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Categorias sociopolíticas da ética climática: Plano Municipal de Arborização Urbana (São Paulo)

Resumo

Este artigo busca compreender a disputa entre diferentes visões de mundo por meio da análise das propostas de reordenamento socioambiental formulado para uma megametrópole. Moralidades ecocêntricas e antropocêntricas coexistem na estrutura do instrumento político de enfrentamento da emergência climática: Plano Municipal de Arborização Urbana da Cidade de São Paulo – Pmau (2019-2020). A perspectiva da teoria do convivialismo contemporâneo foi utilizada para lapidar as emergentes categorias do campo da ética climática: pluralidade decisória, naturalidade planejada e benefício temporal. O resultado demonstra que o conteúdo estrutural do Pmau ainda é frágil para o enfrentamento da emergência climática. Todavia, ressalta-se a relevância da inclusão da dimensão ética climática na avaliação e formulação eficaz de instrumentos públicos de mitigação das mudanças climáticas para regiões cosmopolitas.

Pmau; ética climática; ecologia política; categorias sociológicas; emergência climática

Abstract

This article aims to understand the dispute between different worldviews through the analysis of proposals for the socioenvironmental reordering of a mega-metropolis. Ecocentric and anthropocentric moralities coexist in the structure of the political instrument developed to face the climate crisis: the Municipal Plan for the Urban Afforestation of the City of São Paulo – PMAU (2019PMAU – Plano Municipal de Arborização Urbana da Cidade de São Paulo (2019). Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/meio_ambiente/arquivos/pmau/PMAU_texto_final.pdf>. Acesso em: 10 set 2020.
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). The theory of contemporary convivialism was used to polish categories emerging from the field of climate ethics: decision-making pluralism, planned naturalness, and temporal benefit. The result indicates that the structural content of the PMAU is still fragile to face the climate crisis. However, we highlight the importance of including the climate ethics dimension for the evaluation and effective formulation of public instruments to mitigate climate change in cosmopolitan regions.

PMAU; climate ethics; political ecology; sociological categories; climate crisis

Introdução

Na era do Capitaloceno (Haraway, 2016HARAWAY, D. J. (2016). Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Durham, Duke University Press.), o enfrentamento da emergência climática demanda ações pragmáticas e emergenciais (Stengers, 2015STENGERS, I. (2015). No tempo das catástrofes. São Paulo, Cosac Naify.; Caillé, Vandenberghe e Véran, 2016; Ferreira, Panazzolo e Köhler, 2020) com a inclusão de outros agentes não humanos (Haraway, 2016HARAWAY, D. J. (2016). Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Durham, Duke University Press.; Latour, 2020LATOUR, B. (2020). Onde aterrar? – Como se orientar politicamente no Antropoceno. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo.) e comunidades em situação vulnerável nos processos decisórios. O recorte empírico-teórico deste artigo concentra-se na intersecção entre os instrumentos políticos de enfrentamento da emergência climática no município de São Paulo e a dimensão ética em sua faceta climática.1 1 Este trabalho faz parte do Componente 5 Impactos Socioeconômicos do projeto AmazonFACE. O projeto segue o princípio de que antecipar impactos socioeconômicos pode nos preparar melhor, em termos de políticas e ações concretas, para enfrentar as adversidades climáticas futuras. Nesse sentido, este artigo busca investigar os instrumentos que mitigam os impactos dessa degradação em vários setores socioeconômicos. Mais em https://amazonface.unicamp.br/. Dimensão que contém moralidades socioambientais e que podem ser observadas na práxis. O objeto empírico é o Plano Municipal de Arborização Urbana (Pmau), um instrumento formulado para estruturar o planejamento e a gestão da arborização no município de São Paulo, visando ao aumento da resiliência da cidade em relação aos efeitos das mudanças climáticas (SVMA, 2019SVMA – Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Cidade de São Paulo (2019). Plano Municipal de Arborização Urbana (Pmau). Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/projetos_e_programas/index.php?p=284680. Acesso em: 19 nov 2020.
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).

Apresento este artigo em duas partes principais, além da introdução e das considerações finais. A primeira, uma discussão sobre as diferenças conceituais entre ética climática e moralidades socioambientais na perspectiva do convivialismo.2 2 O convivialismo como teoria sociológico-política foi proposto em 2013 por 64 pesquisadores, entre eles, Alain Caillé, Eve Chiappello, Serge Latouche, Frédéric Vandenberghe e Paulo Henrique Martins. “Convivialismo [...] a arte de viver juntos (con-vivere), aquela que valoriza a relação e a cooperação e permite se opor sem se massacrar, cuidando do outro e da Natureza e favorecendo a abertura cooperativa entre eles. Isto mesmo, opondo-se, pois seria ilusório ou mesmo nefasto construir uma sociedade que ignora o conflito entre os grupos e os indivíduos” (Caillé, Vandenberghe e Véran, 2016, p. 30). Na segunda parte, apresento, primeiramente, as categorias analíticas relacionadas às moralidades socioecológicas, em especial às climáticas, dessa emergente ética socioclimática. Na sequência, analiso a relação entre tais práticas morais e as estruturas mobilizadas pelos formuladores dessa política pública. Os resultados são parte da etapa do projeto de pesquisa3 3 Projeto de pesquisa Horizontes utópicos em disputa: ética socioclimática e práticas socioecológicas no contexto dos instrumentos climáticos brasileiros, de autoria própria, iniciado em 2019, pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia (IFCH/UFRGS). Este trabalho compõe resultados parciais da pesquisa do Componente 5 — impactos sociopolíticos e econômicos do Programa AmazonFACE. sobre instrumentos políticos de descarbonização4 4 Por descarbonização, neste contexto, entende-se sistemas ou processos que possuem capacidade de retirar os gases de efeito estufa (GEE), principalmente gás carbônico produzido pelas atividades humanas, no meio ambiente. O Pmau é um mecanismo de descarbonização, ao preservar e ampliar a área de vegetação da metrópole. formulados, no Brasil, a partir de 2019, ou seja, após a publicação do relatório SR1.5 do IPCC (2018)IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change (2018). Global Warming of 1.5 ºC: Summary for Policymakers. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/sites/2/2019/05/SR15_SPM_version_report_LR.pdf>. Acesso em: 30 set 2021.
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.5 5 Esse relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é o primeiro que afirma que as mudanças climáticas são fruto das atividades humanas.

Metodologia e justificativa

As categorias analíticas são forjadas a partir do conceito de ética climática. Foram realizadas: revisão sistemática,6 6 Revisão realizada na base de dados Google Scholar e Periódicos Capes, na chave da ética climática, na perspectiva sociológica. Em relação às categorias resultantes, foi utilizado o software NVivo 1.3 com análise de conteúdo (Bardin, 2008) sobre a relação das moralidades socioambientais observadas nos documentos relacionados do Pmau produzidos no período de 2019-2020. modelagem das categorias e análise de conteúdo (Bardin, 2008BARDIN, L. (2008). Análise de Conteúdo. Lisboa, 70.). A coleta de dados documentais ocorreu entre 2019 e 2020. O corpus concentrou-se nos documentos do Plano Municipal de Arborização Urbana da Cidade de São Paulo (SVMA, 2019SVMA – Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Cidade de São Paulo (2019). Plano Municipal de Arborização Urbana (Pmau). Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/projetos_e_programas/index.php?p=284680. Acesso em: 19 nov 2020.
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) produzidos nesse período. Na análise de conteúdo, a ênfase foi na tensão conflitiva e cooperativa de visões de mundo, aqui entendidas como tipos de éticas concorrentes. Outro grupo analítico concentrou-se nas unidades de análise associadas aos processos e relações de mediação/negociação que podem levar a efeitos de redução de iniquidades socioecológicas. Apesar das tensões e dos conflitos identificados nos conteúdos dos instrumentos de descarbonização, o Relatório final do Pmau (ibid., 2019), revela o resultado de tal disputa ético-política. A análise busca observar e identificar noções aparentemente contraditórias como apropriação de território e liberdade de tomada de decisão por comunidades impactadas pelo conteúdo desses instrumentos de descarbonização (e.g. Pmau). Para a análise, foi verificado o nível de robustez, ou seja, o grau de aderência de cada categoria no conteúdo do instrumento analisado (Quadro 1).

Quadro 1
– Nível das categorias analíticas (moralidades socioclimáticas)

Este estudo se justifica, como apontado por Di Giulio et al. (2018)DI GIULIO, G. M.; BEDRAN-MARTINS, A. M. B.; DA PENHA VASCONCELLOS, M.; RIBEIRO, W. C.; LEMOS, M. C. (2018). Mainstreaming climate adaptation in the megacity of São Paulo, Brazil. Cities, v. 72, pp. 237-244. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0264275117300471?via%3Dihub>. Acesso em: 19 out 2020.
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, que, analisando o caso da cidade de São Paulo, percebem que o debate sobre mudança climática acontece “às escondidas”, por trás de termos como “desenvolvimento sustentável” e “economia verde” (Torres, Jacobi e Leonel, 2020, p. 33). O presente trabalho busca revelar conteúdos éticos em uma perspectiva sociológica, que estão nas camadas da narrativa e do simbólico que são interpretativos. Métodos interpretativos críticos são o arcabouço selecionado neste trabalho devido à sua característica de revelar conteúdos a partir de materialidades do plano empírico.

Ainda há uma emergente demanda por estudos sobre “planejamento urbano-territorial e os efeitos das mudanças climáticas em áreas urbanas, [...] e o papel das cidades na governança global das mudanças climáticas”, que analisaram os Planos Diretores das 27 capitais brasileiras e concluem que “as cidades precisam responder aos desafios impostos pelas mudanças climáticas [...] em suas políticas de planejamento e gestão urbanas” (Espíndola e Ribeiro, 2020ESPÍNDOLA, I. B.; RIBEIRO, W. C. (2020). Cidades e mudanças climáticas: desafios para os planos diretores municipais brasileiros. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 22, n. 48, pp. 365-396. DOI: 10.1590/2236-9996.2020-4802.
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, p. 369).

