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Perspectivas de terapia ocupacional na atenção aos usuários com doenças do aparelho circulatório no contexto hospitalar de média complexidade1 1 Foram executados todos os procedimentos éticos para a realização do estudo e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, protocolo nº 365/2013. O estudo é parte de pesquisa e intervenção.

Resumo

Introdução

As Doenças do Aparelho Circulatório têm se configurado ao longo dos anos como as maiores causas de mortalidade e hospitalização de adultos e idosos em todo o mundo. Tal realidade foi observada na prevalência de usuários internados em um Hospital Universitário.

Objetivo

Descrever e analisar as estratégias terapêuticas ocupacionais desenvolvidas com adultos e idosos hospitalizados com Doenças do Aparelho Circulatório.

Método

A pesquisa tem caráter qualitativo exploratório e retrospectivo, realizada entre junho e setembro de 2019, com base em pesquisa documental referente aos registros dos prontuários de terapia ocupacional e o resumo de alta hospitalar de usuários acompanhados no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, no período de 2014 e 2018.

Resultados

Dos 200 prontuários selecionados, foram analisados 46 registros de usuários com Doenças do Aparelho Circulatório, sendo a maioria do sexo masculino e acima de 60 anos, e cerca da metade, 22 registros, apontaram doenças relacionadas ao Acidente Vascular Cerebral. Quanto ao Índice de Barthel Modificado, todos apresentaram algum grau de dependência. Os temas e as estratégias terapêuticas ocupacionais se mostraram diversificados e voltados para funcionalidade, aspectos subjetivos dos usuários, multiprofissionalidade e seguimento na rede de serviços e cuidado extra-hospitalar.

Conclusão

A terapia ocupacional favoreceu o desenvolvimento de estratégias terapêuticas centradas nas demandas dos usuários na perspectiva da humanização e da integralidade do cuidado em consonância com os princípios e diretrizes do SUS e colaborou para a ampliação do conhecimento sobre a contribuição da terapia ocupacional na atenção de pessoas que possuem DAC no contexto de hospitalização.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Hospitalização; Doenças Crônicas; Humanização da Assistência; Integralidade em Saúde; Equipe de Assistência ao Paciente

Abstract

Introduction

Circulatory System Diseases have become the leading causes of adult and elderly population mortality and hospitalization worldwide over the years. Such reality was observed in the prevalence of hospitalized patients due to these diagnoses in a University Hospital.

Objective

This study aimed to describe and analyze the occupational therapeutic strategies developed by Occupational Therapy in a medical clinic Ward of a medium-complexity hospital with this population during hospitalization.

Method

The research has an exploratory and retrospective qualitative character, carried out between June and September 2019, based on documentary research referring to the Occupational Therapy records and the discharge summary of patients from 2014 and 2018.

Result

Forty-six of 200 medical records selected with Diseases of the Circulatory System were analyzed. Most of them were male and over 60 years old and about half 22 (49%) reported diseases related to stroke. All participants showed some degree of dependence in the Modified Barthel Index. The themes and occupational therapeutic strategies were diversified and focused on functionality, subjective aspects of the patients, multi-professionality, and follow-up in the service network, and out-of-hospital care.

Conclusion

Occupational Therapy favored the development of therapeutic strategies centered on the patients' demands from the perspective of humanization and comprehensiveness of care in line with SUS principles and guidelines and contributed to the expansion of knowledge about the contribution of Occupational Therapy in people's care who have CAD in the context of hospitalization.

Keywords:
Occupational Therapy; Hospitalization; Chronic Diseases; Humanization of Assistance; Integrality in Health; Patient Care Team

Introdução

No decorrer das últimas décadas, foi possível identificar mudanças do perfil de morbimortalidade da população. Após as revoluções tecnológica e industrial, que garantiram tratamentos mais eficazes à sobrevida das pessoas com doenças potencialmente fatais, somado ao crescente fenômeno de envelhecimento populacional, encontra-se atualmente um predomínio das doenças e mortes devidas às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como doenças cardiovasculares, respiratórias, cânceres, diabetes, entre outros (Malta et al., 2015Malta, D. C., Stopa, S. R., Szwarcwald, C. L., Gomes, N. L., Silva Júnior, J. B., & Reis, A. A. C. D. (2015). A vigilância e o monitoramento das principais doenças crônicas não transmissíveis no Brasil-Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Revista Brasileira de Epidemiologia, 18(Supl. 2), 3-16. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060002.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720150...
). As DCNT se configuram, no Brasil e em outros países, como um problema de saúde de grande magnitude, pois são responsáveis por 72% das causas de morte da população e, dentro desse grupo, 31,3% correspondem às Doenças do Aparelho Circulatório (DAC) (World Health Organization, 2011World Health Organization – WHO. (2011). Global status report on non communicable diseases 2010. Geneva: WHO.). A cada ano, morrem mais pessoas de DAC, do que de qualquer outra doença (World Health Organization, 2018World Health Organization – WHO. (2018). HEARTS: technical package for cardiovascular disease management in primary health care: team-based care. Geneva: WHO.). Essas doenças atingem indivíduos de todas as camadas socioeconômicas, porém, de forma mais acentuada acomete grupos vulneráveis, como indivíduos de baixa escolaridade. A maioria dos óbitos por DCNT são atribuíveis às DAC, as neoplasias e às doenças respiratórias crônicas (Istilli et al., 2020Istilli, P. T., Teixeira, C. R. D. S., Zanetti, M. L., Lima, R. A. D., Pereira, M. C. A., & Ricci, W. Z. (2020). Avaliação da mortalidade prematura por doença crônica não transmissível. Revista Brasileira de Enfermagem, 73(2), e20180440. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0440.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018...
).

O sistema circulatório, ou também conhecido por sistema cardiovascular, é formado pelo coração e vasos sanguíneos. É responsável pelo transporte de nutrientes, oxigênio, hormônios e fluídos linfáticos para as diversas partes do corpo. Em 2017, no município de São Paulo, as doenças que atingem esse complexo sistema corresponderam a cerca de 19% dos óbitos (Brasil, 2018aBrasil. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. (2018a). Sistema de informação de mortalidade. Recuperado em 3 de abril de 2018, de http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/nisp.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
) e 12% das internações hospitalares (Brasil, 2018bBrasil. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. (2018b). Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). Recuperado em 3 de abril de 2018, de http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/niuf.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
). Para Soares et al. (2018)Soares, G. P., Klein, C. H., Souza e Silva, N. A., & Moraes, G. M. (2018). Evolução da mortalidade por doenças do aparelho circulatório e do produto interno bruto per capita nos municípios do estado do Rio de Janeiro. International Journal of Cardiovascular Sciences, 31(2), 123-132., as DAC, atualmente, são as principais causas de mortalidade, correspondendo a aproximadamente um terço de todos os óbitos em nível mundial.

