Acessibilidade / Reportar erro

É TRADUÇÃO OU NÃO É TRADUÇÃO? UMA REVISÃO (E UMA REFORMULAÇÃO) DO CONCEITO DE TRADUÇÃO INTRALINGUAL

IS THIS TRANSLATION OR NOT? A REVIEW (AND A REFORMULATION) OF THE CONCEPT OF INTRALINGUAL TRANSLATION

Resumo

Este estudo tem como propósito revisar o conceito de tradução intralingual (INTRA), de modo a caracterizar essa atividade como uma tarefa de tradução e como sendo objeto de interesse dos Estudos da Tradução. É a partir do debate sobre o lugar, o status e a definição da tradução intralingual (Zethsen & Hill-Madsen, 2016), que apresentamos critérios encontrados na literatura para caracterizar tradução que incluem a INTRA. Posteriormente, sugerimos uma reformulação do conceito de INTRA. Abdicando-nos do hiperônimo “Tradução”, apresentamos a proposta do conceito de Reformulação Intralingual como um hiperônimo que melhor abarca as diferentes tarefas de reformulação que podem existir entre dialetos, sistemas e representações de uma mesma língua. A oposição entre Reformulação Interlingual e Reformulação Intralingual capta a essência da tarefa de reformulação e ainda especifica a distinção entre interlingualidade e intralingualidade. Outro ganho com o emprego do termo Reformulação Intralingual é deixar claro que esse é, por si só, um hiperônimo e que não há um único tipo de atividade intralingual, mas diferentes tarefas que podem ser assim entendidas.

Palavras-chave
Estudos da tradução; Tradução intralingual; Intralingualidade; Reformulação intralingual

Abstract

This paper aims at reviewing the concept of Intralingual Translation (INTRA), in order to characterize this activity as a translation task and as an object of study of Translation Studies. Based on the debate about the status and the definition of intralingual translation (Zethsen & Hill-Madsen, 2016), we present a set of criteria that are used to describe translation and that include INTRA. After that, we propose that the concept of INTRA needs to be reformulated. Abandoning the term “Translation” as a hypernym, we coin the notion of Intralingual Reformulation as a better hypernym that includes different tasks of message reformulation across dialects, systems and representation within a single language. The resulting opposition between Interlingual Reformulation and Intralingual Reformulation captures the centrality of the process of reformulation and also specifies the distinction of interlinguality and intralinguality. Additionally, assuming Intralingual Reformulation as a hypernym also entails that this is not a single task, but that there are many different activities that can be encompassed by this term.

Keywords
Translation Studies; Intralingual translation; Intralinguality; Intralingual reformulation

Introdução

A série de livros infanto-juvenis Harry Potter, de autoria de J. K. Rowling, foi traduzida para mais de quarenta idiomas ao redor do mundo. Curiosamente, no mercado editorial norte-americano, circula uma versão diferente da versão britânica original. Esta versão traz algumas modificações que vão desde o título do primeiro volume (Harry Potter and the Philosopher’s Stone1 1 Harry Potter e a Pedra do Filósofo, em tradução literal. , no original britânico, e Harry Potter and the Sorcerer’s Stone2 2 Harry Potter e a Pedra do Feiticeiro, em tradução literal. , na versão norte-americana)3 3 Todas as traduções feitas neste artigo foram produzidas pelos autores, logo daqui em diante não será necessário repetir esta informação ao longo do texto. até mudanças lexicais (biscuits vs. cookies, football vs. soccer, Mummy vs. Mommy, rounders vs. Baseball, e the sweets sherbet lemons vs. lemon drops). Além dessas mudanças, houve também alterações de gramática e de sintaxe e até mesmo simplificação de algumas sentenças (Hatim & Munday, 2004Hatim, Basil & Munday, Jeremy. Translation: An Advanced Resource Book. Londres & Nova York: Routledge, 2004.). É perceptível que estas alterações transcendem os aspectos linguísticos e apontam para uma necessidade de adequação cultural da obra a seus leitores. As edições britânica e norte-americana de Harry Potter são um exemplo de uma tarefa que tem sido marginalmente discutida nos Estudos da Tradução que é a chamada tradução intralingual (INTRA), seguindo Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
.

Apesar de Friedrich Schleiermacher (1963)Schleiermacher, Friedrich. “Ueber die verschiedenen Methoden des Uebersezens (1813)”. In: Störig, Hans Joachim (Ed.). Das Problem des Übersetzens. Stuttgart: Henry Goverts, 1963. p. 38-70., em seu clássico texto “Über die verschiedenen Methoden des Übersetzens” (1813), já afirmar que não é necessário ultrapassarmos a fronteira de uma mesma língua para encontrarmos o ofício do tradutor em ação, a tradução intralingual nem sempre foi ou é reconhecida como uma tarefa de tradução em si.

O conceito clássico de tradução intralingual foi fornecido por Jakobson (2021, p. 157)Jakobson, Roman. “On Linguistics Aspects of Translation”. In: Venuti, Lawrence (Ed.). The Translation Studies Reader. Londres & Nova York: Routledge, 2021. p. 156-161., em sua classificação tripartite:

  1. Tradução intralingual ou reformulação (rewording) consiste na interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma língua

  2. Tradução interlingual ou tradução propriamente dita é uma interpretação dos signos verbais por meio de uma outra língua.

  3. Tradução intersemiótica ou transmutação é uma interpretação dos signos verbais por meio de outros sistemas de signo não-verbais (Jakobson, 2021Jakobson, Roman. “On Linguistics Aspects of Translation”. In: Venuti, Lawrence (Ed.). The Translation Studies Reader. Londres & Nova York: Routledge, 2021. p. 156-161., p. 157)4 4 “Intralingual translation or rewording is an interpretation of verbal signs by means of other signs of the same language. Interlingual translation or translation proper is an interpretation of verbal signs by means of some other language. Intersemiotic translation or transmutation is an interpretation of verbal signs by means of signs of nonverbal sign systems” (Jakobson, 2021, p. 157). .

No Dictionary of Translation Studies, de Mark Shuttleworth & Moira Cowie (2014)Shuttleworth, Mark & Cowie, Moira. Dictionary of Translation Studies. Translating and interpreting. Londres & Nova York: Routledge, 2014., há uma entrada específica para “tradução intralingual” na qual se retoma inicialmente o termo rewording de Jakobson (2021)Jakobson, Roman. “On Linguistics Aspects of Translation”. In: Venuti, Lawrence (Ed.). The Translation Studies Reader. Londres & Nova York: Routledge, 2021. p. 156-161.. De acordo com a entrada do dicionário, a tradução intralingual não é uma tradução de fato, pois depende ou da utilização de sinônimos ou de circunlocução5 5 “Figura de estilo que consiste em exprimir por muitas palavras aquilo que poderia ser dito em poucas” (Porto Editora, 2023, s. p.). , a fim de reformular uma mensagem na mesma língua da original. Além disso, o dicionário afirma que a INTRA tem muitos aspectos em comum com a tradução interlingual, já que um dos problemas centrais da tarefa de tradução, o de determinar relações de sinonímia, não muda quando se trata de tradução entre duas línguas naturais ou dentro de uma mesma língua. Além disso, também cita que a tradução intralingual apresenta características próprias, como, por exemplo, o fato de que a quantidade de informação perdida durante o processo de recodificação é menor do que aquela quando se faz uma tradução entre línguas diferentes.

Embora haja uma tentativa de descrever a INTRA como um tipo de “reformulação”, fica evidente o status marginal que é atribuído a ela. Curiosamente, mesmo a classificação tripartite de Jakobson (2021)Jakobson, Roman. “On Linguistics Aspects of Translation”. In: Venuti, Lawrence (Ed.). The Translation Studies Reader. Londres & Nova York: Routledge, 2021. p. 156-161. (tradução interlingual, intralingual e intersemiótica) sendo datada de 1959 e tendo reverberado consideravelmente no campo dos Estudos da Tradução, ao olharmos para a introdução à primeira edição do Routledge Encyclopedia of Translation Studies, encontramos a seguinte afirmação feita por Mona Baker (1998)Baker, M. “Introduction”. In: Baker, M. (Ed.). Routledge Encyclopedia of Translation Studies. Londres & Nova York: Routledge, 1998. p. XIII-XVIII.:

Eu não conheço nenhuma pesquisa que olhe especificamente para o fenômeno da tradução intralingual [...]. Temos classificações como as de Jakobson, que nos alertam para a possibilidade de tarefas como as de tradução intralingual, mas não fazemos nenhum uso genuíno dessas classificações em nossas pesquisas

(Baker, 1998Baker, M. “Introduction”. In: Baker, M. (Ed.). Routledge Encyclopedia of Translation Studies. Londres & Nova York: Routledge, 1998. p. XIII-XVIII., p. XX)6 6 “I know of no research that looks specifically at the phenomena of intralingual [...] translation. We do have classifications such as Jakobson’s, which alert us to the possibility of such things as [...] intralingual translation, but we do not make any genuine use of such classifications in our research” (Baker, 1998, p. 20). .

Há ainda na literatura perspectivas que excluem a INTRA do escopo do conceito de tradução. Por exemplo, Newmark (1991, p. 69)Newmark, Peter. About Translation. Clevedon: Multilingual Matters, 1991. diz que “[...] a diferença qualitativa entre a tradução intralingual e a tradução interlingual é tamanha que distorce o conceito de tradução”7 7 “[...] the qualitative difference between ‘interlingual’ and ‘intralingual’ translation is so great, that it makes a nonsense of the concept of translation” (Newmark, 1991, p. 69). e Schubert (2005, p. 126)Schubert, Klaus. “Translation Studies: Broaden or Deepen the Perspective?” In: Dam, Helle; Engberg, Jan & Gerzymisch-Arbogast, Heidrun (Eds.). Knowledge Systems and Translation. Berlin: Walter de Gruyter, 2005. p. 125-146. afirma que “[...] traduzir significa renderizar um texto para uma língua diferente. Tradução é, por definição, interlingual”8 8 “[...] to translate means to render a text into a different language. Translation is by definition interlingual” (Schubert, 2005, p. 126). .

