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Cuidados paliativos em neonatologia sob a ótica do enfermeiro

Cuidados paliativos en neonatología desde la perspectiva de la enfermera

Resumo

Objetivo

apreender as percepções e vivências de enfermeiros sobre os cuidados paliativos em neonatologia.

Método

pesquisa de abordagem qualitativa, tendo como base conceitual os cuidados paliativos, realizada com enfermeiros atuantes em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal de três hospitais localizados em um município na região norte do Paraná. Os dados foram coletados no período de novembro de 2019 a janeiro de 2020, analisados por meio do referencial metodológico Discurso do Sujeito Coletivo

Resultados

participaram 20 enfermeiros, em sua maioria com tempo de experiência menor que 5 anos. Três temas traduzem as percepções e vivências dos enfermeiros: 1) Cuidados paliativos: da formação à vivência profissional; 2) Significando os cuidados paliativos em neonatologia; 3) Elegibilidade para os cuidados paliativos neonatais.

Conclusão e implicações para a prática

o enfermeiro refere lacunas em sua formação para a assistência ao recém-nascido em cuidados paliativos, no entanto muitos apresentaram a compreensão do significado de cuidados paliativos com foco na qualidade de vida dos bebês acometidos por uma situação ou doença incurável, incluindo a família. Tais aspectos apontam para a necessidade de formação e educação em saúde voltada para essa temática, bem como a implantação dos cuidados paliativos no serviço de neonatologia.

Palavras-chave:
Cuidados Paliativos; Neonatologia; Qualidade de Vida; Recém-Nascido; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal

Resumen

Objetivo

comprender las percepciones y experiencias de los enfermeros sobre los cuidados paliativos en neonatología.

Método

investigación cualitativa, con base conceptual en los cuidados paliativos, realizada con enfermeros que actúan en Unidades de Cuidados Intensivos Neonatales de tres hospitales ubicados en un municipio de la región norte de Paraná. Los datos fueron recolectados desde noviembre de 2019 a enero de 2020, analizados mediante el marco metodológico Discurso del Sujeto Colectivo.

Resultados

participaron 20 enfermeras, la mayoría con menos de 5 años de experiencia. Tres temas reflejan las percepciones y experiencias de los enfermeros: 1) Cuidados paliativos: de la formación a la experiencia profesional; 2) Significado de los cuidados paliativos en neonatología; 3) Elegibilidad para cuidados paliativos neonatales.

Conclusión e implicaciones para la práctica

las enfermeras reportan lagunas en su formación para asistir a los recién nacidos en cuidados paliativos, sin embargo, muchas presentaron una comprensión del significado de los cuidados paliativos con un enfoque en la calidad de vida de los bebés afectados por una situación o enfermedad incurable, incluyendo la familia. Estos aspectos apuntan a la necesidad de capacitación y educación en salud enfocada en este tema, así como la implementación de cuidados paliativos en el servicio de neonatología.

Palabras clave:
Cuidados Paliativos; Neonatología; Calidad de Vida; Recién Nacido; Unidades de Cuidado Intensivo Neonatal

Abstract

Objective

to grasp nurses’ perceptions and experiences about palliative care in neonatology.

Method

qualitative research, with palliative care as its conceptual basis, carried out with nurses working in Neonatal Intensive Care Units of three hospitals located in a municipality in the northern region of Paraná. Data were collected from November 2019 to January 2020, analyzed using the Discourse of the Collective Subject methodological framework.

Results

twenty nurses participated, most of them with less than 5 years of experience. Three topics reflect nurses’ perceptions and experiences: 1) Palliative care: from training to professional experience; 2) Meaning palliative care in neonatology; 3) Eligibility for neonatal palliative care.

Conclusion and implications for practice

nurses report gaps in their training for assisting newborns in palliative care; however, many presented an understanding of the meaning of palliative care with a focus on quality of life of babies affected by an incurable situation or illness, including the family. These aspects point to the need for training and health education focused on this topic as well as the implementation of palliative care in the neonatology service.

Keywords:
Palliative Care; Neonatology; Quality of Life; Newborn; Intensive Care Units, Neonatal

INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo, o conceito de cuidados paliativos (CP) foi se modificando, e o que era considerado um cuidado a pacientes sem possibilidade de cura passou a ter um olhar e um enfoque que proporcionam qualidade de vida aos pacientes e seus familiares diante de uma doença que ameaça a continuidade da vida, apoiando a prevenção e alívio do sofrimento.11 World Health Organization. Integrating palliative care and symptom refief into paediatrics: a WHO guide for health care planners, implementers and managers [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [citado 2022 abr 21]. Disponível em: https:// apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/274561/9789241514453-eng. pdf?sequence=1&isAllowed=y
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2 Sociedade Brasileira de Pediatria. Cuidados paliativos pediátricos: o que são e qual a sua importância? Cuidando da criança em todos os momentos. Vol. 1 [Internet]. Rio de Janeiro: SBP; 2017. Documento Científico [citado 2022 ago 18]. p. 1-9. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2017/03/Medicina-da-Dor-Cuidados-Paliativos.pdf
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-33 Maingué PCPM, Sganzerla A, Guirro UBP, Perini CC. Discussão bioética sobre o paciente em cuidados de fim de vida. Rev Bioet. 2020;28(1):135-46. http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422020281376.
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Os CP requerem uma rápida identificação, avaliação e tratamento da dor e outros agravos de natureza física, psicossocial e espiritual, bem como a elaboração e execução de um plano de cuidados envolvendo a equipe multidisciplinar e família.11 World Health Organization. Integrating palliative care and symptom refief into paediatrics: a WHO guide for health care planners, implementers and managers [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [citado 2022 abr 21]. Disponível em: https:// apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/274561/9789241514453-eng. pdf?sequence=1&isAllowed=y
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2 Sociedade Brasileira de Pediatria. Cuidados paliativos pediátricos: o que são e qual a sua importância? Cuidando da criança em todos os momentos. Vol. 1 [Internet]. Rio de Janeiro: SBP; 2017. Documento Científico [citado 2022 ago 18]. p. 1-9. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2017/03/Medicina-da-Dor-Cuidados-Paliativos.pdf
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3 Maingué PCPM, Sganzerla A, Guirro UBP, Perini CC. Discussão bioética sobre o paciente em cuidados de fim de vida. Rev Bioet. 2020;28(1):135-46. http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422020281376.
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-44 Camilo BHN, Serafim TC, Salim NR, Andreato AMO, Roveri JR, Misko MD. Comunicação de más notícias no contexto dos cuidados paliativos neonatal: experiência de enfermeiros intensivistas. Rev Gaúcha Enferm. 2022;43:e20210040. http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20210040. PMid:35043878.
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Os CP na área da saúde vêm ganhando novos significados e, desse modo, ampliando seu conhecimento. O termo paliar, derivado do latim pallium, que significa proteger, emerge do período medieval em que pallium nomeia o manto usado pelos cavaleiros para se protegerem das tempestades pelos caminhos que percorriam.55 Academia Nacional de Cuidados Paliativos. O que são cuidados paliativos [Internet]. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2020 [citado 2022 ago 18]. Disponível em: https://paliativo.org.br/cuidados-paliativos/o-que-sao/.
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CP, então, significam proteger, ou seja, possibilitar estratégias que possam melhorar a qualidade de vida e reduzir o sofrimento de todo paciente elegível.33 Maingué PCPM, Sganzerla A, Guirro UBP, Perini CC. Discussão bioética sobre o paciente em cuidados de fim de vida. Rev Bioet. 2020;28(1):135-46. http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422020281376.
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-44 Camilo BHN, Serafim TC, Salim NR, Andreato AMO, Roveri JR, Misko MD. Comunicação de más notícias no contexto dos cuidados paliativos neonatal: experiência de enfermeiros intensivistas. Rev Gaúcha Enferm. 2022;43:e20210040. http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20210040. PMid:35043878.
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No entanto, poucos profissionais e familiares possuem conhecimento e domínio sobre esse tema, principalmente quando envolve recém-nascidos (RNs) e crianças, visto representarem o início do ciclo de vida.

Estima-se que, anualmente, 21 milhões de crianças precisam de CP.66 Connor SR, Downing J, Marston J. Estimating the global need for palliative care for children: a cross-sectional analysis. J Pain Symptom Manage. 2017;53(2):171-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.jpainsymman.2016.08.020. PMid:27765706.
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Aproximadamente 2,5 milhões delas morrem por ano com graves sofrimentos relacionados à saúde e cerca de 98% estão em países de baixa e média renda.77 Knaul FM, Farmer PE, Krakauer EL, De Lima L, Bhadelia A, Jiang Kwete X et al. Alleviating the access abyss in palliative care and pain relief: an imperative of universal health coverage: the Lancet Commission report. Lancet. 2017;391(10128):1391-454. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(17)32513-8. PMid:29032993.
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Ao voltar o olhar para os RNs hospitalizados nas Unidades de Terapia Intensiva Neonatais (UTIN), verifica-se que muitos apresentam diagnósticos desfavoráveis que poderão limitar sua vida, e, nesse contexto, observa-se que diversos protocolos têm sido elaborados com vistas aos CP; no entanto, sua implantação não tem ocorrido devido a inúmeros obstáculos, como dificuldade de capacitação da equipe e aceitação de profissionais e dos familiares. Além disso, o foco desses protocolos são as intervenções de fim de vida, o que deixa uma lacuna no real objetivo dos CP em neonatologia, que é buscar melhorar a qualidade de vida e o conforto desde o início da impossibilidade de cura.88 Dombrecht L, Chambaere K, Beernaert K, Roets E, Keyser MV, Smet G et al. Components of perinatal palliative care: an integrative review. Children. 2023;10(3):482. http://dx.doi.org/10.3390/children10030482. PMid:36980040.
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Frente a esse contexto, observa-se a necessidade de aprofundamento e realização de CP na população neonatal e pediátrica com foco na prevenção e alívio do sofrimento.33 Maingué PCPM, Sganzerla A, Guirro UBP, Perini CC. Discussão bioética sobre o paciente em cuidados de fim de vida. Rev Bioet. 2020;28(1):135-46. http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422020281376.
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Portanto, emergiu a seguinte questão problematizadora: como o enfermeiro atuante nas UTIN compreende os cuidados paliativos em neonatologia? Desse modo, este estudo objetivou apreender as percepções e vivências de enfermeiros sobre os cuidados paliativos em neonatologia.