O estudo de Marques & Confortin (2015)Marques, L. P., & Confortin, S. C. (2015). Doenças do aparelho circulatório: principal causa de internações de idosos no Brasil entre 2003 e 2012. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, 19(2), 83-90. apontou que as DAC foram as principais causas de internação em idosos entre os anos de 2003 e 2012, no Brasil. A pesquisa ainda sinalizou que, nesse período, a taxa de internações por DAC foi maior entre os homens, no sul do Brasil.

As DAC se configuram como a principal causa de morbimortalidade no Brasil e no mundo, destacando-se os acidentes vasculares cerebrais, as doenças coronarianas e a hipertensão arterial sistêmica (HAS) (Brasil, 2006Brasil. (2006). Prevenção clínica de doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e renais. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 15 de março de 2018, de https://aps.saude.gov.br/biblioteca/visualizar/MTE5MQ
https://aps.saude.gov.br/biblioteca/visu...
). A HAS é uma condição clínica multifatorial, configurada por níveis altos e constantes de pressão arterial, sendo um importante fator de risco, visto que é a causa mais frequente das DAC. Os principais fatores de risco para as DAC encontrados amplamente na literatura são: tabagismo, inatividade física, alimentação não saudável e consumo de álcool (Malta et al., 2015Malta, D. C., Stopa, S. R., Szwarcwald, C. L., Gomes, N. L., Silva Júnior, J. B., & Reis, A. A. C. D. (2015). A vigilância e o monitoramento das principais doenças crônicas não transmissíveis no Brasil-Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Revista Brasileira de Epidemiologia, 18(Supl. 2), 3-16. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060002.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720150...
).

O tratamento para as DAC é caracterizado por um curso prolongado, onerando os indivíduos, família, sociedade e os sistemas de saúde (Brasil, 2011Brasil. (2011). Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 15 de maio de 2018, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_acoes_enfrent_dcnt_2011.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
; Marques & Confortin, 2015Marques, L. P., & Confortin, S. C. (2015). Doenças do aparelho circulatório: principal causa de internações de idosos no Brasil entre 2003 e 2012. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, 19(2), 83-90.). As DAC são doenças cujo controle e prevenção têm sido um desafio para os profissionais da área da saúde, bem como dos gestores dos diferentes serviços que compõem o SUS, pois se mantêm como a principal causa de mortalidade da população e gera um significativo impacto na qualidade de vida e produtividade da população adulta (Cesse et al., 2009Cesse, E. Â. P., Carvalho, E. F., Souza, W. V., & Luna, C. F., (2009). Tendência da mortalidade por doenças do aparelho circulatório no Brasil: 1950 a 2000. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 93(5), 490-497.).

Tendo em vista a prevalência das DAC no hospital, tanto no que se refere à mortalidade como também ao tratamento dos sintomas agudos decorrentes desse grupo de doenças, torna-se indispensável ressaltar a importância do cuidado multidisciplinar na atenção intra e extra hospitalar (Brasil, 2006Brasil. (2006). Prevenção clínica de doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e renais. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 15 de março de 2018, de https://aps.saude.gov.br/biblioteca/visualizar/MTE5MQ
https://aps.saude.gov.br/biblioteca/visu...
). A Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) (Brasil, 2013Brasil. (2013, 30 de dezembro). Portaria n° 3.390, de 30 de dezembro de 2013. Institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-se as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília. Recuperado em 2 de junho de 2018, de http://www.saude.gov.br/atencao-especializada-e-hospitalar/assistencia-hospitalar/politica-nacional-de-atencao-hospitalar-pnhosp
http://www.saude.gov.br/atencao-especial...
) propõe um modelo de atenção centrado no cuidado ao usuário com abordagem multiprofissional e interdisciplinar (Brasil, 2013Brasil. (2013, 30 de dezembro). Portaria n° 3.390, de 30 de dezembro de 2013. Institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-se as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília. Recuperado em 2 de junho de 2018, de http://www.saude.gov.br/atencao-especializada-e-hospitalar/assistencia-hospitalar/politica-nacional-de-atencao-hospitalar-pnhosp
http://www.saude.gov.br/atencao-especial...
). Pressupõe-se que a equipe multiprofissional deve ser composta por diferentes profissões: nutricionistas, enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, assistentes sociais, entre outros. Destaca-se também que, no contexto da hospitalização, a equipe, muitas vezes, são mediadores do contato do terapeuta ocupacional com o usuário, por meio de solicitação de atendimento e parcerias nas discussões de caso e ações conjuntas (Pereira et al., 2020Pereira, J. B., Almeida, M. H. M. D., Batista, M. P. P., & Toldrá, R. C. (2020). Contribuições da terapia ocupacional no atendimento a usuários com insuficiência renal crônica no contexto de hospitalização. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 575-599. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1855.
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).

No contexto hospitalar, a atenção de terapia ocupacional tem como foco de suas ações as atividades e os cotidianos, bem como o cuidado à saúde devido às diferentes manifestações e descontinuidades advindas do adoecimento e hospitalização (Galheigo, 2008Galheigo, S. M. (2008). Terapia ocupacional, a produção do cuidado em saúde e o lugar do hospital: reflexões sobre a constituição de um campo de saber e prática. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 19(1), 20-28.). Destaca-se a oportunidade de re(construção) e (res)significação da história ocupacional do usuário, da família e do cuidador, bem como a promoção da qualidade de vida e da funcionalidade, para o enfrentamento das possíveis incapacidades e dificuldades decorrentes da hospitalização (De Carlo et al., 2018De Carlo, M. M. R. P., Kebbe, L. M., & Palm, R. C. M. (2018). Fundamentação e processos da Terapia Ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos. In M. M. R. P. De Carlo, & A. M. Kudo (Orgs.), Fundamentação e processos da terapia ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos (pp. 1-33). São Paulo: Editora Payá.).

Ademais, tendo em vista que as DAC se configuram como doenças crônicas, torna-se importante a valorização do planejamento de alta como uma ação indispensável para o cuidado integral durante a hospitalização e no pós-alta (Toldrá et al., 2019Toldrá, R. C., Ramos, L. R., & Almeida, M. H. M. D. (2019). Em busca de atenção em rede: contribuições de um programa de residência multiprofissional no âmbito hospitalar. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(3), 584-592.). Ressalta-se, ainda, a contribuição da terapia ocupacional para a diminuição de reinternações, do tempo de internação e das complicações decorrentes das doenças (Galheigo & Tessuto, 2010Galheigo, S. M., & Tessuto, L. A. A. (2010). Trajetórias, percepções e inquietações de terapeutas ocupacionais do Estado de São Paulo no âmbito das práticas da terapia ocupacional no hospital. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 21(1), 23-32. https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v21i1p23-32.
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). Para tanto, as abordagens no processo saúde-doença durante o processo de hospitalização devem estar em consonância com a integralidade e humanização do cuidado; norteadores das práticas de saúde propostos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (Galheigo, 2008Galheigo, S. M. (2008). Terapia ocupacional, a produção do cuidado em saúde e o lugar do hospital: reflexões sobre a constituição de um campo de saber e prática. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 19(1), 20-28.).