Brandão (2019)BRANDÃO, L. (2019). Vidas ribeirinhas e mudanças climáticas na Amazônia: ativando híbridos, friccionando conhecimentos e tecendo redes no contexto do Antropoceno. Dissertação de mestrado. Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul., que analisa o fenômeno das mudanças climáticas a partir da sociologia, conclui que “ainda ocupa um espaço reduzido na agenda de pesquisa mais ampla das mudanças climáticas”. Outros pesquisadores brasileiros, “citando estudo realizado por Dunlap e Brulle (2015, p. 7), aponta[m] que as estimativas indicam que apenas 3% das publicações que tratam das mudanças ambientais globais tenham tido a participação de sociólogos” (Fleury, Miguel e Taddei, 2019, p. 24).

A contribuição do presente trabalho busca preencher essa lacuna de estudos e pesquisas, por meio da inclusão de uma abordagem a partir das ciências sociais, em especial da sociologia moral e filosofia política – e sua intersecção nas ciências políticas – e da sociologia da questão climática, na discussão do tema das políticas de mudanças climáticas.

Mais do que incluir uma análise sociológica a partir de quadros teóricos da sociologia da questão ambiental e climática, o presente trabalho possui uma abordagem interdisciplinar que aproxima os campos das Ciências Humanas. Ele busca apresentar um instrumento teórico-metodológico original, capaz de materializar o nexo indissociável entre os planos ético e político e de avaliar instrumentos climáticos no contexto político brasileiro. Algumas categorias do instrumento analítico Planb Index (Salmi, 2023SALMI, F. (2023). PLANB Index: categorias sociológicas para formuladores de políticas climáticas. Brazilian Political Science Review. No prelo.) são utilizadas para a avaliação do Pmau no âmbito do engendramento das formulações das políticas de enfrentamento da emergência climática, com ênfase em ambientes urbanos com megadiversidade, como a metrópole de São Paulo, objeto empírico deste trabalho.

Ética climática, justiça socioambiental e igualitarismo distributivo

O problema da mudança climática é, na sua essência, um problema ético. Trata-se de um problema de equidade, de distribuição intergeracional. (Moss, 2009MOSS, J. (2009). Climate change and social justice. Melbourne, M.U. Publishing., p. 11)

Nesta seção apresento discussão teórica na intersecção da emergente ética climática (Brooks, 2020BROOKS, T. (2020). Climate change ethics for an endangered world. Londres, Routledge.; Felt et al., 2017FELT, U.; FOUCHÉ, R.; MILLER, C. A.; SMITH-DOERR, L.(eds.) (2017). The handbook of science and technology studies. Cambridge, MA, The MIT Press.; Gardiner, 2017GARDINER, S. M. (2017). Climate ethics in a dark and dangerous time. Ethics, v. 127, n. 2, pp. 430-465. DOI: 10.1086/688746.
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; Grosz, 2017GROSZ, E. (2017). The incorporeal: ontology, ethics, and the limits of materialism. Nova York, Columbia University Press.) com os processos de formulações das políticas de enfrentamento da crise, que possuem componentes que resultem em redução das iniquidades socioambientais. A emergente ética climática baseia-se em princípios de justiça e de equidade socioambientais (Heath, 2016HEATH, J. (2016). Climate ethics: justifying a positive social time preference. Journal of Moral Philosophy, v. 14, n. 4, pp. 1-28. DOI: 10.1163/17455243-46810051.
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; Brooks, 2020BROOKS, T. (2020). Climate change ethics for an endangered world. Londres, Routledge.). Tais princípios têm por objetivo a mitigação e/ou adaptação aos impactos socioambientais, gerados pelas atividades antropogênicas (IPCC, 2018IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change (2018). Global Warming of 1.5 ºC: Summary for Policymakers. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/sites/2/2019/05/SR15_SPM_version_report_LR.pdf>. Acesso em: 30 set 2021.
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).

Alguns autores pontuam que “o desenvolvimento da ciência [climática] com a ausência de reflexões éticas resulta em barbáries [morais]” (Chargaff apud Bruckmeier, 2019BRUCKMEIER, K. (2019). Global environmental governance: social-ecological perspectives. Cham, Palgrave Macmillan., p. 81). Sem inclusão da dimensão ética e suas moralidades pragmáticas, o fenômeno da emergência climática continuará a ser enfrentado com práticas morais baseadas no tipo de “ética urbano-industrial-capitalista antropocêntrica” (Bringel e Pleyers, 2020BRINGEL, B.; PLEYERS, G. (2020). Políticas, movimientos sociales y futuros en disputa en tiempos de pandemia. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Clacso; Lima, Alas.; Florit, 2017FLORIT, L. F. (2017). Ética ambiental ocidental e os direitos da natureza. Contribuições e limites para uma ética socioambiental na América Latina. Pensamiento Actual, v. 17, n. 28, pp. 121-136. DOI: 10.15517/pa.v17i28.29550.
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; Haraway, 2016HARAWAY, D. J. (2016). Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Durham, Duke University Press.; Moss, 2009MOSS, J. (2009). Climate change and social justice. Melbourne, M.U. Publishing.). Uma nova ética global é uma das demandas emergentes das mudanças climáticas, que incluem princípios como o da distribuição equitativa, que prevê, por exemplo, a formulação de tais mecanismos com regras morais de compensação pelos mais ricos aos mais vulneráveis (Singer, 2010SINGER, A. E. (2010). Integrating ethics and strategy: a pragmatic approach. Journal of Business Ethics, v. 92, n. 4, pp. 479-491. DOI: 10.1007/s10551-009-0176-z.
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).

Como a ética é um conceito abstrato, assim como justiça e equidade (Ricoeur, 1992RICOEUR, P. (1992). Oneself as another. Chicago; Londres, University of Chicago Press.), antes de entrar na discussão da ética climática, é importante ressaltar uma diferença conceitual em relação às noções de ética e moral. A ética está para o campo filosófico, assim como a moral está para a práxis vivida (Boltanski e Thévenot, 2006BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. (2006). On justification: economies of worth. Princeton, Princeton University Press.; Florit, 2019FLORIT, L. F. (2019). From environmental conflicts to socio-environmental ethics: An approach from the traditional communities’ perspective. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, pp. 261-283. DOI: 10.5380/DMA.V52I0.59663.
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; Ricoeur, 1992RICOEUR, P. (1992). Oneself as another. Chicago; Londres, University of Chicago Press.). Nessa perspectiva, a ética é entendida como um conjunto de princípios, axiomas ou horizontes e pode ser entendida, também, como uma visão de mundo. Já a moral pode ser compreendida como um desdobramento da ética, que possui um caráter normativo, e é operacionalizada por regras, normas ou leis. Tais autores apresentam a ética como um campo que busca refletir sobre relações sociais equitativas dentro de “instituições justas”.7 7 Ricoeur (1992) entende “instituições” como estruturas organizadas que possuem uma determinada perenidade no tempo. Tal cristalização é fruto do reconhecimento de um tipo de ética, e vivida na práxis social que retroalimenta o modo de vida no social, reforçando tanto a ética como a instituição, ou estrutura, na qual os indivíduos estão inseridos.

Assim, a ética climática está diretamente associada às instituições justas, que operacionalizam práticas e formulam políticas e, consequentemente, contribuem para a justiça socioambiental. Porém, a conceituação de instituição justa (Ricoeur, 1992RICOEUR, P. (1992). Oneself as another. Chicago; Londres, University of Chicago Press.; Boltanski e Thévenot, 2006BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. (2006). On justification: economies of worth. Princeton, Princeton University Press.; Pettit, 2014PETTIT, P. (2014). Just freedom: a moral compass for a complex world (Norton Global Ethics Series). Londres; Nova York, WW Norton & Company.; Forst, 2016FORST, R. (2016). The justification of basic rights: a discourse-theoretical approach. Netherlands Journal of Legal Philosophy, v. 45, pp. 7-28. DOI: 10.5553/NJLP/221307132016045003002.
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; Brooks, 2020BROOKS, T. (2020). Climate change ethics for an endangered world. Londres, Routledge.) possui interpretações amplas e é abordada por várias áreas das ciências humanas, da filosofia política à sociologia moral (Vandenberghe, 2018VANDENBERGHE, F. (2018). Critical realism, history, and philosophy in the social sciences: principles of reconstructive social theory. Political Power and Social Theory, v. 34. DOI: 10.1108/S0198-871920180000034.
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). Para a ética neoliberal, a justiça operacionaliza-se na liberdade de um mercado livre, enquanto, em uma ética decolonial, a justiça está associada diretamente à equidade distributiva (Brooks, 2020BROOKS, T. (2020). Climate change ethics for an endangered world. Londres, Routledge.; Forst, 2016FORST, R. (2016). The justification of basic rights: a discourse-theoretical approach. Netherlands Journal of Legal Philosophy, v. 45, pp. 7-28. DOI: 10.5553/NJLP/221307132016045003002.
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; Kothari et al., 2019KOTHARI, A.; SALLEH, A.; ESCOBAR, A.; DEMARIA, F.; ACOSTA, A. (eds.) (2019). Pluriverse: a post-development dictionary. Delhi, Tulika Books and Authorsupfront.). Quando expando a categoria da equidade socioambiental para um horizonte climático, a noção da distribuição equitativa emerge e revela como um fenômeno global proporciona efeitos sociais desiguais. Assim, Kis (2020)KIS, J. (2020). “On the core of distributive egalitarianism: towards a two-level account”. In: BROOKS, T. (org.). Climate change ethics for an endangered world. Londres, Routledge, pp. 71-95. mostra que a distribuição equitativa está relacionada ao tipo de ética, ou cosmovisão, na qual se situa a disputa moral. Pode-se enquadrar o igualitarismo distributivo como sendo, por exemplo, de igual acesso: às oportunidades de geração de energia, aos espaços de decisão política; à distribuição de recursos (materiais, educacionais, entre outros); à distribuição dos benefícios gerados, de modo equânime, aos mais ricos e poluidores ou somente poupar o repasse dos custos aos mais vulneráveis e desprovidos de recursos.

