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Evolução funcional da deglutição em pacientes com COVID-19 internados em UTI

RESUMO

Objetivo

descrever a evolução funcional da deglutição em pacientes com COVID-19 submetidos à intervenção fonoaudiológica na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).

Método

participaram do estudo 77 pacientes (ambos os gêneros; idade média 53.4±15.9; escore na Escala de Coma de Glasgow ≥14; e condição respiratória estável). A escala funcional utilizada para a avaliação da deglutição foi a American Speech-Language-Hearing Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS).

Resultados

os resultados indicam que houve recuperação significativa nos padrões funcionais da deglutição na comparação pré e pós-intervenção fonoaudiológica.

Conclusão

83% dos pacientes necessitam de até 3 intervenções para a recuperação dos padrões seguros de deglutição.

Descritores
Deglutição; Transtornos da Deglutição; Unidades de Terapia Intensiva; COVID-19; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose

to describe de functional development of swallowing in Intensive Care Unit (ICU) patients with COVID-19, who were submitted to a swallowing intervention.

Methods

participants of the study were 77 patients (both gender, mean age 53.4±15.9; score on the Glasgow Coma Scale ≥14 and stable respiratory condition). The functional scale of swallowing used for assessment was the American Speech-Language-Hearing Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS).

Results

the results indicate that there was a significant recovery of the functional swallowing patterns when comparing the measurements pre and post swallowing intervention.

Conclusion

83% of the patients needed up to 3 swallowing interventions to recover a safe swallowing pattern.

Keywords
Swallowing; Swallowing Disorders; Intensive Care Units; COVID-19; Speech-Language and Hearing Science

INTRODUÇÃO

Os pacientes internados em cuidados intensivos em decorrência do COVID-19 (síndrome respiratória grave causada pelo vírus SARS-CoV-2), frequentemente necessitam de intubação e ventilação mecânica prolongada(11 Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China: summary of a Report of 72 314 Cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020;323(13):1239-42. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2020.2648.
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,22 Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, Song J, et al. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. N Engl J Med. 2020;382(8):727-33. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa2001017.
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). Estudos recentes indicam que estes pacientes podem apresentar danos no sistema nervoso central e periférico em decorrência direta do vírus ou pela resposta imune inata e adaptativa à infecção(33 Ellul MA, Benjamin L, Singh B, Lant S, Michael BD, Easton A, et al. Neurological associations of COVID-19. Lancet Neurol. 2020;19(9):767-83. http://dx.doi.org/10.1016/S1474-4422(20)30221-0.
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). Os pacientes, seja em decorrência da intubação prolongada seja dos danos neurológicos, apresentam alto risco de disfagia orofaríngea(44 Phua J, Weng L, Ling L, Egi M, Lim CM, Divatia JV, et al. Intensive care management of coronavirus disease 2019 (COVID-19): challenges and recommendations. Lancet Respir Med. 2020;8(5):506-17. http://dx.doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30161-2.
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5 Duncan S, Gaughey JM, Fallis R, McAuley DF, Walshe M, Blackwood B. Interventions for oropharyngeal dysphagia in acute and critical care: a protocol for a systematic review and meta-analysis. Syst Rev. 2019;8(1):283. http://dx.doi.org/10.1186/s13643-019-1196-0.
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6 Matar N, Smaily H, Cherfane P, Hanna C. Profiling of oropharyngeal dysphagia in an acute care hospital setting. Ear Nose Throat J. 2020;1-5. http://dx.doi.org/10.1177/0145561320917795.
http://dx.doi.org/10.1177/01455613209177...

7 Medeiros GC, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CR. Clinical dysphagia risk predictors after prolonged orotracheal intubation. Clinics (São Paulo). 2014;69(1):8-14. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2014(01)02.
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-88 Lima MS, Sassi FC, Medeiros GC, Ritto AP, Andrade CRF. Preliminary results of a clinical study to evaluate the performance and safety of swallowing in critical patients with COVID-19. Clinics (São Paulo). 2020;75:e2021. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2020/e2021.
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).

