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O humor da língua: análises lingüísticas de piadas

NOTAS SOBRE LIVROS / BOOKNOTES

POSSENTI, Sírio (1998) O Humor da Língua: Análises Lingüísticas de Piadas. Campinas, SP : Mercado de Letras. ISBN: 85 85725-40-0. 152p.

Em Os Humores da Língua: Análises Lingüísticas de Piadas, o autor, na introdução, deixa claro que considera interessantes "as explicações lingüísticas, isto é, a descrição do que é especificamente lingüístico na piada". Neste livro, ele propõe analisar os traços lingüísticos das piadas, pois acredita que os lingüistas poderiam ver nos chistes (ou piadas) as propriedades essenciais das línguas naturais, tanto de sua estrutura quanto de seu funcionamento. No primeiro capítulo, além de explicar que as piadas são um material muito interessante por compreenderem temas socialmente controversos, por operarem com estereótipos e serem quase sempre um veículo de um discurso proibido, o autor sugere que elas são um ótimo objeto de análise para um estudioso da linguagem ou discurso por mostrarem um domínio complexo da língua.

O segundo capítulo trata dos lugares-comuns sobre as piadas, expondo, entre outras coisas, que não é novidade dizer que as piadas são culturais e que isto não contribui para a caracterização ou explicação delas. No terceiro capítulo, o autor argumenta, apresentando exemplos, que existem textos humorísticos que impõem uma leitura única, nos quais há a possibilidade de controle até público da interpretação.

No quarto capítulo, o autor mostra que rimos de algumas piadas devido à sua peculiaridade sintático-semântica. O quinto capítulo analisa alguns textos humorísticos restringindo a análise deles a um só fator de interpretação, o epilingüístico, que recobre qualquer operação ativa que o intérprete efetua sobre dados lingüísticos, analisando-os de um certo modo.

O sexto capítulo pretende demonstrar, através de exemplos e explicações, que o humor da palavra é mais sofisticado do que parece e que as palavras têm outros humores além do duplo sentido. No sétimo capítulo, o autor mostra que o duplo sentido depende sempre de um princípio, regra ou teoria; para ele, o leitor também segue um desses princípios.

No oitavo capítulo, são apresentados exemplos de piadas de humor político e os vários aspectos da política que são criticados nas piadas, evidenciando que elas são altamente críticas. O nono capítulo apresenta excertos escolhidos de um texto de L.F. Veríssimo para verificar se seu humor consiste apenas em uma técnica e depois tenta verificar se a mesma técnica está presente em outros textos semelhantes.

O último capítulo trata do humor da criança, demonstrando que, neste caso, a questão da veiculação de um discurso de alguma forma proibido é relevante, sendo que os principais discursos são: a destruição da hipótese de que as crianças desconheçam temas secretos ou tabus e a violação de regras de discurso, ou seja, as crianças dizem o que os adultos não poderiam dizer impunemente.

Este é um livro de fácil leitura, útil para lingüistas e interessados em geral na linguagem e seus mecanismos, pois ele mostra que as piadas representam um material valioso para a compreensão de certos mecanismos lingüísticos.

Por/By: Renata Ribeiro de Andrade

(LAEL / Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

BAQUERO, Ricardo (1998) Vygotsky e a aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas. ISBN 85-7307-323-3

Dividido em três grandes partes, Vygotsky e a Aprendizagem Escolar apresenta, inicialmente, as bases da teoria sócio-histórica, relacionando-a, em seguida, com a educação para, finalmente, elencar algumas das decorrências acarretadas pela obra vygotskiana nessa área.

A fim de cumprir os objetivos a que se propõe, ou seja, "mostrar as relações entre a teoria psicológica de Vygotsky e alguns dos desenvolvimentos efetuados em psicologia educacional e pedagogia" (p.12) e "delinear o tipo de problemas que surge no uso da teoria para a análise ou planejamento de estratégias pedagógicas" (p.12), Ricardo Baquero organiza o texto em sete capítulos.

No primeiro deles, tem-se a oportunidade de conhecer panoramicamente a vida e obra de Vygotsky, enfatizando as suas realizações ano a ano, no período de 1924, que marcou o início de sua produção ligada à Psicologia, até 1934, ano em que conclui a obra Pensamento e Linguagem, na qual expõe as principais teses sobre as relações entre o pensamento e a linguagem, além de alguns experimentos.