Organizações, públicas e privadas, são as instituições ou estruturas planejadas que medeiam as relações entre o social e o natural. Tal mediação é materializada mediante normatividades, aqui entendidas como moralidades socioecológicas, que emergem em etapas diversas, como a da formulação das políticas públicas, como entidades públicas que formulam, desenham e planejam os mecanismos de justiça climática e socioambiental em dado território.

As práticas morais, quando associadas às instituições, são denominadas “moralidades institucionais”, ou seja, “um conjunto de regras específicas impostas legalmente” (Heath, 2016HEATH, J. (2016). Climate ethics: justifying a positive social time preference. Journal of Moral Philosophy, v. 14, n. 4, pp. 1-28. DOI: 10.1163/17455243-46810051.
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, p. 27). Isto nos ajuda, além de realizar a ponte entre a ética climática e suas moralidades socioambientais, a situar os agentes da ação. Nessa perspectiva, as instituições geram regras morais que devem ser vivenciadas pelos indivíduos que habitam o ambiente no quais tais estruturas estejam presentes e são aceitas pelos indivíduos que compartilham de tais espacialidades (Boltanski e Thévenot, 2006BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. (2006). On justification: economies of worth. Princeton, Princeton University Press.; Heath, 2016HEATH, J. (2016). Climate ethics: justifying a positive social time preference. Journal of Moral Philosophy, v. 14, n. 4, pp. 1-28. DOI: 10.1163/17455243-46810051.
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; Kis, 2020KIS, J. (2020). “On the core of distributive egalitarianism: towards a two-level account”. In: BROOKS, T. (org.). Climate change ethics for an endangered world. Londres, Routledge, pp. 71-95.).

Alguns autores citam a “ética antropocêntrica” (Ferreira, Panazzolo e Köhler, 2020) como elemento estruturante e estruturador das relações entre humanos e não humanos. Ao analisarem o direito da natureza, na perspectiva decolonial, e o direito a uma vida digna urbana, na perspectiva antropocêntrica, identificam a questão da ética como dimensão central nas relações entre humanos e não humanos. A crítica é realizada quando há somente um tipo de ética, puramente urbano-antropocêntrica, sem considerar o agenciamento da natureza, e concluem que “[e]ssas diferenças nos fazem acreditar que somos os senhores da natureza, o que nos leva a ter uma relação coisificada” (p. 54323; grifo nosso). A ética antropocêntrica opera com moralidades de coisificação para que os grupos de interesse instrumentalizem a natureza e, assim, extraiam, de modo não recíproco, os elementos da natureza para a manutenção do modo de vida da sociedade contemporânea, que opera com uma ética urbano-antropocêntrica, ou seja, sem a inclusão de entidades da natureza como dignas de valor moral (Florit, 2019FLORIT, L. F. (2019). From environmental conflicts to socio-environmental ethics: An approach from the traditional communities’ perspective. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, pp. 261-283. DOI: 10.5380/DMA.V52I0.59663.
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).

A justiça socioambiental é um dos elementos que compõem a camada das moralidades, que podem ser utilizados como formuladores políticos, como apresentado por Meira (2017MEIRA, A. C. H. (2017). “Ó!! Você vai construir por cima de mim!!": desenvolvimento, conflito ambiental e disputas por justiça no litoral sul do Espírito Santo, Brasil. Tese de doutorado. Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul., p. 161):

Esse questionamento tem como ponto de partida a ideia de que a justiça, do ponto de vista pragmático, está relacionada à forma como os indivíduos humanos vivem, se relacionam entre si e com dispositivos não humanos, acrescentando aí a natureza, e à capacidade destes indivíduos construírem e promoverem a generalização de uma ideia de bem comum, que venha unificar a humanidade em uma ideia de justiça, bem ou bom, permitindo assim um acordo.

O acordo que Meira postula aqui é entendido e materializado nos instrumentos políticos de descarbonização. Acordos intrinsecamente ligados à dimensão política, que possuem elementos de mediação e negociação. Acordos justos socioambientalmente podem ser observados nos tipos de moralidades que integram e dão sustentação às formulações políticas de instrumentos de adaptação ou mitigação da emergência climática. Mecanismos políticos que resultam em superação da dicotomia sociedade/natureza e na redução das desigualdades socioambientais simultaneamente (Florit, 2019FLORIT, L. F. (2019). From environmental conflicts to socio-environmental ethics: An approach from the traditional communities’ perspective. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, pp. 261-283. DOI: 10.5380/DMA.V52I0.59663.
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; Kothari et al., 2019KOTHARI, A.; SALLEH, A.; ESCOBAR, A.; DEMARIA, F.; ACOSTA, A. (eds.) (2019). Pluriverse: a post-development dictionary. Delhi, Tulika Books and Authorsupfront.).

Ao trazer, para a discussão, as categorias de instituição justa e distribuição equitativa, posso compreender a integração ao conceito dessa emergente ética climática. A primeira por ser gerada a partir de práticas morais estruturais para a redução da desigualdade, e a segunda, por criar moralidades estruturantes, que de modo normativo distribui equitativamente, tanto custos, quanto benefícios socioambientais. Exemplo recente ocorreu com o lançamento do instrumento político-econômico,8 8 Este instrumento alocou oficialmente “1,85 biliões de euros” por meio da política pública europeia Next Generation EU (CE, 2020, p. 2). social e ecológico denominado Next Generation EU, de enfrentamento da crise sanitária e climática, que afirmou um compromisso para a realização de uma “dupla transição, ecológica e digital”, com uma “recuperação justa e inclusiva”, em que “a equidade social esteja no cerne da recuperação” (CE, 2020, p. 12; grifo nosso). Desse modo, política e ética entrelaçam-se, tornando o desafio de superação mais complexo e levando-nos ao patamar de uma análise das moralidades (Otto et al., 2020OTTO, I. et al. (2020). Social tipping dynamics for stabilizing Earth’s climate by 2050. PNAS, v. 117, n. 5, pp. 2354-2365. DOI: 10.1073/pnas.1900577117.
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), como elementos estruturais e estruturantes que se constituem mutuamente.

A complexidade das relações entre o mundo social e natural está nas inter-relações entre as dimensões: políticas, sociais, econômicas, ecológicas e éticas, inclusive dimensões espirituais.9 9 Neste recorte não discuto a interação entre ética ambiental e religiosidade. Todavia, o teor ético também é um dos elementos discutidos na temática religiosa e preservação da vida planetária, a partir de uma visão mais holística da vida. A noção de uma emergente ética baseada nas interações da base material da convivência humana e não humana, com as condições de continuidade da vida do território em questão, em disputa com as estratégias de grupos de interesse econômico de dominação territorial é um desafio contemporâneo (Acselrad, Barros e Giffoni Pinto, 2015).

Os autores do âmbito internacional apresentam em boa medida o campo da ética climática a partir de uma abordagem filosófica, sem interfacear o campo da sociologia, aqui em destaque. Já os pesquisadores do âmbito brasileiro se concentram em análises, grosso modo, em perspectivas de governança ambiental ou políticas, sem considerar a dimensão ética. Apresento uma abordagem forjada por um caminho interdisciplinar: sociologia moral e filosofia política, em especial a ética climática, e sociologia da questão climática, em especial a abordagem pós-estruturalista social crítica. Esse encontro resulta em um quadro teórico-metodológico (Planb Index). Esse framework é mobilizado parcialmente – três das cinco categorias analíticas são utilizadas na presente análise.

No presente recorte, a ética climática está situada em uma dimensão abstrata e reflexiva, como um conjunto de princípios baseados em noções como justiça socioambiental e equidade distributiva, entre outras similares; todavia também está situada, de modo indissociável, à dimensão empírico-política. Esse conjunto de princípios éticos é desdobrado em uma dimensão vivida, na e para a práxis social, em regras e normas morais, ou seja, em um conjunto de moralidades socioambientais. Esse conjunto de valores morais, que estruturam a práxis social e podem gerar uma (re)produção do social e do ambiental, pode ser utilizado nas formulações de políticas públicas.

Fruto dessa exposição, reflito se os instrumentos políticos de adaptação ou mitigação da emergência climática são formulados para reproduzir a ordem social e ecológica, e assim manter as mobilidades urbano-antropocêntricas, ou se são projetados para gerar uma “dupla transição”, social e ecológica, de modo justo e equitativo.

Moralidades socioambientais pelo prisma da ética climática

Quais são as moralidades sociais que levam ao início de uma transformação disruptiva, social e economicamente, que alcance o objetivo da completa descarbonização até o ano de 2050? (Otto et al., 2020OTTO, I. et al. (2020). Social tipping dynamics for stabilizing Earth’s climate by 2050. PNAS, v. 117, n. 5, pp. 2354-2365. DOI: 10.1073/pnas.1900577117.
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, p. SI2)

Nesta subseção apresento as concepções teóricas das moralidades socioambientais pelo prisma da emergente ética climática. As moralidades são tratadas aqui, também, como categorias analíticas e foram utilizadas na aplicação do instrumento de descarbonização, no caso, o Plano Municipal de Arborização Urbana da Cidade de São Paulo (SVMA, 2019SVMA – Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Cidade de São Paulo (2019). Plano Municipal de Arborização Urbana (Pmau). Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/projetos_e_programas/index.php?p=284680. Acesso em: 19 nov 2020.
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). As categorias analíticas dessa emergente ética climática (Planb Index)10 10 O quadro teórico-metodológico Planb Index é composto por cinco categorias analíticas: pluralidade decisória, localidade energética, acesso epistêmico e material, naturalidade planejada e benefício geracional. Mais em Salmi (2023). são apresentadas a seguir: pluralidade decisória, naturalidade planejada e benefício temporal.11 11 Benefício temporal é utilizado aqui como um termo similar ao benefício geracional.

