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ALFABETIZAÇÃO DE DADOS NO CONTEXTO DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: ANÁLISE DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO NO BRASIL

Data Literacy in the context of Information Science: analysis of undergraduate courses in Brazil

RESUMO

Objetivo:

Diante do desenvolvimento e uso da tecnologia, grande quantidade de dados são gerados diariamente. Com iniciativas de incentivo no uso e reuso de dados no meio científico e empresarial, surge a necessidade de capacitar, por meio da Alfabetização de Dados, os estudantes e os profissionais da informação para tornarem os dados mais aplicáveis e compreensíveis. A presente pesquisa se propõe a criar uma ementa mais apropriada para a disciplina de “Ciência de Dados” nos cursos de graduação em Biblioteconomia e Arquivologia no Brasil.

Método:

Esta pesquisa é exploratória e qualitativa, já consiste na seleção e a coleta de informações sobre a ementa das disciplinas voltadas para a Ciência de Dados nos cursos de graduação em Biblioteconomia e Arquivologia no Brasil.

Resultado:

Em alguns currículos das 24 universidades analisadas e 37 cursos identificados foram encontradas disciplinas que podem abordar a Ciência de Dados de alguma forma. Assim, no contexto brasileiro a ação mais assertiva seria incluir o tema “Alfabetização de Dados” no contexto das disciplinas de “Ciência de Dados”.

Conclusões:

Foram identificadas seis disciplinas nos cursos de graduação sobre Ciência de Dados e a falta de literatura sobre a Alfabetização de Dados, especialmente em língua portuguesa. Isso pode estar vinculado com a falta de disciplinas, por ser ainda uma abordagem pouco discutida no meio acadêmico da Ciência da Informação. Percebeu-se a necessidade de incluir a Alfabetização de Dados nos cursos de graduação no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Alfabetização de Dados; Ciência de Dados; Ciência da Informação

ABSTRACT

Objective:

Due to the development and use of technology, copious amounts of data are generated daily. With initiatives to encourage the use and reuse of data in science and business, there is a need to train, through Data Literacy, students and information professionals to make data more applicable and understandable. This research proposes a more appropriate discipline syllabus for "Data Science" in undergraduate Librarianship and Archival Science courses in Brazil.

Methods:

This research is exploratory and qualitative since it consists of selecting and collecting information about the content of the disciplines focused on Data Science in undergraduate courses in Librarianship and Archival Science in Brazil.

Results:

In some curricula of the 24 universities analyzed and 37 courses identified were found disciplines that may address Data Science in some way. Thus, in the Brazilian context, the most assertive action would be to include the theme "Data Literacy" in the context of the "Data Science" disciplines.

Conclusions:

We identified six undergraduate courses on Data Science and a lack of literature on Data Literacy, especially in Portuguese. This may be linked to the lack of disciplines, as it is still a little-discussed approach in the Information Science academic environment. The need to include Data Literacy in undergraduate courses in Brazil was perceived.

KEYWORDS:
Data Literacy; Data Science; Science Information

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento e o uso cada vez mais frequente da tecnologia propiciaram o crescimento do volume de dados diariamente gerados. E nesse "turbilhão de transformações derivadas da tecnologia", os dados assumem a posição de "centro nevrálgico" pela quantidade e valor dos dados gerados pelos usuários (GONZÁLEZ; RODRÍGUEZ, 2021GONZÁLEZ, Y. M.; RODRÍGUEZ, A. I. Alfabetização de dados: Projetando um novo cenário de treinamento para o contexto universitário. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 14, n. 1, p. 318-330, jan./abril, 2021. DOI https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.2021.35521. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/35521. Acesso em: 18 maio 2022.
https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.202...
, p. 319, tradução nossa).

Segundo Zhu e Xiong (2015ZHU, Y.; XIONG, Y. Towards data science. Data Science Journal, Paris, v. 14, n. 8, p. 1-7, 2015. DOI http://doi.org/10.5334/dsj-2015-008. Disponível em: https://datascience.codata.org/articles/10.5334/dsj-2015-008/. Acesso em: 5 jun. 2022.
http://doi.org/10.5334/dsj-2015-008...
), fatos do mundo são mapeados como dados e armazenados desde a invenção do computador. Porém, nos últimos anos o volume de dados cresceu exponencialmente. Uma pesquisa Global DataSphere1 1 Disponível em: https://www.idc.com/getdoc.jsp?containerId=IDC_P38353 , realizada pelo International Data Corporation (IDC), estima que a soma dos dados no mundo crescerá de 33 zettabytes em 2018 para 175 ZB até 2025.

A Ciência de Dados se torna essencial nesse contexto para interpretar esse grande volume de dados. Ladley (2019LADLEY, J. Data governance: how to design, deploy, and sustain an effective data governance program. London: Academic Press, 2019., p. 16, tradução nossa) destaca que o valor desses dados é percebido quando é bem empregado, assim como o "valor negativo" pode ser evidenciado quando ele é mal interpretado ou usado. Nesse contexto, surge a necessidade de capacitar, por meio da Alfabetização de Dados, os estudantes e os profissionais da informação para lidar com dados da vida real, sem exemplos hipotéticos, de maneira que contribuam para o uso eficaz dos dados (RÜSCHOFF, 2012RÜSCHOFF, B. Data-Driven Learning (DDL): the idea. 2012. Disponível em: http://archive.ecml.at/projects/voll/rationale_and_help/booklets/resources/menu_booklet_ddl.htm. Acesso em: 2 ago. 2022.
http://archive.ecml.at/projects/voll/rat...
).