As idéias centrais da teoria sócio-histórica sobre a origem dos processos psicológicos superiores são apresentadas no segundo capítulo, juntamente com uma análise do papel desempenhado pelos instrumentos de mediação, enquanto fontes de desenvolvimento e das características do enfoque genético vygotskiano.

Encerrando esta primeira parte da obra, o autor enfoca as relações entre pensamento e linguagem, dando especial atenção ao processo de interiorização da fala que constitui, segundo Vygotsky, "uma longa série de processos evolutivos" (p.17) implicando uma reconstituição interna do indivíduo. A atenção também se volta ao desenvolvimento dos conceitos científicos que dizem respeito aos conhecimentos sistematizados, adquiridos nas interações escolares.

O quarto capítulo dá início à discussão sobre a teoria sócio-histórica em sua relação com a educação, desenvolvendo a tese do caráter inerente dos processos educativos nos processos de desenvolvimento psicológico e analisando algumas características dos processos de aprendizagem escolar.

Em seguida, é apresentado e discutido o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), o qual, segundo o autor, fundamenta muitas das análises de práticas educativas e dos planejamentos de estratégias de ensino. Neste capítulo, recebe especial atenção o papel do brinquedo como uma atividade importante na criação de ZDPs.

Com o sexto capítulo tem início a terceira e última parte do livro. Nela, são descritas e analisadas algumas das leituras feitas por outros estudiosos da obra vygotskiana, dando ênfase às conseqüências desta obra em relação aos fenômenos educacionais. Um dos estudiosos apresentados é Cazden que, a partir da análise do discurso escolar, sugere possibilidades da abordagem vygotskiana para a análise das práticas escolares.

Finalizam a obra uma comparação e a postulação de um desafio aos educadores. A comparação se dá entre alguns pontos tratados pelo enfoque do desenvolvimento psicológico derivado da obra vygotskiana e alguns dispositivos utilizados pela instituição escolar. A partir dela, surgem definições para "prática de governo" e "trabalho escolar" sob uma nova perspectiva. A prática de governo, neste capítulo, refere-se ao "conjunto de ações sobre as ações do outro" (p. 156), enquanto o trabalho escolar forma, de acordo com o autor, uma espécie de regulamento das atividades docentes e discentes.

O último parágrafo do texto reflete o caráter instigante da obra de Vygotsky, incorporado pelo autor que encerra suas colocações afirmando: "Talvez sem demagogia, devamos 'ceder' a palavra a nossos alunos e, o que é mais difícil, legitimá-la" (p.161). E aí está lançado o desafio.

Por/By: Roseméri Maria Lucioli

(LAEL / Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

CORSON, D. (1999) Language Policy in Schools. A Resource for Teachers and Administrators. Mahhah, New Jersey: Lawrence Erlbaum. ISBN 0 ¾ 8058-3296-3; xi + 252 p.

Questões de planejamento e política lingüísticos têm tido notável desenvolvimento na Lingüística Aplicada: dois exemplos recentes bem significativos são o aparecimento da revista Current Issues in Language Planning (Editor-in-chief: Robert B. Kaplan rkaplan@olypen.com), publicada por Multilingual Matters, e este volume, por um dos mais originais e produtivos especialistas ligados ao Ontario Institute for Studies in Education, University of Toronto.

Em 10 de agosto deste ano, ao participar de uma Mesa Redonda sobre A Hora e a Vez da Escola Pública, no Congresso promovido pela APLIEMT ¾ Associação de Professores de Inglês de Mato Grosso, na hospitaleira e dinâmica cidade de Sinop, apresentei uma Proposta de Planejamento de uma Política de Ensino de Inglês para uma Escola, baseando-me no modelo de Corson, por considerá-lo o mais abrangente (insights oriundos de diversas áreas: Análise do Discurso, Aprendizagem, Antropologia, Bilinguismo, Comunicação Escrita e Falada, Direitos Humanos Lingüísticos, Educação, Etnografia, Filosofia, Literacia Crítica, Pedagogia, Planejamento Lingüístico, Plurilinguismo, Psicologia e Sociolingüística) e o mais detalhadamente sistemático (uma quantidade surpreendente de valiosas Checklists, encontradas nos 7 capítulos e na inspiradora Conclusão-Síntese (Concluding Summary: What a School Language Policy Might Contain).

Os títulos dos capítulos dão uma idéia da riqueza conceitual temática da obra: 1. Language Policy in Schools 2. Critical Approaches to Language Planning for Social Justice 3. Fact Gathering for School Language Policies 4. Critical Policymaking 5. English as a First Language in the School Curriculum 6. Critical Language Awareness School and Curriculum 7. ESL and Minority Languages in School and Curriculum. Há Referências bibliográficas (11 páginas), Índice de autores e Índice de assuntos.