MÉTODO

Estudo de abordagem qualitativa que adotou como base conceitual os pressupostos de CP, definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Esses pressupostos estão direcionados à assistência que busque a prevenção e diminuição do sofrimento dos pacientes, bem como de suas famílias, que se encontram com complicações associadas a doenças potencialmente fatais. Para tanto, enfatizam a importância da abordagem de trabalho em equipe, a fim de oferecer suporte tanto à pessoa foco do cuidado quanto aos seus cuidadores, o que inclui a atenção às necessidades práticas, terapêuticas, apoio no momento de dor e de sofrimento físico, psicológico, social e espiritual. O propósito básico de CP é apoiar e auxiliar a pessoa a viver tão ativamente quanto possível até a morte.11 World Health Organization. Integrating palliative care and symptom refief into paediatrics: a WHO guide for health care planners, implementers and managers [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [citado 2022 abr 21]. Disponível em: https:// apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/274561/9789241514453-eng. pdf?sequence=1&isAllowed=y
https:// apps.who.int/iris/bitstream/han...

2 Sociedade Brasileira de Pediatria. Cuidados paliativos pediátricos: o que são e qual a sua importância? Cuidando da criança em todos os momentos. Vol. 1 [Internet]. Rio de Janeiro: SBP; 2017. Documento Científico [citado 2022 ago 18]. p. 1-9. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2017/03/Medicina-da-Dor-Cuidados-Paliativos.pdf
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-33 Maingué PCPM, Sganzerla A, Guirro UBP, Perini CC. Discussão bioética sobre o paciente em cuidados de fim de vida. Rev Bioet. 2020;28(1):135-46. http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422020281376.
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Ainda, os CP visam à prevenção e ao alívio do sofrimento de pacientes adultos e pediátricos e suas famílias, acometidos por situações associadas a doenças potencialmente fatais, incluindo sofrimento físico, psicológico, social e espiritual.33 Maingué PCPM, Sganzerla A, Guirro UBP, Perini CC. Discussão bioética sobre o paciente em cuidados de fim de vida. Rev Bioet. 2020;28(1):135-46. http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422020281376.
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Com o intuito de qualificar a redação do estudo, foram adotadas as diretrizes do COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ).99 Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Translation and validation into Brazilian Portuguese and assessment of the COREQ checklist. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631.
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Constituiu-se cenário do estudo a UTIN de três hospitais localizados na região Norte do estado do Paraná, aqui identificados como hospitais A, B e C.

O hospital A é credenciado ao Sistema Único de Saúde (SUS), caracterizando-se instituição de caráter público, considerado Centro de Referência Regional. Possui em sua estrutura unidades de internação médica e cirúrgica, pediátrica, maternidade, centro cirúrgico (CC), pronto-socorro, Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Adulto, Pediátrica e Neonatal, e Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) Neonatal. A UTIN conta com dez leitos.

O hospital B é privado, credenciado ao SUS e a diversos planos de saúde, sendo classificado como instituição filantrópica e referência no atendimento a gestantes de alto risco, de nível terciário. Possui unidades de internação médica e cirúrgica, pediátrica, maternidade, UCI Neonatal, UTI Adulto, Neonatal/Pediátrica, Unidade Coronariana, CC e pronto-socorro. A UTIN e a UTI Pediátrica possuem 10 leitos, sendo 6 neonatais e 4 pediátricos.

O hospital C é credenciado ao SUS, porém atende a diversos planos de saúde e é caracterizado como instituição filantrópica. Conta com estrutura de grande porte e atende apenas a pacientes na faixa etária de zero a 12 anos. Possui pronto-socorro, unidade de internação pediátrica médica e cirúrgica, CC e UTI Pediátrica e Neonatal. A UTIN possui oito leitos.

Ressalta-se que apenas no hospital A existe um movimento para a implantação dos CP no serviço de neonatologia, porém, no momento da coleta dos dados, ocorria de modo incipiente.

Participaram do estudo enfermeiros atuantes na UTIN dos três hospitais do município de estudo. Foram incluídos enfermeiros com tempo de atuação de, no mínimo, seis meses em UTIN. Não foram incluídos os enfermeiros que, no momento da coleta de dados, estivessem ausentes por férias ou afastamentos.

No período de coleta, 25 enfermeiros cumpriram os critérios de inclusão, no entanto três enfermeiros recusaram a participação e duas entrevistas foram desconsideradas devido a uma falha na gravação. Assim, totalizaram-se 20 enfermeiros participantes.

A coleta de dados foi realizada no período de novembro de 2019 a janeiro de 2020 por meio de entrevista. Cabe salientar que essas entrevistas ocorreram de forma individual, antes do início do horário de trabalho, em dia previamente agendado. Os locais para as entrevistas foram escolhidos pelos enfermeiros (sala de reunião, consultórios e salas multidisciplinares), com o objetivo de garantir privacidade. As informações coletadas foram gravadas por meio de gravador digital e posteriormente transferidas para o computador, sendo realizadas as transcrições. Também foi utilizado um diário de campo onde o pesquisador pôde anotar as suas percepções durante o momento da entrevista. Cabe ressaltar que, após a finalização das entrevistas, os enfermeiros eram convidados a ouvirem suas gravações e realizarem alterações, se assim o desejassem. As entrevistas foram guiadas por um roteiro elaborado pelas pesquisadoras, e continha duas partes: a primeira referente à caracterização dos enfermeiros e a segunda referente ao objetivo propriamente dito. As principais questões norteadoras utilizadas na entrevista para motivar a fala dos enfermeiros foram: durante a sua formação, você teve algum contato com CP (cursos, eventos, capacitações)? Se sim, fale sobre como foram, o que você se recorda do tema. Para você, o que são CP? E pensando em seu ambiente de trabalho e nas características dos bebês que você atende em sua unidade, em que situações você acredita que devam ocorrer CP? Por quê? Para tanto, foi realizado um teste piloto no qual participaram três enfermeiros, sendo um de cada instituição campo do estudo e, após validação do mesmo, não houve necessidade de mudança no instrumento. Cabe salientar que esses enfermeiros não foram incluídos na amostra do estudo.

