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SANTOS, G. G. dos; SAMPAIO, S. M. R; CARVALHO, A. Observatório da vida estudantil: avaliação e qualidade no ensino superior: formar como e para que mundo? Salvador: Edufba, 2015. 342 p.

SANTOS, G. G. dos; SAMPAIO, S. M. R; CARVALHO, A.. Observatório da vida estudantil:. avaliação e qualidade no ensino superior: formar como e para que mundo?. Salvador: Edufba, 2015. 342

A universidade tem sofrido mudanças nas últimas décadas, recebendo cada vez mais jovens com perfis heterogêneos. Esse fato provocou questionamentos sobre se esses sujeitos estão preparados para enfrentar a vida acadêmica. É nessa perspectiva que surgiu o Observatório da Vida Estudantil (OVE), que reúne pesquisadores e estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), além de buscar parcerias com estudiosos de diversas Instituições de Educação Superior (IES) públicas do Brasil e do exterior.

O cotidiano das universidades públicas tem sido um tema pouco explorado nas pesquisas no Brasil. O OVE pretende contribuir nessa direção, dando continuidade a um trabalho iniciado em 2010. Esse livro faz parte da quarta coletânea e foi lançado no III Colóquio Internacional do Observatório da Vida Estudantil, reunindo estudiosos interessados em temas que dizem respeito à avaliação da educação superior, à vida estudantil, ao sucesso e ao fracasso universitários e à qualidade do ensino superior. O livro é organizado em duas partes: a primeira se volta para relação entre avaliação e qualidade, e a segunda faz reflexão sobre os temas de acesso e permanência universitários.

Nessa linha, abre a coletânea o texto “Que significa o desempenho acadêmico dos estudantes?”, de Saeed Paivandi, que traz indagações sobre o sucesso e o fracasso na universidade. O autor realizou uma pesquisa com um grupo de estudantes matriculados em cinco universidades da região de Paris, examinando a relação com o aprender e sua ligação com o sucesso universitário no contexto francês. Realizou entrevistas com 105 estudantes das Ciências Humanas e Sociais e Letras, entre 2005 e 2008, e acompanhou um grupo de dez estudantes, entre dois ou três anos. As entrevistas giraram em torno de uma questão central: que sentido tem o ato de aprender na universidade e como se aprende nela? Utilizando a noção de perspectiva, Paivandi distinguiu quatro perfis: perspectiva compreensiva, de desempenho, minimalista e de desimplicação. O investigador também defende diferentes tipos de sucesso e fracasso, uma vez que os estudantes têm percursos diversos e singulares.

No segundo artigo, “Ensino Superior e qualidade na educação: que papel para o estudante?”, Verônica Alves dos Santos Conceição discute qual o papel do estudante na garantia da qualidade de sua formação universitária. O texto translada em torno do debate sobre a importância do protagonismo estudantil no processo de avaliação do ensino nas universidades brasileiras, citando o papel fundamental da avaliação do ensino pelo estudante, prática difundida no continente europeu. Tal forma de proceder é considerável não só para o estudante, mas também para o desenvolvimento profissional do professor.

O texto de Lys Dantas, “Avaliação educacional: prioridade para as demandas dos usuários diretos”, traz contribuições sobre demandas e limites das avaliações em larga escala, visto que há uma diversidade de stakeholders vinculados nessa experiência. A autora se apoia nos resultados de uma pesquisa, sobre uma política denominada Avaliação de Aprendizagem (AA), implementada de 2001 à 2004, na Bahia, com o objetivo de diagnosticar o ensino. Essa política foi encerrada em 2004 sem meta-avaliação. Então, Dantas salienta que não é possível atender a todos os stakeholders com o mesmo grau de prioridade e, ainda, não faz sentido a proposta de uma avaliação em larga escala desvinculada de seu uso instrumental.

Em “A avaliação do ensino pelo estudante: em direção a uma experiência de partilha”, Nathalie Younès, de modo semelhante ao de Conceição, questiona a necessidade da Avaliação do Ensino Superior pelos Estudantes (AEE), que vem oscilando entre orientações com visão formativa e de controle da atividade docente. A autora faz referências às experiências belgas, suíças, quebequenses e francesas bem como a uma pesquisa realizada com 32 professores sobre a percepção da pedagogia entre professores-pesquisadores franceses. Considera imprescindível a partilha da responsabilidade no processo de execução da AEE, dos pontos de vista, das análises das decisões e a partilha entre os professores e os estudantes.