Embora Corson destine seu preciso volume a professores e gestores escolares que atuem em países de língua inglesa, muita coisa nele contida pode ser adaptada a contextos como o nosso. Ao recomendar, no referido encontro em Mato Grosso, que o modelo de Corson fosse levado em conta ¾ juntamente com documentos nossos importantes, como os PCNs e os Guias Curriculares Estaduais/Municipais ¾ esclareci que as políticas educacionais-lingüísticas de nossas escolas ¾ quer implícitas, quer explícitas -- precisam ser mais humanizadas, isto é, influenciadas por orientações interdisciplinares que vão além do educar-se para o comunicar-se bem, buscando o aprender a comunicar-se para o bem pessoal, interpessoal, comunitário e internacional.

A convicção de Corson de que uma política lingüística escolar constitui efetivamente uma política de aprendizagem (p.3) e de que precisamos integrar planejamento lingüístico e prática educacional (6) fazem deste livro uma leitura indispensável para quem compartilhe o que este resenhador vem chamando de Lingüística Aplicada Humanizadora.

Por/By: Francisco Gomes de Matos

(Departamento de Letras, CAC,UFPE e-mail fcgm@cashnet.com.br)

PERES RODRIGUES, José Henrique (2000) Introduçom à Lingüística com Corpora. Artabria Fundaçom / Edicións Laiovento. ISBN 8489896-81-X

A obra de José Henrique Peres Rodrigues é mais um título recente que vem contribuir para a literatura em Lingüística de Corpus. Destaca-se das demais por dois motivos principais. O primeiro é que foi escrita em galego, o que permite uma leitura muito próxima do português, favorecendo a consulta daqueles leitores para quem o acesso às obras em inglês é dificultado. O segundo motivo é a inclusão de análises da língua portuguesa, até então inéditas para a maioria dos leitores.

O livro está dividido em duas partes. A primeira apresenta um panorama de aspectos teóricos e metodológicos da Lingüística de Corpus. Há 16 capítulos nessa seção, que tratam de temas tradicionais, como a criação e anotação de corpora, o papel dos computadores nas ciências humanas e o panorama histórico que cerca o aparecimento dos corpora eletrônicos nos estudos lingüísticos. Um destaque importante é a revisão bibliográfica extensa contida no capítulo 14, onde são comentados trabalhos que se valeram de corpora para a investigação dos mais variados aspectos (lexicais, sintáticos, textuais, etc.). Outro destaque é o capítulo 16, em que são apresentados elementos da estatística textual, tema esse que é inédito nas referências principais da área.

A segunda parte do livro apresenta uma análise de freqüências de dois corpora de jornais, relativos a jornais brasileiros e portugueses. O intuito do autor foi o de identificar o vocabulário típico do jornalismo de Portugal e Brasil e fazer considerações, a partir dos achados, a respeito de aspectos culturais dos dois países. Assim, o autor comenta temas tais como 'economia', 'esportes', 'política', etc.

Os apêndices trazem um breve estudo sobre 'só' e 'somente', além de endereços e sites na web de corpora, grupos de pesquisa e ferramentas de análise.

As referências bibliográficas são extensas, incluindo trabalhos não somente em (e sobre) língua inglesa, mas também relativos a outras línguas, tais como o francês, espanhol, português e o próprio galego.

Por/By: Tony Berber Sardinha

(LAEL, PUCSP)

BAGNO, Marcos (2000) Dramática da Língua Portuguesa - Tradição Gramatical, Mídia & Exclusão Social. São Paulo. Edições Loyola. 327p.

O que ensinar na Escola? A Gramática ou A Dramática da Língua Portuguesa? O autor deste livro propõe que, do ensino da 'Gramática', passemos ao ensino da 'Dramática da Língua Portuguesa': o que consistiria em lidar com o "drama" da linguagem em sala de aula. "Drama" entendido tanto na sua acepção clássica ¾ como 'toda e qualquer situação em que há diálogo, em que há troca e intercâmbio entre personagens ou pessoas', quanto no seu sentido mais corrente ¾ como 'situação de conflito, problemática, até catastrófica' (p. 307). Para justificar a sua proposta, o lingüista apresenta um estudo pormenorizado e muito esclarecedor sobre o preconceito lingüístico que gera ou é gerado por mitos, ambos resultantes da ideologia da classe dominante, com a qual revestem a Gramática Tradicional. A obra assume um caráter de "livro-denúncia" na medida em que demonstra ¾ como resultado de reflexões e investigações empíricas do autor ¾ o quanto esses preconceitos intervêm na ontologia dos sujeitos, retirando-lhes o direito à auto-estima linguística.