Na esfera do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), reafirma-se que o terapeuta ocupacional atue em contextos hospitalares nas ações de prevenção, promoção, proteção, educação, intervenção e reabilitação. Os procedimentos preveem avaliação, intervenção e orientação, os quais devem abranger o cliente/familiar e cuidador (Brasil, 2014Brasil. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO. (2014, 26 de abril). Resolução nº 445 de 26 de abril de 2014. Altera a Resolução-COFFITO nº 418/2011, que fixa e estabelece os Parâmetros Assistenciais Terapêuticos Ocupacionais nas diversas modalidades prestadas pelo terapeuta ocupacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, seção 1, p. 128-132.).

Conforme exposto e considerando a complexidade dos acometimentos das DAC, a alta prevalência e a necessidade de maior visibilidade sobre a contribuição do cuidado da terapia ocupacional com essa população, o presente estudo tem como objetivo descrever e analisar as estratégias terapêuticas ocupacionais desenvolvidas pela terapia ocupacional em uma enfermaria de clínica médica de um Hospital Universitário (HU) de média complexidade no município de São Paulo com a população adulta e idosa internada por DAC.

Processo Metodológico

A presente pesquisa possui caráter qualitativo com abordagem exploratória, retrospectiva, que utilizou como procedimento de coleta de dados o recurso da análise documental. A pesquisa qualitativa do tipo exploratória é um método que tem como um de seus objetivos descrever a maneira como determinado fenômeno ocorre. Espera-se, por meio deste método, obter um aprofundamento sobre o objeto da pesquisa, que foi pouco ou não analisado até o presente momento (Gil, 2008Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Editora Atlas.). Pesquisa documental se refere a qualquer material escrito que é utilizado como fonte de informação sobre o comportamento humano (Minayo, 2007Minayo, M. C. S. (2007). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec.).

Os documentos analisados foram referentes aos registros dos prontuários de terapia ocupacional e ao resumo de alta do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Os registros dos prontuários foram desenvolvidos pelos terapeutas ocupacionais que integram a Residência Multiprofissional em Promoção da Saúde e Cuidado na Atenção Hospitalar – área de concentração Adultos e Idosos do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo.

Os registros dos prontuários de terapia ocupacional contêm a avaliação, a descrição dos atendimentos e o resumo de alta hospitalar. Da avaliação, faz parte o Índice de Barthel Modificado (IBM) utilizado para a avaliação da capacidade funcional na realização das Atividades de Vida Diárias (AVDs). As AVDs contempladas no IBM são: alimentação, banho, vestuário, higiene pessoal, eliminações intestinais, eliminações vesicais, uso do vaso sanitário, vestir e despir, transferência da cadeira-cama, deambulação e subir e descer escadas (Shah et al., 1989Shah, S., Vanclay, F., & Cooper, B. (1989). Improving the sensitivity of the Barthel Index for stroke rehabilitation. Journal of Clinical Epidemiology, 42(8), 703-709.). O IBM rastreia a dependência dos indivíduos conforme pontuação de 0-100 e classifica como dependência total (25 ou menos pontos), dependência severa (50-26 pontos), dependência moderada (75-51 pontos), dependência leve (99-76 pontos) e totalmente independente (100 pontos) (Shah et al., 1989Shah, S., Vanclay, F., & Cooper, B. (1989). Improving the sensitivity of the Barthel Index for stroke rehabilitation. Journal of Clinical Epidemiology, 42(8), 703-709.). No prontuário, constavam informações sociais e demográficas, familiar, histórico ocupacional e profissional; expectativas, hábitos, atitudes, expressões e falas dos usuários; condutas terapêuticas, como orientações e técnicas utilizadas; interação com a equipe; encaminhamentos à rede de serviços e informações clínicas de prontuário clínico (Pereira et al., 2020Pereira, J. B., Almeida, M. H. M. D., Batista, M. P. P., & Toldrá, R. C. (2020). Contribuições da terapia ocupacional no atendimento a usuários com insuficiência renal crônica no contexto de hospitalização. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 575-599. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1855.
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).

A pesquisa documental foi realizada entre junho e setembro de 2019, com base em estudo de prontuários de usuários adultos e idosos atendidos pela terapia ocupacional na clínica médica do HU-USP. Os prontuários selecionados foram referentes ao período de 2014 e 2018, totalizando 200 prontuários.

Os critérios de inclusão para a realização da pesquisa foram os prontuários de usuários adultos e idosos diagnosticados com DAC, compreendidos no capítulo IX da CID, especificamente no intervalo I10-I79, por serem mais frequentes na população (World Health Organization, 2011World Health Organization – WHO. (2011). Global status report on non communicable diseases 2010. Geneva: WHO., 2018World Health Organization – WHO. (2018). HEARTS: technical package for cardiovascular disease management in primary health care: team-based care. Geneva: WHO.) e corresponderem ao maior volume de prontuários de usuários no período estudado. Foram excluídos os prontuários com os diagnósticos de doenças listadas no intervalo I00-I15 e I70-I99, por serem menos frequentes tanto na população como nos prontuários estudados. Assim, dos 200 prontuários consultados, foram excluídos 154, pois correspondiam a outros tipos de diagnósticos que não DAC, e incluídos 46 prontuários diagnosticados com DAC, conforme apontado.

Os registros dos atendimentos desenvolvidos pela terapia ocupacional foram analisados com base no método da análise temática de conteúdo, descrito por Minayo (2007)Minayo, M. C. S. (2007). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec., conforme as etapas descritas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretação. Para isso, os dados referentes às estratégias terapêuticas ocupacionais foram descritos e agrupados por categorias temáticas, para sistematização das informações e reflexões à luz das referências do SUS, quais sejam: diretrizes e ações da política e planos referentes à atenção humanizada, à pessoa com deficiência, doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), assistência no âmbito da média e alta complexidade e da produção de terapia ocupacional em contextos hospitalares. O estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla, aprovada pelo Comitê Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com o parecer n° 365/2013.

