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Frederico Nietzsche* * Publicado na revista Fon-fon. Rio de janeiro, 7 de Outubro de 1933, p. 68.

Frederico Nietzsche

Resumo:

Texto publicado na revista carioca Fon-fon, em 1933. Embora seja de carácter predominantemente biográfico, ainda assim o autor discorre sobre as produções de Nietzsche, julga que ele deixou uma obra inacabada e de aparência caótica. Destaca como obra prima "Assim falava Zaratustra", a qual considera de uma inigualável beleza lírica, e mesmo como um dos mais famosos poemas conhecidos em prosa.

Palavras-chave:
Nietzsche; obra; Assim falava Zaratustra

Abstract:

Text published in Fon-Fon magazine, in 1933, in Rio de Janeiro. Although predominantly biographical nature, yet the author discusses about the Nietzsche productions, believes that he left an unfinished and chaotic appearance work. Highlights how masterpiece "Thus Spoke Zarathustra", which considers an unparalleled lyrical beauty, and even as one of the most famous poems in prose known.

Keywords:
Nietzsche; work; Thus Spoke Zarathustra

Dentre os gênios que deram esplendor ao século passado, Frederico Nietzsche foi, incontestavelmente, um dos mais extraordinários e produtivos. Na história do espírito filosófico o seu nome tem o prestígio e a aureola próprios de todos aqueles que em vida, pairaram numa atmosfera alta, muito acima das paixões vulgares, num insopitável anseio de pesquisar e construir em prol da sociedade humana.

O grande e excepcional pensador, dotado de uma alma livre intimorata, feita para os mais belos destinos, maravilha-nos com a sua ardente imaginação e facilidade e pureza radiosa do seu estilo soberbo. Todas as suas obras são cheias de profundos ensinamentos filosóficos e de um expressivo e alevantado valor literário.

Como quase todos os homens de gênio, foi incompreendido pelos intelectuais de seu tempo. Teve contra si, em grande potencialidade, o misoneismo tão incoerente à alma humana. Seus trabalhos não obtiveram boa difusão e o nome do sublime filósofo viveu no esquecimento, apagado.

Sem lograr ser entendido, pois que o seu espírito ia além do que consentia a orientação filosófica do seu século, manteve as mais penosas polêmicas com os seus adversários que, impotentes para assimilar a sua moral superior, sem precedentes, nada semelhante à da rotina, à do vulgo, o criticavam num diletantismo atroz.

É que o imortal escritor combatia, sem tréguas, o improfícuo dogmatismo, inspirado no firme propósito de oferecer doutrinas novas, que realmente proporcionassem ao espírito humano um desenvolvimento sadio, liberto das estreitezas morais e sociais.

Em sentido pejorativo a crítica chamou-o de contraditório e isto porque, inadvertidamente, se esquecia de que a contradição é o recurso natural das inteligências superiores, que, no nobre desejo de mais se aproximar da verdade, não vacilam nunca em negar hoje, o que, ontem, acreditavam ser certo.

De um temperamento muito reservado e professando enorme desprezo pelos medíocres, Nietzsche não pode suportar o contágio da sociedade. Sua vida foi, por isso, de uma voluntária e quase completa reclusão.

Preocupado com os problemas éticos, buscava na meditação e estudos a afirmativa de seus pensamentos geniais, que lhe permitisse se libertar da rotina e bater-se tenazmente contra as teorias e ideias de então.

Mas esse homem genial, em que vivera o grande Schopenhauer e o idealista Goethe, padeceu, por suas especiais qualidades de carácter, a dor terrível que lhe adveio da certeza de não ser compreendido e de ver por terra os mais lindos frutos das suas lucubrações fecundas.

Nietzsche deixou-nos uma obra inacabada e, talvez, de aparência caótica, em que nos revela o seu coração assaz crédulo e sensível, animado por um espírito apaixonado e, sobretudo, espontâneo.

Das suas inúmeras produções a que constitui a obra prima é a intitulada "Assim falava Zaratustra", que, por sua inigualável beleza lírica, se nos apresenta como um dos mais famosos poemas conhecidos em prosa.

Esta obra, cujo traço principal é o seu caráter eminentemente simbólico, é uma coletânea de parábolas, dividida em quadro partes. Na primeira, o imperecível pensador ensina sua doutrina, fala do super-homem e ridiculariza os seus adversários. Nas demais partes, ele, dando asas à sua sensibilidade aguçada e de forte expressão, escreve em lirismo exaltado, exteriorizando ora o seu entusiasmo, ora a sua sátira mordaz e a pesada tristeza em que sempre viveu. Define, ainda, o ideal do super-homem e, por fim, reunindo os sábios da época, os instrui sobre as teorias do super-homem e do eterno retorno.

Como gênio que foi, sentiu e compreendeu infinitamente mais do que os homens vulgares. Se, devido à sua genialidade, teve os seus momentos de indizível prazer, teve-os também, e em abundância crescente, de incomum dor moral, esse padecimento cruciante que muito o perseguiu e o tornou desgraçado.

O que mais o caracterizou foi a sua atividade intelectual sobremaneira audaz, plasmando uma alma sem peias e inteiramente dada a meditações.

Amante da natureza e de suas forças infinitas entregava-se aos passeios solitários, durante os quais tirava da paisagem em derredor o motivo e objeto para perscrutar as regiões transcendentes da filosofia, em satisfação do seu amor à humanidade.

Sua vida foi uma imensa odisseia, um íntimo e constante sofrimento; seu fim, triste e doloroso: foi uma existência e um apagar de vida que bem evidenciaram as crudelíssimas inquietações que minaram, implacavelmente, o espírito profundo e rico desse extraordinário e imortal filósofo que se chamou Frederico Nietzsche.

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    Publicado na revista Fon-fon. Rio de janeiro, 7 de Outubro de 1933, p. 68.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015
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