Como um militante lingüista contra a exclusão social promovida pelos preconceitos lingüísticos, Bagno denuncia a ação dos que ele denomina 'Comandos Paragramaticais' ¾ CPs (seções de jornais e revistas, programas de televisão e rádio, CD-ROM e Internet). Esses CPs, segundo o autor, são responsáveis pela 'onda prescritiva', pelo 'policiamento neogramatiqueiro' que promovem o reforço da idéia da língua uniforme, única como tal. Para o autor, a Gramática Tradicional (GT) é usada, indevidamente, como um instrumento de suporte do discurso político¾administrativo, ou seja, como instrumento ideológico da classe dominante. De lugar de reflexão filosófica e ferramenta de investigação dos processos cognitivos que permitem ao ser humano fazer uso da linguagem, a GT é transformada em doutrina canônica, em conjunto de dogmas irrefutáveis, de verdades eternas. Nessa apropriação indevida da GT, ela assume um caráter de não-ciência, sendo comparável à Alquimia e à Astrologia: doutrinas ocultistas e medievais. Dentre os mitos gerados por essa doutrina ocultista, é feito um exame minucioso dos mitos da língua única; da inferioridade da língua falada em relação à língua escrita; da língua 'mal falada'; da língua enquanto forma de ascensão social. Todos alimentados pela idéia de língua a-social e a-histórica.

Ao analisar a atuação dos CPs na manutenção dos mitos, o autor os vê como 'fiscais' da preservação e da pureza dessa 'língua única". Para a análise, seleciona três representantes: Pasquale Cipro Neto (site de internet ¾ Nossa Língua Portuguesa), Luiz Antonio Saconi (o paradidático 'Não erre mais') e Josué Machado (crônicas numa coluna de jornal). A atuação desses três fiscais, nenhum deles cientistas da linguagem, é exemplo de como são divulgadas informações a-científicas ou ultrapassadas sobre língua/linguagem.

Como ação efetiva contra esses CPs, e para um resgate da auto-estima lingüística, Bagno propõe que os lingüistas 'entrem em cena' e que assumam o "Drama", como atores que dialogam em uma situação de conflito, para subverterem esse estado de coisas. Propõe que a Escola ensine a norma-padrão, sim. Mas como o resultado de um processo social e histórico. Propõe que se utilize a GT como ferramenta de investigação para que os alunos construam seu próprio conhecimento lingüístico; que nessa investigação, se recorra tanto aos seus compêndios, quanto às ocorrências em situações reais de produção, tanto de fala quanto de escrita; que se leve em conta as variáveis sociais que servem para identificar as diferentes variedades lingüísticas do português do Brasil - das +cultas até as ¾cultas.

Este livro é riquíssimo como um exemplo de exercício de linguagem, de um drama em três atos, como o próprio autor propõe que se estenda a todos os falantes da língua: o "ter o que dizer", o "saber como dizer", e o "poder dizer" . Embora seja dirigido a professores e pesquisadores da linguagem, reflete com profundidade sobre questões ideológicas da maior importância para todo educador, para todo falante.

Por/By: Shirley Goulart de Oliveira Graccía Jurado

(LAEL / Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

PEREIRA, Marcos Aurelio (2000) Quintiliano Gramático: O Papel do Mestre de Gramática na Institutio oratoria. São Paulo: Humanitas-FFLCH/USP.