Moralidade #1: entre espaços autoritários e pluralidade decisória

Uma economia ecocêntrica deve considerar valores morais, o “outro” – não humano e a natureza –, efetuando, assim, parte dos processos de decisões políticas e de governança local. (Dickerson, 2020DICKERSON, A. (2020). Ecocentrism, economics and commensurability. The Ecological Citizen, v. 3, n. Suppl B, pp. 5-11., p. 8)

A categoria pluralidade decisória está associada à noção de reconhecimento do agenciamento das comunidades locais nos processos de preservação de seus modos de vida, através da inclusão dessas comunidades nos processos de decisões12 12 Acselrad (2010, p. 112) assinala, entre as definições pragmáticas do que se entende por justiça ambiental, como sendo práticas que “asseguram [...] processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito”. territoriais (Acselrad, 2010ACSELRAD, H. (2010). Ambientalização das lutas sociais – O caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados. São Paulo, v. 24, n. 68, pp. 103-119. DOI: 10.1590/S0103-40142010000100010.
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; Florit, 2019FLORIT, L. F. (2019). From environmental conflicts to socio-environmental ethics: An approach from the traditional communities’ perspective. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, pp. 261-283. DOI: 10.5380/DMA.V52I0.59663.
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). Na mesma perspectiva, Latour (2020)LATOUR, B. (2020). Onde aterrar? – Como se orientar politicamente no Antropoceno. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo. ressalta a importância da inclusão de agentes não humanos nos processos políticos decisórios. Um desafio que é fruto do modelo de decisões antropocentradas, retirando o agenciamento de outros seres.13 13 Latour (2020, p. 51) traz sua crítica ao neoliberalismo antropocêntrico: “Se não puderam concretizar suas ambições, foi por acreditarem que era preciso escolher entre se ocupar ou das questões sociais, ou das questões ecológicas, enquanto o que estava realmente em jogo era outra escolha, muito mais decisiva, que dizia respeito a duas direções da política: uma que define as questões sociais de modo muito restrito e outra que define os riscos para a sobrevivência sem estabelecer diferenças a priori entre humanos e não humanos. A escolha que precisa ser feita é, portanto, entre uma definição limitada dos laços sociais que compõem uma sociedade e uma definição ampla das associações que formam aquilo que tenho chamado de ‘coletivos’”.

A pluralidade está vinculada à noção da convivialidade contemporânea no contexto cosmopolita. Convivialidade plural, nesse contexto climático, é viver com o diferente, através do reconhecimento do outro, humanos e não humanos. Esse tipo de convivência tem se tornado cada vez mais relevante nos estudos dos processos de convivialidade com o diferente (Hemer, Povrzanović Frykman e Ristilammi, 2019). Para esses autores, que pesquisam a convivialidade pela perspectiva da (super)diversidade cultural em espaços compartilhados, principalmente relacionados aos grandes fluxos de diversidade cultural entre fronteiras geopolíticas, o termo convivialidade concentra-se na análise da inclusão/exclusão da diferença, (in)visibilização do outro, (des)integração, rompimento/coesão, mediação inter-relacional (Alba e Duyvendak, 2019ALBA, R.; DUYVENDAK, J. W. (2019). What about the mainstream? Assimilation in super-diverse times. Ethnic and racial studies, v. 42, n. 1, pp. 105-124.; Klarenbeek, 2019KLARENBEEK, L. M. (2019). Relational integration: a response to Willem Schinkel. Comparative Migration Studies, v. 7, n. 1, pp. 1-88. DOI: 10.1186/s40878-019-0126-6.
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; Domingo, Pinyol-Jiménez e Zapata-Barrero, 2020). A convivência, nesse contexto climático, não diz respeito a tolerar o outro, mas reconhecer a dignidade do outro.

Convivialidade na diferença e em contextos cosmopolitas traz, em seu plano analítico, a tensão do elemento da heterogeneidade e da diversidade (Hemer, Povrzanović Frykman e Ristilammi, 2019). Essa perspectiva analítica possibilita a observação dos processos de junção das diferenças culturais e simbólicas, ao contrário do que é sugerido por Klarenbeek (2019)KLARENBEEK, L. M. (2019). Relational integration: a response to Willem Schinkel. Comparative Migration Studies, v. 7, n. 1, pp. 1-88. DOI: 10.1186/s40878-019-0126-6.
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, que defende que a convivialidade é apenas um projeto de homogeneização do neoliberalismo e do neocolonialismo. Klarenbeek (ibid.) defende que a integração possibilita justamente observar e analisar os processos de convivência das diferenças em contextos de diversidade, apesar de concordar em parte com Schinkel que, quando a convivialidade é apropriada por governos, esta pode ser utilizada como projeto político para manter o processo de exclusão do diferente, no caso, do imigrante que tem de se adaptar às normas locais e deve se submeter às regras culturais locais, relegando suas próprias culturas a espaços privados (ibid.). Mas é inegável que a convivialidade é um processo que possibilita o tensionamento entre diferentes ou a pasteurização generalizada. Cabe à dimensão ética em sua perspectiva sociológico-política realizar tal distinção.

O elemento da diferença, quando apreendido como eixo analítico, permite dar ênfase à dimensão ética e aos planos afetivos das relações que operam no nível humano-tecnologia (Latimer, 2017LATIMER, J. (2017). Manifestly haraway: the cyborg manifesto, the companion species manifesto, companions in conversation (with cary wolfe). Theory, Culture & Society, v. 34, n. 7, pp. 245-252.). Assim, posso analisar entidades vivas e coisas no mesmo patamar e analisar, também, como elas se relacionam e se remodelam mutuamente. Muito além da análise do conceito do eu-outro humano, a convivialidade contemporânea realiza uma guinada ontológica e permite o deslocamento do olhar para analisar, não só os processos a partir de novos agenciamentos, como as condições que geram a convivialidade na diferença. A questão de “quem define a diferença, como e por que isso importa” (Meissner e Heil, 2021MEISSNER, F.; HEIL, T. (2021). Deromanticising integration: on the importance of convivial disintegration. Migration Studies, pp 1-19. DOI: 10.1093/migration/mnz056.
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, p. 9) pode ser respondida na perspectiva ética aqui apresentada. Entender as razões e para quem interessa gerar e manter estados de diferenças, ou seja, (re)ordenamentos sociais, pode auxiliar a identificar assimetrias de poder, estruturas dominantes de iniquidades socioclimáticas, processos de des(integração), campos de forças de homogeneização e dinâmicas da coesão social em contextos de (super)diversidade – como nas megametrópoles.

Na perspectiva da emergente ética climática, a pluralidade decisória está associada, também, à noção do “direito básico dos indivíduos de co-determinar a estrutura de uma sociedade” (Forst, 2016FORST, R. (2016). The justification of basic rights: a discourse-theoretical approach. Netherlands Journal of Legal Philosophy, v. 45, pp. 7-28. DOI: 10.5553/NJLP/221307132016045003002.
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, p. 8). Similar à noção da liberdade de ação em instituições justas, com espaços de decisões coletivas, ou seja, espaços com poder (kratos ou controle) igualitário entre cidadãos (demos) e instituições (estruturas), seja em relação ao governo/estado (dominium ou poder público), seja em relação a uma corporação (imperium ou poder privado) (Pettit, 2014PETTIT, P. (2014). Just freedom: a moral compass for a complex world (Norton Global Ethics Series). Londres; Nova York, WW Norton & Company.).

Na esteira do argumento de que “a disputa simbólica entre moralidades ambientais é indissociável da materialidade das disputas territoriais” (Florit, 2019FLORIT, L. F. (2019). From environmental conflicts to socio-environmental ethics: An approach from the traditional communities’ perspective. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, pp. 261-283. DOI: 10.5380/DMA.V52I0.59663.
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, p. 7), estabeleço a territorialidade como uma moralidade ambiental a ser verificada nos instrumentos climáticos. Outra noção associada a essa categoria é o deslocamento das políticas públicas amplas e globais para políticas regionais ou locais, aqui compreendida na sua perspectiva de autonomia de decisões (Ricoeur, 1992RICOEUR, P. (1992). Oneself as another. Chicago; Londres, University of Chicago Press.) na ótica da governança do território pelos povos ou comunidades, urbanos ou tradicionais (Dunlap, 2018DUNLAP, A. (2018). Reconsidering the logistics of autonomy: ecological autonomy, self-defense and the policia comunitaria. In: ERPI 2018 INTERNATIONAL CONFERENCE – AUTHORITARIAN POPULISM AND THE RURAL WORLD. México, Álvaro Obregón.; Floriani e Floriani, 2020FLORIANI, D.; FLORIANI, N. (2020). Ecologia das práticas e dos saberes para o desenvolvimento local: territórios de autonomia socioambiental em algumas comunidades tradicionais do centro-sul do Estado do Paraná, Brasil. Revista Latinoamericana Polis, v. 20, pp. 24-39. DOI: http://dx.doi.org/10.32735/S0718-6568/2020-N56-1520.
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). Ao invés da ênfase na noção de autonomia – que pode remeter à noção hegemônica de poder unilateral por qualquer uma das partes envolvidas –, a ênfase está na participação, pois “a participação adquire um caráter moral [...] e se associa geralmente com fins morais ou desejados para se atingir determinados resultados” (Sachs, 1996SACHS, W. (1996). Diccionario del desarrollo. Una guía del conocimiento como poder. Lima, Pratec., p. 183).

Assim, conclui-se que a moralidade do desenvolvimento está baseada na desterritorialização dos espaços dos povos e comunidades, sejam tradicionais ou habitantes de zonas de interesse econômico. A pluralidade decisória dialoga com a noção da reciprocidade, de modo reflexivo com o outro, inclusive o outro não humano (Haraway, 2016HARAWAY, D. J. (2016). Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Durham, Duke University Press., Tsing, Mathews, Bubandt, 2019). Esse tipo de moralidade, da apropriação dos espaços de decisão plural, poderá ser observado como um desdobramento de ação inclusiva/exclusiva, que revela quais relações de poder estão em jogo nas formulações das políticas públicas, privadas e do terceiro setor sobre descarbonização.