É a partir do debate sobre o lugar, o status e a definição da tradução intralingual que este artigo se propõe a discutir a INTRA, a partir do questionamento se essa tarefa é, de fato, uma tarefa de tradução ou não. Em seguida, apresentaremos critérios encontrados na literatura para caracterizar a referida tarefa e, por último, sugerir uma reformulação deste conceito. Abdicando-nos do hiperônimo “Tradução”, traremos a proposta do conceito de Reformulação Intralingual como um hiperônimo que melhor abarca as diferentes tarefas de reformulação que podem existir entre dialetos9 9 De acordo com o Dictionary of linguistics and phonetics, de David Crystal, um dialeto pode ser definido como “uma variedade regional ou socialmente distintiva de uma língua, identificada por um conjunto específico de palavras e estruturas gramaticais. Dialetos falados geralmente também são associados a uma pronúncia distinta ou sotaque. Qualquer língua com um número razoavelmente grande de falantes desenvolverá dialetos, especialmente se houver barreiras geográficas separando grupos de pessoas uns dos outros ou se houver divisões de classe social. Um dialeto pode predominar como a forma oficial ou padrão da língua, e esta é a variedade que pode vir a ser escrita” (Crystal, 2008, p. 142). No original, lê-se: “A regionally or socially distinctive variety of language, identified by a particular set of words and grammatical structures. Spoken dialects are usually also associated with a distinctive pronunciation, or accent. Any language with a reasonably large number of speakers will develop dialects, especially if there are geographical barriers separating groups of people from each other, or if there are divisions of social class. One dialect may predominate as the official or standard form of the language, and this is the variety which may come to be written down.” , sistemas e representações de uma mesma língua.

Critérios para não se considerar a tarefa de tradução intralingual como uma tarefa de tradução — e algumas refutações

De acordo com Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
é sabido que há argumentos incisivos contra a inclusão da INTRA nos Estudos da Tradução: o argumento institucional, o argumento do protótipo, o argumento de equivalência e por último o argumento da interlingualidade. Revisaremos brevemente cada um destes e tentaremos compreender o porquê de suas definições serem fechadas e excludentes.

O primeiro argumento, o institucional, fica evidente nas palavras de Hermans (1997, p. 5)Hermans, Theo. “Translation as Institution”. In: Snell-Hornby, Mary; Jettmarova, Zuzana & Kaindl, Klaus (Eds.). Translation as Intercultural Communication: Selected Papers from the EST Congress. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1997. p. 3-20., ao afirmar que:

[...] todos nós reconhecemos, em nossas próprias línguas e culturas, que somos familiarizados com essa entidade social chamada ‘tradução’ e com esse comportamento chamado de ‘traduzir’. O significado de ‘tradução’ é codificado em dicionários, há atividades profissionais chamadas de tradução, temos organizações representativas de tradutores, institutos para formação de tradutores, etc. É essa ‘face pública’ de tradução que eu tenho em mente quando eu falo de tradução como ‘instituição’

(Hermans, 1997Hermans, Theo. “Translation as Institution”. In: Snell-Hornby, Mary; Jettmarova, Zuzana & Kaindl, Klaus (Eds.). Translation as Intercultural Communication: Selected Papers from the EST Congress. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1997. p. 3-20., p. 5)10 10 “[...] a social entity called ‘translation’ and a form of behaviour called ‘translating’ with which, give or take a few nuances, we reckon we are all familiar in our own language and culture. The meaning of ‘translation’ is codified in dictionaries, there are professional activities called translation, we have organizations representing translators, institutes for translator training, etc. It is this ‘public face’ of translation that I have in mind when I speak of translation as ‘institution’” (Hermans, 1997, p. 5). .

Percebe-se que o posicionamento de Hermans (1997)Hermans, Theo. “Translation as Institution”. In: Snell-Hornby, Mary; Jettmarova, Zuzana & Kaindl, Klaus (Eds.). Translation as Intercultural Communication: Selected Papers from the EST Congress. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1997. p. 3-20., apesar de não contestar a tipologia de Jakobson como tal, indica que a validade da tradução depende de duas perspectivas: uma acadêmica e uma institucional. Segundo Hermans (1997, p. 17)Hermans, Theo. “Translation as Institution”. In: Snell-Hornby, Mary; Jettmarova, Zuzana & Kaindl, Klaus (Eds.). Translation as Intercultural Communication: Selected Papers from the EST Congress. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1997. p. 3-20.11 11 “[...] what the non-academic community is prepared to call translation, the move is not permissible because there translation is translation proper, and only that]” (Hermans, 1997, p. 17). , a tipologia de Jakobson pode ser aceitável do ponto de vista acadêmico, mas o mesmo não se mantém para a tradução como uma instituição, afinal “[...] o que a comunidade não-acadêmica está preparada para chamar de tradução [...] é a tradução propriamente dita, e somente ela”.

Além dessa “face pública” da tradução como instituição há outros fatores envolvidos como: a clientela, tradutores, agências, editores, leitores, etc. Estas expectativas convergem nas normas que regulam a prática de tradução. Logo, esses anseios dos interessados constituem a tradução como instituição, ou melhor dizendo, como “prática social”, como um lugar e função específica na sociedade. E, sob a ótica da instituição “tradução”, a INTRA não atenderia a essas expectativas e normas. Contudo, Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
nos alertam para o fato de que a atividade acadêmica não deve se limitar ao imaginário popular do que seja a tarefa de tradução, ao afirmar que “[...] do ponto de vista dos Estudos da Tradução, para a qual a tradução não é uma prática, mas um domínio de pesquisa, a ontologia do conceito pode muito bem ser diferente” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, p. 694)12 12 “[...] from the point of view of TS, for which translation is not a practice but a research domain, the ontology of the concept may well be different” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016, p. 694). .

Derrida (1985)Derrida, Jacques. “Des Tours de Babel”. In: Graham, Joseph. (Ed.). Difference in Translation. Londres: Cornell University Press, 1985. p. 165-249. critica o fato de que, para conceituar a tarefa de tradução intralingual, Jakobson precisa recorrer ao termo “reformulação” (rewording, no original), enquanto que, para descrever a tarefa de tradução interlingual, nenhum recurso de sinonímia é empregado pelo autor, que a chama apenas de “tradução propriamente dita” (translation proper). Isso acaba por desconfigurar a tentativa de Jakobson de unificar as três tarefas (interlingual, intralingual e intersemiótica) enquanto tarefas de tradução. Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, a partir de Derrida (1985)Derrida, Jacques. “Des Tours de Babel”. In: Graham, Joseph. (Ed.). Difference in Translation. Londres: Cornell University Press, 1985. p. 165-249., indicam ainda que:

[...] apesar da extensão do conceito, Jakobson ainda concede à tradução propriamente dita um status supremo: adquire o significado de “tradução “no sentido comum”, enquanto os outros dois tipos são rebaixados para “tradução em sentido figurado”

(Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, p. 694-695)13 13 “[...] in spite of the extension of the concept, Jakobson still grants translation proper (TRP) a supreme status: it acquires the meaning of ‘translation in the ordinary sense’, whereas the other two types are demoted to ‘translation in the figurative sense’” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016, p. 694-695). .

Novamente, vemos uma posição restritiva acerca do estatuto da tradução INTRA, que passa a ser considerada um tipo de tradução apenas em “sentido figurado”, inferior à “tradução [interlingual] propriamente dita”.

Vejamos o segundo argumento: o argumento do protótipo desenvolvido em Halverson (1999Halverson, Sandra. “Conceptual Work and the ‘Translation’ Concept”. Target, 11(1), p. 1-31, 1999. DOI: https://doi.org/10.1075/target.11.1.02hal
https://doi.org/10.1075/target.11.1.02ha...
, 2000Halverson, Sandra. “Prototype Effects in the ‘Translation’ Category. In: Chesterman, Andrew; San Salvador, Natividad Gallardo & Gambier, Yves (Eds.). Translation in Context: Selected Contributions from the EST Congress, Granada, 1998. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 2000. p. 3-16.), que, apesar de incluir INTRA nos Estudos da Tradução, o faz atribuindo-lhe também um status marginal. Halverson (2000) apresenta um estudo realizado com sujeito noruegueses sobre o conceito de tradução (oversettelse, em norueguês). Assumindo um modelo de protótipo, ou seja, o que seria a atividade prototípica de tradução, a autora argumenta que a tradução interlingual é, de fato, percebida pelos sujeitos da pesquisa como sendo inequivocamente uma atividade de tradução. Já a tradução INTRA é percebida como tradução, mas com menos prototipicidade. Assim, haveria uma gradiência de percepção entre o que é tradução de fato e o que teria “menos cara de tradução”.

É necessário, porém, levantarmos a discussão sobre os sujeitos que participaram da pesquisa de Halverson (2000). Foram selecionados 103 estudantes de graduação do Departamento de Inglês da Universidade de Bergen. Todos os participantes eram falantes nativos de norueguês e um terço desses sujeitos estavam cursando uma disciplina sobre tradução no momento da pesquisa. É válido questionarmos qual a representatividade da percepção que estudantes de graduação de um Departamento de Inglês tem sobre a tarefa de tradução. Será que essa percepção reflete o que Hermans (1997)Hermans, Theo. “Translation as Institution”. In: Snell-Hornby, Mary; Jettmarova, Zuzana & Kaindl, Klaus (Eds.). Translation as Intercultural Communication: Selected Papers from the EST Congress. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1997. p. 3-20. chama de “face pública” da tradução?