O convite da pesquisa ocorreu pessoalmente. O pesquisador principal comparecia às unidades nos três períodos e realizava o convite. Mediante o aceite, era agendado o melhor momento para a coleta, segundo disponibilidade dos enfermeiros. As entrevistas foram conduzidas pelo pesquisador principal, sendo este enfermeiro com conhecimento em CP. A duração média do encontro da pesquisadora principal com os participantes foi de aproximadamente 30 minutos, considerando a interação inicial e a entrevista propriamente dita.

Para análise dos dados, o referencial metodológico adotado foi o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que tem como propósito a organização e a tabulação de dados de natureza qualitativa de forma discursiva, com o objetivo de esclarecer o que uma determinada população pensa ou vive sobre um determinado tema.1010 Lefèvre F, Levèvre AM. Pesquisa de representação social: um enfoque qualiquantitativo. Brasília: Líber Livro; 2011.

Neste estudo, foram incluídos enfermeiros atuantes em três instituições diferentes, que atendiam a população neonatal. Apesar de pertencerem a instituições com características diferentes, atendem ao mesmo público, e todas vivenciam situações de cuidado em fim de vida, bem como prestam assistência a RNs considerados elegíveis para CP. Foram utilizadas as três figuras metodológicas propostas: expressão-chave; ideia central (IC); e DSC. A expressão-chave é uma figura metodológica que mostra o essencial do depoimento, ou o que o sujeito disse sobre um determinado assunto. Além disso, uma IC inclui uma descrição do sentido presente na expressão-chave. No DSC, os dados qualitativos são apresentados por meio de um discurso síntese, redigido na primeira pessoa do singular com extratos de depoimentos de sentido semelhante que são considerados mais importantes.1010 Lefèvre F, Levèvre AM. Pesquisa de representação social: um enfoque qualiquantitativo. Brasília: Líber Livro; 2011.,1111 Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11ª ed. São Paulo: Hucitec/Abrasco; 2014.

Para chegar ao discurso síntese, utilizaram-se dois instrumentos de análise do discurso. As expressões-chave encontradas em cada entrevista foram transcritas no instrumento de análise do discurso 1. Essas expressões representavam os eixos definidos para uma análise. Após essa transcrição, as IC de cada expressão-chave foram destacadas. As expressões-chave de todas as entrevistas relacionadas às IC destacadas foram organizadas e transcritas no instrumento 2 de análise do discurso. Isso permitiu a criação de um DSC para cada IC. Para construir o DSC, as expressões-chave foram organizadas em grupos de maneira que formassem um discurso coerente. Para tanto, foram utilizados conectores, a fim de dar sentido ao DSC, sem que isso alterasse a estrutura da frase elaborada pelo sujeito.1010 Lefèvre F, Levèvre AM. Pesquisa de representação social: um enfoque qualiquantitativo. Brasília: Líber Livro; 2011.,1111 Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11ª ed. São Paulo: Hucitec/Abrasco; 2014.

Para melhor compreensão da análise realizada e a preservação do anonimato dos participantes, seus nomes foram substituídos pela sigla Enf., seguidos pela sequência numérica a partir da ordem da realização das entrevistas e a letra que correspondeu ao hospital de atuação (Enf. 1A).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n˚ 14997219.1.0000.5231 e Parecer n˚ 3.665.201, em outubro de 2019, estando de acordo com a Resolução n˚ 466/2012.1212 Novoa PCR. What changes in Research Ethics in Brazil: Resolution no. 466/12 of the National Health Council [editorial]. Einstein. 2014;12(1):7-10. https://doi.org/10.1590/S1679-45082014ED3077.
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Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Em relação à definição da saturação da amostra, não foi utilizado o critério de saturação teórica, e todos os enfermeiros que cumprissem os critérios de inclusão foram ouvidos. Este cuidado foi tomado, visto ser um assunto pouco discutido nas unidades neonatais, com o objetivo de escutar o maior número possível de enfermeiros de instituições diferentes sobre o tema. Vale salientar que foi possível, ao final das entrevistas, responder à pergunta de pesquisa, bem como não foram encontrados novos elementos nas informações dos participantes.

RESULTADOS

Participaram 20 enfermeiros com idade entre 20 e 30 anos, sendo que a maioria (14) possuía tempo de atuação em UTIN inferior a 5 anos. Desses, 18 possuíam pós-graduação a nível lato sensu, e dois, stricto sensu (nível mestrado).

Dos discursos analisados, emergiram nove ideias centrais, que foram agrupadas em três temas: 1) Cuidados paliativos: da formação à vivência profissional (IC1 - Primeiro contato; IC2 - Deficiência na formação; IC3 - Despertar para os cuidados paliativos); 2) Significando os cuidados paliativos em neonatologia (IC4 - Promover conforto e qualidade de vida; IC5 - Reduzir intervenções desnecessárias; IC6 - Do paliativo à terminalidade; IC7 - Inserindo a família nos cuidados; 3) Elegibilidade para os cuidados paliativos neonatais (IC8 - Cuidados paliativos baseados no prognóstico; IC9 - Cuidados paliativos após esgotar plano terapêutico).