O livro do professor Marcos Aurelio Pereira (IEL, Unicamp), Quintiliano Gramático: O Papel do Mestre de Gramática na Institutio Oratoria, apresenta, em edição bilíngüe, com estudo introdutório e notas, os textos do mestre de retórica Quintiliano (século I d. C.) que tratam da questão da "gramática". O termo vai entre aspas, já que é, justamente, um dos méritos desse livro ressaltar com a devida ênfase que não se pode exigir do autor de um tratado de retórica da Antigüidade aquilo que não era absolutamente objetivo seu ou de sua disciplina: o tratamento sistemático de questões de linguagem. De fato, não é raro que se cite a obra de Quintiliano como modelo de posturas pelo menos muito discutíveis diante do fenômeno lingüístico, especialmente quando se quer tratar a questão da norma culta e seu ensino. Ora, o livro contextualiza com objetividade a ambiência cultural em que as idéias lingüísticas de Quintiliano se formaram e se difundiram - e esse meio é o da retórica antiga, cujos pressupostos e métodos precisamos levar em conta se não quisermos julgar a discussão teórica dos Antigos de forma equivocada, exigindo prepotentemente dela o que ela jamais se propôs a realizar. A tradução, diretamente do latim, correta e elegante, vem precedida de um estudo claro e acessível a todos os que se interessam pela história das idéias lingüísticas e pela retórica antiga. O livro como um todo pode ser considerado um exemplo altamente positivo dos bons frutos que resultam de uma atitude crítica e teoricamente fundamentada, mas ao mesmo tempo aliada ao conhecimento preciso dos textos de partida, diante da produção teórica da Antigüidade.

Por/By: Paulo Sérgio de Vasconcellos

(IEL/UNICAMP)

GALVES, Charlotte (2001) Ensaios sobre as Gramáticas do Português. Campinas: Editora da UNICAMP.

A autora deste livro foi uma das primeiras a apontar algumas diferenças significativas nas gramáticas das duas variedades do português, aprendiz que delas foi, como falante nativa do francês. Não é a primeira vez que um estrangeiro enxerga mais sobre uma determinada língua do que o próprio nativo. Lembremos que uma das gramáticas clássicas do inglês foi Otto Jespersen, que não era inglês.

Os capítulos são revisões de artigos que circularam através de revistas, alguns clássicos entre nós, mas apresentam, em seu conjunto, uma coerência teórica e uma abrangência de tópicos que dão ao livro unidade e variedade. O tópico privilegiado é o sistema pronominal, mas através dele, desvenda-se a estrutura da frase e se explicam fenômenos aparentemente não relacionados.

O quadro teórico é o de Princípios e Parâmetros, principalmente na fase desenvolvida na década de 80, mas apresenta, no capítulo final diacrônico, algumas incursões pelo Minimalismo, principalmente em sua preocupação pela interface fonológica. Alguns dos capítulos são bastante técnicos e exigem leitores mais sofisticados, mas vários deles são bastante legíveis para o não-iniciado em GB. Como o quadro é o de Princípios e Parâmetros, há uma ênfase particular nos aspectos de variação translingüística e, no final, também de variação diacrônica.

Por/By: Mary A. Kato

(UNICAMP)

VILELA, M. & Ingedore V. Koch (2001) Gramática da língua portuguesa ¾ gramática da palavra, gramática da frase, gramática do texto/discurso. Coimbra: Livraria Almedina. 565 páginas.

Palavra, frase, texto, discurso: estes são os instrumentos necessários à viagem pela instigante gramática da língua portuguesa de Vilela & Koch. A gramática num sentido mais amplo, uma viagem polissêmica, partindo-se da palavra e chegando-se ao texto/discurso.

Para que nosso percurso comece de forma amena e tenha destino certo, é necessário zarpar de um porto seguro para que a viagem seja tranqüila. Para tanto, os autores fornecem aos leitores o equipamento básico de sobrevivência: a gramática e a sua fundamentação. Nesta primeira parte da obra, "Fundamentação da noção de 'gramática'", são apresentados ao leitor-viajante os planos (morfemático, lexemático, sintático, textual e discursivo) e as unidades (morfemas e lexemas) do sistema lingüístico, fornecendo a bagagem para que sigamos a viagem pelos três níveis que virão a seguir, uma desbravadora viagem pela gramática da língua luso-brasileira.

Uma vez munidos do equipamento básico, iniciamos a próxima etapa de nossa jornada: a 'Gramática da palavra'. Partimos do mundo da palavra como uma das unidades básicas da língua, suas categorias gramaticais e os possíveis critérios para classificação. Aqui, classificação deve ser entendida também a partir de um conceito amplo, não levando em conta apenas a classificação tradicional, mas critérios que combinem os aspectos sintáticos com os formais e semânticos, pensando-se no efeito de complementaridade, em casos em que apenas o tradicional possa não ser suficiente para explicação e classificação.

Tendo explorado essa parada, partimos para um ponto mais abrangente, na terceira parte da obra: "Gramática da frase". Aqui, uma parada mais longa, para que conheçamos a sintaxe e suas relações, a frases e suas tipologias, os elementos frásicos bem como a tipologia dos actantes e, por fim, a colocação das palavras e a colocação dos elementos frásicos.