Portanto, o presente artigo busca destacar a relevância da Alfabetização de Dados no contexto da Ciência de Dados e da Ciência da Informação (CI), bem como propor uma ementa mais adequada para atender a disciplina de “Ciência de Dados” nos cursos de graduação em Biblioteconomia e Arquivologia no Brasil. A escolha dos dois cursos justifica-se ao considerar que há uma maior relação entre os dois cursos e a área da Ciência da Informação, tal qual afirmam Tanus e Araújo (2012TANUS, G. F. de S. C.; ARAÚJO, C. A. Á. Proximidades conceituais entre arquivologia, biblioteconomia, museologia e ciência da informação. Biblionline, João Pessoa, v. 8, n. 2, p. 27-36, 2012. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/biblio/article/view/14291. Acesso em: 6 ago. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.ph...
). No que diz respeito aos procedimentos metodológicos, foi realizada a seleção das universidades e a coleta das informações sobre a ementa das disciplinas voltadas para a Ciência de Dados nos cursos de graduação em Biblioteconomia e Arquivologia no Brasil. Para tanto, o artigo está estruturado em: contextualização teórica (parte 2 e 3); metodológica (parte 4); e, por fim, a análise dos resultados da pesquisa em relação às ementas dos cursos de graduação e a proposta de uma disciplina mais completa (parte 5).

2 CIÊNCIA DE DADOS E O CIENTISTA DE DADOS

Com o grande volume de dados e a sua crescente importância, surge a necessidade de analisar, interpretar, gerenciar e organizar esses dados para que possam ser realmente úteis. Assim, “a Ciência de Dados como conceito emerge das aplicações de estudos existentes de medição, representação, interpretação e gerenciamento a problemas no comércio, saúde, meio ambiente, governo, e outros domínios.” (MARCHIONINI, 2016MARCHIONINI, G. Information Science Roles in the Emerging Field of Data Science. Journal of Data and Information Science, Polônia, v. 1, n. 2, p 1-6, 2016. Disponível em: https://sciendo.com/article/10.20309/jdis.201609. Acesso em: 6 jun. 2022.
https://sciendo.com/article/10.20309/jdi...
, p. 1-2).

A Ciência de Dados surge como uma área interdisciplinar e multidisciplinar que busca “[...] obter conhecimento utilizando dados brutos [...]” e “[...] utiliza o método científico e técnicas de análise de dados, machine learning e inteligência artificial para resolver problemas reais, trazendo à luz conhecimento estratégico e insights acionáveis para o negócio.” (CASTANHA, 2021CASTANHA, R. C. G. A ciência de dados e a cientista de dados. AtoZ: Novas Práticas em Informação e Conhecimento, Curitiba, v. 10, n. 2, p. 1-4, 2021. DOI http://dx.doi.org/10.5380/atoz.v10i2.79882. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/atoz/article/view/79882. Acesso em: 6 jun. 2022.
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, p. 1).

Zhu e Xiong (2015ZHU, Y.; XIONG, Y. Towards data science. Data Science Journal, Paris, v. 14, n. 8, p. 1-7, 2015. DOI http://doi.org/10.5334/dsj-2015-008. Disponível em: https://datascience.codata.org/articles/10.5334/dsj-2015-008/. Acesso em: 5 jun. 2022.
http://doi.org/10.5334/dsj-2015-008...
) lembram que as melhores técnicas para lidar com armazenamento, compartilhamento e acesso a dados são buscadas desde a invenção do computador. Porém, para os referidos autores, a Ciência de Dados pode até apontar semelhanças com essas iniciativas, entretanto apresenta diferenças profundas dos métodos tradicionais e novas técnicas. Inclusive eles pontuam que a Ciência de Dados pode contribuir para aprimorar e desenvolver métodos, teorias e mesmo tecnologias em várias áreas.

Nesse contexto surge o cientista de dados como um solucionador de problemas que analisa e interpreta dados brutos a fim de obter insights para tomada de decisão. Davenport e Patil (2012DAVENPORT, T.; PATIL, D. Data Scientist: The Sexiest Job of the 21st Century. Harvard Business Review, [S. l.], out. 2012. Disponível em: https://hbr.org/2012/10/data-scientist-the-sexiest-job-of-the-21st-century. Acesso em: 5 jun. 2022.
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) chegam a dizer que o cientista de dados seria a profissão mais atrativa do século 21, por unir as raras habilidades de hacker de dados, analista, comunicador e conselheiro de confiança.

Segundo Castanha (2021CASTANHA, R. C. G. A ciência de dados e a cientista de dados. AtoZ: Novas Práticas em Informação e Conhecimento, Curitiba, v. 10, n. 2, p. 1-4, 2021. DOI http://dx.doi.org/10.5380/atoz.v10i2.79882. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/atoz/article/view/79882. Acesso em: 6 jun. 2022.
http://dx.doi.org/10.5380/atoz.v10i2.798...
, p. 2), as funções deste profissional incluem

[...] análises estatísticas, identificação de padrões ou trends, criação de ferramentas, processos ou produtos baseados em inteligência artificial, desenvolvimento e teste de novos algoritmos, desenvolvimento de modelos preditivos com machine learning, construção de painéis para visualização de dados, e algumas competências soft, como apresentação de resultados e reunião com as partes interessadas (stakeholders) do seu projeto ou produto.