O relato apresentado compõe um estudo prospectivo observacional, de 12 meses, sobre os impactos da COVID-19 na deglutição dos pacientes internados em UTI, submetidos à intubação orotraqueal prolongada (≥48h)(88 Lima MS, Sassi FC, Medeiros GC, Ritto AP, Andrade CRF. Preliminary results of a clinical study to evaluate the performance and safety of swallowing in critical patients with COVID-19. Clinics (São Paulo). 2020;75:e2021. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2020/e2021.
http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2020/e...
). O objetivo deste relato é descrever a evolução funcional da deglutição dos pacientes para o retorno seguro à alimentação por via oral, submetidos à intervenção fonoaudiológica na UTI.

MÉTODO

Este recorte de pesquisa foi composto por 77 pacientes (ambos os gêneros; idade média 53.4±15.9), durante as primeiras 4 semanas de atendimento fonoaudiológico em UTI/COVID-19 em hospital de grande porte. O projeto foi aprovado pela comissão de ética institucional e inclui o consentimento para participação e divulgação dos dados (CAPPesq Parecer no. 3.992.554). Todos os participantes foram informados do objetivo e procedimentos da pesquisa, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os pacientes incluídos no estudo foram aqueles encaminhados pela equipe médica (Escala de Coma de Glasgow ≥14 e condição respiratória estável) para avaliação e recuperação da capacidade de deglutição. A escala funcional utilizada foi a American Speech-Language-Hearing Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS)(99 American Speech-language-hearing Association. National Outcome Measurement System (NOMS). Adult Speech-Language Pathology training manual. Rockville, MD: ASHA; 1998). A ASHA NOMS para a deglutição é um instrumento multifuncional que indica o grau de comprometimento da deglutição em uma escala de 1 (necessário uso de via alternativa de alimentação) a 7 pontos (plenamente funcional).

RESULTADOS

Os dados coletados foram submetidos à análise estatística no software IBM SPSS versão 25. As análises apresentadas são intragrupo, comparando os resultados obtidos antes e após a intervenção fonoaudiológica, usando o teste Quiquadrado de Pearson. O nível de significância adotado foi de 5% (Tabela 1). Também foram considerados o número de unidades de tratamento (cada unidade corresponde de 40 a 50 minutos de estimulação) até liberação do paciente para a via oral (Tabela 2). As técnicas mais utilizadas para a reabilitação da deglutição foram: Coaptação e vibração glótica; exercícios isométricos orofaciais.

Tabela 1
Evolução do nível funcional da deglutição pela escala ASHA NOMS
Tabela 2
Evolução do nível funcional da deglutição pela escala ASHA NOMS

DISCUSSÃO

Há fundamento bibliográfico indicando que pacientes com manifestações graves do COVID-19 podem apresentar, além dos quadros respiratórios que exigem intubações prolongadas, sequelas neurológicas, central e periféricas(11 Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China: summary of a Report of 72 314 Cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020;323(13):1239-42. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2020.2648.
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2 Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, Song J, et al. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. N Engl J Med. 2020;382(8):727-33. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa2001017.
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-33 Ellul MA, Benjamin L, Singh B, Lant S, Michael BD, Easton A, et al. Neurological associations of COVID-19. Lancet Neurol. 2020;19(9):767-83. http://dx.doi.org/10.1016/S1474-4422(20)30221-0.
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). Os quadros complexos desses pacientes podem ser causados pela ação direta do vírus ou pela resposta imunológica à infecção(1010 Matthay MA, Aldrich JM, Gotts JE. Treatment for severe acute respiratory distress syndrome from COVID-19. Lancet Respir Med. 2020;8(5):433-4. http://dx.doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30127-2.
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). Cabe o acompanhamento longitudinal desses pacientes na tentativa de reduzir as incapacidades e a necessidade de cuidados de longo prazo(1111 Soldatova L, Williams C, Postma GN, Falk GW, Mirza N. Virtual dysphagia evaluation: practical guidelines for dysphagia management in the context of the COVID-19 pandemic. Otolaryngol Head Neck Surg. 2020;163(3):455-8. http://dx.doi.org/10.1177/0194599820931791.
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,1212 Furuya J, Suzuki H, Tamada Y, Onodera S, Nomura T, Hidaka R, et al. Food intake and oral health status of inpatients with dysphagia in acute care settings. J Oral Rehabil. 2020;47(6):736-42. http://dx.doi.org/10.1111/joor.12964.
http://dx.doi.org/10.1111/joor.12964...
). A disfagia orofaríngea em ambiente de cuidados intensivos é ainda pouco estudada, mas é frequentemente reportada como sintoma comum em várias condições complexas de saúde(1313 Kiekens C, Boldrini P, Andreoli A, Avesani R, Gamna F, Grandi M, et al. Rehabilitation and respiratory management in the acute and early postacute phase. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the COVID-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020;56(3). http://dx.doi.org/10.23736/S1973-9087.20.06305-4.
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).