Moralidade #2: entre coisificação planetária e naturalidade planejada

Trantor. Décimo terceiro milênio. Centro do governo imperial. Sua urbanização, que progredira a passos firmes, havia finalmente chegado à sua forma definitiva. Toda a superfície terrestre de Trantor, 194 milhões de km2 de extensão, era uma única cidade. A população, no seu ápice, passava dos 40 bilhões. Do espaço sideral o planeta era apenas uma grande esfera metálica uniforme.14 14 Inspirado em Haraway (2006), que traz noções da ficção científica para explicar suas críticas ao Antropoceno, entre outras críticas, também lanço mão de uma metáfora a Haraway. Trantor, um planeta imaginário, é uma das referências de Issac Asimov em sua obra Fundação. Se o planeta ficcional Trantor simboliza o auge da tecnologia, o poder centralizado, o domínio econômico, político e tecnológico sobre o ser humano e sobre a Natureza, aqui trazido para iluminar e ilustrar metaforicamente a crítica que Illich (1973) faz do avanço tecnológico e seu uso indiscriminado por uma sociedade alienada dominada e governada por grupos de interesses de uma elite oligárquica, posso aludir que atualmente a humanidade vive um processo de trantorização. (Asimov, 2009ASIMOV, I. (2009 [1951]). Fundação. São Paulo, Aleph. e-book. [1951], p. 1761)

Formular políticas públicas é projetar futuros. A naturalidade planejada é entendida como uma categoria ancorada no conceito de naturalização dos espaços, por agenciamentos humanos, em que os territórios são transformados de modo planejado e ordenado, em um horizonte temporal (Hemer, Povrzanović Frykman e Ristilammi, 2019; Udoh, Essien e Etteh, 2020) em territórios naturais de sociodiversidade em aderência à noção de respeito da megadiversidade social e ecológica (Caillé, Vandenberghe e Véran, 2016; Florit, Souza e Bolda, 2017).

A categoria da naturalidade planejada foi construída a partir de um conceito antagônico, a coisificação (Florit; Souza e Bolda, 2017; Florit, 2019FLORIT, L. F. (2019). From environmental conflicts to socio-environmental ethics: An approach from the traditional communities’ perspective. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, pp. 261-283. DOI: 10.5380/DMA.V52I0.59663.
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). Florit (2019)FLORIT, L. F. (2019). From environmental conflicts to socio-environmental ethics: An approach from the traditional communities’ perspective. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, pp. 261-283. DOI: 10.5380/DMA.V52I0.59663.
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nos apresenta a coisificação como categoria analítica. Para um melhor entendimento, amplio um pouco essa categoria, dando ênfase na questão climática. Assim, ao expandir a categoria da coisificação, não só aos seres humanos, mas a todo o planeta, posso sugerir que há uma coisificação planetária. A metáfora que Asimov (2009ASIMOV, I. (2009 [1951]). Fundação. São Paulo, Aleph. e-book. [1951]) traz, por meio do planeta “Trantor”, é uma imagem dessa coisificação planejada no nível planetário, que já pode ser observada nas megametrópoles15 15 O recorte analítico sobre coisificação maximizada, aqui elevada metaforicamente à trantorização, é entendido como uma alusão direta ao conceito da modernização ecológica, no qual a salvação é tanto através da tecnologia, como do crescimento econômico; este último forjado pelos grupos oligárquicos de interesse. A naturalidade é traduzida como a participação plural de entidades diversas, incluídas entidades não humanas, conceito caro aos teóricos decoloniais. Desse modo, as ações propostas nos mecanismos políticos de descarbonização, como o Pmau, podem revelar quais estruturas estão sendo mobilizadas e quais efeitos sociais, ecológicos, entre outros, estão a ser projetados, a partir dessas estruturas utópicas de transição. Se a ética pode ser entendida como uma utopia, uma cosmovisão política, então, as moralidades que operam na práxis social podem ser reveladas. contemporâneas, como a megacidade de São Paulo e outras metrópoles brasileiras.

Nessa perspectiva, o conceito de naturalização planejada passa a ser compreendido como espaço transformado de modo planejado e ordenado em contextos de megadiversidade social e ecológica (Hemer, Povrzanović Frykman e Ristilammi, 2019). No contexto das metrópoles, o estado natural do território não está em simbiose com elementos não humanos, mas em constante estado de tensionamento com o avanço dos espaços urbanos sobre os espaços naturais. Territórios de elementos, originalmente, da natureza, sendo atualmente dominados por entidades humanas e elementos tecnológicos, historicamente hibridizados (Caillé, Vandenberghe e Véran, 2016; Kothari et al., 2019KOTHARI, A.; SALLEH, A.; ESCOBAR, A.; DEMARIA, F.; ACOSTA, A. (eds.) (2019). Pluriverse: a post-development dictionary. Delhi, Tulika Books and Authorsupfront.).

Essa categoria, naturalidade planejada, pode ser observada nos instrumentos políticos de descarbonização, ao planejar, por exemplo, o aumento de espaços de arborização, com a ampliação das zonas verdes, a preservação de áreas consideradas estoques de carbono ou, ainda, a recuperação de tais áreas degradadas, de amortecimento ou absorção de gases de efeitos estufa. Tal categoria permite a apreensão do empírico, em várias escalas espaciais e temporais. Da manutenção das fronteiras de florestas tropicais nativas aos planos de arborização e parques urbanos que hibridizam sociedade e natureza (Kothari et al., 2019KOTHARI, A.; SALLEH, A.; ESCOBAR, A.; DEMARIA, F.; ACOSTA, A. (eds.) (2019). Pluriverse: a post-development dictionary. Delhi, Tulika Books and Authorsupfront.). Projetos para cidades preocupadas com as florestas para combater as mudanças climáticas, proteger as bacias hidrográficas e a biodiversidade e melhorar o bem-estar humano (WRI, 2020WRI – World Resources Institute Brasil (2020). Cities4Forests. Disponível em: <https://wribrasil.org.br/pt/o-que-fazemos/projetos/cities4forests>. Acesso em: 19 nov 2020.
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), já são projeções mais amplas e potenciais, que podem ser observadas por esta categoria.

Moralidade #3: entre ilusão e benefício temporal

Quando se trata da avaliação moral de certas ações, parece que não é o momento do ato que importa, mas sim o momento de seus efeitos. (Heath, 2016HEATH, J. (2016). Climate ethics: justifying a positive social time preference. Journal of Moral Philosophy, v. 14, n. 4, pp. 1-28. DOI: 10.1163/17455243-46810051.
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, p. 12)

O tempo é um fator mobilizador que pode levar à harmonização e normalização ou à crise e catástrofe (Stengers, 2015STENGERS, I. (2015). No tempo das catástrofes. São Paulo, Cosac Naify.). Quando a ênfase é, exclusivamente, na dimensão econômica, esse tipo de moralidade, do capital como norteador moral, é utilizado nas formulações de políticas na era antropocênica, tendo a tecnossalvação e o crescimento econômico como eixos estruturadores do ordenamento social (Boltanski e Thévenot, 2006BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. (2006). On justification: economies of worth. Princeton, Princeton University Press.; Caillé, Vandenberghe e Véran, 2016; Kothari et al., 2019KOTHARI, A.; SALLEH, A.; ESCOBAR, A.; DEMARIA, F.; ACOSTA, A. (eds.) (2019). Pluriverse: a post-development dictionary. Delhi, Tulika Books and Authorsupfront.). O benefício temporal é entendido como benefício geracional no horizonte ético climático, possível para que a redistribuição dos benefícios se realize em tempo hábil às comunidades locais e mais vulneráveis. Trata-se, assim, da produção ou não de ônus da transição para descarbonização para a comunidade e seu território (Costa, 2019COSTA, S. (2019). The Neglected Nexus between Conviviality and Inequality. The Maria Sibylla Merian International Centre for Advanced Studies in the Humanities and Social Sciences Conviviality-Inequality in Latin America — Mecila Working Paper Series, n. 17, pp. 1-28.; Kothari et al., 2019KOTHARI, A.; SALLEH, A.; ESCOBAR, A.; DEMARIA, F.; ACOSTA, A. (eds.) (2019). Pluriverse: a post-development dictionary. Delhi, Tulika Books and Authorsupfront.; entre outros).

O tipo de ética que se baseia em uma instituição justa define quais recursos serão mobilizados para gerar benefícios a tempo, e para quais indivíduos e grupos. Assim, há o rompimento da convivialidade através da (des)mobilização do tempo. Desse modo, outro aspecto que pode ser analisado pelo enquadramento da convivialidade é o ponto de ruptura da convivência que se materializa no conflito violento, físico ou simbólico. Reflito como saber qual o ponto de rompimento da convivialidade. Analiticamente, essa fronteira é relevante para a observação do rompimento de um tipo de ética climática em relação aos princípios das políticas públicas de adaptação ou mitigação da emergência climática.

O benefício é considerado justo, quando se situa no horizonte de usufruto dos indivíduos e entidades humanas e não humanas, dos resultados gerados pela ação projetada. Trata-se de um benefício geracional na perspectiva temporal do horizonte ético socioambiental e climático. Ou seja, essa categoria possibilita analisar como se dá, de fato, a redistribuição dos benefícios em tempo hábil para usufruto das comunidades afetadas e mais vulneráveis. Há uma associação direta ao benefício para a produção ou não de (b)ônus da transição para descarbonização para a comunidade e seu território (Costa, 2019COSTA, S. (2019). The Neglected Nexus between Conviviality and Inequality. The Maria Sibylla Merian International Centre for Advanced Studies in the Humanities and Social Sciences Conviviality-Inequality in Latin America — Mecila Working Paper Series, n. 17, pp. 1-28.; Kothari et al., 2019KOTHARI, A.; SALLEH, A.; ESCOBAR, A.; DEMARIA, F.; ACOSTA, A. (eds.) (2019). Pluriverse: a post-development dictionary. Delhi, Tulika Books and Authorsupfront.; Moss, 2009MOSS, J. (2009). Climate change and social justice. Melbourne, M.U. Publishing.). Trata-se do acesso a bens e serviços devido à transição. O contraponto analítico é o deslocamento de custos sociais para a transição de modo de vida em que as comunidades mais vulneráveis são mantidas na marginalidade do sistema industrial-capitalista e, assim, mantida a reprodução social do modo de vida, independentemente do acesso às energias de base fóssil ou renovável. Também entendido como a categoria de análise “acesso aos recursos financeiros e tecnológicos” para as comunidades vulneráveis sem ônus para a realização da transição energética, ou seja, “existência de recursos financeiros, institucionais e tecnológicos para lidar com a ocorrência de eventos adversos resultantes das mudanças climáticas” (Teixeira, Pessoa e Di Giulio, 2020, p. 101).