Por mais que o profissional aparente ser um novo protagonista nas organizações, Davenport e Patil (2012DAVENPORT, T.; PATIL, D. Data Scientist: The Sexiest Job of the 21st Century. Harvard Business Review, [S. l.], out. 2012. Disponível em: https://hbr.org/2012/10/data-scientist-the-sexiest-job-of-the-21st-century. Acesso em: 5 jun. 2022.
https://hbr.org/2012/10/data-scientist-t...
) lembram que o título não é recente, mas a crescente aparição do cientista de dados aponta a dificuldade das empresas em lidar com o grande volume de informações que tem à disposição para a tomada de decisão.

3 A CIÊNCIA DE DADOS E A ALFABETIZAÇÃO DE DADOS NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

Diante do cenário de um mundo “inundado” por dados, nos últimos anos a própria Ciência da Informação busca cada vez mais adentrar o universo de estudo dos dados (MATOS; CONDURÚ; BENCHIMOL, 2021MATOS, M. T.; CONDURÚ, M. T.; BENCHIMOL, A. C. A produção científica e o acesso aberto sobre a ciência de dados no contexto da ciência da informação: estudo bibliométrico. Páginas A&B, Arquivos e Bibliotecas, Portugal, n. especial, p. 247-248, 2021. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/157372. Acesso em: 7 jun. 2022.
http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapc...
) com um crescente entrelaçamento com a Ciência de Dados (FERNANDES, 2020FERNANDES, J. H. C. Interlocuções bibliográficas e epistemológicas entre a ciência de dados e a ciência da informação. Ciência da Informação, Brasília, v. 50, n. 3, p. 232-242, set./dez. 2020. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/163422. Acesso em: 7 jun. 2022.
http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapc...
). Isso pode ser explicado pelas próprias mudanças no meio científico como, por exemplo, a Ciência Aberta e a publicação de artigos de dados. E essa nova realidade de uso intenso de dados no meio científico, para Semeler e Pinto (2019SEMELER, A. R.; PINTO, A. L. Os diferentes conceitos de dados de pesquisa na abordagem da biblioteconomia de dados. Ciência da Informação, Brasília, v. 48, n. 1, p. 113-129, jan./abr. 2019. Disponível em: https://revista.ibict.br/ciinf/article/view/4461. Acesso em: 7 jun. 2022.
https://revista.ibict.br/ciinf/article/v...
, p. 113), representa uma “[...] nova dimensão para os bibliotecários [...]”.

Marchionini (2016MARCHIONINI, G. Information Science Roles in the Emerging Field of Data Science. Journal of Data and Information Science, Polônia, v. 1, n. 2, p 1-6, 2016. Disponível em: https://sciendo.com/article/10.20309/jdis.201609. Acesso em: 6 jun. 2022.
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) destaca que a Ciência da Informação tem muito a contribuir com a Ciência de Dados, especialmente porque considera em seus estudos todo o Ciclo de Vida de Dados e os aspectos socioculturais envolvidos. “Esse foco de ponta a ponta é especialmente importante para os componentes de veracidade e valor da Ciência dos Dados.” (MARCHIONINI, 2016MARCHIONINI, G. Information Science Roles in the Emerging Field of Data Science. Journal of Data and Information Science, Polônia, v. 1, n. 2, p 1-6, 2016. Disponível em: https://sciendo.com/article/10.20309/jdis.201609. Acesso em: 6 jun. 2022.
https://sciendo.com/article/10.20309/jdi...
, p. 3).

Na questão multidisciplinar da Ciência de Dados, o bibliotecário também se apresenta como um profissional essencial. Marchionini (2016MARCHIONINI, G. Information Science Roles in the Emerging Field of Data Science. Journal of Data and Information Science, Polônia, v. 1, n. 2, p 1-6, 2016. Disponível em: https://sciendo.com/article/10.20309/jdis.201609. Acesso em: 6 jun. 2022.
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) enfatiza que os programas de Ciência da Informação devem ser participantes ativos nas equipes que irão contribuir com o campo. Para isso, o bibliotecário precisa desenvolver habilidades que contribuam para a pesquisa orientada a dados. Já Reis (2019REIS, M. de J. Ciência de dados e ciência da informação: guia para alfabetização de dados para bibliotecários. 2019. 142 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Gestão da Informação e do Conhecimento) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE, 2019. Disponível em: https://ri.ufs.br/handle/riufs/12667. Acesso em: 6 jun. 2022.
https://ri.ufs.br/handle/riufs/12667...
) enfatiza o crescimento do termo Alfabetização de Dados na Ciência de Dados e inclusive na própria Ciência da Informação.

3.1 Alfabetização de Dados no contexto da Ciência da Informação

A Alfabetização de Dados é um setor emergente dentro da Alfabetização Digital que se correlaciona com a Data Science (GONZÁLEZ; RODRÍGUEZ, 2021GONZÁLEZ, Y. M.; RODRÍGUEZ, A. I. Alfabetização de dados: Projetando um novo cenário de treinamento para o contexto universitário. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 14, n. 1, p. 318-330, jan./abril, 2021. DOI https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.2021.35521. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/35521. Acesso em: 18 maio 2022.
https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.202...
). Alfabetização de Dados ou literacia de dados, vem do inglês do termo data literacy, ou ainda data information literacy, science data literacy ou reserach data literacy (KOLTAY, 2017KOLTAY, T. Data literacy for researchers and data librarians. Journal of Librarianship and Information Science, Folkestone, v. 49, n. 1, p. 3-14, 2017. DOI https://doi.org/10.1177/0961000615616450. Disponível em: http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0961000615616450. Acesso em: 5 jun. 2022.
https://doi.org/10.1177/0961000615616450...
). Mesmo que seja frequentemente confundida com literacia estatística, em inglês statistical literacy, Gupta e Cannon (2020GUPTA, U.; CANNON, S. Data governance components: data quality, literacy, and ethics. In: GUPTA, U.; CANNON, S (org.). A Practitioner's Guide to Data Governance. Bingley: Emerald Publishing Limited, 2020.) argumentam que a Alfabetização de Dados vai além de meros conceitos estatísticos, porque a essência está na capacidade de avaliar dados de maneira crítica.