Mas, novamente, para além da percepção comum do que seja tradução, é necessário que o campo disciplinar estabeleça uma ontologia própria e, de preferência, científica sobre qual é o seu objeto de investigação. Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
baseiam-se em Robinson (2011)Robinson, Richard. Definition. Oxford: Oxford University Press, 2011. para argumentar que as definições científicas para um fenômeno a ser observado não podem se basear em percepções e usos comuns (não-científicos) e que, portanto, uma abordagem baseada em ciências deverá se valer de palavras ou ideias mais simples, mais precisas e mais inequívocas. É nesse sentido que se faz necessário buscar uma definição científica do que seja tradução e do que seja objeto de investigação dos Estudos da Tradução.

O terceiro argumento contra se considerar a INTRA como uma tarefa de tradução é o argumento da equivalência. A noção de equivalência pode ser entendida em Hermans (1997)Hermans, Theo. “Translation as Institution”. In: Snell-Hornby, Mary; Jettmarova, Zuzana & Kaindl, Klaus (Eds.). Translation as Intercultural Communication: Selected Papers from the EST Congress. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1997. p. 3-20. como sendo a expectativa de quem consome tradução de que o texto traduzido que está sendo lido apresente uma relação de semelhança (sameness) com o texto original. Assim, ao considerarmos que a INTRA é uma tarefa considerada como sendo baseada em reformulações da mensagem (rewording), há quem considere que a relação de equivalência seja perdida.

Vejamos a contestação dos autores Zethsen &Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
acerca do argumento de equivalência. Para estes autores, como para qualquer praticante de tradução, a ideia de equivalência na forma de fidelidade ao texto fonte é, na maioria das vezes, inadequada se um texto traduzido tiver como objetivo dar acesso com sucesso ao conteúdo para seus leitores. “Em outras palavras, um texto-alvo bem funcional é muitas vezes o produto de procedimentos translacionais que se distanciam da adesão estrita ao texto-fonte, modificando e, às vezes, expandindo o conteúdo semântico do original” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, p. 698)14 14 “In other words, a well-functioning TT is often the product of translational procedures that depart from strict adherence to ST wordings, by modifying and sometimes expanding the semantic content of the original” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016, p. 698). . A visão de equivalência como algo inatingível também é defendida por Tymoczko (1999)Tymoczko, Maria. Translation in a Postcolonial Context: Early Irish Literature in English Translation. Manchester: St. Jerome Publishing, 1999.. Para os autores, a melhor solução é dispensar o conceito de equivalência completamente como um critério de definição.

E, por fim, o último argumento: o da interlingualidade. Esse argumento que exclui a INTRA do conceito de tradução, porque impõe como critério o reconhecimento de tradução como uma tarefa em que se opera com textos de línguas diferentes. De acordo com Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
essa defesa já foi feita por Schubert (2005)Schubert, Klaus. “Translation Studies: Broaden or Deepen the Perspective?” In: Dam, Helle; Engberg, Jan & Gerzymisch-Arbogast, Heidrun (Eds.). Knowledge Systems and Translation. Berlin: Walter de Gruyter, 2005. p. 125-146. ao afirmar que a tradução seria por definição interlíngue. O mesmo pode ser visto na definição de Toury (1995)Toury, Gideon. Descriptive Translation Studies and beyond. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1995. que traz a interlingualidade como critério para o que é tradução: “[...] considerar um texto como sendo uma tradução implica a suposição óbvia de que há outro texto em outra cultura/língua que têm antecedência cronológica e lógica sobre aquele” (Toury, 1995Toury, Gideon. Descriptive Translation Studies and beyond. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1995., p. 33-34)15 15 “[...] regarding a text as a translation entails the obvious assumption that there is another text in another culture/language which has both chronological and logical priority over it” (Toury, 1995, p. 33-34). .

A própria definição de Toury (1995)Toury, Gideon. Descriptive Translation Studies and beyond. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1995. sobre tradução e sobre uma suposta exigência da interlingualidade esbarra em dois pontos importantes a serem discutidos: i) qual é o conceito de “língua” relevante para a definição de tradução? e ii) qual é o estatuto da “cultura” no binômio “cultura/língua” empregado pelo autor?

A primeira discussão sobre o conceito de língua se opõe no fato de que considerar algo como sendo uma língua (em oposição a um dialeto ou socioleto) é muito mais uma questão geopolítica do que necessariamente linguística, como nos alerta Schmid (2012)Schmid, Benjamin. “A bucket or a searchlight approach to defining translation? Fringe phenomena and their implications for the object of study”. In: Herrero, Isis & Klaiman, Todd (Eds.). Versatility in Translation Studies: Selected Papers of the CETRA Research Seminar in Translation Studies 2011. Leuven: KU Leuven, 2012. p. 1-21.. Steiner (1975)Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford University Press, 1975. aponta ainda que há diferenças presentes em uma mesma “língua”. “Línguas que se estendem sobre um amplo território físico irão engendrar modos regionais e dialetos. [...]. O francês falado por um Normando não é o mesmo do Touraine [...]. O Hoch- e o Plattdeutsch [alemão em sua variante oficial e baixo-alemão] são drasticamente diferentes” (Steiner, 1975Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford University Press, 1975., p. 31)16 16 “Languages that extend over a large physical terrain will engender regional modes and dialects [...]. The French spoken by a Norman is not that of the Touraine [...]. Hoch- and Plattdeutsch are strongly differentiated” (Steiner, 1975, p. 31). . É interessante que o autor enfatiza a influência da tradução para as variedades de importantes línguas que apresentam diferentes dialetos a ponto de quase torná-las línguas distintas:

De fato, em muitas línguas importantes, as diferenças de dialeto polarizaram-se ao ponto de estarmos quase a lidar com línguas distintas. A incompreensibilidade mútua de diversos ramos do chinês, como o cantonês e o mandarim, é notória. Um Milanês tem dificuldade em compreender o Italiano falado na vizinha Bergamo. Em todos estes casos, a compreensão exige uma translação cada vez mais próxima de uma transferência interlinguística. Existem dicionários e gramáticas de Veneziano, Napolitano e Bergamasco

(Steiner, 1975Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford University Press, 1975., p. 31)17 17 “Indeed, in many important languages, differences of dialect have polarized to the degree that we are almost dealing with distinct tongues. The mutual incomprehensibility of diverse branches of Chinese such as Cantonese and Mandarin are notorious. A Milanese has difficulty in understanding the Italian spoken in neighbouring Bergamo. In all these cases comprehension demands translation along lines closer and closer of inter-lingual transfer. There are dictionaries and grammar of Venetian, Neapolitan, and Bergamasque” (Steiner, 1975, p. 31). .

Para o autor é fácil perceber estas disparidades regionais e dialetais, uma vez que em qualquer corpo de linguagem, falado ao mesmo tempo em uma comunidade complexa, é um fator de diferenciação. Tais disparidades têm uma relação direta com o status social, a ideologia, a profissão, a idade, e o sexo. Em seguida conclui que em diferentes castas, estratos da sociedade utilizam uma língua diferente. Logo, Steiner (1975, p. 32)Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford University Press, 1975.18 18 “[...] the need for translation is self-evident” (Steiner, 1975, p. 32). afirma que “[...] a necessidade de tradução é evidente por si só”.

Steiner (1975)Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford University Press, 1975. também alerta para o fato de que, geralmente, a tradução interlíngue é encarada como aquela em que recaem problemas difíceis de serem resolvidos, e até mesmo insolucionáveis, enquanto que a intralinguística não se mostra desafiadora. Contudo, “[...] esses mesmos problemas abundam, a um nível mais encoberto ou convencionalmente negligenciado, no nível intralinguístico” (Steiner, 1975Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford University Press, 1975., p. 47)19 19 “[...] these same problems abound, at a more covert or conventionally neglected level, intra-lingually” (Steiner, 1975, p. 47). . Em resumo:

[...] o fato de que as línguas se distribuem em dialetos [...] é um argumento convincente contra qualquer tentativa de defender a interlingualidade como critério de demarcação para o conceito de tradução, e fornece fortes motivos para se incluir, especialmente, a INTRA entre dialetos regionais/sociais no conceito de tradução

(Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, p. 701)20 20 “[...] the fact that languages shade into dialects […] is a convincing argument against any attempt to uphold interlinguality as a demarcation criterion for the concept of translation, and it provides strong grounds for including especially INTRA between regional/social dialects in the concept of translation” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016, p. 701). .

Além disso, mesmo a tradução interlingual vai além de se reformular mensagens baseando-se exclusivamente em fatores linguísticos. O autor explica que a tradução interlingual envolve também reconfigurações do conhecimento que são culturalmente específicas e reconfiguração das estruturas textuais utilizadas para se discorrer sobre determinado conhecimento (Schmid, 2012Schmid, Benjamin. “A bucket or a searchlight approach to defining translation? Fringe phenomena and their implications for the object of study”. In: Herrero, Isis & Klaiman, Todd (Eds.). Versatility in Translation Studies: Selected Papers of the CETRA Research Seminar in Translation Studies 2011. Leuven: KU Leuven, 2012. p. 1-21.).