O contraponto à categoria de equidade aqui é entendido como desigualdade social, que apreendo dos instrumentos de descarbonização e verifico como são garantidos os acessos à participação nas decisões políticas de modo equitativo com a inclusão das comunidades e seus territórios no processo decisório, pois, “quando as desigualdades socioeconômicas são ‘duráveis’ e elevadas, é bem plausível que se repliquem no interior da vida associativa, bem como entre grupos organizados e não organizados, enfraquecendo a habilidade da inclusão política da participação associativa” (Kerstenetzky, 2003KERSTENETZKY, C. l. (2003). Sobre associativismo, desigualdades e democracia. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, n. 53, v. 18, pp. 131-42. DOI: 10.1590/S0102-69092003000300008.
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, p. 132).

Essa categoria analítica se encaixa também nas análises sobre desigualdade ambiental e social no contexto sul-americano, pois “enquanto persistirem as desigualdades na América Latina e nos outros territórios do Sul Global, o chamado à ação contra as mudanças climáticas deve ser, sobretudo, contra as desigualdades ambientais” (Torres, Jacobi e Leonel, 2020, p. 35). Indicadores incluem taxas e impostos verdes, taxação sobre cadeias de produção ou produtos de origem fóssil, aumento ou redução dos custos de energia para a comunidade local em transição, benefício econômico para a comunidade local sem ônus de contrapartida de transição energética, assim como reconhecimento de direitos de comunidades atingidas. Ressalto que a questão temporal está associada ao conceito de justiça social e ambiental, uma vez que a justiça está relacionada à celeridade para efetivação dos resultados projetados ou esperados pelas partes envolvidas.

A temporalidade, nesse caso, está relacionada ao impacto direto na dimensão social e ambiental, pois os benefícios dos instrumentos de descarbonização estão localizados tanto espacial, como temporalmente. O tempo da emergência (Stengers, 2015STENGERS, I. (2015). No tempo das catástrofes. São Paulo, Cosac Naify.), que opera em um horizonte material antes de ponto de não retorno, remete-nos ao direcionamento de recursos, em que capital financeiro e a ação realizada estão alinhados dentro de horizontes futuros factíveis e que sejam materializados no social impactado (RBJA, 2020RBJA – Rede Brasileira de Justiça Ambiental (2020). Carta Política da RBJA: pandemia e injustiça ambiental. [s.l.], RBJA. E-book.). O mundo por vir deve ser materializado na perspectiva ontológica do presente para que o bem-estar coletivo se realize em tempo hábil de usufruto dos indivíduos.

Plano Municipal de Arborização Urbana da Cidade de São Paulo (Pmau) e suas moralidades socioambientais

Nesta seção, apresento a análise e a discussão do objeto empírico, no caso, o instrumento político de descarbonização da metrópole São Paulo, formulado em 2019, o Plano Municipal de Arborização Urbana (Pmau, 2019PMAU – Plano Municipal de Arborização Urbana da Cidade de São Paulo (2019). Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/meio_ambiente/arquivos/pmau/PMAU_texto_final.pdf>. Acesso em: 10 set 2020.
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) da cidade de São Paulo. A escolha desse instrumento político de descarbonização foi baseada nos critérios de temporalidade, ou seja, que tivesse sido elaborado e publicado oficialmente a partir de 2019, período após o relatório do IPCC (2018)IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change (2018). Global Warming of 1.5 ºC: Summary for Policymakers. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/sites/2/2019/05/SR15_SPM_version_report_LR.pdf>. Acesso em: 30 set 2021.
https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/...
. O caso, relevante no território no qual se propõe analisar suas ações socioambientais de intervenção, no contexto de formulação política para reordenamento social e ambiental na megacidade de São Paulo, é um instrumento político de descarbonização associado diretamente à temática do colapso climático. Um instrumento político de descarbonização associado diretamente à temática da emergência climática. Um dos objetivos declarados do Pmau é que ele se trata de uma “ação contra a mudança global do clima” (SVMA, 2019SVMA – Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Cidade de São Paulo (2019). Plano Municipal de Arborização Urbana (Pmau). Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/projetos_e_programas/index.php?p=284680. Acesso em: 19 nov 2020.
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
, p. 27). O documento principal de análise16 16 Os seguintes documentos complementares foram utilizados como forma de sustentação à análise dos conteúdos do documento primário do Pmau: 1) o site oficial do programa do meio ambiente da cidade de São Paulo – Pmau#: último comunicado sobre Pmau e documentos complementares disponibilizados; 2) Lei municipal n. 16.050/2014 – Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. do instrumento de descarbonização foi o Relatório final contendo o documento base, o Plano de Trabalho e o Cronograma do Plano Municipal de Arborização Urbana (RFPmau, 2019RFPMAU – Relatório Final do Grupo de Trabalho Instituído para Organizar a Elaboração do Plano Municipal de Arborização (PMAU). 2019. São Paulo, Diário Oficial da Cidade de São Paulo, de 3 set., pp. 27-29.)17 17 Documentos e dados complementares disponíveis em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/projetos_e_programas/index.php?p=284680>. Documento oficial primário do Pmau disponível no Diário Oficial da Cidade de São Paulo de 3 de setembro de 2019, pp. 27-29. do município de São Paulo, previsto no Programa de Metas 2019-2020.

Análise e discussão do Pmau

Da pluralidade decisória

Na análise do Sumário do Pmau, foi identificado que a lente analítica da pluralidade decisória pode capturar se há inclusão do social através da presença de mecanismos de participação coletiva com atores diversos. Esse tipo de moralidade de inclusão social foi confirmado na última ata de outubro de 2019.

Com a análise do documento base e a verificação da composição do Grupo de Trabalho, busco identificar o nível da diversidade de participação, de acordo com lente da pluralidade decisória. Segundo o documento,

[...] intitulado Documento Base para elaboração do Plano Municipal de Arborização Urbana (PMAU), coordenado pela Divisão de Arborização Urbana (DAU) da Coordenação de Gestão de Parques e Biodiversidade Municipal (CGPABI), da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), e desenvolvido pelo Grupo de Trabalho interdepartamental (GTPMAU) responsável pelo planejamento e organização das atividades, apresenta orientações básicas para a formulação do Plano, conforme determina o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (PDE). (RFPmau, 2019RFPMAU – Relatório Final do Grupo de Trabalho Instituído para Organizar a Elaboração do Plano Municipal de Arborização (PMAU). 2019. São Paulo, Diário Oficial da Cidade de São Paulo, de 3 set., pp. 27-29., p. 28; grifos nossos)

Além das cinco coordenações governamentais da Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA) e outras entidades ligadas à SVMA, foram identificadas outras entidades na composição do GT-Pmau: duas entidades da sociedade civil (Conselho Municipal do Meio Ambiente18 18 “Verificou-se que há vinte e seis Cades ativos, dentre os quais, quatro estão em processo eleitoral e outros dois estão em processo de reativação. Entretanto, não foram obtidos dados referentes aos Conselhos Gestores de Parques, tampouco quanto aos coletivos ambientalmente atuantes na cidade.” (RFPmau, 2019, p, p. 27). Evidencia-se que somente um dos vinte e seis conselhos municipais de meio ambiente da cidade de São Paulo participou do processo de construção do Pmau. O Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cades) é um órgão de função dupla, consultivo e deliberativo, que deve(ria) atuar em questões referentes à preservação, conservação, defesa e recuperação do meio ambiente no município de São Paulo. da Vila Madalena e Instituto Ecobairro Brasil), duas acadêmicas (Instituto de Estudos Avançados – IEA/USP e Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz –Esalq/USP, ambas da Universidade de São Paulo) e duas entidades fiscalizadoras (Ministério Público e Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT).

Foi também avaliado o nível de participação de diferentes entidades, que foi considerado alta, segundo os critérios definidos. Apesar de um bom grau dessa pluralidade decisória, na perspectiva institucional, saliento que há potencial para ser maior, pois o próprio documento base cita a existência, por exemplo, de outros 25 conselhos que poderiam fazer parte das próximas fases do instrumento Pmau, além de também citar a possibilidade de se estender o convite para a participação de outras entidades.

Fotos da última ata evidenciam o processo de participação social através das oficinas participativas dos atores participantes na construção do documento base (SVMA, 2019SVMA – Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Cidade de São Paulo (2019). Plano Municipal de Arborização Urbana (Pmau). Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/projetos_e_programas/index.php?p=284680. Acesso em: 19 nov 2020.
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
; Pmau, 2019PMAU – Plano Municipal de Arborização Urbana da Cidade de São Paulo (2019). Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/meio_ambiente/arquivos/pmau/PMAU_texto_final.pdf>. Acesso em: 10 set 2020.
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
). Além disso, se a categorização das entidades for realizada na perspectiva de representantes humanos e não humanos, como ativistas ambientais ou representantes da biodiversidade, da fauna e flora, mesmo em sua perspectiva urbana, aliada à diversidade de grupos de interesses do porte de uma megacidade como São Paulo, como financiadores, parceiros internacionais, entre outros, posso classificar que o nível de participação é frágil, com viés para mediano, uma vez que houve a identificação de outros atores, porém estes não se materializaram na composição efetiva dos processos participativos e decisórios.

