, Sheskin T. An entourage effect: inactive endogenous fatty acid glycerol esters enhance 2-arachidonoyl-glycerol cannabinoid activity. Eur J Pharmacol. 1998;353(1):23-31.
  • 7
    Russo EB. Taming THC: potential cannabis synergy and phytocannabinoid-terpenoid entourage effects. Br J Pharmacol. 2011;163(7):1344-64.
  • 8
    Gurley BJ, Murphy TP, Gul W, Walker LA, ElSohly M. Content versus label claims in cannabidiol (CBD)-containing products obtained from commercial outlets in the state of Mississippi. J Diet Suppl. 2020;17(5):599-607.
  • 9
    Aggarwal SK. Cannabinergic pain medicine: A concise clinical primer and survey of randomized-controlled trial results. Clin J Pain. 2013;29(2):162-71.
  • 10
    Howlett AC. Efficacy in CB1 receptor-mediated signal transduction. Br J Pharmacol. 2004;142(8):1209-18.
  • 11
    Petrocellis L, Di Marzo V. An introduction to the endocannabinoid system: from the early to the latest concepts. Best Pract Res Clin Endocrinol Metabol. 2009;23(1):1-15.
  • 12
    Guindon J, Hohmann AG. The endocannabinoid system and pain. CNS Neurol Disord Drug Targets. 2009;8(6):403-21.
  • 13
    Di Marzo V, Piscitelli F, Mechoulam R. Cannabinoids and endocannabinoids in metabolic disorders with focus on diabetes. Handb Exp Pharmacol. 2011;203:75-104.
  • 14
    Pertwee RG, Howlett AC, Abood ME, Alexander SPH, Marzo VD, Elphick MR, Greasly PJ, Hansen HS, Kunos G, Mackie K, Mechoulam R, Ross RA. International Union of Basic and Clinical Pharmacology. LXXIX. Cannabinoid receptors and their ligands: beyond CB(1) and CB(2). Pharmacol Rev. 2010;62(4):588-631.
  • 15
    Ramikie TS, Nyilas R, Bluett RJ, Gamble-George JC, Hartley ND, Watanabe KM, Katona I, Patel S. Multiple mechanistically distinct modes of endocannabinoid mobilization at central amygdala glutamatergic synapses. Neuron. 2014;81(5):1111-25.
  • 16
    GBD 2015 Neurological Disorders Collaborator Group. Global, regional, and national burden of neurological disorders during 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet Neurol. 2017;16:877-897.
  • 17
    Ashina M, Hansen JM, Do TP, Melo-Carrillo A, Burstein R, Moskowitz MA. Migraine and the trigeminovascular system-40 years and counting. Lancet Neurol. 2019;18(8):795-804.
  • 18
    Russo EB. Clinical endocannabinoid deficiency reconsidered: current research supports the theory in migraine, fibromyalgia, irritable bowel, and other treatment-resistant syndromes. Cannabis Cannabinoid Res. 2016;1(1):154-65.
  • 19
    Cupini LM, Costa C, Sarchielli P, Bari M, Battista N, Eusebi P. Degradation of endocannabinoids in chronic migraine and medication overuse headache. Neurobiol Dis. 2008;30(2):186-9.
  • 20
    Sarchielli P, Pini LA, Coppola F, Rossi C, Baldi A, Mancini ML, Calabresi P. Endocannabinoids in chronic migraine: CSF findings suggest a system failure. Neuropsychopharmacology. 2007;32(6):1384-90.
  • 21
    Mille, S, Matharu MS. Migraine is underdiagnosed and undertreated. Practitioner 2014;258(1774):19-24.
  • 22
    Evers S, Afra J, Frese A, Goadsby M, Linde A, May PS. Sándor PS. EFNS guideline on the drug treatment of migraine-revised report of an EFNS task force. Eur J Neurol. 2009;16(9):968-81.