É importante dar destaque à tradução como uma transferência transcultural e não uma simples transcodificação entre sistemas linguísticos diferentes. Se assumirmos essa perspectiva, certamente abre-se um caminho para incluirmos de fato a tarefa de INTRA como objeto de interesse dos Estudos da Tradução. Baseados em Schmid (2008)Schmid, Benjamin. “A duck in rabbit’s clothing: integrating intralingual translation”. In: Kaiser-Cooke, Michele (Ed.). Das Entenprinzip: Translation aus neuen Perspektiven. Bern: Peter Lang, 2008. p. 19-80., Zethsen & Hill-Madsen (2016, p. 702)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
21 21 “[...] cultural borderlines are not restricted to those running between cultures encoded in the semantics of a ‘national’ language” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016, p. 702). afirmam que “[...] as fronteiras culturais não estão restritas àquelas que se estabelecem entre culturas codificadas na semântica de uma língua ‘nacional’”. Essa é uma maneira de compreender a cultura como um sistema de significados, a la Halliday (2004)Halliday, Michael Alexander Kirkwood. An Introduction to Functional Grammar. 3. ed. Londres: Edward Arnold, 2004.. Assim, entende-se que mesmo dentro de uma “mesma língua” há sistemas linguísticos concorrentes e construções semânticas conflitantes no mundo de experiência de seus usuários:

Há muitas culturas menores dentro de uma ‘comunidade linguística’ que conceituam aspectos do mundo de forma diferente e, portanto, têm que se recorrer para processos de tradução a fim de garantir uma comunicação bem-sucedida entre si

(Schmid, 2008Schmid, Benjamin. “A duck in rabbit’s clothing: integrating intralingual translation”. In: Kaiser-Cooke, Michele (Ed.). Das Entenprinzip: Translation aus neuen Perspektiven. Bern: Peter Lang, 2008. p. 19-80., p. 48)22 22 “[...] there are a lot of smaller cultures within a “language community” that conceptualize aspects of the world differently and thus have to recur to processes of translation in order to guarantee successful communication among each other” (Schmid, 2008, p. 48). .

Podemos entender que determinadas comunidades pertencem a um tipo de “subcultura” como uma comunidade científica, por exemplo, ou mesmo uma pessoa pode pertencer a uma série de culturas diferentes. Para Schmid (2008)Schmid, Benjamin. “A duck in rabbit’s clothing: integrating intralingual translation”. In: Kaiser-Cooke, Michele (Ed.). Das Entenprinzip: Translation aus neuen Perspektiven. Bern: Peter Lang, 2008. p. 19-80. cada pessoa participa de uma variedade de língua, de domínios de interação e experiência que irão lhe constituir enquanto sujeito que faz uso de uma cultura pessoal. O autor também enfatiza que há necessidade de tradução, quando houver divergências entre sistemas semânticos, que é o principal tipo de barreira de comunicação:

[...] tradução surge quando as pessoas não compartilham uma massa crítica de acessibilidade mútua em suas conceituações e, consequentemente, não podem se referir a uma estrutura conceitual comum em que faz sentido as declarações uns dos outros

(Schmid, 2008Schmid, Benjamin. “A duck in rabbit’s clothing: integrating intralingual translation”. In: Kaiser-Cooke, Michele (Ed.). Das Entenprinzip: Translation aus neuen Perspektiven. Bern: Peter Lang, 2008. p. 19-80., p. 51)23 23 “[...] translation arises when people do not share a critical mass of mutual accessibility in their conceptualizations and consequently cannot refer to a common conceptual framework in which to make sense of each other’s utterances” (Schmid, 2008, p. 51). .

A partir das discussões sobre língua(s) e cultura(s), rejeitamos a definição de tradução sob o viés puramente linguístico e nos posicionamos a favor de um entendimento de a tradução, incluída a tradução intralingual, como uma atividade de comunicação intercultural. Nas palavras de Schubert (2005, p. 126)Schubert, Klaus. “Translation Studies: Broaden or Deepen the Perspective?” In: Dam, Helle; Engberg, Jan & Gerzymisch-Arbogast, Heidrun (Eds.). Knowledge Systems and Translation. Berlin: Walter de Gruyter, 2005. p. 125-146.24 24 “[...] hen speaking of translation as intercultural, some authors appear to use this attribute as roughly synonymous to interlingual. However, culture is not a synonym of language” (Schubert, 2005, p. 126). “[...] quando se fala em tradução como intercultural, alguns autores parecem usar esse atributo como aproximadamente sinônimo de interlíngue. No entanto, cultura não é sinônimo de língua”. A partir dessa definição, entendemos que não se faz mais necessário atribuir à tradução o estatuto exclusivo de atividade interlíngue, mas que é, essencialmente, uma atividade intercultural.

A seguir, discorremos sobre como é possível conceber a tradução intralingual como uma atividade de fato de tradução a partir de um viés intercultural para, em seguida, abandonar o hiperônimo “Tradução” e formular o conceito de “Reformulação intralingual”.

Critérios para se considerar a tarefa de tradução intralingual como uma tarefa de tradução

Uma vez que rejeitamos a interlingualidade como sendo característica central da tradução, é preciso oferecermos uma definição do que seria uma tradução intralingual. Um bom ponto de partida é encontrado em Zethsen & Hill-Madsen (2016, p. 693)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
25 25 “[...] if interlingual translation consists in the transcending of a linguistic barrier, i.e. between two different language systems, INTRA must be defined as the crossing of a language-internal barrier” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016, p. 693). que dizem que “[...] se a tradução interlíngue consiste em transpor uma barreira linguística, ou seja, entre dois sistemas linguísticos diferentes, a INTRA deve ser definida como o cruzamento de uma barreira interna a uma mesma língua”.

Os autores avançam na definição da tradução intralingual ao explicarem que:

Parece-nos, portanto, que INTRA deve — pelo menos em primeira instância — ser identificada como uma reescrita entre diferentes variedades da mesma língua, por exemplo, dialética (social e/ou regional), temporal (ou seja, entre variedades diacrônicas) ou funcional (ou seja, entre diferentes gêneros)

(Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, p. 693)26 26 “It therefore appears to us that INTRA should – in the first instance, at least – be identified with rewriting between different varieties of the same language, e.g. dialectal (social and/or regional), temporal (i.e. between diachronic varieties) or functional (i.e. between different genres)” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016, p. 693). .

Além disso, Zethsen (2009)Zethsen, Karen Korning. “Intralingual Translation: An Attempt at Description”. Meta, 54(4), p. 795-812, 2009. DOI: https://doi.org/10.7202/038904ar
https://doi.org/10.7202/038904ar...
também reconhece que a tradução intralingual envolve dois códigos distintos. Contudo, esses códigos não são duas “línguas nacionais” distintas, mas sim, códigos de diferentes gêneros ou grupos/comunidades culturais. A autora afirma ainda que “[...] os códigos de diferentes comunidades discursivas dentro de uma mesma língua podem ser quase tão diferentes entre si quanto duas línguas nacionais diferentes [...]” (Zethsen, 2009Zethsen, Karen Korning. “Intralingual Translation: An Attempt at Description”. Meta, 54(4), p. 795-812, 2009. DOI: https://doi.org/10.7202/038904ar
https://doi.org/10.7202/038904ar...
, p. 808)27 27 “[...] the codes of different discourse communities within the same language may be almost as different from each other as two different national languages [...]” (Zethsen, 2009, p. 808). .

Com o objetivo de caracterizar a tarefa de tradução de modo a incluir a INTRA, Zethsen (2007)Zethsen, Karen Korning. “Beyond Translation Proper — Extending the Field of Translation Studies”. Traduction, Terminologie, Rédaction-TTR, 20(1), p. 281-308, 2007. DOI: https://doi.org/10.7202/018506ar
https://doi.org/10.7202/018506ar...
e Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
elegem uma definição de tradução baseada em três critérios. É importante frisar que a proposta da autora estabelece um diálogo com os “postulados” de Toury (1995)Toury, Gideon. Descriptive Translation Studies and beyond. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1995., contudo, reformula-os, de modo a excluir a exigência da interlingualidade como característica central da tarefa. Dessa forma, são fornecidos os seguintes critérios para se identificar uma tarefa de tradução (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
):

Critério 1: um texto-fonte (verbal ou não-verbal) existe ou existiu em algum momento.

É relevante perceber que o Critério 1 estabelece que, para ser considerada uma tarefa de tradução, há uma exigência de que haja um texto-fonte que já existe ou existiu. Vale apontar também que esse critério indica a possibilidade de a tradução partir de textos verbais ou não-verbais, o que inclui a tradução inter-semiótica. O critério parte também da assumpção óbvia de que é impossível se pensar em tarefas de tradução sem que haja a pré-existência de um outro texto. Esse texto-fonte é o ponto de partida para se chegar ao texto traduzido.

Vale ainda apontar que não há nenhuma exigência de interlingualidade nesse critério. O que interessa é a pré-existência de um texto que será reformulado em uma tarefa de tradução. A partir dessa perspectiva, a INTRA atende ao Critério 1, já que ela parte da proposta de traduzir textos que, apesar de serem traduzidos para o mesmo idioma, serão reformulados para uma sistema semântico-linguístico-cultural distinto.

Critério 2: o texto-alvo foi derivado do texto-fonte (resultando em um novo produto em uma outra língua, gênero, meio ou sistema semiótico).

O Critério 2 afirma que a tradução tem como resultado a produção de um novo texto, um produto que pode estar em um outro idioma ou em um outro gênero ou em um outro meio ou em um outro sistema semiótico. Esse novo produto é derivado do texto pré-existente. No que diz respeito às tarefas de INTRA, observa-se claramente que os textos traduzidos para esse outro sistema semântico-linguístico-cultural passam a constituir minimamente um novo sistema semiótico. Obviamente que é possível pensarmos em contextos de INTRA em que também há a transposição para um novo gênero ou meio.