Resultados

A análise dos prontuários selecionados para a presente pesquisa pode delinear a população acometida por DAC no HU e as práticas desenvolvidas pela terapia ocupacional. Os resultados apresentam dados clínicos, sociodemográficos dos usuários, bem como as temáticas e as estratégias terapêuticas ocupacionais utilizadas durante o processo de hospitalização.

Foram analisados 46 prontuários de usuários com DAC atendidos pela terapia ocupacional. Quanto aos diagnósticos clínicos principais dos usuários internados por DAC no HU, identificou-se nos documentos que cerca da metade 22(47%) dos prontuários apontaram doenças relacionadas ao AVC, seja o acidente vascular em si ou sequelas, conforme apresenta a Tabela 1. Nos países de renda baixa e média, mais de três quartos das doenças cardíacas e mortes estão relacionadas ao AVC (World Health Organization, 2018World Health Organization – WHO. (2018). HEARTS: technical package for cardiovascular disease management in primary health care: team-based care. Geneva: WHO.).

Tabela 1
Diagnósticos clínicos principais dos usuários internados por DAC no HU da Universidade de São Paulo entre o período de março de 2014 a julho de 2018. São Paulo, 2019.

Conforme indicado na Tabela 2, o levantamento dos prontuários apontou que a prevalência de DAC é no sexo masculino, em indivíduos com menores anos de escolaridade e na população idosa. Quanto à avaliação do IBM, cerca da metade dos usuários, que são 22 (47%) assistidos pela terapia ocupacional na enfermaria, estava totalmente dependente (pontuação menor de 25 pontos) ou com dependência severa (26-50) para a realização nas AVDs. No que tange ao acompanhamento na Unidade Básica de Saúde (UBS), 27 (60%) dos usuários faziam o uso regular do serviço, enquanto 18 (40%) declararam que não utilizavam a UBS, o que indicava dificuldades para a continuidade do cuidado após a alta hospitalar.

Tabela 2
Perfil social, demográfico e clínico dos usuários hospitalizados na enfermaria de clínica médica do HU da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2019.

A Tabela 3 aponta as diferentes estratégias terapêuticas ocupacionais adotadas pela terapia ocupacional para atender às necessidades dos usuários durante o período de hospitalização. As estratégias abrangeram o usuário, seu familiar e/ou cuidador, bem como visaram ações multiprofissionais, a fim de potencializar as intervenções desenvolvidas no processo de hospitalização e o seguimento do cuidado após a alta.

Tabela 3
Enfoque temático e estratégias terapêuticas ocupacionais desenvolvidas com adultos durante hospitalização no HU da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2019.

Discussão

Em consonância com a Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 2011World Health Organization – WHO. (2011). Global status report on non communicable diseases 2010. Geneva: WHO.), dentre as DAC, o AVC foi o diagnóstico encontrado com mais frequência no HU da Universidade de São Paulo. A maioria dos usuários atendidos era homens idosos, apresentava altos índices de dependência e poucos anos de escolaridade, perfil similar ao indicado pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2011Brasil. (2011). Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 15 de maio de 2018, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_acoes_enfrent_dcnt_2011.pdf
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).

Na atenção hospitalar, o terapeuta ocupacional leva em consideração aspectos determinantes no período de hospitalização, que impactam o cotidiano da pessoa, quais sejam: idade cronológica, estágio do desenvolvimento no ciclo de vida, limitações ou incapacidades que podem acometer o usuário a partir da enfermidade, fatores ambientais (físicos, sociais e culturais) e temporais (Santos & De Carlo, 2013Santos, A. V. S., & De Carlo, M. M. R. P. (2013). Hospital como campo de práticas: revisão integrativa da literatura e a terapia ocupacional. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 21(1), 99-107.).

Nos registros de prontuário sobre a atenção desenvolvida pela terapia ocupacional, foram identificadas 4 categorizados temáticas, conforme segue: enfoque nos aspectos da funcionalidade do usuário; enfoque nos aspectos subjetivos dos usuários; enfoque na multiprofissionalidade e seguimento na rede de serviços; enfoque no cuidado extra-hospitalar após alta. Cada temática correspondeu a diferentes estratégias terapêuticas ocupacionais, desenvolvidas a seguir.

Enfoque nos aspectos da funcionalidade do usuário

O estudo indicou que, com base no processo de avaliação, os terapeutas ocupacionais buscaram identificar as dificuldades dos usuários e delinear os objetivos a serem abordados nos atendimentos e envolver membros da equipe profissional. Na avaliação, foram abordados aspectos relacionados à hospitalização, processo de adoecimento, atividades de autocuidado durante a hospitalização, bem como as atividades prévias realizadas antes da internação, de forma a favorecer a expressão das expectativas e dúvidas dos usuários e mapear vulnerabilidades, dado que esse período é vivenciado de maneira singular.

Segundo Brasil (2008)Brasil. (2008). Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília: Ministério da Saúde., as doenças que acometem o sistema circulatório possuem um potencial altamente incapacitante. As principais sequelas são a hemiplegia, perda de força, dificuldade para se expressar, incontinência urinária e fecal, confusão e perda de memória, entre outras. Tendo em vista que 22 (49%), dos 46 prontuários analisados, foram de usuários acometidos por AVC (Tabela 1), os cuidados com as limitações anteriormente descritas são fundamentais para que a reabilitação e a melhoria das capacidades funcionais sejam possibilitadas o mais breve.

Brasil (2013)Brasil. (2013, 30 de dezembro). Portaria n° 3.390, de 30 de dezembro de 2013. Institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-se as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília. Recuperado em 2 de junho de 2018, de http://www.saude.gov.br/atencao-especializada-e-hospitalar/assistencia-hospitalar/politica-nacional-de-atencao-hospitalar-pnhosp
http://www.saude.gov.br/atencao-especial...
aponta que, durante o período de internação, os atendimentos especializados pela equipe de reabilitação devem ser iniciados o mais precocemente possível para evitar possíveis complicações decorrentes da estadia no hospital, somadas aos agravos da doença. Assim, as alterações das funções corporais, quais sejam: funções sensoriais (tátil, dor e percepção corporal, entre outras), funções neuromuculoesqueléticas e relacionadas ao movimento (mobilidade articular, força muscular, tônus, paresia, negligência, entre outros) e funções mentais (atenção, memória, orientação espacial/temporal, entre outras) nortearam a condução da intervenção terapêutica ocupacional. Como descrito na Tabela 3, os profissionais adotaram diferentes estratégias terapêuticas, visando, entre outros aspectos, ao cuidado hospitalar, à reabilitação e ao retorno domiciliar.