Tema 1 - Cuidados paliativos: da formação à vivência profissional

O primeiro contato com CP ocorreu em momentos distintos durante o processo de formação. Para alguns, ocorreu na graduação, no entanto com foco voltado para o paciente adulto e suas famílias. Outros tiveram a oportunidade de ter aproximação da temática de CP ao RN somente na pós-graduação.

IC1 - Primeiro contato

DSC1: o primeiro contato que tive com CP foi na graduação, em uma disciplina direcionada ao adulto, mas foi durante minha pós-graduação que foram abordados esses cuidados para o RN. Me aproximei mais do tema onde fui inserida em discussões e participei de congressos da neonatologia, que em alguns momentos falavam sobre esse assunto. Observo que meu serviço tem ressaltado muito sobre essa prática, com intuito de implantar uma comissão de CP e pela necessidade atual, embora não tenha disponibilizado capacitação aos profissionais até o momento (Enf. 1A, Enf. 3A, Enf. 4A, Enf. 5A, Enf. 6C, Enf. 8B, Enf. 11A, Enf. 14B, Enf. 18B, Enf. 19A, Enf. 20A).

Em contraponto, os enfermeiros destacaram a deficiência na formação técnico-científica relacionada ao CP, especificamente em neonatologia. Sabe-se das especificidades dos cuidados ao neonato e isso também ocorre em CP; assim, uma formação adequada faz-se necessário para que o plano de cuidados seja efetivo para o RN e sua família.

IC2 - Deficiência na formação

DSC2: tive pouco contato na graduação e na pós-graduação em uma disciplina, mas era relacionado a CP no adulto. Na neonatologia e na pediatria, tivemos algumas discussões de grupo de pesquisa e estágio de forma superficial (Enf. 6C, Enf. 9A, Enf. 17B).

DSC3: não me lembro de curso ou evento relacionado a CP durante a graduação; acho que há alguns anos nem se falava sobre isso. Participei de congressos onde foi abordado o tema, mas nada relacionado ao RN (Enf. 10C, Enf. 12A, Enf. 13A, Enf. 15B, Enf. 16C).

Entretanto, alguns enfermeiros relataram que movimentos direcionados aos CP em seu ambiente laboral despertaram seu interesse pelo tema.

IC3 - Despertar para os cuidados paliativos

DSC4: atualmente, aqui no meu serviço, tem se falado bastante sobre CP, inúmeras pesquisas estão acontecendo, o que me despertou o interesse. Houve um evento para o pessoal daqui com a apresentação de um profissional relatando sua vivência nesses cuidados e algumas orientações de modo informal. Participei também de algumas palestras por vontade própria, pois o serviço, por ora, não disponibilizou uma capacitação (Enf. 1A - Enf. 5A, Enf. 8B).

Tema 2 - Significando os cuidados paliativos em neonatologia

Mesmo que a maioria dos enfermeiros tenha referido ausência de formação em CP em neonatologia, eles compreendem esses cuidados como a promoção de conforto e qualidade de vida e a redução de procedimentos que possam causar dor, bem como a inserção da família nesse processo.

IC4 - Promover conforto e qualidade de vida

DSC5: CP são os cuidados que devemos ter para melhorar a qualidade de vida e promover conforto àqueles que apresentam alguma doença incurável com alguma possibilidade que dificulte a vida ou que estejam em processo de terminalidade. É proporcionar o alívio da dor, dieta, conforme a necessidade do paciente, oferecer condições para situações tratáveis, evitar intervenções desnecessárias e medidas heroicas que prolonguem o sofrimento dos envolvidos, respeitando e incluindo a família neste cuidado em conjunto com uma equipe multidisciplinar, discutindo os processos (Enf. 1A, Enf. 2A, Enf. 3A, Enf. 5A, Enf. 6C, Enf. 7C, Enf. 8B, Enf. 10C, Enf. 12A, Enf. 13A, Enf. 15B).

IC5 - Reduzir intervenções desnecessárias

DSC6: acredito que, nos CP, devemos evitar procedimentos e intervenções desnecessárias, como coleta de exames sem limite, atitudes heroicas, como reanimação, uso de drogas vasoativas para manter contratilidade cardíaca, a fim de proporcionar um tratamento adequado com conforto, seja tratando uma infecção, controlando a dor, sedando e se parar não reanima, incluindo a família nos acontecimentos (Enf. 2A, Enf. 3A, Enf. 5A, Enf. 12A, Enf. 14B).

IC6 - Do paliativo à terminalidade

DSC7: paliativo, para mim, é ofertar conforto, dignidade e humanização ao paciente e sua família, promovendo uma melhor qualidade de vida e tranquilidade na evolução para a morte em seus últimos dias, com boa higiene, medicando conforme a necessidade, sem medidas invasivas e com maior tempo e proximidade de seus entes queridos. Considero importante também a discussão de caso e planejamento dos cuidados entre todos os membros da equipe (Enf. 9A, Enf. 11A, Enf. 16C, Enf. 17B).

IC7 - Inserindo a família nos cuidados

DSC8: o CP é todo cuidado que a gente tenta dar de forma mais holística possível, englobando a família nos cuidados diretos dentro da unidade, promovendo aos pais o conforto espiritual, respeitando suas crenças e atualizando-os sobre o quadro clínico do paciente. Considero o alívio da dor importante e de difícil controle nesta população e, quando na terminalidade, a comunicação entre os profissionais precisa ser mais que presente e uniforme (Enf. 5A, Enf. 9A, Enf. 18B, Enf. 19A, Enf. 20A).