Para González e Rodríguez (2021GONZÁLEZ, Y. M.; RODRÍGUEZ, A. I. Alfabetização de dados: Projetando um novo cenário de treinamento para o contexto universitário. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 14, n. 1, p. 318-330, jan./abril, 2021. DOI https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.2021.35521. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/35521. Acesso em: 18 maio 2022.
https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.202...
, p. 321, tradução nossa), a Alfabetização de Dados pode ser entendida como "[...] a capacidade de uma pessoa ler e compreender o significado dos dados", o que contribui para qualquer cidadão e não só especialistas em Big Data ou Cientistas de Dados. Completando, Gummer e Mandinach (2015GUMMER, E. S.; MANDINACH, E. B. Building a conceptual framework for data literacy. Teachers College Record, [S. l.], v. 117, n. 4, p. 1-22, 2015. DOI https://doi.org/10.1177/016146811511700401. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/016146811511700401. Acesso em: 6 jun. 2022.
https://doi.org/10.1177/0161468115117004...
, p. 2, tradução nossa), colocam que a Alfabetização de Dados consiste na habilidade de “[...] transformar informações em conhecimento instrucional e práticas acionáveis, coletando, analisando e interpretando todos os tipos de dados”. Para Koltay (2017KOLTAY, T. Data literacy for researchers and data librarians. Journal of Librarianship and Information Science, Folkestone, v. 49, n. 1, p. 3-14, 2017. DOI https://doi.org/10.1177/0961000615616450. Disponível em: http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0961000615616450. Acesso em: 5 jun. 2022.
https://doi.org/10.1177/0961000615616450...
, p. 9, tradução nossa) essa definição de Gummer e Mandinach aponta a necessidade de um conjunto de “[...] habilidades específicas e uma base de conhecimento que permite transformar dados em informação e, em última instância, em conhecimento de ponta [...]”.

Porém, a Alfabetização de Dados ainda é uma área praticamente inexplorada (GONZÁLEZ; RODRÍGUEZ, 2021GONZÁLEZ, Y. M.; RODRÍGUEZ, A. I. Alfabetização de dados: Projetando um novo cenário de treinamento para o contexto universitário. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 14, n. 1, p. 318-330, jan./abril, 2021. DOI https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.2021.35521. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/35521. Acesso em: 18 maio 2022.
https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.202...
). Uma pesquisa realizada por Yamauti e Tsunoda (2019YAMAUTI, R. K.; TSUNODA, D. F. Análise bibliométrica das publicações sobre Alfabetização em Dados. In: SEMINÁRIO HISPANO-BRASILEIRO DE PESQUISA EM INFORMAÇÃO, DOCUMENTAÇÃO E SOCIEDADE (8SHB), 8., 2019. Anais Eletrônicos [...]. Madrid: Universidad Complutense, 2019. Disponível em: https://seminariohispano-brasileiro.org.es/ocs/index.php/viishb/viiishbusp/paper/view/586. Acesso em: 5 jun. 2022.
https://seminariohispano-brasileiro.org....
), comprovou que o tema é novo e pouco explorado, especialmente no contexto brasileiro, já que até 2019 os pesquisadores não encontraram nenhuma produção no Brasil sobre o tema. E mesmo que a maior parte dos estudos sobre Alfabetização de Dados sejam produzidos nos Estados Unidos e Europa, Henderson e Corry (2020HENDERSON, J.; CORRY, M. Data literacy training and use for educational professionals. Journal of Research in Innovative Teaching & Learning, Reino Unido, v. 14. n. 2, p. 232-244, 2020. DOI https://doi.org/10.1108/JRIT-11-2019-0074. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/JRIT-11-2019-0074/full/html. Acesso em: 7 jun. 2022.
https://doi.org/10.1108/JRIT-11-2019-007...
) analisam que tanto literatura quanto treinamentos de Alfabetização de Dados ainda são desenvolvidos de forma mais lenta e tímida, mesmo diante da urgência da temática.

Além de profissionais da área de informação e de áreas relacionadas à Ciência de Dados, Gupta e Cannon (2020GUPTA, U.; CANNON, S. Data governance components: data quality, literacy, and ethics. In: GUPTA, U.; CANNON, S (org.). A Practitioner's Guide to Data Governance. Bingley: Emerald Publishing Limited, 2020.) pontuam que quase todas as carreiras são confrontadas com a necessidade de usar e entender dados, especialmente diante da realidade do desenvolvimento da internet e o aumento do volume de dados. Para Fotopoulou (2021FOTOPOULOU, A. Conceptualising critical data literacies for civil society organisations: agency, care, and social responsibility. Information, Communication & Society, Reino Unido, v. 24, n. 11, p. 1640-1657, 2021. DOI https://doi.org/10.1080/1369118X.2020.1716041. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/1369118X.2020.1716041. Acesso em: 6 jun. 2022.
https://doi.org/10.1080/1369118X.2020.17...
), os cidadãos precisam ser capazes de analisar e utilizar dados abertos de bancos governamentais para contribuir na sua comunidade, além de entenderem os aspectos ideológicos, éticos e o poder dos dados.