O conhecimento dos terapeutas ocupacionais sobre abordagens para a estimulação de funções corporais se configurou como um recurso para minimizar a dor, o edema, a alteração de sensibilidade e da mobilidade, entre outros sintomas apresentados pelos usuários. Em consonância com tais demandas, os terapeutas ocupacionais adotaram técnicas de estimulação sensorial com materiais de diferentes texturas, massagens e automassagens retrógradas para diminuição de edema, exercícios de respiração, mobilização ativa e passiva de membros, atividades para aumentar força muscular e amplitude de movimento, relaxamento e técnicas de consciência corporal (Santos et al., 2018Santos, L. P., Pedro, T. N. F., de Almeida, M. H. M., & Toldrá, R. C. (2018). Terapia Ocupacional e a promoção da saúde no contexto hospitalar: cuidado e acolhimento. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional - REVISBRATO, 2(3), 607-620.). Tais estratégias terapêuticas foram utilizadas com significativa frequência pelos terapeutas ocupacionais como estratégias voltadas à funcionalidade e à minimização dos sintomas.

As intervenções técnicas para estimulação das funções cognitivas e executivas ocorreram por meio de jogos, uso de calendários, tabela de atividades, matérias de jornais, que auxiliaram no resgate de dados significativos para os usuários relacionados à vida pessoal, acontecimentos na economia, política, esportes, entre outros. Assim como os demais profissionais que compõem a equipe multidisciplinar do HU, os residentes de terapia ocupacional utilizaram estratégias direcionadas à facilitação da mobilidade e posicionamento no leito e em poltronas, por meio de mudanças de decúbitos e utilização de materiais, como rolos e travesseiros para aumentar o conforto e prevenir deformidades. O conhecimento dos terapeutas ocupacionais sobre angulação do leito, adequação postural, mudança de decúbitos, prevenção de lesões por pressões, cuidado com os acessos intravenosos, entre outros aspectos, foram imprescindíveis para a realização do procedimento de posicionamento durante a hospitalização. Associados aos posicionamentos foram utilizados e ensinados princípios e técnicas de conservação de energia, para maior conforto, segurança e funcionalidade para a realização das atividades, bem-estar e prevenção de possíveis agravos.

Conforme apresentado na Tabela 2, a maioria, 30 (46%) dos usuários atendidos, era idosos, e todos (100%), segundo o rastreio do IMB, apresentaram algum grau de dependência para a realização das AVDs. Tendo em vista o grau de dependência dos usuários, os terapeutas ocupacionais buscaram, em conjunto com o usuário, família/cuidadores e equipe, estratégias para a organização da rotina no hospital, facilitando o autocuidado e estimulando atividades de lazer. Algumas dessas estratégias identificadas nos prontuários foram: caminhadas na enfermaria, convites para assistir algum programa na televisão, solicitação ao acompanhante para trazer para o hospital objetos pessoais, como rádios, celulares, notebooks, livros, maquiagem, entre outros. Desse modo, as intervenções terapêuticas ocupacionais podem resultar em benefícios relacionados à melhora da funcionalidade, independência e estímulo ao desenvolvimento humano (Santos & De Carlo, 2013Santos, A. V. S., & De Carlo, M. M. R. P. (2013). Hospital como campo de práticas: revisão integrativa da literatura e a terapia ocupacional. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 21(1), 99-107.).

Enfoque nos aspectos subjetivos do usuário

A atenção hospitalar tem como desafio a humanização da assistência. Esse processo, contrário ao médico-centrado, requer das instituições hospitalares diversas ações, como: atuação em equipe, valorização dos diferentes saberes, direito a acompanhante, entre outros aspectos apontados pela Política Nacional de Humanização (PNH) (Brasil, 2004Brasil. (2004). Política Nacional de Humanização. Relatório Final da Oficina HumanizaSUS. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 3 de abril de 2018, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/oficina_nac_humanizaSus.pdf
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). Terapeutas ocupacionais destacam o vínculo como essencial para o cuidado no hospital (Galheigo & Tessuto, 2010Galheigo, S. M., & Tessuto, L. A. A. (2010). Trajetórias, percepções e inquietações de terapeutas ocupacionais do Estado de São Paulo no âmbito das práticas da terapia ocupacional no hospital. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 21(1), 23-32. https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v21i1p23-32.
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), dado que a hospitalização e as fragilidades do estado de saúde geram uma ruptura no cotidiano dos indivíduos e o ambiente hospitalar se torna pouco propício para elaboração do estresse advindo desta condição (Santos & De Carlo, 2013Santos, A. V. S., & De Carlo, M. M. R. P. (2013). Hospital como campo de práticas: revisão integrativa da literatura e a terapia ocupacional. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 21(1), 99-107.). Assim, os aspectos relacionais são considerados ações que atuam na adaptação e conforto no processo de hospitalização (Aniceto & Bombarda, 2020Aniceto, B., & Bombarda, T. B. (2020). Cuidado humanizado e as práticas do terapeuta ocupacional no hospital: uma revisão integrativa da literatura. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 640-660.). O terapeuta ocupacional, atuando na perspectiva da humanização e de práticas centradas no usuário, pode potencializar o desenvolvimento de estratégias com o usuário e a equipe, de forma a permitir novas vivências para o enfrentamento da hospitalização utilizando procedimentos de acolhimento, escuta ativa e uso de diferentes atividades (Santos & De Carlo, 2013Santos, A. V. S., & De Carlo, M. M. R. P. (2013). Hospital como campo de práticas: revisão integrativa da literatura e a terapia ocupacional. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 21(1), 99-107.; Santos et al., 2018Santos, L. P., Pedro, T. N. F., de Almeida, M. H. M., & Toldrá, R. C. (2018). Terapia Ocupacional e a promoção da saúde no contexto hospitalar: cuidado e acolhimento. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional - REVISBRATO, 2(3), 607-620.).

Conforme a Tabela 3, diferentes estratégias foram realizadas pelos terapeutas ocupacionais durante a hospitalização para responder às demandas subjetivas apresentadas pelos usuários, familiares e/ou cuidadores. No processo de acompanhamento do usuário, o terapeuta ocupacional buscou proporcionar a expressão de expectativas e identificação de crenças, valores, atividades de interesse, entre outros aspetos que podem reverberar na experiência de hospitalização. Tendo em vista que muitos usuários desconheciam seus diagnósticos e prognósticos, uma das estratégias iniciais foi o apoio ao esclarecimento quanto à situação do adoecimento em uma linguagem acessível, para permitir que este compreende o seu estado atual de saúde, tem do em vista que a maioria possuía baixa escolaridade. Assim, conhecer os fatores que podem ter causado o adoecimento, bem como compreender o processo de saúde e doença, favorece ao usuário ressignificar seu processo hospitalar e elaborar estratégias de enfrentamento às adversidades (Santos et al., 2018Santos, L. P., Pedro, T. N. F., de Almeida, M. H. M., & Toldrá, R. C. (2018). Terapia Ocupacional e a promoção da saúde no contexto hospitalar: cuidado e acolhimento. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional - REVISBRATO, 2(3), 607-620.; Brasil, 2004Brasil. (2004). Política Nacional de Humanização. Relatório Final da Oficina HumanizaSUS. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 3 de abril de 2018, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/oficina_nac_humanizaSus.pdf
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). Destaca-se a pertinência do terapeuta ocupacional em abordar e compreender o sofrimento do usuário devido à experiência complexa relacionada ao adoecimento e à hospitalização (De Carlo et al., 2018De Carlo, M. M. R. P., Kebbe, L. M., & Palm, R. C. M. (2018). Fundamentação e processos da Terapia Ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos. In M. M. R. P. De Carlo, & A. M. Kudo (Orgs.), Fundamentação e processos da terapia ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos (pp. 1-33). São Paulo: Editora Payá.).