Tema 3 - Elegibilidade para os cuidados paliativos neonatais

A falta de clareza sobre os RNs elegíveis para CP torna-se uma barreira para a implantação do processo de cuidar. Apesar disso, nas falas dos enfermeiros, constam algumas doenças e situações que os mesmos julgaram ser indicativas para o início de CP.

IC8 - Cuidados paliativos baseados no prognóstico

DSC9: não é muito esclarecido quais doenças do público neonatal são indicativas para o CP, devido à demora para conseguir fechar um prognóstico, mas acho que a diferença dos bebês que merecem esses cuidados são aqueles que tem uma patologia de base em si ou quando o prognóstico não leva a uma boa sobrevida, como, por exemplo, malformações importantes e síndromes incompatíveis com a vida, como Edwards, Patau, anencefalia, hidrocefalia, com agenesia renal bilateral, dialíticos, hiperplasia e hipoplasia pulmonar, cardiopatias graves, osteossíntese imperfeita, e também os prematuros extremos ou moderados nascidos com menos de 600 gramas e com complicações durante a assistência. Outros casos que julgo ser indicado seriam os bebezinhos que precisam de grandes cirurgias, como onfalocele, encefalocele e aqueles que receberam várias reanimações cardiopulmonares (RCP) e drogas em dose alta sem resposta terapêutica (Enf. 1A, Enf. 2A, Enf. 3A, Enf. 4A, Enf. 5A, Enf. 9A, Enf. 11A, Enf. 12A, Enf. 13A, Enf. 14B, Enf. 17B, Enf. 19A, Enf. 20A).

Contudo, observa-se no discurso a seguir que, para alguns enfermeiros, a indicação deveria ocorrer somente após esgotar todas as medidas terapêuticas.

IC9 - Cuidados paliativos após esgotar plano terapêutico

DSC10: deveriam entrar em CP quando todas as medidas terapêuticas foram realizadas, como antibióticos, drogas e que não respondeu adequadamente ao tratamento, por isso fica mais difícil em neonatologia. A gente sempre quer que melhorem e vão para casa, com déficit ou não. No caso, acredito que teria indicação os pacientes cardiopatas com complicações no pós-operatório, encefalopatas, encefalopatia crônica não evolutiva, prematuros extremos sem perspectiva de vida ou após várias tentativas de RCP (Enf. 7C, Enf. 8B, Enf. 10C, Enf. 18B).

DISCUSSÃO

Os CP representam, de modo geral, um grande desafio para os profissionais de saúde, em especial àqueles atuantes em unidades neonatais, visto que os enfermeiros participantes deste estudo mencionaram pouca aproximação com essa temática em sua formação, seja durante sua graduação ou pós-graduação. Os CP, em especial, nos serviços de neonatologia, ainda são um processo novo no Brasil e enfrentam inúmeras barreiras para a sua inserção.

A inclusão de CP na formação acadêmica pode propiciar o conhecimento do tema e, desse modo, preparar o profissional para lidar com o processo de morte e o morrer. Essa lacuna associada à falta de suporte psicológico e emocional para o enfrentamento de situações de tensão e conflitos pode tornar ainda mais difícil tal atividade, pois o processo de final de vida de um neonato é algo que abala os profissionais.1313 Camilo BHN, Serafim TC, Salim NR, Andreato AMO, Roveri JR, Misko MD. Comunicação de más notícias no contexto dos cuidados paliativos neonatal: experiência de enfermeiros intensivistas. Rev Gaúcha Enferm. 2022;43:e20210040. http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20210040. PMid:35043878.
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,1414 Verri ER, Bitencourt NAS, Oliveira JAS, Santos Jr R, Marques HS, Porto MA, Rodrigues DG. Profissionais de enfermagem: compreensão sobre cuidados paliativos pediátricos. Rev Enferm UFPE on line. 2019;13(1):126-36. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v13i1a234924p126-136-2019.
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Em decorrência das dificuldades no processo de formação em CP durante o período acadêmico, os enfermeiros citam que, apesar das barreiras, iniciaram sua vivência nessa temática em seu ambiente de trabalho e, diante dessa vivência, ocorreu o despertar para o assunto. Atuar na UTIN e acompanhar o processo da morte do RN e luto da família são desafios a serem enfrentados pelos enfermeiros, pois muitos sentimentos emergem desse cuidado e um deles é o devido a falha no seu papel de promoção e recuperação da saúde.1313 Camilo BHN, Serafim TC, Salim NR, Andreato AMO, Roveri JR, Misko MD. Comunicação de más notícias no contexto dos cuidados paliativos neonatal: experiência de enfermeiros intensivistas. Rev Gaúcha Enferm. 2022;43:e20210040. http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20210040. PMid:35043878.
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A modalidade de cuidados deve ser exercida por profissionais de saúde habilitados e treinados, a fim de promover o bem-estar e a qualidade de vida aos pacientes graves ou com doenças incuráveis e que estejam passando por intenso sofrimento. Devem ser, ainda, respeitados a autonomia, a individualidade, a dignidade e os desejos do paciente.33 Maingué PCPM, Sganzerla A, Guirro UBP, Perini CC. Discussão bioética sobre o paciente em cuidados de fim de vida. Rev Bioet. 2020;28(1):135-46. http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422020281376.
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,1313 Camilo BHN, Serafim TC, Salim NR, Andreato AMO, Roveri JR, Misko MD. Comunicação de más notícias no contexto dos cuidados paliativos neonatal: experiência de enfermeiros intensivistas. Rev Gaúcha Enferm. 2022;43:e20210040. http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20210040. PMid:35043878.
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14 Verri ER, Bitencourt NAS, Oliveira JAS, Santos Jr R, Marques HS, Porto MA, Rodrigues DG. Profissionais de enfermagem: compreensão sobre cuidados paliativos pediátricos. Rev Enferm UFPE on line. 2019;13(1):126-36. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v13i1a234924p126-136-2019.
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-1515 Silva RS, Pereira A, Nóbrega MML, Mussi FC. Construction and validation of nursing diagnoses for people in palliative care. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2914. https://doi.org/10.1590/1518-8345.1862.2914.
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Neste estudo, observou-se que os enfermeiros não se sentem preparados, visto serem profissionais jovens com pouco tempo de atuação na área, e, de modo geral, referem não receber capacitação para essa atuação.