Apoiamo-nos na observação de Stecconi (2004)Stecconi, Ubaldo. “Interpretive Semiotics and Translation Theory: The Semiotic Conditions to Translation”. Semiotica, 150(1), p. 471-489, 2004. DOI: https://doi.org/10.1515/semi.2004.056
https://doi.org/10.1515/semi.2004.056...
e Budick & Iser (1996)Budick, Sanford & Iser, Wolfgang. The Translatability of Cultures. California: Stanford University Press, 1996. de que toda e qualquer tarefa de tradução é essencialmente uma tarefa de comunicação. Assim, a tradução é uma forma especial, nas palavras de Stecconi (2004)Stecconi, Ubaldo. “Interpretive Semiotics and Translation Theory: The Semiotic Conditions to Translation”. Semiotica, 150(1), p. 471-489, 2004. DOI: https://doi.org/10.1515/semi.2004.056
https://doi.org/10.1515/semi.2004.056...
de semiose. Assumindo semiose enquanto atividade de construção de significados, podemos considerar que a INTRA, assim como toda atividade de tradução, é uma semiose de segundo-grau, adotando esse termo de Stecconi (2004)Stecconi, Ubaldo. “Interpretive Semiotics and Translation Theory: The Semiotic Conditions to Translation”. Semiotica, 150(1), p. 471-489, 2004. DOI: https://doi.org/10.1515/semi.2004.056
https://doi.org/10.1515/semi.2004.056...
, uma vez que a pessoa que traduz, em uma tarefa de INTRA, está construindo significados a partir de uma outra semiose pré-existente. Assim, mantem-se a relação de um produto derivado que constitui um novo sistema semiótico (Critério 2) a partir de uma outra semiose anterior (Critério 1). A relação entre essas atividades semióticas é definida no Critério 3 a seguir:

Critério 3: a relação resultante entre os textos é de uma similaridade relevante, que pode se dar de diferentes formas a depender do contexto.

De acordo com o Critério 3, a relação entre o texto original e o texto traduzido é uma relação de similaridade relevante. Nesse sentido, observamos o que chamamos no parágrafo anterior de semiose de segundo-grau. Essa relação fica clara nas palavras de Stecconi (2004, p. 482):

A determinação mais relevante é sem dúvidas a de que não há tradução se o signo alvo não ‘falar em nome’ do signo original. Na verdade, duas vozes estão sempre presente no texto ou no enunciado traduzido: a voz do autor e a voz do tradutor. Ambas estão sempre presentes e, ainda sim, permanecem absolutamente distintas uma da outra

(Stecconi, 2004Stecconi, Ubaldo. “Interpretive Semiotics and Translation Theory: The Semiotic Conditions to Translation”. Semiotica, 150(1), p. 471-489, 2004. DOI: https://doi.org/10.1515/semi.2004.056
https://doi.org/10.1515/semi.2004.056...
, p. 482)28 28 “But the most salient determination is undoubtedly that there is no translation if the target sign does not ‘speak on behalf’ of the source sign. In actuality, two voices are always present in a translated text or utterance: that of the author and that of the translator. Both are always present, yet each remains absolutely distinct from the other” (Stecconi, 2004, p. 482). .

Fica claro que a relação de similaridade relevante também é encontrada nas tarefas de INTRA, assim como a identificação clara da presença das duas vozes (do autor original e do tradutor). A relação de similaridade relevante não se restringe obviamente às tarefas que envolvem interlingualidade. Vale lembrar que, para muitos teóricos da tradução (Chesterman, 1996Chesterman, Andrew. “On Similarity”. Target, 8(1), p. 159-164, 1996. DOI: https://doi.org/10.1075/target.8.1.10che
https://doi.org/10.1075/target.8.1.10che...
, 2007Chesterman, Andrew. “Similarity Analysis and the Translation Profile”. Belgian Journal of Linguistics, 21(1), p. 53-66, 2007. DOI: https://doi.org/10.1075/bjl.21.05che
https://doi.org/10.1075/bjl.21.05che...
; Stecconi, 2007Stecconi, Ubaldo. “Interpretive Semiotics and Translation Theory: The Semiotic Conditions to Translation”. Semiotica, 150(1), p. 471-489, 2004. DOI: https://doi.org/10.1515/semi.2004.056
https://doi.org/10.1515/semi.2004.056...
; Tymoczko, 2007aTymoczko, Maria. “Difference in Similarity”. In: Arduini, Stefano & Hodgson, Robert (Eds.). Similarity and Difference in Translation. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 2007a. p. 27-43.), o conceito de similaridade, e não o de equivalência, que é relevante para se discutir tradução.

Os três critérios, conforme Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
apontam que podem ser discutidos também a partir de conceitos clássicos que circulam nos Estudos da Tradução, tais como: texto fonte, texto alvo, derivação, familiaridade, equivalência, transferência, etc., e que devem ser (re)pensados a partir de critérios técnico-científico-teóricos e não serem baseados em suposições populares de que a tradução só se resume a tarefas interlinguais. Acreditamos, portanto, que os critérios podem, em princípio, servir como critérios de definição para o que é uma tradução de forma ampla e não excludente. É importante frisar que essa definição não contempla apenas a INTRA em suas variações, mas é um critério que amplia e expande o horizonte dos Estudos da Tradução, em uma perspectiva bem semelhante à que é discutida por Schubert (2005)Schubert, Klaus. “Translation Studies: Broaden or Deepen the Perspective?” In: Dam, Helle; Engberg, Jan & Gerzymisch-Arbogast, Heidrun (Eds.). Knowledge Systems and Translation. Berlin: Walter de Gruyter, 2005. p. 125-146..

Percebe-se que reconhecer a INTRA como uma tarefa de tradução parte da assumpção principal de que a tradução é uma tarefa de comunicação intercultural (Schubert, 2005Schubert, Klaus. “Translation Studies: Broaden or Deepen the Perspective?” In: Dam, Helle; Engberg, Jan & Gerzymisch-Arbogast, Heidrun (Eds.). Knowledge Systems and Translation. Berlin: Walter de Gruyter, 2005. p. 125-146.). Além disso, é válido reproduzirmos a crítica feita por Tymoczko (2007b)Tymoczko, Maria. Enlarging Translation, Empowering Translators. Manchester: St. Jerome Publishing, 2007b. de que muitos conceitos e práticas nos Estudos de Tradução são, por motivos históricos, baseados em percepções eurocêntricas e norte-americanas sobre cultura e língua. Assim, a tradução foi — e ainda é — amplamente vista como sendo uma tarefa de transferir ou transportar um conceito ou um pedaço de conhecimento entre as “grandes” línguas da Europa Ocidental. Por esse motivo, é comum o emprego constante dos termos English translation, Spanish traducción, French traduction, e German Übersetzung. Tymoczko (2007b)Tymoczko, Maria. Enlarging Translation, Empowering Translators. Manchester: St. Jerome Publishing, 2007b. alerta que essa visão eurocêntrica não é, por natureza, perniciosa, mas que ela é apenas uma das formas possíveis de olharmos a tradução, lembrando que essa forma é limitada e certamente ideológica29 29 Tymoczko (2007b) alerta ainda para o fato de a tradução ter sido amplamente utilizada, conscientemente ou não, como um instrumento político no processo de globalização e de dominação (militar, política, econômica e cultural), a partir de perspectivas da Europa Ocidental. Consideramos essa reflexão extremamente relevante, mas por fugir do escopo principal deste trabalho, remetemos o leitor à discussão de Tymoczko (2007b). .

É nesse espírito que Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
defendem a ampliação do conceito de tradução para contemplar as tarefas de INTRA:

[...] o conceito de tradução deve ser ampliado, mas não se limitando à transformação semiótica entre culturas, [...] deve ser ampliado, de fato, para incluir qualquer conversão semiótica que atravesse barreiras de comunicação em todo e qualquer estrato da linguagem [...]: conceitual (ou seja, semântico), lexicogramatical e fonológico/grafológico

(Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, p. 704-705)30 30 “[...] the concept of translation should be expanded, but not confined to semiotic transformation between cultures, [...] should be expanded, in fact, to include semiotic conversion across communication barriers at any or all strata of language [...]: conceptual (i.e. semantic), lexicogrammatical and phonological/graphological” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016, p. 704-705). .

Até o momento, fica claro nosso posicionamento de que a INTRA deve, indubitavelmente, ser considerada uma tarefa de interesse dos Estudos da Tradução. Contudo, gostaríamos de delinear uma proposta de tratamento da INTRA que dispense o termo “tradução”, retirando, assim, a centralidade da chamada “tradução de fato” de Jakobson (2000)Jakobson, Roman. “On Linguistics Aspects of Translation”. In: Venuti, Lawrence (Ed.). The Translation Studies Reader. Londres & Nova York: Routledge, 2021. p. 156-161. e essa ideia de que a tradução entre línguas diferentes (interlingualidade) é “tradução” e que outras tarefas que podem apresentar algum tipo de similaridade com a tal “tradução” sejam descritas como uma tradução adjetivada. Ou seja, tradução interlingual é simplesmente tradução, enquanto que outras tarefas precisam de uma classificação adicional: tradução intralingual, tradução audiovisual, tradução oral (interpretação), tradução inter-semiótica, entre outros.

É a partir dessa inquietação e do uso crescente, especialmente nos estudos cognitivos e empíricos, do termo Reformução Interlingual (García, Mikulan & Ibánez, 2016García, Adolfo; Mikulan, Ezequiel & Ibáñez, Augustin. “A Neuroscientific Toolkit for Translation Studies”. In: Martin, Ricardo Muñoz (Ed.). Re-embedding Translation Process Research. Amsterdã: John Benjamins, 2016. p. 21-46.), que gostaríamos de adotar e propor o hiperônimo Reformulação Intralingual (R.INTRA) para conceituar as tarefas que atendem aos Critérios 1, 2 e 3 de Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, mas que não envolvem interlingualidade. Apresentaremos o conceito de Reformulação Intralingual e traremos exemplos de diferentes tarefas de R.INTRA.