Pôde-se também identificar nos prontuários que os terapeutas ocupacionais viabilizaram por diversas vezes, com participação da equipe, espaços de discussão com os usuários e cuidadores para favorecer o acolhimento dos sentimentos de ansiedade e angústia. Visto a fragilidade do estado clínico do usuário, o despreparo da família em lidar com a condição de saúde deste e, em muitas situações, a negação do prognóstico, foram promovidos encontros com equipe, usuário e familiares, que demandaram dos profissionais uma postura acolhedora e empática. A possibilidade do encontro destes atores envolvidos no cuidado do usuário pode responder complexas demandas identificadas, como: não aceitação da doença e da alta frente ao prognóstico, decisões familiares delicadas, como a continuidade de procedimentos invasivos em situações nas quais o prognóstico não é favorável, por exemplo, acordos e despedidas.

Dado que, quanto mais fortalecida as redes de suporte se configuram, maiores são as chances de um enfrentamento saudável da doença (Andrade & Vaitsman, 2002Andrade, G. R. B., & Vaitsman, J. (2002). Apoio social e redes: conectando solidariedade e saúde. Ciencia & Saude Coletiva, 7(4), 925-934.), os profissionais em suas intervenções buscaram conhecer a rede de suporte social dos usuários para identificação e contato com a rede, quando necessários. Desta forma, reconhecer os desafios e as potencialidades das redes de suporte social dos usuários foi importante para apoiar o enfrentamento das dificuldades decorrentes do processo saúde-doença e da hospitalização.

Nas intervenções, conforme o registro documental, foram abordados com os usuários e familiares estratégias para a mudança de hábitos e adoção de medidas de autocuidado na hospitalização e na rotina de vida, como: engajamento regular em atividades físicas, participação em grupos na UBS, reforço quanto às orientações da rotina para adequação dos hábitos alimentares, e maior implicação do usuário no seu processo de saúde. Tais estratégias foram fundamentais, tendo em vista que fatores, como inatividade física, tabagismo, pressão alta, entre outras condições, são aspectos de risco para o desenvolvimento e agravamento de DAC (Brasil, 2011Brasil. (2011). Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 15 de maio de 2018, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_acoes_enfrent_dcnt_2011.pdf
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). Dessa forma, o processo terapêutico ocupacional durante a hospitalização conduziu a uma reflexão sobre o cuidado dos usuários com a própria saúde e hábitos de vida, que se configurou como um potente recurso para a co-responsabilização destes na prevenção de possíveis agravos e nos cuidados de saúde.

Considerando os percalços que a hospitalização pode ocasionar, os terapeutas ocupacionais exploraram em suas intervenções a identificação e utilização de atividades expressivas de interesse do usuário. Foram identificadas atividades de pintura, crochê, desenho, entre outros, que possibilitaram a diminuição de fatores estressores advindos da hospitalização, bem como favoreceram a estimulação de funções motoras, sensoriais, cognitivas de forma mais integrada. Segundo Santos et al. (2018)Santos, L. P., Pedro, T. N. F., de Almeida, M. H. M., & Toldrá, R. C. (2018). Terapia Ocupacional e a promoção da saúde no contexto hospitalar: cuidado e acolhimento. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional - REVISBRATO, 2(3), 607-620., as atividades expressivas deslocam o foco da doença para a promoção da vida na medida em que possibilita o aumento do repertório ocupacional, a expressão de sentimentos e interesses, o desenvolvimento de habilidades e de cuidado.

A valorização do histórico ocupacional, desde o processo de avaliação, permitiu aos profissionais de terapia ocupacional o levantamento de atividades domésticas, de trabalho e de lazer realizadas e o resgate de projetos dos usuários, que devido às restrições físicas e de saúde precisavam ser reorganizadas durante e, muitas vezes, após o período de hospitalização. Esse rearranjo pôde ser facilitado com o uso de tecnologias assistivas, de adaptações específicas, de acordo com as particularidades da pessoa (Silveira et al., 2012Silveira, A. M. D., Joaquim, R. H. V. T., & Cruz, D. M. C. D. (2012). Tecnologia assistiva para a promoção de atividades da vida diária com crianças em contexto hospitalar. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 20(2), 183-190.).

Enfoque na multiprofissionalidade e seguimento na rede de serviços

A PNH (Brasil, 2004Brasil. (2004). Política Nacional de Humanização. Relatório Final da Oficina HumanizaSUS. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 3 de abril de 2018, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/oficina_nac_humanizaSus.pdf
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) prevê o estabelecimento de equipes multiprofissionais de referência para os usuários internados. Assim, dados os desafios no tratamento das DAC, ressalta-se que, além da importância do cuidado multidisciplinar na atenção durante a hospitalização, este se faz necessário também na atenção extra hospitalar (Brasil, 2006Brasil. (2006). Prevenção clínica de doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e renais. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 15 de março de 2018, de https://aps.saude.gov.br/biblioteca/visualizar/MTE5MQ
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). Para tanto, são necessários reuniões e encontros com os diferentes atores envolvidos na hospitalização, a fim de potencializar a linha de cuidado de cada usuário do serviço e sua rede de suporte social (Brasil, 2004Brasil. (2004). Política Nacional de Humanização. Relatório Final da Oficina HumanizaSUS. Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 3 de abril de 2018, de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/oficina_nac_humanizaSus.pdf
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). Na dinâmica do HU, tais reuniões entre equipe, usuário e familiares exigiram, muitas vezes, o uso de estratégias para serem compatibilizadas devido aos plantões, horários, entre outros aspectos do serviço. Assim, dada a importância das discussões em equipe, os residentes de terapia ocupacional procuraram viabilizar encontros entre a equipe, usuários e familiares e, para tanto, agenciaram algumas dificuldades, como ligação para o familiar e/ou cuidador solicitando sua presença, negociando com a equipe uma determinada flexibilidade de horários de visitantes para favorecer o acontecimento das reuniões.