O último trecho de nossa de viagem parte para um nível ainda mais amplo, indo da gramática da palavra/frase para a gramática do texto/discurso. Nessa fase da viagem, são apresentados ao leitor-viajante as teorias do texto e de discurso, os conceitos de texto, os processos de construção textual, os gêneros e as seqüências textuais e, por fim, a coerência textual.

O leitor que incursionar pela obra, voltará com a bagagem enriquecida, tendo ampliado seus horizontes de maneira significativa a partir de uma visão ampla de gramática, que coloca em seqüência os elementos constitutivos da língua: do micro para o macro, da palavra para o texto, uma gramática que ultrapassa o nível da descrição frasal, que se preocupa com manifestações lingüísticas produzidas em situações de produção pelos falantes da língua.

Por/By: Orlando Vian Jr.

(PUC-SP)

SILVA, Augusto Soares (org.) (2001) Linguagem e Cognição ¾ A perspectiva da lingüística cognitiva. Associação Portuguesa de Lingüística (518 pp)

O volume reúne textos apresentados no Encontro Linguagem e Cognição: A perspectiva portuguesa de Lingüística realizada em maio de 2000. Está dividido em 5 partes:

1. Teoria e Modelos ¾ Langacker explora o papel fundamental da experiência "visual", e com base nos arranjos especiais de "visão", pelos quais tomamos consciência da discrepância entre o que existe e o que 'vemos', ele analisa vários fenômenos semânticos e gramaticais. Geeraerts apresenta uma síntese da sua recente investigação no domínio da sociolexicologia cognitiva, que dá continuidade a trabalhos anteriores sobre a estrutura da variação lexical. Brandt, um dos principais autores da Semiótica Cognitiva, revê a teoria dos espaços mentais e da integração conceptual e desenha um modelo de Redes de Espaços Mentais, articulando: comunicação, regulação gramatical e formas.

2. Lexicologia e Semântica ¾ Abrantes, no âmbito da emoção, analisa estratégias cognitivo-semânticas e pragmático-discursivas do eufemismo, nos relatos da imprensa sobre a guerra de Kosovo: encontra exemplos de metonímia e de metáfora, e evidencia a função de ocultação e a função do desvio da atenção. Honrubia propõe o método para a constituição dos inventários preposicionais: locução prepositiva deve ser considerada um único esquema prepositivo ou como vários sintagmas preposicionais? Lima traça o percurso do verbo ir ao longo da história do português e problematiza a questão do papel dos processos metafóricos e metonímicos nesta evolução. Silva procura algumas respostas para problemas da polissemia e para o que esta pode revelar sobre o significado e a cognição. Teixeira analisa a importância relativa do eixo da lateralidade em comparação com os eixos estruturalmente prioritários da verticalidade e da frontalidade. Vilela argumenta que a semântica lingüística não pode dispensar nem o plano do significado (lingüístico) nem o plano do designado (conceito), e examina a questão do reducionismo semiótico. Wildgen centra-se na esquematização cognitiva e dinâmica, utilizando os meios da semântica "catastrofista" dos cenários evocados pelos verbos de movimento e da ação e ainda, apoiando-se nos resultados da psicologia vetorial e topológica de K. Lewin, pelos verbos ilocutórios.

3. Metáfora ¾ Amaral destaca a contribuição da teoria da metáfora conceptual de Lakoff e Johnson e da teoria da integração conceptual de Fauconnier e Turner no tratamento cognitivo da metáfora. Sumares explora o pragmatismo da metáfora, e assinala a contribuição que Peirce pode trazer para o que a filosofia de Davidson considera como a coisa mais importante das metáforas: o que elas fazem, mais do que o que elas significam.

4. Gramática ¾ Achard-Bayle estuda o fenômeno da "referência evolutiva" e procura responder à questão de saber se a identidade é ou não uma idéia partilhada. Almeida salienta a importância dos processos de iconicidade e indexicalidade no modelo cognitivo do alemão. Campos parte da categoria gramatical do mediativo e propõe um conceito lato desta nova categoria, que abrange valores assertivos e remete para um espaço modal epistêmico. Correia estuda a construção da referência no português europeu. Otero identifica dois mecanismos de designação (participação e encenação) e um mecanismo de integração composicional realizado através da operação de atribuição de um papel cênico.