  • 23
    Holland S, Silberstein SD, Freitag F, Dodick DW, Argoff C, Ashman E. Evidence-based guideline update: NSAIDs and other complementary treatments for episodic migraine prevention in adults: report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology and the American Headache Society. Neurology. 2012;78:1346-1353.
  • 24
    Pertwee RG. The diverse CB1 and CB2 receptor pharmacology of three plant cannabinoids: Delta9-tetrahydrocannabinol, cannabidiol and delta9-tetrahydrocannabivarin. Br J Pharmacol. 2008;153(17):199-215.
  • 25
    Katona I, Freund TF. Endocannabinoid signaling as a synaptic circuit breaker in neurological disease. Nat Med. 2008;14(9):923-30.
  • 26
    Greco R, Gasperi V, Maccarrone M, Tassorelli C. The endocannabinoid system and migraine. Exp Neurol. 2010;224(1):85-91.
  • 27
    Mailleux P, Vanderhaeghen JJ. Localization of cannabinoid receptor in the human developing and adult basal ganglia. Higher levels in the striatonigral neurons. Neurosci Lett. 1992;148(1-2):173-6.
  • 28
    Zhengjie L, Mailan L, Lei L, Fang Z. Altered periaqueductal gray resting state functional connectivity in migraine and the modulation effect of treatment. Nature. 2016; 6(20298):1-11.
  • 29
    Price TJ, Helesig G, Parchi D, Hargreaves KM, Flores CM. The neuronal distribution of cannabinoid receptor type 1 in the trigeminal ganglion of the rat. Neurosci. 2003;120(1):155-62.
  • 30
    Ferrari MD, Klever RR, Terwindt GM, Ayata C, van den Maagdenberg AM. Migraine pathophysiology: lessons from mouse models and human genetics. Lancet Neurol. 2015;14(1):65-80.
  • 31
    Paolucci M, Altamura C, Vernieri F. The role of the endothelia dysfunction in the pathophysiology and cerebrovascular effects in migraine: a narrative review. J Clin Neurol 2021;17(2):164-175.
  • 32
    May A, Burstein R. Hypothalamic regulation of cluster headache and migraine. Cephalalgia. 2019;39(13)1710-9.
  • 33
    Pini LA, Guerzoni S, Cainazzo MM, Ferrari A, Sarchielli P, Tiraferri I, Ciccarese M, Zappaterra M. Nabilone for the treatment of medication overuse headache: results of a preliminary double-blind, active-controlled, randomized trial. J Headache Pain. 2012;13(8):677-84.
  • 34
    Rhyne DN, Anderson SL, Gedde M, Borgelt LM. Effects of medical marijuana on migraine headache frequency in an adult population. Pharmacotherapy. 2016;36(5):505-10.
  • 35
    Aviram J, Vysotski Y, Berman P, Lewitus GM, Eisenberg E, Meiri D. Migraine frequency decrease following prolonged medical cannabis treatment: a cross-sectional study. Brain Sci. 2020;10(6)360.
  • 36
    Lochte BC, Beletsky A, Samuel NK, Grant I. The use of cannabis for headache disorders . Cannabis Cannabinoid Res. 2017;2(1):61-71.
  • 37
    Kopruszinski1 CM, Navratilova E, Vagnerova B, Swiokla J, Patwardhan A, Dodick D, PorreCa F. Cannabinoids induce latent sensitization in a preclinical model of medication overuse headache. Cephalgia. 2020;40(1): 1-11.
  • 38
    MacCallum AC, Lo LA, Boivin M. “Is medical cannabis safe for my patients?” A practical review of cannabis safety considerations. Eur J Int Med. 2021;10-18.
  • 39
    Baron EP. Compreehensive review of medicinal marijuana cannabinoids and therapeutic implications in medicine and headache:what a long strange trip its`been....Headache. 2015;55(6):885-916.