Após a agudização de uma DAC, quando os usuários precisavam incluir em suas rotinas o uso de novas medicações para controle de dor, de pressão arterial, diabetes, entre outros, os registros apontaram que os terapeutas ocupacionais, com frequência, identificaram a necessidade de reuniões com a equipe para o cuidado integral do usuário, de modo a oferecer esclarecimentos e informações sobre a doença, cuidados com a saúde e diminuição do estresse do usuário frente ao diagnóstico, de modo a comtemplar suas diferentes necessidades. Participavam das reuniões profissionais da terapia ocupacional, enfermagem, médicos e farmacêuticos, usuários e familiares para esclarecimentos sobre o uso correto de medicações, orientação sobre a dosagem, uso regular e armazenamento das medicações, prevenindo risco para outros agravos em saúde. Os terapeutas ocupacionais também contataram a equipe para abordar questões sociais, emocionais e funcionais dos usuários assistidos, como acesso a benefícios previdenciários, possibilidade de aquisição de dispositivos para o auxílio de marcha, dispositivos para o auxílio à respiração mecânica, esclarecimentos de dúvidas quanto a prognósticos, entre outros.

Os terapeutas ocupacionais foram solicitados ou solicitavam atendimentos conjuntos com a equipe, principalmente com profissionais fisioterapeutas e fonoaudiólogos. O atendimento compartilhado potencializava as intervenções na medida em que mais saberes se somaram, a fim de identificar e atender de melhor maneira as demandas dos usuários. Nestes momentos, foram facilitados treinos de marcha, estimulação sensorial do hemicorpo acometido, realização de atividades expressivas para estímulo da fala, da escrita, da audição, elaboração de instrumentos para comunicação alternativa, entre outras.

Considerando a importância do cuidado extra-hospitalar, foi identificada, desde a avaliação, a UBS de referência do usuário, para favorecer a continuidade do cuidado à saúde e a prevenção de possíveis agravos. Assim, nos prontuários analisados, puderam-se constatar ações de orientações para os usuários e ou/cuidadores sobre a importância da continuidade do cuidado após a alta na rede de serviços do SUS. Conforme o Tabela 2, 18 (40%) dos usuários não faziam acompanhamento na Unidade Básica de Referência. Desta forma, reforçar a importância da aderência aos cuidados da atenção primária se configurou como uma orientação fundamental, visto que os fatores de risco para as DAC, como pressão alta, diabetes e tabagismo, são determinantes da saúde amplamente assistidos na Atenção Primária à Saúde (Alves & Calixto, 2012Alves, B. A., & Calixto, A. A. T. F. (2012). Aspectos determinantes da adesão ao tratamento de hipertensão e diabetes em uma Unidade Básica de Saúde do interior paulista. Journal of the Health Sciences Institute, 30(3), 255-260.).

Como aponta a PNHOSP (Brasil, 2013Brasil. (2013, 30 de dezembro). Portaria n° 3.390, de 30 de dezembro de 2013. Institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-se as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília. Recuperado em 2 de junho de 2018, de http://www.saude.gov.br/atencao-especializada-e-hospitalar/assistencia-hospitalar/politica-nacional-de-atencao-hospitalar-pnhosp
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), é fundamental que ocorra articulação com os demais pontos da Rede de Atenção à Saúde para a continuidade do cuidado. Desse modo, destaca-se a importância dos esclarecimentos sobre a manutenção do vínculo com os serviços de saúde disponíveis na comunidade, e, ainda, o desafio encontrado pelos usuários e familiares devido às novas responsabilidades e tarefas do cuidado a serem realizadas em casa (Pereira et al., 2020Pereira, J. B., Almeida, M. H. M. D., Batista, M. P. P., & Toldrá, R. C. (2020). Contribuições da terapia ocupacional no atendimento a usuários com insuficiência renal crônica no contexto de hospitalização. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 575-599. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1855.
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). Assim, conforme constavam nos documentos analisados, para o cuidado extra-hospitalar, os terapeutas ocupacionais, além de orientarem os usuários quanto à continuidade do cuidado, foram desenvolvidas estratégias, como elaboração de relatórios escritos, com breve descrição sobre as condições de saúde do usuário e encaminhamentos para profissionais de terapia ocupacional que atuavam em outros pontos da atenção, como: Centros de Atenção Psicossocial e Centros Especializados em Reabilitação.

Para mediar o contato do usuário com a UBS de referência, os terapeutas ocupacionais contataram serviços via telefone ou por meio de encaminhamentos escritos, descrevendo a demanda identificada e fazendo possíveis sugestões, como: necessidade da aquisição de uma cadeira de rodas, muletas, acompanhamento domiciliar etc. Os usuários foram informados sobre as possibilidades de continuidade da reabilitação em Centros Especializados em Reabilitação (CER), participação de grupos em Centros de Convivência e Cooperativa (CECCO), entre outros serviços da rede, de modo a contribuir para o cuidado integral do usuário. Ainda, conforme a necessidade, os usuários também foram encaminhados para o Grupo Multidisciplinar de Apoio à Alta Multiassistencial (GAMMA), desenvolvido pelos residentes no HU da XXX. O GAMMA se propõe a favorecer mecanismos de referência e contra referência dos usuários que necessitam de acompanhamento de reabilitação após a alta (Toldrá et al., 2019Toldrá, R. C., Ramos, L. R., & Almeida, M. H. M. D. (2019). Em busca de atenção em rede: contribuições de um programa de residência multiprofissional no âmbito hospitalar. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(3), 584-592.). O acompanhamento é realizado por meio de contato telefônico, com o propósito de contribuir para encaminhamento e inserção de usuários na rede de serviços de reabilitação por meio de orientação, esclarecimentos e acolhimento dos usuários em relação às suas demandas específicas de reabilitação e informações sobre como acessar os serviços para a realização dos tratamentos indicados na alta (Toldrá et al., 2019Toldrá, R. C., Ramos, L. R., & Almeida, M. H. M. D. (2019). Em busca de atenção em rede: contribuições de um programa de residência multiprofissional no âmbito hospitalar. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(3), 584-592.).