5. Psicolingüística e Neurociência ¾ Andrade & Laks argumentam que o conexismo oferece uma alternativa neo-behaviorista ao mentalismo chomskiano, colocando no centro dos estudos os mecanismos neuro-miméticos que explicam a emergência das representações mentais e não as próprias representações ou a sua estrutura sintático-lógica. Batoréo confronta análises neurofísiológicas de Damásio e as cognitivas de lingüistas, em particular sobre o medo e a raiva. Castro-Caldas demonstra que a aprendizagem formal de operações que conduzem à aquisição da leitura e da escrita altera significativamente a função e a estrutura do cérebro. Mendes estuda a gênese das relações causais em falantes, seguindo a teoria de Langacker de desenvolvimento progressivo dessas relações. Oliveira & Sousa, em estudo de bilíngues de português e francês, sugerem que o acesso ao léxico depende, não da língua selecionada, mas da representação ortográfica.

Por/By: Sumiko Nishitani Ikeda

(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

McCARTHY, M. (2001) Issues in Applied Linguistics. Cambridge University Press, ISBN 0-521-58546-5, viii+ 175 p.

Desenvolvimento extraordinário vem tendo a Lingüística Aplicada, tanto internacional quanto nacionalmente (dispomos de uma Associação de Lingüística Aplicada do Brasil, desde 1990 e de vários Programas de Pós-Graduação ¾ desde o pioneirismo do LAEL-PUC-SP em 1969 ¾ e de uma crescente e reconhecida produção intelectual de lingüistas aplicados, atuantes em várias áreas de pesquisa). Basta examinar-se o Programa do XIII Congresso da Associação Internacional de Lingüística Aplicada (Cingapura: 16 A 21 de dezembro de 2002) para ter uma idéia da enorme diversidade de problemas comunicativos a serem objeto de atenção em 47 seções, dentre as quais destacaria: Ética, Direitos e Valores em Lingüística Aplicada; Internet e Aprendizagem de Línguas; Linguagem e Ecologia; Gerontolingüística; Elaboração de Gramáticas.

Outra evidência significativa do desenvolvimento da LA: a crescente bibliografia ¾ em várias línguas, predominantemente em inglês ¾ de natureza quase auto-biográfica, ou seja, de relatos de atuação na área por lingüistas aplicados com experiência profissional diversificada: é o caso deste volume, por um dos mais versáteis e originais lingüistas aplicados britânicos, com experiência no ensino de inglês e de espanhol.

O bem formulado título do livro reflete o objetivo primordial da Lingüística Aplicada: enfocar problemas práticos e, na medida do possível, sugerir soluções para os mesmos. Em seu Prefácio, McCarthy esclarece que objetivou explorar algumas das atividades de lingüistas aplicados atuantes no ensino de línguas, por que atuam assim e como ele julga deveriam estar atuando ( p.v).

IAL contém 6 capítulos que variam de 21 a 28 páginas, Referências bibliográficas (28 pp) e um Índice (3 pp). Os títulos dos capítulos dão uma idéia do alcance temático: 1. Applying linguistics: disciplines, theories, models, descriptions; 2. Language and languages; 3. Modelling languages: the raw material of applied linguistics; 4. Language acquisition: methods and metaphors; 5. Language as discourse: speech and writing in applied linguistics; 6. Applied linguistics as professional discourse.

No capítulo introdutório, o autor do excelente Spoken Language and Applied Linguistics (CUP,1997), sustenta a necessidade de um diálogo frutífero entre os que fazem lingüística teórica e lingüística aplicada e formula uma provocadora lista de 8 responsabilidades desses profissionais. Teria sido instrutivo ¾ revelador ¾ acrescentar à enumeração, os "direitos correspondentes", alguns dos quais inferíveis na leitura do livro. No capítulo final, dedicado à Lingüística Aplicada como Discurso Profissional, McCarthy expõe sua percepção a respeito do hiato que ainda separa lingüistas aplicados voltados para pesquisas e lingüistas aplicados voltados para ações (Curiosamente, nesta segunda categoria ele inclui professores de línguas: cf. p. 124). Ao discutir a relevância da Lingüística de Corpus (124 ¾ 130), o autor antevê mudanças tecnológicas mais profundas que possivelmente influirão nas concepções atuais de Educação, nos papéis de professores e no contexto cultural dos serviços educacionais prestados por instituições diversas (125). Aos interessados na candente problemática da natureza crítica da Lingüística Aplicada, poderão atrair as reflexões de Mc Carthy sobre a necessidade de fazer-se da LA uma disciplina crítica. Sensatamente, ele questiona ¾ rejeita ¾ a idéia simplista e equivocada de que os lingüistas aplicados apenas "aplicam a Lingüística", preconizando a visão mais adequada e realista de que lingüistas aplicados são também agentes de práticas sociais comunitariamente relevantes. A louvar, em sua bem argumentada Conclusão, a convicção de que a força da Lingüística Aplicada reside em seu comprometimento com a interdisciplinaridade, fortemente temperada por um senso de responsabilidade social.