Trazendo o estudante como figura principal do processo de avaliação, Virgínia Carneiro e Sônia Sampaio, no texto “Avaliação do Ensino: a voz dos egressos de um curso de Psicologia”, a partir do Interacionismo Simbólico e da Etnometodologia, utilizam a entrevista narrativa com onze estudantes, na condição de primeiro ano de diplomados. As autoras relatam alguns sentimentos expressos por esses sujeitos diante da avaliação das práticas no Ensino Superior: a importância do comprometimento do professor, da relação teoria e prática, da qualidade da relação entre professores e estudantes, dentre outras questões.

Conduzindo o olhar sobre o resgate histórico e o pensamento interdisciplinar diante do currículo, Larisse Brito, Edleusa Nery Garrido e Sônia Sampaio, em “Para onde caminham os currículos na universidade brasileira contemporânea? Apontamentos sobre a evolução da perspectiva interdisciplinar”, discutem caminhos e inovações pelos quais passou a universidade brasileira. Exercer a interdisciplinaridade, como forma de interação entre as especialidades, é um desafio para as instituições de Ensino Superior, posto que foram fundadas sobre a departamentalização dos saberes, gerando obstáculos na organização curricular.

Inaugurando a segunda parte do livro, Débora Piotto, em “Inclusão social na universidade de São Paulo (USP): a visão de estudantes beneficiados pelo programa de inclusão social da USP”, realiza entrevistas com 12 estudantes que ingressaram na USP, por meio do Programa de Inclusão Social, trazendo à tona suas percepções a respeito das políticas de ações afirmativas. Esse programa consiste em aumentar, em porcentagens, as notas dos estudantes oriundos de escolas públicas no processo seletivo da USP. Em geral, os estudantes consideram o programa como necessário, porém apontam algumas críticas, como considerar o programa como medida paliativa, atentar para as deficiências dos estudantes perante a “falta de base” que vem da educação básica, a necessidade de se preocupar com a permanência desses estudantes e com as opiniões preconceituosas que eles sofrem no cotidiano universitário.

O texto de Cora Santana e Sônia Sampaio “Cursos noturnos e acesso democrático à Educação Superior pública” apresenta o perfil de 34.301 estudantes de cursos noturnos e diurnos da UFBA, ingressos de 2009 a 2013. As autoras expõem que, de 40 vagas oferecidas em cursos noturnos em 2005, a universidade passa a oferecer 2.495 vagas em 2013. Analisando o perfil dos estudantes, do período noturno, eles são geralmente quatro anos mais velhos do que os estudantes do diurno, 37% são trabalhadores-estudantes, a maioria é oriunda de escolas públicas e a escolaridade dos pais é baixa. Em suma, têm sua origem social em camadas mais pobres. Esse fato remete à importância de aumentar os cursos noturnos de alto prestígio social, além de oferecer subsídios para ações voltadas para a permanência desses estudantes.

Outra abordagem que diz respeito às políticas públicas de permanência é discutida no texto “Interiorização do Ensino Superior público e afiliação: e se eu conseguir uma vaga, como é que vai ser?” de Ana Teixeira e Alain Coulon. A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) foi implantada em 2013, em três cidades, além de se ampliar com uma rede de Colégios Universitários localizados em pequenas cidades. A partir disso, os autores buscam identificar como egressos do Ensino Médio público, de famílias com baixa escolarização e regiões com baixo índice de desenvolvimento econômico, percebem as possibilidades de ingresso e permanência em uma universidade pública federal. Os dados indicam que 73% dos jovens desejam o Ensino Superior e 45% deles se originam de famílias em que nenhum de seus membros possui diploma universitário. Esses jovens, que até então tinham possibilidades limitadas de ingresso no Ensino Superior público, agora demonstram desejo e persistência, mesmo estando cientes das dificuldades cognitivas, formativas, culturais e econômicas a serem enfrentadas.