Da naturalidade planejada

O Pmau traça uma trajetória do conceito do que se entende por arborização urbana. Segundo tal definição, “a arborização urbana pode ser definida como o conjunto da vegetação arbórea natural ou cultivada presente em áreas particulares, praças, parques, vias públicas” (RFPmau, 2019RFPMAU – Relatório Final do Grupo de Trabalho Instituído para Organizar a Elaboração do Plano Municipal de Arborização (PMAU). 2019. São Paulo, Diário Oficial da Cidade de São Paulo, de 3 set., pp. 27-29., p. 28). Os autores “afirmam que apenas uma quantidade significativa de árvores impactaria na melhoria da qualidade de vida, [...] evoluindo para um conceito mais abrangente que é o das florestas urbanas” (Paiva e Gonçalves, 2002 apud RFPmau, 2019RFPMAU – Relatório Final do Grupo de Trabalho Instituído para Organizar a Elaboração do Plano Municipal de Arborização (PMAU). 2019. São Paulo, Diário Oficial da Cidade de São Paulo, de 3 set., pp. 27-29.; grifo nosso).

Não há elementos suficientes para argumentar que o instrumento de descarbonização, nomeado Pmau, possui uma rota consistente em direção à promoção de significativas florestas urbanas. A estrutura proposta de áreas verdes está baseada em elementos paisagísticos e não em sistemas ecossistêmicos. Na perspectiva paisagística, árvores são enquadradas como coisas. São consideradas pela sua dimensão estética e não pela sua dimensão ecológica, social ou mesmo climática.

Apesar do olhar sobre uma arborização urbana ordenada, como instrumento para gerar uma “ação contra a mudança global do clima [...] e proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres” (ibid., p. 28), quando analiso o conteúdo nas lentes analíticas de uma ética climática, concluo que um tipo de coisificação (Florit, 2019FLORIT, L. F. (2019). From environmental conflicts to socio-environmental ethics: An approach from the traditional communities’ perspective. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, pp. 261-283. DOI: 10.5380/DMA.V52I0.59663.
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) está em operação. Observa-se como esse tipo de moralidade se encontra nas ações planejadas pelo grupo de trabalho do Pmau, e não se verifica um planejado retorno ao território da vida (Kothari et al., 2019KOTHARI, A.; SALLEH, A.; ESCOBAR, A.; DEMARIA, F.; ACOSTA, A. (eds.) (2019). Pluriverse: a post-development dictionary. Delhi, Tulika Books and Authorsupfront.; Caillé, Vandenberghe e Véran, 2016), onde haja uma convivência harmônica entre humanos e não humanos. Ainda persiste a moralidade da dominação (dominium) da natureza.

Foi observado que o Pmau, em sua área de abrangência e pontos territoriais inicialmente elencados, busca viabilizar o acesso à natureza comum para materializar a transição de uma cidade instrumental para um “território de vida” (Kothari et al., 2019KOTHARI, A.; SALLEH, A.; ESCOBAR, A.; DEMARIA, F.; ACOSTA, A. (eds.) (2019). Pluriverse: a post-development dictionary. Delhi, Tulika Books and Authorsupfront., p. 209). Esse tipo de moralidade socioambiental não se materializa no conteúdo do Pmau, seja em seu documento base, seja em seus planos de ação.

Esta análise buscou identificar também um tipo de moralidade convivialista que normatiza “a necessidade de revitalizar territórios e localidades e, portanto, re-territorializa e re-localiza os elementos com os quais a globalização segregou do contexto natural originário” (Caillé, Vandenberghe e Véran, 2016, p. 36). Isso, no entanto, não foi observado nas ações planejadas do Pmau sobre re-territorialização das áreas verdes da metrópole de São Paulo. Desde modo, não foi materializada a lógica do território de vida ou o horizonte convivialista de “trazer territórios à vida” (Caillé, Vandenberghe e Véran, 2016). Conclui-se que é frágil a naturalidade planejada. Naturalidade que remete muito mais à estética reparadora de áreas pontuais e já conhecidas do que ao fomento e à construção de um território de vida cosmopolita entre humanos e não humanos.

Do benefício temporal

Foi observado que a legislação que define como ação prioritária19 19 O art. 288 estabelece como prioridade o Pmau: “Art. 288. As ações prioritárias do Sistema Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres são: [...] IV – elaborar o Plano Municipal de Arborização Urbana”. Cfe. Lei n. 16.050/2014. o Pmau é de 2014 e seu o Relatório Final com o documento base foi publicado no Diário Oficial em 2019. Outro ponto identificado, no documento base diz respeito às metas, que “deverão ser estabelecidas conforme o prazo de vigência do Pmau, que inicialmente se propõe 20 anos, com revisão a cada 5 anos” (RFPmau, 2019RFPMAU – Relatório Final do Grupo de Trabalho Instituído para Organizar a Elaboração do Plano Municipal de Arborização (PMAU). 2019. São Paulo, Diário Oficial da Cidade de São Paulo, de 3 set., pp. 27-29., p. 28). Importante ressaltar que foram cinco anos para a elaboração e publicação do documento base, documento que cita que o plano possui um “plano de trabalho e cronograma preliminar” (ibid., p. 29). Outro ponto é sobre o Pmau ter um prazo de vigência definido, assim suponho que, após 20 anos, não haverá mais a necessidade de realizar:

A promoção de interligações entre os espaços livres e áreas verdes de importância ambiental regional, integrando-os através de caminhos verdes e arborização urbana; – O controle das espécies vegetais e animais invasoras e a presença de animais domésticos errantes em benefício da fauna silvestre; – A conservação das áreas permeáveis, com vegetação significativa em imóveis urbanos e proteção da paisagem. (RFPmau, 2019RFPMAU – Relatório Final do Grupo de Trabalho Instituído para Organizar a Elaboração do Plano Municipal de Arborização (PMAU). 2019. São Paulo, Diário Oficial da Cidade de São Paulo, de 3 set., pp. 27-29., p. 28)

Assim como em relação ao prazo de vigência, também posso assumir que não será mais necessário e estratégico realizar os fundamentos do Pmau declarados no site oficial do programa, que visa a cumprir:

ODS 11 – Cidades e Comunidades sustentáveis: tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima: tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos; e ODS 15: vida terrestre: proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade. (SVMA sobre Pmau, 2019PMAU – Plano Municipal de Arborização Urbana da Cidade de São Paulo (2019). Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/meio_ambiente/arquivos/pmau/PMAU_texto_final.pdf>. Acesso em: 10 set 2020.
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)

Também vale ressaltar que o último encontro com ata registrada foi em outubro de 2019, e a análise consultou os dados publicados em 21 de setembro de 2020, o que contradiz a noção de ação prioritária de um plano estratégico.

Tais identificações de conteúdo relacionados ao marco temporal nos remetem ao que Ferguson (1990)FERGUSON, J. (1990). The anti-politics machine: “development”, depoliticization and bureaucratic power in Lesotho. Londres, Minnesota Press. denomina máquinas antipolíticas com suas estratégias de promessas do capitalismo e do desenvolvimento para formas de reduzir desigualdades sociais; porém trata-se de um mecanismo do modelo produtivista que opera em uma ética antropocêntrica ou uma ética capitalista. O que também pode ser analisado é a remoção de horizontes de curto prazo – o que os convivialistas argumentam sobre o tipo de moralidade. No caso do Pmau, este não só limita seu próprio conteúdo com prazo de validade, como define seu fim em sua própria constituição.

A última análise foi no tocante ao início do processo, que ocorreu em 2014. Como o Pmau tem como premissa ser uma ação prioritária no combate à emergência climática, constatou-se a sua não priorização. Remete-nos à categoria do prazo improrrogável (Steinbrenner, Brito e Castro, 2020, p. 943). O Pmau da cidade de São Paulo apresenta-se como não prioritário, assim como suas ações são prorrogáveis. O significado do conceito crise está associado à ação prioritária e emergencial, em um horizonte de factibilidade temporal. A emergência climática não é improrrogável. Empiricamente, foi observado que o espaço temporal de cinco anos para propor o Pmau, desde sua formalização em 2014, não é um tempo factível para atender às noções de crise nem de emergência climática. Após seis anos, observa-se que o ele permanece na etapa de planejamento e não há nenhum efeito pragmático na práxis social e ecológica.

Considerações finais

Por um lado, o conjunto de moralidades socioambientais do Pmau, como a categoria da moralidade socioambiental benefício temporal, revela as quase promessas da ética urbana antropocêntrica e não cumpre com a redução dos horizontes para que a ação se torne efetivamente prioritária. Nessa perspectiva, a injustiça socioambiental é revelada pelas lentes dessa emergente ética climática. Por outro lado, há evidências objetivas de uma emergente participação inclusiva de atores diversos, seja na estrutura do programa em si (que conduz o elemento de inclusão), seja nas práticas vividas das oficinas participativas. Isso, apesar de ficar nítido que a pluralidade de entidades pode caminhar para uma integração maior de entidades humanas e não humanas das arenas de planejamento e tomada de decisões.

Concluo que o mecanismo político Plano Municipal de Arborização Urbana da Cidade de São Paulo (Pmau), como instrumento de descarbonização e mitigação da emergência climática, em sua perspectiva sociológico-política, remete a um conjunto, ainda majoritário, de moralidades associadas a uma ética antropocêntrica.

A inclusão de componentes morais socioambientais e climáticos justos e equitativos da emergente ética climática ainda tem um longo caminho pela frente. A inclusão da dimensão ética na intersecção da dimensão política nos ajuda a revelar as estruturas que regram essa transição de cosmovisões, de um mundo com assimetrias de poder aparentes, para um mundo com reduções pragmáticas das iniquidades socioambientais, através de formulações políticas mais justas e justificadas.