Enfoque no cuidado extra-hospitalar pós-alta

Sobre as DAC, por se tratar de doenças crônicas, destaca-se a importância do planejamento de alta como uma ferramenta indispensável para o cuidado integral durante a hospitalização e no pós-alta (Toldrá et al., 2019Toldrá, R. C., Ramos, L. R., & Almeida, M. H. M. D. (2019). Em busca de atenção em rede: contribuições de um programa de residência multiprofissional no âmbito hospitalar. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(3), 584-592.). A PNHOSP (Brasil, 2013Brasil. (2013, 30 de dezembro). Portaria n° 3.390, de 30 de dezembro de 2013. Institui a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo-se as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília. Recuperado em 2 de junho de 2018, de http://www.saude.gov.br/atencao-especializada-e-hospitalar/assistencia-hospitalar/politica-nacional-de-atencao-hospitalar-pnhosp
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) considera a alta hospitalar como um processo no qual ocorre a transferência do cuidado. Para tanto, orientações devem ser prestadas aos usuários e familiares quanto à continuidade do tratamento, de forma a promover a independência do sujeito e visando ao autocuidado. Assim, há necessidade de orientações para o usuário e sua rede de suporte quanto aos cuidados básicos, como: alimentação, curativos, sondas, atividades de vida diária, atividades instrumentais de vida diária, mobilização e movimento, bem como o uso de adaptações e/ou dispositivos técnicos (De Carlo et al., 2018De Carlo, M. M. R. P., Kebbe, L. M., & Palm, R. C. M. (2018). Fundamentação e processos da Terapia Ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos. In M. M. R. P. De Carlo, & A. M. Kudo (Orgs.), Fundamentação e processos da terapia ocupacional em contextos hospitalares e cuidados paliativos (pp. 1-33). São Paulo: Editora Payá.).

Tendo em vista o cenário de mudanças no cotidiano de vida, que pode ocorrer após a alta, os profissionais de terapia ocupacional, previamente à alta hospitalar, articularam com a equipe médica e de enfermagem, com a família e o com usuário sobre possibilidades para a reorganização da rotina. Um dos aspectos da alta que demandam atenção é o reforço quanto ao uso de medicamentos. Visto que o uso irregular e indevido de medicações pode acarretar sérios agravos de saúde, organizar os horários da medicação, bem como sua localização na casa se configurou como um recurso, para prevenção de possíveis erros e complicações de saúde.

Ademais, dada a impossibilidade de alguns usuários morarem sozinhos após a alta, foram realizados encontros para a discussão sobre o local de moradia do usuário, visto que, após a agudização de uma DAC, muitos usuários apresentaram deficit funcionais significativos. Dentre as estratégias propostas pelos terapeutas ocupacionais aos familiares e/ou cuidadores consta o Programa Acompanhante de Idoso (PAI), da prefeitura de São Paulo, o qual visa a apoiar e acompanhar pessoas com mais de 60 anos que vivenciam situações de vulnerabilidade social, funcional e econômica.

Ainda sobre o cotidiano extra-hospitalar, foram dadas orientações quanto ao ambiente doméstico, como: adequações mobiliárias, aquisição de cadeira de rodas, cadeira de banho, adaptadores de utensílios domésticos, barras de apoio, entre outros dispositivos visando à prevenção de quedas e preservação de independência e funcionalidade.

Os terapeutas ocupacionais disponibilizaram aos familiares e cuidadores, orientações e entrega de cartilhas instrutivas e informativas, a respeito da prevenção de possíveis agravos de saúde e estratégias de autocuidado. O material educativo e instrutivo facilitou as orientações com objetivos de promoção à saúde. Visto que a maioria, 26 (53%) dos usuários, tinha baixos níveis de escolaridade, as informações contidas no material foram descritas com uma linguagem acessível e objetiva e realizada a leitura em conjunto com o usuário e seu familiar e/ou cuidador. Dessa forma, as cartilhas impressas favorecem maior adesão às orientações, pois podem ser consultadas posteriormente após sua entrega, o que auxilia as pessoas a compreenderem melhor seu processo saúde-doença e utilizarem estratégias de cuidado e reabilitação (Pimentel & Toldrá, 2017Pimentel, P. P., & Toldrá, R. C. (2017). Desenvolvimento de manual para orientações básicas do dia a dia para pessoas com esclerose múltipla. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 25(1), 67-74. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoAR0773.
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).

As intervenções terapêuticas ocupacionais realizadas no período de hospitalização apontam a contribuição da terapia ocupacional na melhora da funcionalidade e independência; na facilitação das relações no ambiente hospitalar, para o enfrentamento desse processo; no favorecimento para o retorno às atividades do cotidiano e na participação social do usuário, dadas as descontinuidades decorrentes pelo processo de adoecimento e hospitalização.

Conclusão

As altas taxas de incidência e prevalência das DAC se expressam no estudo realizado no HUUSP, dado que a maioria dos usuários atendidos pela terapia ocupacional foi homens, idosos, pessoas com baixa escolaridade, em conformidade com os dados oficiais nacionais e internacionais. Considerando que a hospitalização gera uma situação de descontinuidade da vida cotidiana e fragilização da independência e autonomia, a inserção dos profissionais de terapia ocupacional nesse contexto favoreceu práticas terapêuticas centradas nas demandas dos usuários, na perspectiva da humanização e da integralidade do cuidado em consonância com a PNHOSP.

Os terapeutas ocupacionais utilizaram diversas estratégias de cuidado para estimulação e melhora da funcionalidade dos usuários, tendo em vista a grande possibilidade de limitações para a realização das atividades decorrentes das sequelas por DAC, bem como aquelas voltadas às dimensões subjetivas voltadas ao contexto de hospitalização e do adoecimento. Em suas práticas, o profissional buscou uma abordagem voltada à multiprofissionalidade, de forma a construir com os demais profissionais da equipe possíveis intervenções conjuntas para potencializar a assistência prestada. Ademais, as ações envolveram a alta hospitalar, momento em que foram abordados com o usuário, familiares e/ou cuidadores recursos para a continuidade do cuidado na rede, bem como estratégias de retorno domiciliar para o favorecimento da segurança, independência e autonomia.

Como limite da pesquisa, aponta-se que esta foi realizada com base em análise documental, fundamentada nos registros dos prontuários de terapia ocupacional, de usuários que apresentaram DAC. Assim, considera-se que pesquisas com outras estratégias metodológicas devam ser implementadas. No entanto, pode-se reconhecer que o estudo colaborou para a ampliação do conhecimento sobre a contribuição da terapia ocupacional na atenção de pessoas que possuem DAC no contexto da hospitalização.

  • Como citar: Hein, D. T., & Toldrá, R. C. (2021). Perspectivas de terapia ocupacional na atenção aos usuários com doenças do aparelho circulatório no contexto hospitalar de média complexidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. 29, e2033. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO2033
  • 1
    Foram executados todos os procedimentos éticos para a realização do estudo e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, protocolo nº 365/2013. O estudo é parte de pesquisa e intervenção.

Referências

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Editado por

Editora de seção

Luzia Iara Pfeifer

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2019
  • Revisado
    14 Out 2020
  • Aceito
    17 Nov 2020
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