Na busca de entender a vida do estudante dentro da universidade, Rosana Heringer, em “‘Organizando o pensamento’: desafios da rotina acadêmica num curso de Pedagogia”, toma como objeto estudantes do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ingressos em 2011 e 2012. Esses sujeitos foram selecionados por realizarem o Ensino Médio em escolas públicas, por ingressarem na universidade por cotas e serem beneficiários do programa de bolsas de estímulo à permanência. De 100 questionários e 11 entrevistas, a autora selecionou aspectos referentes às dificuldades no que diz respeito à adaptação da rotina acadêmica. A autora aponta que, para além das dificuldades econômicas, existem algumas de outra ordem, como com a leitura de textos, a relação com os trabalhos escritos e provas, as novas regras universitárias e as apresentações de trabalho oral.

A partir de uma incursão pela literatura, o artigo “Políticas de assistência estudantil e de ações afirmativas: a permanência no Ensino Superior como meta”, de Edleusa Nery Garrido, defende o papel das ações afirmativas e da assistência estudantil como políticas complementares capazes de assegurar o acesso e a permanência do estudante universitário. A autora propõe, além das bolsas-auxílio, outras ações para apoiar o estudante, como o acolhimento, a orientação psicopedagógica, dentre outras. Ademais, a universidade só poderá cumprir sua missão social com um esforço hercúleo: que vai desde o orçamento de gestão até a mudança da mentalidade sobre o estudante.

Trazendo contribuições de um trabalho etnometodológico, Franciele Daiane Rodrigues Resende e Écio Antônio Portes, no artigo “‘Cada um por si e Deus por todos’: aspectos da interação professores/estudantes na licenciatura em Física da Universidade Federal de São João del-Rei”, discutem a relação entre professores e estudantes, a partir de uma pesquisa que objetivou investigar como se constrói, cotidianamente, o fracasso universitário no curso de licenciatura em Física da UFSJ. Para isso, assistiram a todas as aulas do ano de 2014 e acompanharam um grupo de 19 estudantes. Os investigadores mostraram que essa interação é multifacetada, e o que faz a diferença para se obter sucesso no curso é a idade: quanto mais jovem, menos reprovações sofrem. Ademais, o fato de o professor ser distante, ter gosto pela reprovação, não dialogar e exercitar o poder faz com que o estudante se sinta sem apoio diante do processo de afiliação.

Para fechar a coletânea, Viviana Mancovsky, em “Algumas reflexões sobre os jovens que chegam à universidade e os professores que os recebem: o cuidado através do ensino”, enfatiza o encontro entre professores e estudantes, salientando o cuidado por meio do ensino. Esse cuidado não se resume em colocar os jovens em uma posição de incapacidade, mas construir um vínculo saudável e generoso de saberes. Além disso, é acompanhar a lógica universitária e o modo de funcionamento de uma instituição que nem sempre foi inclusiva e hospitaleira.

De uma forma geral, o livro, por meio de pesquisas realizadas recentemente, justifica seu intento, permitindo enxergar a realidade acadêmica de diversos estudantes que adentram nas universidades públicas, com perfis destoantes e sofrem com o processo de afiliação. Esses estudos permitiram conferir vez e voz a sujeitos que parecem não ser considerados os atores principais da universidade: os estudantes. Esse livro almeja ser um pequeno passo para entender as práticas cotidianas universitárias, merecendo atenção do ponto de vista das políticas públicas e contemplando possibilidades e caminhos alternativos. A contribuição do OVE, ainda, avançou do ponto de vista teórico, metodológico e epistemológico, trazendo estudos de cunho etnográfico, fundamentados em abordagens como o Interacionismo Simbólico e a Etnometodologia.

Por fim, o livro “Observatório da vida estudantil: Avaliação e qualidade no ensino superior: formar como e para que mundo?” é recomendado aos educadores de forma geral, pois agrupa vários resultados de pesquisas realizadas recentemente, na universidade. Uma obra que será útil a todos que se interessam pelo tema da avaliação e da qualidade no Ensino Superior. Com ela, o leitor poderá alargar sua compreensão das lógicas que regem as práticas cotidianas dos atores sociais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2015
  • Aceito
    24 Abr 2016
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