O desafio foi apresentar como as práticas morais, observadas mediante regras, normas e leis, estão intrinsecamente associadas ao mundo ético e socioecológico hibridizado politicamente. Este trabalho buscou capturar moralidades socioecológicas em um instrumento climático brasileiro de uma metrópole, a partir do campo emergente da ética climática. A pressão por um reordenamento urbanístico com redução pragmática das iniquidades sociais e ecológicas é uma realidade demandante que se impõe com a emergência climática e o aumento demográfico, entre outros fatores.Não se pode formular políticas climáticas por meio de um único tipo de ética dominante (antropocêntrica). Concluo ser fundamental a realização de análises que busquem revelar moralidades em suas dimensões não só econômicas e tecnológicas, mas também políticas, éticas e sociológicas que incluam não humanos e comunidades de humanos vulneráveis.

Por fim, realizar pontes entre heterotopias pós-antropocêntricas possíveis e normatividades antropocêntricas dominantes é um desafio que demanda abordagens interdisciplinares, especialmente ancoradas nas ciências sociais. A sociologia, em sua perspectiva ético-política, é um dos subcampos que podem iluminar novas formas de refletir sobre as iniquidades sociais e climáticas antes da humanidade entrar em definitivo em um mundo de barbáries e catástrofes permanentes.

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Notas

  • 1
    Este trabalho faz parte do Componente 5 Impactos Socioeconômicos do projeto AmazonFACE. O projeto segue o princípio de que antecipar impactos socioeconômicos pode nos preparar melhor, em termos de políticas e ações concretas, para enfrentar as adversidades climáticas futuras. Nesse sentido, este artigo busca investigar os instrumentos que mitigam os impactos dessa degradação em vários setores socioeconômicos. Mais em https://amazonface.unicamp.br/.
  • 2
    O convivialismo como teoria sociológico-política foi proposto em 2013 por 64 pesquisadores, entre eles, Alain Caillé, Eve Chiappello, Serge Latouche, Frédéric Vandenberghe e Paulo Henrique Martins. “Convivialismo [...] a arte de viver juntos (con-vivere), aquela que valoriza a relação e a cooperação e permite se opor sem se massacrar, cuidando do outro e da Natureza e favorecendo a abertura cooperativa entre eles. Isto mesmo, opondo-se, pois seria ilusório ou mesmo nefasto construir uma sociedade que ignora o conflito entre os grupos e os indivíduos” (Caillé, Vandenberghe e Véran, 2016, p. 30).
  • 3
    Projeto de pesquisa Horizontes utópicos em disputa: ética socioclimática e práticas socioecológicas no contexto dos instrumentos climáticos brasileiros, de autoria própria, iniciado em 2019, pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia (IFCH/UFRGS). Este trabalho compõe resultados parciais da pesquisa do Componente 5 — impactos sociopolíticos e econômicos do Programa AmazonFACE.
  • 4
    Por descarbonização, neste contexto, entende-se sistemas ou processos que possuem capacidade de retirar os gases de efeito estufa (GEE), principalmente gás carbônico produzido pelas atividades humanas, no meio ambiente. O Pmau é um mecanismo de descarbonização, ao preservar e ampliar a área de vegetação da metrópole.
  • 5
    Esse relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é o primeiro que afirma que as mudanças climáticas são fruto das atividades humanas.
  • 6
    Revisão realizada na base de dados Google Scholar e Periódicos Capes, na chave da ética climática, na perspectiva sociológica. Em relação às categorias resultantes, foi utilizado o software NVivo 1.3 com análise de conteúdo (Bardin, 2008BARDIN, L. (2008). Análise de Conteúdo. Lisboa, 70.) sobre a relação das moralidades socioambientais observadas nos documentos relacionados do Pmau produzidos no período de 2019-2020.
  • 7
    Ricoeur (1992)RICOEUR, P. (1992). Oneself as another. Chicago; Londres, University of Chicago Press. entende “instituições” como estruturas organizadas que possuem uma determinada perenidade no tempo. Tal cristalização é fruto do reconhecimento de um tipo de ética, e vivida na práxis social que retroalimenta o modo de vida no social, reforçando tanto a ética como a instituição, ou estrutura, na qual os indivíduos estão inseridos.
  • 8
    Este instrumento alocou oficialmente “1,85 biliões de euros” por meio da política pública europeia Next Generation EU (CE, 2020CE – Comissão Europeia (2020). A hora da Europa: reparar os danos e preparar o futuro para a próxima geração. Bruxelas, Comunicação da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité Das Regiões. Disponível em: <https://ec.europa.eu/portugal/news/europe-moment-repair-prepare-next-generation_pt>. Acesso em: 12 out 2020.
    https://ec.europa.eu/portugal/news/europ...
    , p. 2).
  • 9
    Neste recorte não discuto a interação entre ética ambiental e religiosidade. Todavia, o teor ético também é um dos elementos discutidos na temática religiosa e preservação da vida planetária, a partir de uma visão mais holística da vida.
  • 10
    O quadro teórico-metodológico Planb Index é composto por cinco categorias analíticas: pluralidade decisória, localidade energética, acesso epistêmico e material, naturalidade planejada e benefício geracional. Mais em Salmi (2023)SALMI, F. (2023). PLANB Index: categorias sociológicas para formuladores de políticas climáticas. Brazilian Political Science Review. No prelo..
  • 11
    Benefício temporal é utilizado aqui como um termo similar ao benefício geracional.
  • 12
    Acselrad (2010ACSELRAD, H. (2010). Ambientalização das lutas sociais – O caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados. São Paulo, v. 24, n. 68, pp. 103-119. DOI: 10.1590/S0103-40142010000100010.
    https://doi.org/10.1590/S0103-4014201000...
    , p. 112) assinala, entre as definições pragmáticas do que se entende por justiça ambiental, como sendo práticas que “asseguram [...] processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito”.
  • 13
    Latour (2020LATOUR, B. (2020). Onde aterrar? – Como se orientar politicamente no Antropoceno. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo., p. 51) traz sua crítica ao neoliberalismo antropocêntrico: “Se não puderam concretizar suas ambições, foi por acreditarem que era preciso escolher entre se ocupar ou das questões sociais, ou das questões ecológicas, enquanto o que estava realmente em jogo era outra escolha, muito mais decisiva, que dizia respeito a duas direções da política: uma que define as questões sociais de modo muito restrito e outra que define os riscos para a sobrevivência sem estabelecer diferenças a priori entre humanos e não humanos. A escolha que precisa ser feita é, portanto, entre uma definição limitada dos laços sociais que compõem uma sociedade e uma definição ampla das associações que formam aquilo que tenho chamado de ‘coletivos’”.
  • 14
    Inspirado em Haraway (2006), que traz noções da ficção científica para explicar suas críticas ao Antropoceno, entre outras críticas, também lanço mão de uma metáfora a Haraway. Trantor, um planeta imaginário, é uma das referências de Issac Asimov em sua obra Fundação. Se o planeta ficcional Trantor simboliza o auge da tecnologia, o poder centralizado, o domínio econômico, político e tecnológico sobre o ser humano e sobre a Natureza, aqui trazido para iluminar e ilustrar metaforicamente a crítica que Illich (1973)ILLICH, I. (1973). Tools for conviviality. Nova York, Harper & Row Publishers. faz do avanço tecnológico e seu uso indiscriminado por uma sociedade alienada dominada e governada por grupos de interesses de uma elite oligárquica, posso aludir que atualmente a humanidade vive um processo de trantorização.
  • 15
    O recorte analítico sobre coisificação maximizada, aqui elevada metaforicamente à trantorização, é entendido como uma alusão direta ao conceito da modernização ecológica, no qual a salvação é tanto através da tecnologia, como do crescimento econômico; este último forjado pelos grupos oligárquicos de interesse. A naturalidade é traduzida como a participação plural de entidades diversas, incluídas entidades não humanas, conceito caro aos teóricos decoloniais. Desse modo, as ações propostas nos mecanismos políticos de descarbonização, como o Pmau, podem revelar quais estruturas estão sendo mobilizadas e quais efeitos sociais, ecológicos, entre outros, estão a ser projetados, a partir dessas estruturas utópicas de transição. Se a ética pode ser entendida como uma utopia, uma cosmovisão política, então, as moralidades que operam na práxis social podem ser reveladas.
  • 16
    Os seguintes documentos complementares foram utilizados como forma de sustentação à análise dos conteúdos do documento primário do Pmau: 1) o site oficial do programa do meio ambiente da cidade de São Paulo – Pmau#: último comunicado sobre Pmau e documentos complementares disponibilizados; 2) Lei municipal n. 16.050/2014 – Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo.
  • 17
    Documentos e dados complementares disponíveis em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/projetos_e_programas/index.php?p=284680>. Documento oficial primário do Pmau disponível no Diário Oficial da Cidade de São Paulo de 3 de setembro de 2019, pp. 27-29.
  • 18
    “Verificou-se que há vinte e seis Cades ativos, dentre os quais, quatro estão em processo eleitoral e outros dois estão em processo de reativação. Entretanto, não foram obtidos dados referentes aos Conselhos Gestores de Parques, tampouco quanto aos coletivos ambientalmente atuantes na cidade.” (RFPmau, 2019, pRFPMAU – Relatório Final do Grupo de Trabalho Instituído para Organizar a Elaboração do Plano Municipal de Arborização (PMAU). 2019. São Paulo, Diário Oficial da Cidade de São Paulo, de 3 set., pp. 27-29., p. 27). Evidencia-se que somente um dos vinte e seis conselhos municipais de meio ambiente da cidade de São Paulo participou do processo de construção do Pmau. O Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cades) é um órgão de função dupla, consultivo e deliberativo, que deve(ria) atuar em questões referentes à preservação, conservação, defesa e recuperação do meio ambiente no município de São Paulo.
  • 19
    O art. 288 estabelece como prioridade o Pmau: “Art. 288. As ações prioritárias do Sistema Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres são: [...] IV – elaborar o Plano Municipal de Arborização Urbana”. Cfe. Lei n. 16.050/2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2020
  • Aceito
    22 Abr 2021
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