Assim, Wolff et al. (2016WOLFF, A. et al. Creating an understanding of data literacy for a data-driven society. The Journal of Community Informatics, New York, v. 12, n. 3, p. 9-26, 2016. DOI https://doi.org/10.15353/joci.v12i3.3275. Disponível em: https://ojs.uwaterloo.ca/index.php/JoCI/article/view/3275. Acesso em: 7 jun. 2022.
https://doi.org/10.15353/joci.v12i3.3275...
) relacionam quatro tipos de cidadãos e as situações que precisam se relacionar com os dados para resolução de problemas: (1) comunicadores - que contam histórias sobre dados; (2) leitores - que precisam de habilidades para interpretar dados; (3) criadores - que precisam de habilidades para integrar dados em estratégias para identificar e resolver problemas do mundo real e (4) cientistas - que precisam combinar fortes habilidades técnicas de dados com habilidades de comunicação e conhecimento profundo do domínio dos dados.

3.2 Alfabetização de Dados e a capacitação de futuros profissionais

Na formação de futuros profissionais da informação e de áreas relacionadas à Ciência de Dados, a Alfabetização de Dados também é de extrema importância. A partir de uma revisão de literatura, Henderson e Corry (2020HENDERSON, J.; CORRY, M. Data literacy training and use for educational professionals. Journal of Research in Innovative Teaching & Learning, Reino Unido, v. 14. n. 2, p. 232-244, 2020. DOI https://doi.org/10.1108/JRIT-11-2019-0074. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/JRIT-11-2019-0074/full/html. Acesso em: 7 jun. 2022.
https://doi.org/10.1108/JRIT-11-2019-007...
, p. 240, tradução nossa) recomendam quatro ações iniciais para desenvolver a Alfabetização de Dados: (1) criar programas nas faculdades e universidades; (2) incentivar oportunidades de colaboração entre profissionais; (3) incentivar o uso de dados; e (4) investigar o papel da tecnologia e do Big Data sobre a Alfabetização de Dados.

Por fim, Gupta e Cannon (2020GUPTA, U.; CANNON, S. Data governance components: data quality, literacy, and ethics. In: GUPTA, U.; CANNON, S (org.). A Practitioner's Guide to Data Governance. Bingley: Emerald Publishing Limited, 2020., p. 132-133, tradução nossa) relacionam aspectos importantes a serem considerados na Alfabetização de Dados para capacitação de profissionais para atuarem no contexto de organizações data driven, ou seja, empresas que tenham as decisões orientadas a dados:

  • a) acesso: sem dados ou conteúdo relacionado a dados, a Alfabetização de Dados não é útil da mesma forma que a alfabetização geral não é útil sem livros ou outros materiais escritos. Independentemente do nível de alfabetização, o acesso a dados e informações é importante para permitir que a Alfabetização de Dados se torne realidade;

  • b) exemplos: para construir a Alfabetização de Dados, as pessoas precisam ver o que é possível. Por que aprender a ler ou escrever sem algum objetivo quanto ao que pode ser alcançado? O argumento análogo pode ser feito para a Alfabetização de Dados: por que se preocupar em aprender sobre dados sem uma ideia de qual é o benefício?

  • c) infraestrutura: como todas as habilidades, a Alfabetização de Dados requer prática, portanto as pessoas precisam de algum lugar para trabalhar com dados e adquirir ou usar suas novas habilidades. Pode ser tão simples como uma licença de software e um sistema de arquivos compartilhado ou tão complexo como uma plataforma de análise de dados, mas sem algum lugar para flexionar seus músculos de literacia de dados, quaisquer ensinamentos aprendidos ou habilidades iniciadas atrofiaram e

  • d) lacunas críticas de pensamento/ habilidades de preenchimento: mesmo com dados, infraestrutura para usá-los e exemplos para trabalhar, a Alfabetização de Dados ainda precisará lidar com quaisquer lacunas de habilidades, sejam elas técnicas ou de pensamento crítico, a fim de realmente ser capaz de transformar uma organização. O treinamento é crítico: não basta fornecer bibliotecas e livros para um analfabeto; ainda precisamos ensiná-los a ler. Eles precisam ser capazes de lerem sozinhos, e a analogia se aplica ao trabalho com dados.

Portanto, mesmo sendo um tema ainda recente e pouco explorado, estudiosos enfatizam a necessidade de incluir a temática de dados no contexto educacional, especialmente diante do incentivo no uso e reuso de dados no meio científico. González e Rodríguez (2021GONZÁLEZ, Y. M.; RODRÍGUEZ, A. I. Alfabetização de dados: Projetando um novo cenário de treinamento para o contexto universitário. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 14, n. 1, p. 318-330, jan./abril, 2021. DOI https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.2021.35521. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/35521. Acesso em: 18 maio 2022.
https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.202...
), destacam que existe uma urgência em fomentar práticas formativas e inovadoras de Alfabetização de Dados nas universidades. Para os pesquisadores, a Alfabetização de Dados, juntamente com a informacional e a digital, deveriam estar presentes em todos os níveis tanto para usuários, investigadores e alunos serem habilitados a extrair informação relevante, visualizarem e tornarem os dados mais compreensíveis.