Em condição de pandemia, é ainda mais importante que sejam aplicados os protocolos de avaliação da deglutição em beira de leito, uma vez que os procedimentos endoscópicos são geradores de aerossóis potencialmente infecciosos e, portanto, não recomendados(1414 Baqui P, Bica I, Marra V, Ercole A, van der Schaar M. Ethnic and regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a cross-sectional observational study. Lancet Glob Health. 2020;8(8):e1018-26. http://dx.doi.org/10.1016/S2214-109X(20)30285-0.
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). A liberação do paciente para a alimentação por via oral, sem a avaliação fonoaudiológica da deglutição, dos pacientes com COVID-19, conforme indicam os dados desta pesquisa, é de alto risco para estes pacientes, já que quase 20% dos pacientes não apresentam condições mínimas de alimentação segura e aproximadamente 29% destes pacientes necessitam de estratégias compensatórias e restrições na dieta para a função da deglutição ser executada. Os dados desta pesquisa também indicam que os pacientes, em sua grande maioria (72,8%), precisam de até 3 intervenções fonoaudiológicas para recuperar a deglutição, ou seja, a intervenção precoce da reabilitação da deglutição promove a saída mais rápida do paciente da UTI.

Complicações nas habilidades de deglutição, em situações não COVID-19, implicam aumento de até 4 vezes no tempo de internação dos pacientes; levam à subnutrição; desidratação; e pneumonia aspirativa. É esperado que, para os pacientes com COVID-19, cujo quadro respiratório é severo, possa haver ainda mais risco de complicações(88 Lima MS, Sassi FC, Medeiros GC, Ritto AP, Andrade CRF. Preliminary results of a clinical study to evaluate the performance and safety of swallowing in critical patients with COVID-19. Clinics (São Paulo). 2020;75:e2021. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2020/e2021.
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). Há uma série de novas condições físicas (imobilização longa na posição pronada, fraqueza muscular, fadiga etc.) e mentais (isolamento da família, do trabalho etc.) que devem ser acompanhadas mesmo após o paciente ter atingido um nível funcional seguro para a deglutição(44 Phua J, Weng L, Ling L, Egi M, Lim CM, Divatia JV, et al. Intensive care management of coronavirus disease 2019 (COVID-19): challenges and recommendations. Lancet Respir Med. 2020;8(5):506-17. http://dx.doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30161-2.
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,1212 Furuya J, Suzuki H, Tamada Y, Onodera S, Nomura T, Hidaka R, et al. Food intake and oral health status of inpatients with dysphagia in acute care settings. J Oral Rehabil. 2020;47(6):736-42. http://dx.doi.org/10.1111/joor.12964.
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).

CONCLUSÃO

Os resultados indicam que houve recuperação significativa nos padrões funcionais da deglutição na comparação pré e pós-intervenção fonoaudiológica. Há informações de que 83% dos pacientes necessitam de até 3 intervenções para a recuperação dos padrões seguros de deglutição.

  • Trabalho realizado na Divisão de Fonoaudiologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP - São Paulo (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2020
  • Aceito
    30 Jul 2020
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