Em suma, um livro escrito com espírito de humildade ¾ reconhece que o fazer lingüística aplicada não deveria ser exclusividade da comunidade acadêmica ¾ e com a esperança de que mais profissionais irão recorrer a lingüistas aplicados a fim de ,juntos, encontrar-se soluções mais eficazes para problemas comunicativos.

Por/By: Francisco Gomes de Matos

(Departamento de Letras, CAC, UFPE ¾ e-mail : fcgm@cashnet.com.br)

HOUAISS, Antônio e Mauro de SALLES VILLAR (2001) Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. Rio de Janeiro: Editora Objetiva. 1ª edição, lxxxiii + 2925 p.

Navegar nas águas de uma obra que constitui um marco na História da Lexicografia luso-brasileira neste início de século é um agradável e proveitoso desafio, principalmente para quem trabalha em Lingüística Aplicada e tem especial interesse por esse tipo de criação interdisciplinar. Como a imensa contribuição (in)formativa do Houaiss só poderia ser devidamente apreciada após exaustiva e minuciosa consulta, optamos por destacar alguns aspectos lingüísticos que, numa primeira viagem lexicográfica, impressionaram positivamente. Assim, quanto a áreas da Lingüística, encontramos verbetes/ definições bem adequadas e atuais para Análise doDiscurso, Lingüística Aplicada, Neurolingüística, Psicolingüística e Sociolingüística. A salientar, também, os verbetes sobre Lingüística, Gramática e Português (como língua e disciplina escolar). Dentre os muitos conceitos-chave da ciência da linguagem, tivemos o prazer de encontrar "competência", "desempenho", "corpus" e "uso". Este último conceito, aliás, é objeto de tratamento inovador nas partes introdutórias "Nível de uso" (xxviii-xxix) e "Campo da Gramática, ou da Gramática e Uso, ou do Uso"(xxxvi). Louve-se a adoção, pelo Houaiss, de designações sociolingüísticas para variantes de uso, como " linguagem informal", "linguagem formal " e "tabuísmo/palavra grosseira". Em que pese o avanço descritivo nessa importante área de rotulação lexicográfica, pode-se questionar o uso de "culto" associado à linguagem formal (cf. p.xxviii), quando, na realidade tanto o uso formal quanto o informal podem ter aceitabilidade social. A propósito, em dicionários de língua inglesa recentes (Random House Webster´s, por exemplo) "cultivated" e "uncultivated já não ocorrem, por causa do possível tom discriminatório nessa adjetivação. Uma surpresa agradável nas Refêrências bibliográficas: menção a obras de lingüistas brasileiros, dentre os quais o saudoso J.Mattoso Camara Jr., Aryon Rodrigues e Maria do Socorro Aragão. Para concluir positivamente, aplaudo a tão esperada inovação: a obra oferece, quando possível, a datação de palavras e locuções. Quando teria surgido Lingüística em português escrito? Segundo o Houaiss, em 1858. Em suma, estamos lexicograficamente mais enriquecidos, graças ao notável trabalho de uma dedicada e competente equipe. Significativamente para nós lingüistas, dentre os "colaboradores externos", incluem-se a atual Presidente da ABRALIN, Maria Cecília de Magalhães Mollica (1ª fase ), Maria Ângela Botelho Pereira e Maria Aparecida Botelho Pereira Soares (ambas atuantes na 2ª fase de elaboração deste monumental Houaiss). Muito mais poderia ser dito, mas esse privilégio deve ser compartilhado pelo(a) leitor(a) a quem , segundo humildemente expresso no afetivo Prefácio do saudoso lexicógrafo-enciclopedista, "caberá agora o julgamento do que foi conseguido". Em suma, o dicionário que Antônio Houaiss e Mauro Villar souberam tão corajosa e patrioticamente transformar em realidade contribui não só para nossa expressiva tradição lexicográfica, mas para o fortalecimento de nossa responsabilidade lingüística maior: sabermos honrar a língua portuguesa,usando-a bem e para o bem.

Por/By: Francisco Gomes de Matos

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2002
  • Data do Fascículo
    2001
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