4 METODOLOGIA

Esta pesquisa foi classificada como exploratória e qualitativa. A coleta de dados aconteceu por meio da análise das matrizes curriculares dos cursos da área de Ciência da Informação no Brasil. Uma pesquisa no site e-MEC2 2 E-Mec disponível em: http://emec.mec.gov.br/ apontou que existem atualmente 33 cursos de bacharelado ou licenciatura ativos, públicos e na modalidade presencial de Biblioteconomia no Brasil e 16 de Arquivologia.

Considerando o grande número de cursos, e na intenção de restringir um pouco mais a coleta e análise da pesquisa, optou-se por analisar os cursos das universidades as quais possuem o programa de pós-graduação em Ciência da Informação que estão disponibilizados na lista da Sucupira3 3 Link para acesso aos dados das universidades disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/programa/quantitativos/quantitativoIes.xhtml?área Avaliacao= 31 & areaConhecimento=60700009 , totalizando 24 universidades (Quadro 1).

Quadro 1
Lista das Instituições com Pós-Graduação em Ciência da Informação

Se encontram no Gráfico 1 as 24 instituições distribuídas por região. Nota-se que a maioria das instituições estão concentradas na região Sudeste (10), seguida da região Nordeste (8), região Sul (4) e as regiões Norte e Centro-Oeste abrigando apenas uma instituição cada.

Gráfico 1
Instituições divididas por região

Ao selecionar as instituições, foi necessário também identificar quais delas possuem os cursos de graduação em Biblioteconomia e Arquivologia, considerando apenas os cursos ofertados de forma presencial. Assim, do total das 24 instituições, duas não possuem nenhum dos cursos, sendo elas: a Universidade FUMEC e a Fundação Casa de Rui Barbosa, e foram desconsideradas, ao todo somam-se 37 cursos elencados.

Os dados coletados e organizados em uma planilha de Excel foram: nome da instituição e sigla; curso ofertado; nome da disciplina. As disciplinas consideradas para o estudo foram as que apresentavam “Ciência de Dados” ou “Data Science” no título da própria disciplina. Os dados foram coletados durante os meses de junho e julho de 2022, e podem ser visualizados no Quadro 2.

Quadro 2
Relação das Instituições, cursos e disciplinas coletados

Dos 37 cursos elencados, não foi possível acessar a matriz curricular de três, estes foram identificados no quadro na coluna da “Disciplina” com “Não foi possível visualizar a matriz curricular” em vermelho. Outro disponibilizou apenas as disciplinas do primeiro semestre, e cerca de 72% dos cursos não possuem uma disciplina específica de Ciência de Dados, o que resulta em apenas 16% dos cursos com uma disciplina específica do tema.

Visto os procedimentos metodológicos, na seção seguinte são apresentadas as análises dos resultados.

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS

No que diz respeito, às disciplinas, foram analisadas 24 universidades e foram identificados 37 cursos (Arquivologia; Biblioteconomia - Bacharelado e Licenciatura; Biblioteconomia e Ciência da Informação; Ciência da Informação; Biblioteconomia e Gestão da Informação, e Biblioteconomia e Documentação).

Em alguns currículos dos cursos analisados, encontrou-se disciplinas que podem abordar a Ciência de Dados de alguma forma, como, por exemplo: Banco de Dados, Introdução ao Processamento de Dados, e Gestão de Dados. Além disso, é importante mencionar que quatro cursos apresentaram erros ao disponibilizarem a matriz curricular, assim não foi possível verificar se existe a disciplina de Ciência de Dados nessas universidades.

Ainda, apenas seis cursos possuem uma disciplina que leva o nome Ciência de Dados no título, mas essas disciplinas não são obrigatórias no currículo, foram listadas como optativas, e estão distribuídas em quatro universidades: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Universidade Federal do Cariri (UFCA); Universidade Federal do Ceará (UFC). Dessas, duas instituições se encontram no Nordeste brasileiro, uma no Sudeste e uma no Sul, como pode ser visto no Gráfico 2.

Gráfico 2
Instituições com a disciplina de Ciência de Dados por região

O Quadro 3 por sua vez, apresenta a relação das universidades, cursos, disciplinas e a ementa de cada uma. Destaca-se que quando a disciplina é ofertada em mais de um curso na mesma instituição, como é o caso dos cursos de Arquivologia e Ciência da Informação na UFSC, e Biblioteconomia e Arquivologia na UFES, a ementa não é alterada, pode-se deduzir que elas foram estruturadas e serão ministradas pelo mesmo docente.

Observa-se que todas as disciplinas são ofertadas na modalidade “optativa”, o que faz com que nem todos os discentes do curso optem por fazê-la. Isso por motivos como, por exemplo: geralmente disciplinas optativas possuem um limite no que diz respeito a quantidade de discentes; pode ser necessário algum pré-requisito para cursá-la; se a disciplina será disponibilizada ou não, para todos os discentes matriculados na graduação, independentemente do ano ou semestre que estejam cursando; o próprio interesse do discente em escolhê-la.

Quadro 3
Lista de Disciplinas com Ementa

O estudo dos pesquisadores Santos e Sena (2022SANTOS, R. F.; SENA, J. V. M. A Formação do (a) Bibliotecário (a) frente à Ciência de Dados e Gestão de Dados: análise dos currículos dos cursos de Biblioteconomia do Brasil. Revista Brasileira de Educação em Ciência da Informação, São Cristovão, v. 9, n. especial, p. 1-20, 2022. DOI https://doi.org/10.24208/rebecin.v9.308. Disponível em: https://portal.abecin.org.br/rebecin/article/view/308. Acesso em: 8 jul. 2022.
https://doi.org/10.24208/rebecin.v9.308...
) analisa a presença da Alfabetização de Dados nos cursos de Biblioteconomia, e para isso consideraram todas as disciplinas que envolvessem dados. Com isso, os autores constataram que as disciplinas de Ciência de Dados são introdutórias, visando a apresentação da área e da temática para os discentes de graduação. Os autores afirmam que as novas disciplinas poderiam estar voltadas para a “Biblioteconomia de Dados”4 4 O termo “Biblioteconomia de Dados” foi explorado e discutido por Santos e Sena (2022) em sua pesquisa. e serem obrigatórias no currículo com a carga horária dividida em teoria e prática.