  • 40
    Bramer WM, Rethlefsen ML, Kleijnen, Franco OH. Optimal database combinations forliterature searches in systematic reviews: a prospective exploratory study. Syst Rev. 2017;6(1:1.
  • 41
    Castro F , Baraldi C , Pellesi L, Guerzoni S. Clinical evidence of cannabinoids in migraine: a narrative review. J. Clin.Med. 2022;11(6):1-9.
  • 42
    Chayasirisobhon S. Cannabis and neuropsychiatric disorders: an updated review. Acta Neurol Taiwan. 2019;29(2):27-39.
  • 43
    Connor JP, Stjepanovi D, Budney AJ, Le Foll B, Hall WD. Clinical management of cannabian withdrawal. Addiction. 2022;117(7):2075-95.
  • 44
    Cuttler C, Spradlin A, Cleveland MJ, Craft RM. Short-and long-term effects of cannabis on headache and migraine. J Pain. 2020;21(5-6):722-30
  • 45
    Kim PS, Fishman MA. Cannabis for pain and headaches primer. Curr Pain Headache Rep. 2017;21(4):19.
  • 46
    Pellesi l, Licata M, Verri P, Vandelli D, Palazzoli F, Marchesi M, Cainazzo MM, Pini LA, Guerzoni S. Pharmacokinetics and tolerability of oral cannabis preparations in pacientes with medication overuse headache (MOH). A pilot study. Eur J Clin Pharmacol. 2018;74(11):1427-36.
  • 47
    Poudel S, Quinonez J, Choudhari J, Au ZT, Paesani S, Thiess AK, Ruxmohan S, Hosameddin M, Ferrer GF, Michel J. Medical cannabis, headaches, and migraines: a review of the current literature. Cureus. 2021;13(8):2-6.
  • 48
    Russo E. Cannabis for migraine treatment:the once and future prescription? An hystorical and scientific review. Pain. 1998;76(1-2):3-8.
  • 49
    Zhang N, Woldeamanuel YW. Medication overuse headache in pacients with chronic migraine using cannabis. A case referente study. Headache. 2021;61(8):1234-44.
  • 50
    GBD 2016 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 328 diseases and injuries for 195 countries, 1990-2016: a systematic analysis for the global burden of disease study 2016. Lancet. 2017;390(10100):1211-59.
  • 51
    Stith SS, Diviant JP, Brockelman F, Keeling K, Hall B, Lucern S, Vigil J. Alleviative effects of Cannabis flower on migraine and headache. J Integr Med. 2020;18(5):416-424.
  • 52
    Peres MFP, Queiroz LP, Rocha-Filho PS, Sarmento EM, Katsarava Z, Steiner TJ. Migraine: a major debilitating chronic non-communicable disease in Brazil, evidence from two national surveys. J Headache Pain. 2019; 20(85):2-6.
  • 53
    Lucchetti G, Peres MFP. The prevalence of migraine and probable migraine in a Brazilian favela: results of a community survey. Headache. 2011;51(6):971-9.
  • 54
    Queiroz LP, Silva Junior AA. The prevalence and impact of headache in Brazil. Headache. 2015;55(1):32-8.
  • 55
    Steiner TJ, Stovner LJ, Jensen R, Uluduz D, Katsarava Z. Lifting the Burden: The Global Campaign against Headache. Migraine remains second among the world’s causes of disability, and first among young women: findings from GBD2019. J. Headache Pain. 2020;21(1):137.
  • 56
    Robbins MS, Lipton RB. The epidemiology of primary headache disorders. Semin Neurol. 2010;30(2):107-19.
  • 57
    Pini LA, Guerzoni S, Cainazzo MM, Ferrari A, Sarchielli P, Tiraferri I, Ciccarese M, Zappaterra M. Nabilone for the treatment of medication overuse headache: results of a preliminary double-blind, active-controlled, randomized trial. J Headache Pain. 2012;13(8):677-84.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2022
  • Aceito
    13 Fev 2023
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br