Em contraponto, apesar de os enfermeiros relatarem déficit em sua formação, os mesmos significaram o CP em neonatologia como um cuidado que visa à promoção do conforto e à qualidade de vida para RN com doenças incuráveis, complicadas ou em terminalidade. Além disso, vislumbram a família como integrante desse processo.

Os profissionais também compreendem que reduzir intervenções desnecessárias faz parte desse cuidado e, mesmo que talvez estejam excessivamente acostumados com novos dispositivos, que são produzidos com o objetivo de salvar vidas e proporcionar esperança às famílias de pacientes terminais, nem sempre essa é uma opção. Sabe-se da necessidade e importância do controle da dor e alívio dos sintomas, e esse é um dos princípios dos CP, além do conforto, oferta de qualidade de vida e diminuição do sofrimento.1616 Picollo DP, Fachini M. A atenção do enfermeiro ao paciente em cuidado paliativo. Rev Ciênc Med. 2018;27(2):85-92. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0897v27n2a3855.

Os neonatos estão sujeitos a diversos procedimentos potencialmente dolorosos que podem comprometer o seu desenvolvimento neuropsicomotor e sua recuperação clínica, ocorrendo, ainda, o subtratamento da dor, seja ela intensa, moderada ou leve.1717 Costa ACL, Araújo FL, Simão DAS, Bueno M, Marcatto JO, Manzo BF. Análise correlacional entre procedimentos potencialmente dolorosos e estratégias de controle da dor em unidade neonatal. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180299. http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0299.
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Nesse sentido, o estudo aponta que os enfermeiros compreendem os CP como um momento em que as intervenções devem ser reduzidas com o objetivo de aliviar o sofrimento. Os resultados da pesquisa corroboram a literatura, indicando que alguns dos envolvidos enfrentam conflitos internos ao prestarem assistência a pacientes sem possibilidade de cura, tendo dúvidas se essa seria a melhor conduta, ou quando pensam em seus familiares ou em si mesmo e, ao se colocarem no lugar do outro, apresentam uma tempestade de questionamentos.1313 Camilo BHN, Serafim TC, Salim NR, Andreato AMO, Roveri JR, Misko MD. Comunicação de más notícias no contexto dos cuidados paliativos neonatal: experiência de enfermeiros intensivistas. Rev Gaúcha Enferm. 2022;43:e20210040. http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2022.20210040. PMid:35043878.
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,1818 Morais EN, Conrad D, Mattos EM, Cruz SAC, Machado GC, Abreu MO. Cuidados paliativos: enfrentamento dos enfermeiros de um hospital privado na cidade do Rio de Janeiro. Rev Pesqui. 2018;10(2):318-25. http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i2.318-325.
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Alguns enfermeiros vivenciaram de modo positivo a condução dos CP destinados a pacientes em final de vida, mesmo que, ao significar esse cuidado, apresentem dificuldade de discernimento entre o paciente com doença incurável e o paciente em fase de terminalidade. Isso corrobora estudo referente à percepção dos enfermeiros acerca dos CP, no qual observou-se que, antes de serem capacitados sobre a temática, os mesmos acreditavam e significavam como morte digna, mas, após serem capacitados, essa concepção se modificou para CP como garantia de cuidados para a promoção de qualidade de vida.1919 Silva HA, Viana GKB, Lima AKG, Mourão CML, Lima ALA. Intervenção em cuidados paliativos: conhecimento e percepção dos enfermeiros. Rev Enferm UFPE on line. 2018;12(5):1325-30. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963.2018.22653.
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A inclusão da família no processo de cuidar de bebês elegíveis para o CP foi referida pelos enfermeiros, pois o profissional deve voltar seu olhar não exclusivamente para o neonato, mas para seu familiar que enfrenta um momento de inúmeras dúvidas, incertezas e conflitos diante de um contexto desconhecido.