Reformulação intralingual (R.INTRA)

García, Mikulan & Ibánez (2016)García, Adolfo; Mikulan, Ezequiel & Ibáñez, Augustin. “A Neuroscientific Toolkit for Translation Studies”. In: Martin, Ricardo Muñoz (Ed.). Re-embedding Translation Process Research. Amsterdã: John Benjamins, 2016. p. 21-46. adotam o termo Reformulação Interlingual para fazer referência às atividades de tradução e de interpretação, em suas diferentes formas e modalidades. É interessante observarmos a escolha pelo termo Reformulação Interlingual em detrimento ao hiperônimo Tradução (com ‘T’), que frequentemente tem sido utilizado para abarcar ambas as tarefas de tradução e de interpretação, em suas diversas formas. O uso alternativo reflete uma tendência observada nos trabalhos desses autores, de fazer referência separadamente às tarefas desenvolvidas por tradutores e por intérpretes, não assumindo, como costumeiramente encontramos na literatura, que essas tarefas sejam apenas diferentes (sub)tipos de Tradução.

Certamente, como nos explica García (2019)García, Adolfo. The Neurocognition of Translation and Interpreting. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 2019., há diferentes funções mentais que são comuns às tarefas de tradução e de interpretação. Essas funções e atividades mentais são chamadas de funções gerais, independentes da modalidade das tarefas. Contudo, há também tarefas e operações mentais que são específicas de cada uma dessas atividades e que, portanto, não devem ser atribuídas a uma suposta tarefa geral de Tradução.

Apesar de a preocupação de García (2019)García, Adolfo. The Neurocognition of Translation and Interpreting. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 2019. e García, Mikulan & Ibánez (2016)García, Adolfo; Mikulan, Ezequiel & Ibáñez, Augustin. “A Neuroscientific Toolkit for Translation Studies”. In: Martin, Ricardo Muñoz (Ed.). Re-embedding Translation Process Research. Amsterdã: John Benjamins, 2016. p. 21-46. ser de natureza neurocognitiva, acreditamos que o emprego do termo Reformulação Interlingual traz outros ganhos para a maneira como encaramos essas atividades. Ao retirarmos a centralidade da tradução, que seria o exemplar mais “nobre” do hiperônimo Tradução, acabamos por advogar contra o argumento da prototipicidade, que discutimos anteriormente. Assim, podemos evitar uma discussão baseada em uma suposta gradiência de percepção entre o que é tradução de fato e o que teria “menos cara de tradução”. Nesse ponto, a interpretação não seria um subtipo de tradução (uma tradução oral, como alguns chamam) mas uma outra tarefa que, possui em comum com a tarefa de tradução, o fato de também ser uma atividade de Reformulação Interlingual.

É nesse espírito que gostaríamos de conduzir um exercício de reflexão sobre o emprego do termo Tradução Intralingual para designar as diferentes tarefas de reformulação de mensagens que, apesar de não ocorrerem entre línguas distintas, ocorrem com a finalidade principal de eliminar “[...] barreiras de comunicação em todo e qualquer estrato da linguagem” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, p. 705).31 31 “communication barriers at any or all strata of language.” Retomamos a discussão de que o termo Tradução, sem nenhuma qualificação ou adjetivação adicional, refere-se ao que Jakobson (2000)Jakobson, Roman. “On Linguistics Aspects of Translation”. In: Venuti, Lawrence (Ed.). The Translation Studies Reader. Londres & Nova York: Routledge, 2021. p. 156-161. chama de “tradução de fato”. Enquanto que as demais tarefas acabam por ser consideradas tradução ou não a partir de uma percepção de quão parecidas elas são da “tradução de fato”.

Até a seção anterior, defendemos a argumentação de que a INTRA é, sim, uma tarefa de tradução, assim como sugerem Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
. Porém, achamos necessário reformular (com o perdão do trocadilho) nossa posição. A INTRA é, certamente, do interesse dos Estudos da Tradução, a partir do momento em que entendemos que para a delimitação de um campo científico, “[...] para a qual a tradução não é uma prática, mas um domínio de pesquisa, a ontologia do conceito pode muito bem ser diferente” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, p. 694).32 32 “for which translation is not a practice but a research domain, the ontology of the concept may well be different.” Nesse ponto, defendemos que o que chamamos de Estudos da Tradução deve, na verdade, se interessar pelas diferentes tarefas de Reformulação, sejam elas Interlinguais ou Intralinguais.

Ao rejeitarmos, entretanto, o hiperônimo Tradução e a tarefa adjetivada tradução intralingual, rejeitamos também a leitura de que a INTRA seja um subproduto da tradução, ainda uma tarefa que é “quase tradução”, inferiorizada ou menos importante. Além disso, acreditamos que os termos Reformulação Interlingual e Reformulação Intralingual captam a centralidade da tarefa de reformulação e ainda especificam a distinção entre interlingualidade e intralingualidade, sem nenhuma hierarquização entre essas macro-tarefas.

Outro ganho que contemplamos, com o emprego do termo Reformulação Intralingual é deixar claro que esse é, por si só, um hiperônimo e que não há um único tipo de atividade intralingual. Assim como a Reformulação Interlingual é um termo genérico que diz respeito à tradução e à interpretação em suas diferentes formas e modalidades, a Reformulação Intralingual abarca diferentes e plurais tarefas de reformulação de mensagens que possuem como característica comum: a intralingualidade.

Zethsen (2009, p. 800) chama a atenção de que “[...] na prática, vemos muitos tipos de tradução intralingual; muitas variedades de comunicação profissional-para-leigos, leituras facilitadas para crianças, legendagem para surdos, resumos, alguns tipos de reescrita de notícias, novas traduções de clássicos, etc.”. Já Shuttleworth & Cowie (2014, p. 87-88)Shuttleworth, Mark & Cowie, Moira. Dictionary of Translation Studies. Translating and interpreting. Londres & Nova York: Routledge, 2014. trazem mais exemplos de tarefas de Reformulação Intralingual, como, por exemplo, “[...] simplificar um texto técnico para um leitor não especializado, adaptar um clássico para um público infantil ou produzir uma versão de Chaucer em inglês moderno”.33 33 “simplifying a technical text for a non-specialist readership, adapting a classic for a children’s audience or producing a version of Chaucer in modern English.”

Pensar, portanto, em Reformulação Intralingual significa assumir uma multiplicidade de tarefas que atendam aos três critérios anteriores descritos por Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, mas que envolvam especificamente o aspecto da intralingualidade. Para tal, podemos analisar uma tarefa específica que tem nos despertado a atenção e que temos chamado de Reformulação Intralingual de Textos Não-Nativos.

A aquisição de segunda língua, especialmente a chamada aquisição consecutiva em que um falante nativo de uma língua X adquire posteriormente uma língua Y, resulta, quase sempre, em um padrão de uso que é não-nativo. Em outras palavras, o sistema linguístico de um falante de segunda língua não é o mesmo de um falante nativo (Lardiere, 2006Lardiere, Donna. Ultimate attainment in second language acquisition: a case study. Londres & Nova York: Routledge, 2006.; entre outros). Esse padrão de uso não-nativo reflete, ainda, nos textos produzidos por esses sujeitos. É o caso, por exemplo, dos textos escritos por imigrantes, estrangeiros e até por pessoas surdas (que possuem a língua oral do país em que residem como sua segunda língua).

No que diz respeito à Reformulação Intralingual de textos produzidos por pessoas surdas, Carvalho (2020)Carvalho, Márcia Monteiro. Análise de traduções para o português escrito por pessoas surdas bilíngues e suas respectivas retextualizações por tradutores de Libras-português com base na Linguística Sistêmico-Funcional e nas modalidades de tradução. Tese (Doutorado em Estudos da Tradução). Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020. investigou as diferentes estratégias de Retextualização empregadas por tradutores de Libras (Língua Brasileira de Sinais) que tinham a tarefa de reformular (retextualizar, nos termos de Carvalho) textos escritos em português por pessoas surdas de modo que esses textos estivessem de acordo com o que preconiza a gramática normativa.

Carvalho (2020)Carvalho, Márcia Monteiro. Análise de traduções para o português escrito por pessoas surdas bilíngues e suas respectivas retextualizações por tradutores de Libras-português com base na Linguística Sistêmico-Funcional e nas modalidades de tradução. Tese (Doutorado em Estudos da Tradução). Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020. chama a atenção para o fato de que, durante a tarefa de reformulação, os profissionais não se limitaram a apenas realizar uma revisão gramatical, mas adotaram uma postura ativa de reformulação, em que foram identificadas diferentes estratégias de substituição lexical, adição e omissão de elementos textuais, além de uma preocupação com aspectos estilísticos do texto produzido. A autora explica também que reformuladores que eram bilíngues Libras-português demonstravam a preocupação com aspectos culturais do texto surdo e da pessoa surda, realizando adequações que não eram somente linguísticas, mas também culturais.

Se tomarmos a tarefa de Reformulação Intralingual de Textos Não-Nativos e a submetermos à avaliação dos critérios propostos por Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, veremos que essa tarefa certamente atende aos pré-requisitos para ser considerada do interesse dos Estudos da Tradução. O primeiro critério diz respeito à existência prévia de um texto fonte. No caso analisado por Carvalho (2020)Carvalho, Márcia Monteiro. Análise de traduções para o português escrito por pessoas surdas bilíngues e suas respectivas retextualizações por tradutores de Libras-português com base na Linguística Sistêmico-Funcional e nas modalidades de tradução. Tese (Doutorado em Estudos da Tradução). Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020., havia um texto pré-existente que foi produzido por uma pessoa surda em um português não-nativo. O segundo critério diz que o texto reformulado (traduzido nos termos originais) deve ser derivado do texto pré-existente, o que também é confirmado na tarefa realizada pelos reformuladores do estudo. Por fim, o terceiro critério, o da similaridade relevante, também se confirma já que os textos reformulados são, indiscutivelmente, similares aos textos originalmente produzidos pelas pessoas surdas.