Destaca-se que ao comparar a presente pesquisa com a elaborada por Santos e Sena (2022SANTOS, R. F.; SENA, J. V. M. A Formação do (a) Bibliotecário (a) frente à Ciência de Dados e Gestão de Dados: análise dos currículos dos cursos de Biblioteconomia do Brasil. Revista Brasileira de Educação em Ciência da Informação, São Cristovão, v. 9, n. especial, p. 1-20, 2022. DOI https://doi.org/10.24208/rebecin.v9.308. Disponível em: https://portal.abecin.org.br/rebecin/article/view/308. Acesso em: 8 jul. 2022.
https://doi.org/10.24208/rebecin.v9.308...
) identificou-se que não há a convergência total de instituições, cursos e disciplinas, mas a UFCA e a UFES aparecem em ambos os estudos com as mesmas disciplinas.

Na pesquisa dos autores González e Rodríguez (2021GONZÁLEZ, Y. M.; RODRÍGUEZ, A. I. Alfabetização de dados: Projetando um novo cenário de treinamento para o contexto universitário. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 14, n. 1, p. 318-330, jan./abril, 2021. DOI https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.2021.35521. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/35521. Acesso em: 18 maio 2022.
https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.202...
, p. 318, tradução nossa) é proposta a elaboração de uma disciplina voltada para a Alfabetização de Dados visando a instrução básica/inicial que inclui a “[...] identificação, localização, visualização e recuperação de conjuntos de dados, surgindo no contexto de dados abertos e ciência de dados.”

Diante deste cenário, compreende-se que no contexto brasileiro a ação mais assertiva seria incluir o tema “Alfabetização de Dados” no contexto das disciplinas de “Ciência de Dados”. Portanto, a presente pesquisa se propõe a criar uma ementa mais apropriada para a disciplina de “Ciência de Dados” nos cursos de graduação em Biblioteconomia e Arquivologia no Brasil.

Para esta etapa da pesquisa, foram consideradas as ementas das disciplinas analisadas anteriormente dos cursos de Biblioteconomia, Arquivologia e Ciência da Informação; assim como as elaboradas por González e Rodríguez (2021GONZÁLEZ, Y. M.; RODRÍGUEZ, A. I. Alfabetização de dados: Projetando um novo cenário de treinamento para o contexto universitário. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 14, n. 1, p. 318-330, jan./abril, 2021. DOI https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.2021.35521. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/35521. Acesso em: 18 maio 2022.
https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.202...
), proposta 1; e Santos e Sena (2022SANTOS, R. F.; SENA, J. V. M. A Formação do (a) Bibliotecário (a) frente à Ciência de Dados e Gestão de Dados: análise dos currículos dos cursos de Biblioteconomia do Brasil. Revista Brasileira de Educação em Ciência da Informação, São Cristovão, v. 9, n. especial, p. 1-20, 2022. DOI https://doi.org/10.24208/rebecin.v9.308. Disponível em: https://portal.abecin.org.br/rebecin/article/view/308. Acesso em: 8 jul. 2022.
https://doi.org/10.24208/rebecin.v9.308...
), proposta 2, destacadas no Quadro 4.

Quadro 4
Propostas de disciplinas presentes na literatura

Vistas as duas propostas (Quadro 4) já presentes na literatura, será apresentado a seguir, a proposta de disciplina elaborada para a presente pesquisa.

PANORAMA GERAL DA DISCIPLINA:

De início, entende-se que a disciplina deverá ser ofertada como uma disciplina regular de 60hrs/aula na grade curricular, como obrigatória e não como optativa, como já acontece, dada a importância do tema no contexto da Ciência da Informação e da sociedade atual. Compreende-se que a disciplina precisaria contar com carga horária prática e teórica.

ASSUNTOS ABORDADOS E ESTRUTURA:

Os assuntos abordados na disciplina podem incluir o aprofundamento teórico a respeito da Alfabetização dos Dados; produção, visualização, manipulação, armazenamento, recuperação e análise dos dados; Ciência Aberta; introdução à Inteligência Artificial e à Machine Learning; a aplicação da Ciência de Dados na prática bibliotecária e nas unidades informacionais; a ética ao trabalhar com dados; introdução ao uso de ferramentas, software e linguagens de programação, como o Python, o R, e o uso do GitHub; conhecimento das tecnologias disponíveis; um panorama geral a respeito da segurança dos dados. Assim, a disciplina poderia conter o seguinte conteúdo:

  • 1) Introdução à Ciência de Dados/Alfabetização dos dados;

  • 2) Inteligência Artificial e Machine Learning;

  • 3) Criação, preparação e uso dos dados;

  • 4) Manipulação, visualização e análise dos dados;

  • 5) Ferramentas, softwares e linguagem de programação;

  • 6) Uso dos dados na prática bibliotecária, arquivística e científica;

  • 7) Segurança dos dados.