A comunicação é uma ferramenta terapêutica importante e deve ser compartilhada com a família para a promoção do cuidado integral e humanizado, assim como para estabelecer relações interpessoais,2020 de Andrade CG, Costa ICP, Batista PSS, Alves AMPM, Costa BHS, Nassif MS et al. Cuidados paliativos e comunicação: uma reflexão à luz da teoria do final de vida pacífico. Cogitare Enferm. 2022;27:e80917. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v27i0.80917.
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pois, por meio da escuta e olhar atento,2020 de Andrade CG, Costa ICP, Batista PSS, Alves AMPM, Costa BHS, Nassif MS et al. Cuidados paliativos e comunicação: uma reflexão à luz da teoria do final de vida pacífico. Cogitare Enferm. 2022;27:e80917. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v27i0.80917.
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,2121 Andrade GB, Pedroso VSM, Weykamp JM, Soares LS, Siqueira HCH, Yasin JCM. Cuidados paliativos e a importância da comunicação entre o enfermeiro e paciente, familiar e cuidador. Rev Fund Care Online. 2019;11(3):713-7. http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i3.713-717.
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o enfermeiro tem como objetivo diminuir a ansiedade e o medo da doença e do futuro que os aguarda.2121 Andrade GB, Pedroso VSM, Weykamp JM, Soares LS, Siqueira HCH, Yasin JCM. Cuidados paliativos e a importância da comunicação entre o enfermeiro e paciente, familiar e cuidador. Rev Fund Care Online. 2019;11(3):713-7. http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i3.713-717.
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O cuidado ao RN deve ser proporcional à condição clínica e à possibilidade real da resposta individual de cada um. Desse modo, acatar os planos dos familiares, garantir o não sofrimento do RN e oferecer suporte psicológico e espiritual são consideradas ações que devem nortear os cuidados oferecidos nesses momentos.1919 Silva HA, Viana GKB, Lima AKG, Mourão CML, Lima ALA. Intervenção em cuidados paliativos: conhecimento e percepção dos enfermeiros. Rev Enferm UFPE on line. 2018;12(5):1325-30. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963.2018.22653.
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,2222 Gibelli MABC. Cuidados paliativos em recém-nascidos: quem são esses pacientes? In: Sociedade Brasileira de Pediatria, Procianoy RS, Leone CR, organizadores. PRORN Programa de Atualização em Neonatologia: ciclo 17. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2020. p. 77-101.

Porém, para alguns enfermeiros, o momento de incluir os RNs em CP não está claro, gerando inúmeras dúvidas e a necessidade de maiores esclarecimentos sobre a patologia e o prognóstico. No entanto, outros enfermeiros não partilham dessa opinião, pois consideram que o RN só deve ser elegível para CP quando todos os recursos terapêuticos forem esgotados.

Desse modo, ainda há um longo caminho a percorrer para definir com mais clareza quais são os RNs que precisam de um olhar paliativo por toda sua vida, bem como a necessidade de capacitação permanente e contínua e discussões entre as equipes multidisciplinares para o cuidado mais adequado e que engloba a criança e sua família em todo o processo e evolução de seu diagnóstico e prognóstico.2222 Gibelli MABC. Cuidados paliativos em recém-nascidos: quem são esses pacientes? In: Sociedade Brasileira de Pediatria, Procianoy RS, Leone CR, organizadores. PRORN Programa de Atualização em Neonatologia: ciclo 17. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2020. p. 77-101.

A neonatologia não possui escalas de avaliação de funcionalidade que permitam estimar o prognóstico para o RN e, devido a isso, ocorrem divergências de conduta que podem interferir na comunicação entre a equipe e os familiares. Deve-se esclarecer a todos os envolvidos o significado dos CP, para que compreendam que possuir uma criança elegível para os CP não necessariamente significa que ela se encontra em processo ativo de morte. 2222 Gibelli MABC. Cuidados paliativos em recém-nascidos: quem são esses pacientes? In: Sociedade Brasileira de Pediatria, Procianoy RS, Leone CR, organizadores. PRORN Programa de Atualização em Neonatologia: ciclo 17. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2020. p. 77-101.

Apesar de os enfermeiros referirem não terem sido capacitados para CP e possuírem dúvidas sobre quais os critérios elegíveis, foi observado que grande parte dos participantes desta pesquisa relatou diagnósticos que, de acordo com alguns estudos, são considerados situações que convergem para essa filosofia de cuidado.

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Foi possível identificar que, apesar das dificuldades no processo de formação continuada, em algum momento, os enfermeiros participantes tiveram aproximação com a temática e vivenciaram situações de RNs que se enquadravam na prática do CP.

Os enfermeiros possuem compreensão sobre o significado de CP como sendo um momento de oferecer acolhimento e cuidados ao bebê e sua família quando não há perspectiva de cura e com foco na qualidade de vida. Além disso, percebeu-se que existem divergências quanto ao entendimento de CP para o RN sem perspectiva de cura e para aqueles que se encontram na fase de final de vida. Contudo, pôde-se observar que alguns enfermeiros ainda compreendem que esses cuidados devem ser oferecidos à criança apenas após todas as medidas terapêuticas serem realizadas.

Nesse sentido, faz-se necessário que as instituições de saúde ampliem seu olhar para CP e ações sejam realizadas no sentido de sensibilizar e treinar os profissionais de enfermagem para que possam cuidar dos RNs e sua família, visando a melhoria da qualidade do processo assistencial, bem como a necessidade de implantação dos CP no serviço de neonatologia.

Esta pesquisa teve como limitação a utilização de informantes de apenas uma categoria profissional, o que não permitiu confrontar condutas e opiniões da equipe multidisciplinar que atua nos serviços de neonatologia e, por conseguinte, ampliar o conhecimento sobre esta questão. É importante também que novos estudos sejam realizados junto à equipe multidisciplinar, a fim de identificar se, em outras áreas do cuidado, essa temática já é realidade ou se é preciso investir em educação em saúde sobre os CP para todas as categorias profissionais da saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2023
  • Aceito
    01 Dez 2023
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