Além dos critérios definidos por Zethsen & Hill-Madsen (2016)Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
https://doi.org/10.7202/1039225ar...
, vale destacar também que a tarefa de Reformulação Intralingual de Textos Não-Nativos traz ainda uma característica importante que destacamos nas seções anteriores que é a dimensão da interculturalidade. Ou seja, para além dos aspectos linguísticos e gramaticais, os reformuladores levaram em consideração também as diferenças culturais existentes entre as pessoas surdas (falantes de Libras) e as pessoas ouvintes (falantes de português).

A partir desse breve exemplo de tarefa de Reformulação Intralingual, gostaríamos de trazer uma reflexão sobre as diferentes formas que a Reformulação Intralingual pode tomar e também alertar que, ao contrário do que se imagina, essas tarefas não são raras ou marginais em nossa sociedade. Reiteramos ainda a necessidade de que se ampliem as iniciativas de pesquisas acerca desse grupo de tarefas e que se reconheça, cada vez mais, a Reformulação Intralingual como sendo um objeto de interesse dos Estudos da Tradução em sua concepção mais macro.

  • 1
    Harry Potter e a Pedra do Filósofo, em tradução literal.
  • 2
    Harry Potter e a Pedra do Feiticeiro, em tradução literal.
  • 3
    Todas as traduções feitas neste artigo foram produzidas pelos autores, logo daqui em diante não será necessário repetir esta informação ao longo do texto.
  • 4
    “Intralingual translation or rewording is an interpretation of verbal signs by means of other signs of the same language. Interlingual translation or translation proper is an interpretation of verbal signs by means of some other language. Intersemiotic translation or transmutation is an interpretation of verbal signs by means of signs of nonverbal sign systems” (Jakobson, 2021Jakobson, Roman. “On Linguistics Aspects of Translation”. In: Venuti, Lawrence (Ed.). The Translation Studies Reader. Londres & Nova York: Routledge, 2021. p. 156-161., p. 157).
  • 5
    “Figura de estilo que consiste em exprimir por muitas palavras aquilo que poderia ser dito em poucas” (Porto Editora, 2023Porto Editora. “Circunlocução”. 27/08/2023. Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa. Disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/circunlocu%C3%A7%C3%B5es. Acesso em 27 ago. 2023.
    https://www.infopedia.pt/dicionarios/lin...
    , s. p.).
  • 6
    “I know of no research that looks specifically at the phenomena of intralingual [...] translation. We do have classifications such as Jakobson’s, which alert us to the possibility of such things as [...] intralingual translation, but we do not make any genuine use of such classifications in our research” (Baker, 1998Baker, M. “Introduction”. In: Baker, M. (Ed.). Routledge Encyclopedia of Translation Studies. Londres & Nova York: Routledge, 1998. p. XIII-XVIII., p. 20).
  • 7
    “[...] the qualitative difference between ‘interlingual’ and ‘intralingual’ translation is so great, that it makes a nonsense of the concept of translation” (Newmark, 1991Newmark, Peter. About Translation. Clevedon: Multilingual Matters, 1991., p. 69).
  • 8
    “[...] to translate means to render a text into a different language. Translation is by definition interlingual” (Schubert, 2005Schubert, Klaus. “Translation Studies: Broaden or Deepen the Perspective?” In: Dam, Helle; Engberg, Jan & Gerzymisch-Arbogast, Heidrun (Eds.). Knowledge Systems and Translation. Berlin: Walter de Gruyter, 2005. p. 125-146., p. 126).
  • 9
    De acordo com o Dictionary of linguistics and phonetics, de David Crystal, um dialeto pode ser definido como “uma variedade regional ou socialmente distintiva de uma língua, identificada por um conjunto específico de palavras e estruturas gramaticais. Dialetos falados geralmente também são associados a uma pronúncia distinta ou sotaque. Qualquer língua com um número razoavelmente grande de falantes desenvolverá dialetos, especialmente se houver barreiras geográficas separando grupos de pessoas uns dos outros ou se houver divisões de classe social. Um dialeto pode predominar como a forma oficial ou padrão da língua, e esta é a variedade que pode vir a ser escrita” (Crystal, 2008Crystal, David. A dictionary of linguistics and phonetics. 6. ed. Massachusetts: Blackwell Publishing, 2008., p. 142). No original, lê-se: “A regionally or socially distinctive variety of language, identified by a particular set of words and grammatical structures. Spoken dialects are usually also associated with a distinctive pronunciation, or accent. Any language with a reasonably large number of speakers will develop dialects, especially if there are geographical barriers separating groups of people from each other, or if there are divisions of social class. One dialect may predominate as the official or standard form of the language, and this is the variety which may come to be written down.”
  • 10
    “[...] a social entity called ‘translation’ and a form of behaviour called ‘translating’ with which, give or take a few nuances, we reckon we are all familiar in our own language and culture. The meaning of ‘translation’ is codified in dictionaries, there are professional activities called translation, we have organizations representing translators, institutes for translator training, etc. It is this ‘public face’ of translation that I have in mind when I speak of translation as ‘institution’” (Hermans, 1997Hermans, Theo. “Translation as Institution”. In: Snell-Hornby, Mary; Jettmarova, Zuzana & Kaindl, Klaus (Eds.). Translation as Intercultural Communication: Selected Papers from the EST Congress. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1997. p. 3-20., p. 5).
  • 11
    “[...] what the non-academic community is prepared to call translation, the move is not permissible because there translation is translation proper, and only that]” (Hermans, 1997Hermans, Theo. “Translation as Institution”. In: Snell-Hornby, Mary; Jettmarova, Zuzana & Kaindl, Klaus (Eds.). Translation as Intercultural Communication: Selected Papers from the EST Congress. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1997. p. 3-20., p. 17).
  • 12
    “[...] from the point of view of TS, for which translation is not a practice but a research domain, the ontology of the concept may well be different” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
    https://doi.org/10.7202/1039225ar...
    , p. 694).
  • 13
    “[...] in spite of the extension of the concept, Jakobson still grants translation proper (TRP) a supreme status: it acquires the meaning of ‘translation in the ordinary sense’, whereas the other two types are demoted to ‘translation in the figurative sense’” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
    https://doi.org/10.7202/1039225ar...
    , p. 694-695).
  • 14
    “In other words, a well-functioning TT is often the product of translational procedures that depart from strict adherence to ST wordings, by modifying and sometimes expanding the semantic content of the original” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
    https://doi.org/10.7202/1039225ar...
    , p. 698).
  • 15
    “[...] regarding a text as a translation entails the obvious assumption that there is another text in another culture/language which has both chronological and logical priority over it” (Toury, 1995Toury, Gideon. Descriptive Translation Studies and beyond. Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1995., p. 33-34).
  • 16
    “Languages that extend over a large physical terrain will engender regional modes and dialects [...]. The French spoken by a Norman is not that of the Touraine [...]. Hoch- and Plattdeutsch are strongly differentiated” (Steiner, 1975Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford University Press, 1975., p. 31).
  • 17
    “Indeed, in many important languages, differences of dialect have polarized to the degree that we are almost dealing with distinct tongues. The mutual incomprehensibility of diverse branches of Chinese such as Cantonese and Mandarin are notorious. A Milanese has difficulty in understanding the Italian spoken in neighbouring Bergamo. In all these cases comprehension demands translation along lines closer and closer of inter-lingual transfer. There are dictionaries and grammar of Venetian, Neapolitan, and Bergamasque” (Steiner, 1975Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford University Press, 1975., p. 31).
  • 18
    “[...] the need for translation is self-evident” (Steiner, 1975Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford University Press, 1975., p. 32).
  • 19
    “[...] these same problems abound, at a more covert or conventionally neglected level, intra-lingually” (Steiner, 1975Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford University Press, 1975., p. 47).
  • 20
    “[...] the fact that languages shade into dialects […] is a convincing argument against any attempt to uphold interlinguality as a demarcation criterion for the concept of translation, and it provides strong grounds for including especially INTRA between regional/social dialects in the concept of translation” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
    https://doi.org/10.7202/1039225ar...
    , p. 701).
  • 21
    “[...] cultural borderlines are not restricted to those running between cultures encoded in the semantics of a ‘national’ language” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
    https://doi.org/10.7202/1039225ar...
    , p. 702).
  • 22
    “[...] there are a lot of smaller cultures within a “language community” that conceptualize aspects of the world differently and thus have to recur to processes of translation in order to guarantee successful communication among each other” (Schmid, 2008Schmid, Benjamin. “A duck in rabbit’s clothing: integrating intralingual translation”. In: Kaiser-Cooke, Michele (Ed.). Das Entenprinzip: Translation aus neuen Perspektiven. Bern: Peter Lang, 2008. p. 19-80., p. 48).
  • 23
    “[...] translation arises when people do not share a critical mass of mutual accessibility in their conceptualizations and consequently cannot refer to a common conceptual framework in which to make sense of each other’s utterances” (Schmid, 2008Schmid, Benjamin. “A duck in rabbit’s clothing: integrating intralingual translation”. In: Kaiser-Cooke, Michele (Ed.). Das Entenprinzip: Translation aus neuen Perspektiven. Bern: Peter Lang, 2008. p. 19-80., p. 51).
  • 24
    “[...] hen speaking of translation as intercultural, some authors appear to use this attribute as roughly synonymous to interlingual. However, culture is not a synonym of language” (Schubert, 2005Schubert, Klaus. “Translation Studies: Broaden or Deepen the Perspective?” In: Dam, Helle; Engberg, Jan & Gerzymisch-Arbogast, Heidrun (Eds.). Knowledge Systems and Translation. Berlin: Walter de Gruyter, 2005. p. 125-146., p. 126).
  • 25
    “[...] if interlingual translation consists in the transcending of a linguistic barrier, i.e. between two different language systems, INTRA must be defined as the crossing of a language-internal barrier” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
    https://doi.org/10.7202/1039225ar...
    , p. 693).
  • 26
    “It therefore appears to us that INTRA should – in the first instance, at least – be identified with rewriting between different varieties of the same language, e.g. dialectal (social and/or regional), temporal (i.e. between diachronic varieties) or functional (i.e. between different genres)” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
    https://doi.org/10.7202/1039225ar...
    , p. 693).
  • 27
    “[...] the codes of different discourse communities within the same language may be almost as different from each other as two different national languages [...]” (Zethsen, 2009Zethsen, Karen Korning. “Intralingual Translation: An Attempt at Description”. Meta, 54(4), p. 795-812, 2009. DOI: https://doi.org/10.7202/038904ar
    https://doi.org/10.7202/038904ar...
    , p. 808).
  • 28
    “But the most salient determination is undoubtedly that there is no translation if the target sign does not ‘speak on behalf’ of the source sign. In actuality, two voices are always present in a translated text or utterance: that of the author and that of the translator. Both are always present, yet each remains absolutely distinct from the other” (Stecconi, 2004Stecconi, Ubaldo. “Interpretive Semiotics and Translation Theory: The Semiotic Conditions to Translation”. Semiotica, 150(1), p. 471-489, 2004. DOI: https://doi.org/10.1515/semi.2004.056
    https://doi.org/10.1515/semi.2004.056...
    , p. 482).
  • 29
    Tymoczko (2007b)Tymoczko, Maria. Enlarging Translation, Empowering Translators. Manchester: St. Jerome Publishing, 2007b. alerta ainda para o fato de a tradução ter sido amplamente utilizada, conscientemente ou não, como um instrumento político no processo de globalização e de dominação (militar, política, econômica e cultural), a partir de perspectivas da Europa Ocidental. Consideramos essa reflexão extremamente relevante, mas por fugir do escopo principal deste trabalho, remetemos o leitor à discussão de Tymoczko (2007b)Tymoczko, Maria. Enlarging Translation, Empowering Translators. Manchester: St. Jerome Publishing, 2007b..
  • 30
    “[...] the concept of translation should be expanded, but not confined to semiotic transformation between cultures, [...] should be expanded, in fact, to include semiotic conversion across communication barriers at any or all strata of language [...]: conceptual (i.e. semantic), lexicogrammatical and phonological/graphological” (Zethsen & Hill-Madsen, 2016Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
    https://doi.org/10.7202/1039225ar...
    , p. 704-705).
  • 31
    “communication barriers at any or all strata of language.”
  • 32
    “for which translation is not a practice but a research domain, the ontology of the concept may well be different.”
  • 33
    “simplifying a technical text for a non-specialist readership, adapting a classic for a children’s audience or producing a version of Chaucer in modern English.”