OBJETIVOS DA DISCIPLINA

Dentre os objetivos da disciplina, entende-se a importância em incluir os seguintes pontos:

  • Capacitar os futuros profissionais para que consigam manusear (produzir, visualizar, manipular, recuperar, analisar) os dados no fazer bibliotecário, arquivístico e científico;

  • Dar suporte sobre as tecnologias, ferramentas, softwares e linguagens de programação;

  • Orientar a respeito do uso ético dos dados.

EMENTA DA DISCIPLINA

Dar base teórica a respeito da Ciência de Dados e sua prática no contexto da Biblioteconomia (ou Arquivologia), apresentando para além de conceitos e abordagens, o processo de criação, uso, reuso, visualização e análise dos dados, as ferramentas e tecnologias disponíveis para aplicação, o viés ético do uso de dados pela Ciência da Informação.

Dessa forma, entende-se que a disciplina conseguiria ir para além de aspectos introdutórios da Ciência de Dados, e conseguiria preparar o profissional para trabalhar com dados ao finalizar a graduação. Ressalta-se ainda, que tanto os conteúdos mencionados, como a forma de dividir a disciplina, os objetivos e até mesmo a ementa, são passíveis de serem adaptados para a realidade de cada instituição e considerando as particularidades de cada docente.

Uma vez, que as disciplinas comecem a fazer parte da grade curricular regular, o aumento de pesquisas desenvolvidas cujo os temas estariam voltados para a Ciência de Dados na Biblioteconomia ou Arquivologia, a Alfabetização de Dados, tende a aumentar, isso porque o tema ganha maior relevância na área.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da grande quantidade de dados gerados atualmente e do incentivo no uso e reuso de dados no meio científico, fica evidente que a Alfabetização de Dados, juntamente com a informacional e a digital, deveriam estar presentes em todos os níveis tanto para usuários, mas especialmente para que cientistas e alunos sejam habilitados a extraírem informações relevantes, visualizarem e tornarem os dados mais compreensíveis.

As poucas disciplinas identificadas nos cursos de graduação sobre Ciência de Dados e a falta de literatura sobre a Alfabetização de Dados, identificadas na disciplina feita pelas proponentes, a qual instigou a presente pesquisa, podem estar relacionadas. Isso porque se há pouca produção científica acerca do tema, também pode acontecer de ser pouco explorado e pouco refletido sobre a relevância e a necessidade da Ciência de Dados para o desenvolvimento do profissional da informação, levando a carência do assunto na graduação.

Foi possível observar com o estudo que no contexto brasileiro ainda há pouca literatura trabalhando com a Alfabetização de Dados na Ciência da Informação. Assim, isso pode estar vinculado com a falta de disciplinas, por ser ainda uma abordagem pouco discutida no meio acadêmico da Ciência da Informação, a nível de graduação, ponto que também foi considerado pelos autores Santos e Sena (2022SANTOS, R. F.; SENA, J. V. M. A Formação do (a) Bibliotecário (a) frente à Ciência de Dados e Gestão de Dados: análise dos currículos dos cursos de Biblioteconomia do Brasil. Revista Brasileira de Educação em Ciência da Informação, São Cristovão, v. 9, n. especial, p. 1-20, 2022. DOI https://doi.org/10.24208/rebecin.v9.308. Disponível em: https://portal.abecin.org.br/rebecin/article/view/308. Acesso em: 8 jul. 2022.
https://doi.org/10.24208/rebecin.v9.308...
). Tal formação é importante para o profissional da informação, visto que ao considerar os avanços tecnológicos e a necessidade de conseguir identificar, analisar e trabalhar com dados é cada vez mais importante, alinhando o profissional e o curso com os avanços tecnológicos.

No entanto, deve-se deixar claro, que a intenção de ter uma disciplina que aborde todo o ciclo dos dados, não é formar um cientista de dados, mas sim, dar aporte teórico e prático para que o bibliotecário/arquivista/cientista da informação consiga estar mais preparado para lidar com dados seja no ambiente acadêmico ou no ambiente profissional. Além disso, se as disciplinas fossem ofertadas como “obrigatória” e não “optativa” poderiam despertar nos discentes maior curiosidade e ânsia pelo tema.

Como sugestão para estudos futuros, faz-se necessário desenvolver teoricamente a área, e no que diz respeito a estudos mais práticos, pode-se utilizar a pesquisa de González e Rodríguez (2021GONZÁLEZ, Y. M.; RODRÍGUEZ, A. I. Alfabetização de dados: Projetando um novo cenário de treinamento para o contexto universitário. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 14, n. 1, p. 318-330, jan./abril, 2021. DOI https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.2021.35521. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/35521. Acesso em: 18 maio 2022.
https://doi.org/10.26512/rici.v14.n1.202...
) como norteadora para o desenvolvimento de uma disciplina sobre a Alfabetização de Dados, em âmbito brasileiro

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a CAPES pelo financiamento da pesquisa.

REFERÊNCIAS

  • A lista completa com informações dos autores está no final do artigo
  • FINANCIAMENTO

    Esta pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), nº 88887.830985/2023-00.
  • CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM

    Não se aplica.
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    Não se aplica.
  • PUBLISHER

    Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Editado por

EDITORES

Edgar Bisset Alvarez, Ana Clara Cândido, Patrícia Neubert, Genilson Geraldo, Jônatas Edison da Silva, Mayara Madeira Trevisol.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2023
  • Aceito
    29 Ago 2023
  • Publicado
    29 Out 2023
Creative Common - by 4.0
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