Referências

  • Baker, M. “Introduction”. In: Baker, M. (Ed.). Routledge Encyclopedia of Translation Studies Londres & Nova York: Routledge, 1998. p. XIII-XVIII.
  • Budick, Sanford & Iser, Wolfgang. The Translatability of Cultures California: Stanford University Press, 1996.
  • Carvalho, Márcia Monteiro. Análise de traduções para o português escrito por pessoas surdas bilíngues e suas respectivas retextualizações por tradutores de Libras-português com base na Linguística Sistêmico-Funcional e nas modalidades de tradução Tese (Doutorado em Estudos da Tradução). Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.
  • Chesterman, Andrew. “On Similarity”. Target, 8(1), p. 159-164, 1996. DOI: https://doi.org/10.1075/target.8.1.10che
    » https://doi.org/10.1075/target.8.1.10che
  • Chesterman, Andrew. “Similarity Analysis and the Translation Profile”. Belgian Journal of Linguistics, 21(1), p. 53-66, 2007. DOI: https://doi.org/10.1075/bjl.21.05che
    » https://doi.org/10.1075/bjl.21.05che
  • Crystal, David. A dictionary of linguistics and phonetics 6. ed. Massachusetts: Blackwell Publishing, 2008.
  • Derrida, Jacques. “Des Tours de Babel”. In: Graham, Joseph. (Ed.). Difference in Translation Londres: Cornell University Press, 1985. p. 165-249.
  • García, Adolfo. The Neurocognition of Translation and Interpreting Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 2019.
  • García, Adolfo; Mikulan, Ezequiel & Ibáñez, Augustin. “A Neuroscientific Toolkit for Translation Studies”. In: Martin, Ricardo Muñoz (Ed.). Re-embedding Translation Process Research Amsterdã: John Benjamins, 2016. p. 21-46.
  • Halliday, Michael Alexander Kirkwood. An Introduction to Functional Grammar 3. ed. Londres: Edward Arnold, 2004.
  • Halverson, Sandra. “Conceptual Work and the ‘Translation’ Concept”. Target, 11(1), p. 1-31, 1999. DOI: https://doi.org/10.1075/target.11.1.02hal
    » https://doi.org/10.1075/target.11.1.02hal
  • Halverson, Sandra. “Prototype Effects in the ‘Translation’ Category. In: Chesterman, Andrew; San Salvador, Natividad Gallardo & Gambier, Yves (Eds.). Translation in Context: Selected Contributions from the EST Congress, Granada, 1998 Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 2000. p. 3-16.
  • Hatim, Basil & Munday, Jeremy. Translation: An Advanced Resource Book Londres & Nova York: Routledge, 2004.
  • Hermans, Theo. “Translation as Institution”. In: Snell-Hornby, Mary; Jettmarova, Zuzana & Kaindl, Klaus (Eds.). Translation as Intercultural Communication: Selected Papers from the EST Congress Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1997. p. 3-20.
  • Jakobson, Roman. “On Linguistics Aspects of Translation”. In: Venuti, Lawrence (Ed.). The Translation Studies Reader Londres & Nova York: Routledge, 2021. p. 156-161.
  • Lardiere, Donna. Ultimate attainment in second language acquisition: a case study Londres & Nova York: Routledge, 2006.
  • Newmark, Peter. About Translation Clevedon: Multilingual Matters, 1991.
  • Porto Editora. “Circunlocução”. 27/08/2023. Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa Disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/circunlocu%C3%A7%C3%B5es Acesso em 27 ago. 2023.
    » https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/circunlocu%C3%A7%C3%B5es
  • Robinson, Richard. Definition Oxford: Oxford University Press, 2011.
  • Schleiermacher, Friedrich. “Ueber die verschiedenen Methoden des Uebersezens (1813)”. In: Störig, Hans Joachim (Ed.). Das Problem des Übersetzens Stuttgart: Henry Goverts, 1963. p. 38-70.
  • Schmid, Benjamin. “A duck in rabbit’s clothing: integrating intralingual translation”. In: Kaiser-Cooke, Michele (Ed.). Das Entenprinzip: Translation aus neuen Perspektiven Bern: Peter Lang, 2008. p. 19-80.
  • Schmid, Benjamin. “A bucket or a searchlight approach to defining translation? Fringe phenomena and their implications for the object of study”. In: Herrero, Isis & Klaiman, Todd (Eds.). Versatility in Translation Studies: Selected Papers of the CETRA Research Seminar in Translation Studies 2011 Leuven: KU Leuven, 2012. p. 1-21.
  • Schubert, Klaus. “Translation Studies: Broaden or Deepen the Perspective?” In: Dam, Helle; Engberg, Jan & Gerzymisch-Arbogast, Heidrun (Eds.). Knowledge Systems and Translation Berlin: Walter de Gruyter, 2005. p. 125-146.
  • Shuttleworth, Mark & Cowie, Moira. Dictionary of Translation Studies Translating and interpreting Londres & Nova York: Routledge, 2014.
  • Stecconi, Ubaldo. “Interpretive Semiotics and Translation Theory: The Semiotic Conditions to Translation”. Semiotica, 150(1), p. 471-489, 2004. DOI: https://doi.org/10.1515/semi.2004.056
    » https://doi.org/10.1515/semi.2004.056
  • Steiner, George. After Babel: Aspects of Language and Translation Londres: Oxford University Press, 1975.
  • Toury, Gideon. Descriptive Translation Studies and beyond Amsterdã & Filadélfia: John Benjamins, 1995.
  • Tymoczko, Maria. Translation in a Postcolonial Context: Early Irish Literature in English Translation. Manchester: St. Jerome Publishing, 1999.
  • Tymoczko, Maria. “Difference in Similarity”. In: Arduini, Stefano & Hodgson, Robert (Eds.). Similarity and Difference in Translation Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 2007a. p. 27-43.
  • Tymoczko, Maria. Enlarging Translation, Empowering Translators Manchester: St. Jerome Publishing, 2007b.
  • Zethsen, Karen Korning. “Beyond Translation Proper — Extending the Field of Translation Studies”. Traduction, Terminologie, Rédaction-TTR, 20(1), p. 281-308, 2007. DOI: https://doi.org/10.7202/018506ar
    » https://doi.org/10.7202/018506ar
  • Zethsen, Karen Korning. “Intralingual Translation: An Attempt at Description”. Meta, 54(4), p. 795-812, 2009. DOI: https://doi.org/10.7202/038904ar
    » https://doi.org/10.7202/038904ar
  • Zethsen, Karen Korning & Hill-Madsen, Aage. “Intralingual Translation and Its Place within Translation Studies: A Theoretical Discussion”. Meta, 61(3), p. 692-708, 2016. DOI: https://doi.org/10.7202/1039225ar
    » https://doi.org/10.7202/1039225ar

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2023
  • Aceito
    12 Jul 2023
  • Publicado
    Set 2023
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: suporte.cadernostraducao@contato.ufsc.br